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Muller ligou para Dremmler do gabinete. E disse:
— A divisão do Griezman pediu um favor à minha. O pessoal deles está todo ocupado lá no hotel. Querem que um dos meus agentes vigie a ponte, precisamente no sítio do armazém. Já sabem tudo.
— Não, não sabem — retorquiu Dremmler. — Só sabem que a carrinha está algures ali. Se soubessem exatamente onde, já a tinham. A única coisa que podem fazer é vigiar aquela passagem.
— E de quanto tempo precisas até estares pronto?
— Não sei. Imagino que meia hora pudesse dar jeito.
— Não posso atrasar a coisa meia hora. Isso é uma vida inteira. O Griezman é capaz de ir ver o que se passa. Já não tratei daquela coisa a sul de Hanôver.
— Então quanto tempo me podes dar?
— Nenhum — respondeu Muller. — Supostamente, devia tratar já daquilo.
— Nesse caso, tens algum agente que seja de confiança? — perguntou Dremmler.
— De confiança em que sentido?
— Um de nós, claro. Alguém que possa ser persuadido a revelar-se criterioso naquilo que participa. Para o bem da causa.
— Acho que isso é possível, sim. — afirmou Muller.
— Diz-lhe que o faço chefe-adjunto — ripostou Dremmler.
Reacher conheceu a secretária de Griezman à entrada do gabinete dele. Era de facto uma mulher simpática. Griezman falou com ela num alemão rapidíssimo e a mulher foi saindo a correr e regressando várias vezes, com homens de fato do departamento urbanístico municipal, cada um com maços de mapas, projetos e plantas históricas. Griezman abriu os melhores e mais relevantes em cima da mesa de conferências do gabinete. Um dos mapas dizia respeito à disposição das novas pontes pedonais. Outro era uma folha frágil proveniente dos arquivos, que mostrava como era a zona nos velhos tempos. E outro explicava que se encontrava previsto que o embelezamento daquela área avançasse para fora, com a forma de uma fatia de piza. Sem dúvida que, um dia, esse processo estaria finalizado. Mas não seria para breve. Para já, a ponta final estava bastante bem preenchida, mais uns quantos centímetros, mas há cinquenta anos que não se mexia no grosso da tal fatia, desde que, no pós-guerra, mulheres famintas e esfarrapadas tinham carregado tijolos e fizeram reparações.
Nessa extremidade do parque urbano, havia oito novas pontes pedonais, e a ideia seria obviamente utilizar uma, cheirar o ar, dar meia-volta e voltar de imediato para trás. Mas, caso se quisesse, também havia percursos sinuosos por onde continuar, por velhas pontes de ferro, passadiços, curvas bruscas e desvios. Não faziam parte do parque. Mas uma pessoa podia chegar à cidade fantasma.
Oito pontes pedonais finais. Oito opções para prosseguir caminho, mais umas quantas escolhas entre esquerda e direita e, a seguir, outras tantas. Um efeito cumulativo. Tudo somado, havia perto de vinte itinerários possíveis. Perto de vinte destinos possíveis. Cada um ficava cinco minutos a pé de quarteirões atrás de quarteirões de barracões, garagens e armazéns. Tudo somado, correspondia ao tamanho de uma cidade.
Wiley apanhou o mesmo autocarro no sentido inverso e saiu onde tinha entrado antes. Atravessou a ponte pedonal, mas recorrendo a outro caminho, que o levou a passar por trás de um edifício vizinho, até à esquina, onde pôde ver, escondido, o espaço à frente do prédio dele.
O Mercedes suspeito já lá não estava.
Mas agora, mais próximo de onde ele se encontrava, havia outro Mercedes. Novinho em folha. Um modelo topo de gama. Uma limusina. Muito preta e a brilhar infinitamente de tão polida. Com um motorista de luvas e boné com pala sentado ao volante. Um serviço de luxo, com certeza. Wiley percebia de carros. Um banco, talvez. A dar a um executivo júnior um cheirinho da vida boa. Para o manter ávido. Para o manter na linha. Ou, então, um casal a comemorar um aniversário. Uma ida a Paris. Carros tanto à partida como à chegada. Talvez o tipo tivesse feito alguma asneira. Talvez se estivesse a esforçar.
Wiley saiu de trás do edifício vizinho e avançou até ao átrio do prédio dele. Os elevadores estavam ambos no rés do chão. A meio do dia. Não se passava nada. Subiu até ao nono andar e puxou da chave.
Na berma, o motorista da limusina ligou o rádio e disse:
— O Wiley acabou de entrar em casa. Repito, o Wiley entrou.
— Mantenha a linha de comunicação aberta. Temos de ligar para o Griezman — responderam da central.
Ouviu-se estática e, a seguir, o homem da central voltou a aparecer na linha e anunciou:
— O Griezman disse para ficar aí quietinho e que viria assim que pudesse. Com os americanos. Quatro, ao todo. No carro do Griezman.
— Entendido — respondeu o motorista.
Desligou o microfone e voltou à pose anterior, boné para baixo, nariz levantado, mãos bem altas no volante, embora o carro estivesse parado e desligado.
Wiley abriu a porta amarela com a chave e entrou. Foi direto ao quarto pegar na mala. E daí para a cozinha. Dobrou o mapa pelos vincos originais, alisou-o e guardou-o no bolso da mala. Com a capinha de papel do agente de viagens. Com o bilhete de avião. Pegou no telefone e ligou para Zurique. Indicou o número de código.
E voltou a perguntar:
— Já houve algum depósito na minha conta hoje?
Ouviu matraquear num teclado.
Houve uma pausa.
E a resposta voltou a ser:
— Ainda não, senhor.
Wiley pousou o auscultador.
E depois ficou parado um segundo. A olhar em redor. Teve uma sensação esquisita. Havia uma perturbação no ar. Tinha acontecido qualquer coisa.
O quê?
E o que importava isso? Nunca lá iria voltar. Fechou a porta ao sair e dirigiu-se para o elevador. Que se abriu de imediato. Tinha ficado ali à espera. Para poupar energia, calculou. Os alemães adoravam essas coisas.
Carregou no botão, as portas fecharam-se e desceu até ao átrio. Lá fora, avançou para o caminho e virou em direção à água. Em direção ao velho guindaste e às pontes pedonais que vinham a seguir.
O motorista da limusina ligou novamente o rádio, cheio de pressa, e disse:
— O Wiley está outra vez cá fora. Repito, o Wiley saiu outra vez de casa. Esteve lá dentro menos de cinco minutos. E agora está a afastar-se de mim, com uma mala.
Da central retorquiram:
— O Griezman e os americanos estão neste momento a caminho. Consegue segui-lo?
— Não. O Wiley vai por um caminho para peões e eu estou num carro com dois metros de largura.
— E não o pode seguir a pé?
— Só posso exercer funções que impliquem veículos. Por uma questão de incapacidade. Magoei-me nas costas.
— E consegue ao menos ver para onde ele está a ir?
— Está a caminhar na direção de um velho guindaste de um estaleiro.
— E a que distância ele está neste momento?
— A uns duzentos metros.
— E não há sinal do Griezman?
— Ainda não.
Griezman estava preso no trânsito. Uma amolgadela no cruzamento cercado pelos edifícios altos de tijolo. Subiu para o passeio e foi avançando nesga a nesga, pelos poucos espaços que ia descobrindo. Sinclair encontrava-se ao lado dele, à frente. Reacher e Neagley iam atrás. Por essa altura, já se encontravam mais impacientes do que ansiosos. Até que, por fim, conseguiram virar, contornando a nova rotunda, parando atrás da viatura de vigilância e recebendo a notícia do próprio motorista.
— Há quanto tempo? — perguntou Griezman.
— Há dez minutos.
— Já se foi.
— Com a mala — acrescentou Sinclair. — O que quer dizer que não vai voltar.
Reacher olhou em frente, para o velho guindaste e para o que havia depois. Vinte itinerários. Vinte destinos. Quarteirões atrás de quarteirões de barracões, garagens e armazéns. Tudo somado, correspondia ao tamanho de uma cidade.
— Ninguém teve culpa — afirmou Reacher. — De certeza que imaginámos todos que ele tinha vindo almoçar a casa. Tínhamos direito a contar com, no mínimo, trinta minutos.
— Você está muito animado — retorquiu Sinclair.
— O tipo está numa ilha artificial, com uma só estrada para sair de lá. A situação está controlada. Agora, tudo o que precisamos de fazer é descobri-lo e apanhá-lo. E o mais provável é encontrarmo-lo com o veículo. Dois coelhos de uma cajadada, logo aí. Continuamos na nossa maré de sorte.
— Chama a isto sorte?
— No fundo, isso depende do que acontecer a seguir.
— Aquilo é uma área muito grande. Há vinte possibilidades de lá entrar.
— Vinte possibilidades de lá sair — corrigiu Reacher. — E apenas uma de lá entrar. Porque é uma área muito grande. Ele deve tê-la inspecionado de carro. De certeza que ganhou uma autorização de quatro dias de cada vez que se voluntariou para o armazém, o que lhe teria dado tempo mais do que suficiente para fazer o reconhecimento, mas, mesmo assim, estava a vir da zona de Frankfurt. Iria precisar de um carro. Alugado ou emprestado. Ou roubado, suponho. Portanto, pense nisso do ponto de vista dele. Um dia, o tipo vai precisar de esconder a carrinha. Entra pela ponte de metal. E o que se põe a procurar?
— Não sei.
— Não será da primeira coisa que vê. Estamos a falar de um assunto muito importante. Por essa altura, o tipo já está superconcentrado, mas também a ouvir o subconsciente. Quer secretismo e isolamento. Quer um cantinho escuro e furtivo. Acima de tudo, não quer dar nas vistas. Não quer estar mais perto nem mais longe, nem no maior ou no mais pequeno.
— Quer estar no meio.
— E agora já não estamos a falar de uma área tão grande. Acabámos de a reduzir.
Neagley acrescentou:
— E iria querer uma construção sólida. E que tivesse um número de telefone ativo por onde a pudesse arrendar. Não se iria armar em ocupa. Muito pouco seguro para um assunto tão importante. Poderia acontecer tudo e mais alguma coisa. Iria querer tratar disso cara a cara. Com um maço grande de dinheiro. E iria deixar que lhe sacassem um bocadinho mais do que o necessário. Como se fosse um pacóvio. Porque assim passaria a ser a galinha dos ovos de ouro. E assim deixá-lo-iam em paz, na esperança de lhe conseguir extorquir mais alguma coisa quando o arrendamento chegasse ao fim. Portanto, estamos à procura de uma porta sólida, com um número para ligar a pedir informações preso com um pionés.
— E agora já reduzimos um bocado mais a coisa — completou Reacher.
— Ainda não houve nenhuma decisão da Casa Branca — retorquiu Sinclair.
— E porque será?
— Talvez as complexidades ultrapassem a compreensão humana. Ou talvez ainda não tenham admitido ao mundo o que aconteceu. Por ser demasiado embaraçoso. Na expectativa de que, entretanto, o problema desapareça, graças a nós.
— E qual delas é que é?
— Tenho a sensação de que devia saber. Mas não sei.
— Acho que é a segunda. O meu palpite é que querem que continuemos.
— Está a defender uma ação imediata?
— Vamos lá estacionar o carro na ponte — respondeu Reacher. — Vamos fazer pelo menos isso. E depois vemos o que acontece a seguir.