Onde está? Onde diabo meti a lista? Ah, está aqui a lista, a lista oficial das nomeadas para a categoria de falecidas.
E a primeira vencedora é: Mariana Chubichuba. Começo por esta infeliz contemplada, a nossa Mariana, a primeira que vou passar a limpo. Começo por ela porque é a mais fulana de todas. Ah, Mariana, Mariana, sempre foste a primeira. Agora, serás a primeiríssima.
Aqui entre nós, vos digo, a cabra foi a primeira a fazer sabem o quê? A trair-me. A trair-me, ainda por cima com outro. Pois vai sofrer como me fez sofrer com esse maljeitado, esse marreco da barriga, esse pernilento. Já sei: todos dizem que não se deve fazer pouco de um aleijado. Mas desse gajo hei de fazer não é pouco. É nada. Esse tipo não tinha apenas uma perna mais curta: tinha as duas pernas mais curtas, tinha tudo mais curto. Tudo curtinho, aquilo nem chegava a ter tamanho, nem dimensão.
Quem teve tamanho, e tamanho grande, foi a minha humilhação. Agora vou vingar essas velhas mágoas… Essa Mariana vai ver o que é ter o coração partido. E pior: Mariana tem de sofrer por antecipação. Vou ligar-lhe por telefone a anunciar as medidas de retaliação.
E vai ser agora.
Atende lá ao celular, querida, enquanto ainda pode. Alô? Mariana? Aqui é o… Espera lá, não me reconheces a voz? Não? Aqui é o… Não acredito, é o Bal… Ah, viste como me reconheceste?! Pois, sou eu, atual e completo. Tou porreiro, e tu, como estás? Continuas com esse lambiscoiso do… Ah? O quê? Morreu? Não me digas! Mas morreu como? Então, olha… O que é isso, estás a chorar? Mariana, Mariana… Pelo amor de Deus…
Estou tramado, esta gaja está-me para aqui em prantos. Daqui a nada sou eu que estou a chorar… Em lágrimas pelo sacana que me pôs um par de cornos…
Vá lá, Mariana, não chores, pelo amor de Deus não chores. A vida é assim, mais cedo ou mais tarde… Espera. O quê? O que estás a dizer? Não, isso nunca. Suicidar? Nem penses nisso, Mariana. Isso não, por favor… Olha, escuta uma coisa. Escuta bem, ainda não te vi, mas com toda a certeza que, assim viuvinha, ainda ficas mais nova e mais bonita. Disparate? Tenho a máxima certeza de que estás lindíssima, é só secar as lágrimas e dar uma luzinha a esse belo rosto… Mariana, falo verdade, a mim me excitam as viúvas, a viuvez só acrescenta graça na mulher, é uma espécie de segunda virgindade… Estou-te a dizer… Como estou?
Coitadinha, assim destroçada e ainda quer saber de mim.
Bem, não sei, tenho umas dores no peito, mas não me posso queixar, ao menos ainda tenho peito… Cof-cof… O que venho fazer a Xigovia? Venho… Venho matar. Bom, matar… matar saudades. Se tive saudades tuas? Bom, saudade não é coisa para macho como eu. O quê? Fala, não ouvi… Esperar um pouco? Claro que espero.
Já viram esta merda? Eu venho aqui para matar esta tipa e quem morreu foi o sacana do marido e agora sou eu que estou aqui a pagar créditos. E já estou por aqui a queixar-me das minhas dores, elas adoram ficar nesse papel de mãezinhas. Isto não está a ir por um bom caminho, isto tem de acabar o mais rápido possível. Pensando bem, é melhor que o chichudinho dela tenha batido as botas, assim ganho coragem e quando ela vier ter comigo confesso logo os motivos da minha visita. Falo assim: “Cara Mariana, o motivo da minha chegada é a tua partida deste mundo”. É isso que vou falar e tem de ser logo, logo, porque já estava por aqui a amolecer com lágrimas e temperos de vozinhas doces, grande cabra que me traiu com esse caneco todo brilhoso, ganhei uma testa excedentária que andei meses à sombra, sem viver, só não me matei porque andava distraído, grande puta já vais ver, fiquei com duas saliências na testa, mas tu vais ficar com dois buracos no alto do crânio…
Tá? Sim, estou aqui.
É ela, é ela outra vez ao telefone. Agora, calma, Baltazar, não te deixes enrolar.
Olha Mariana, o assunto é sério, eu… Deixa-me falar. Mariana… Como? Queres que eu suba? Espera lá: o subir é para quê? Para te acompanhar? Mas onde? Ao cemitério? Espera, é que tenho um buraco… Um buraco no sapato. E faz-me coxear, não quero que me vejas a coxear, pareço o… pareço um coxo. Mas pronto, posso andar. Pensando bem, faço um sacrifício e se calhar até te levo para o cemitério. Mas desculpa a curiosidade: ir ao cemitério fazer o quê? Acompanhar-lhe, sim, fale, estou a escutar…
Quer companhia para ir pôr flores no cemitério… Será que vou? Se calhar, vou. Só para o cabrão do falecido pernalhudo nos ver outra vez juntos, eu e Mariana, de braço dado, quem sabe o gajo se roa de ciúmes lá desse outro lado, onde não chove. Eu acho que vou… E, quem sabe, o melhor sítio para a matar é no cemitério, a tipa já fica mortinha no lugar devido, é só empurrar para a cova e ela cai semeadinha…
(Um objeto volumoso tomba do prédio e quase cai em cima de Baltazar, que, assustado, rodeia o pacote, em curiosa inspecção.)
Eh pá, o que é isto? A puta queria me matar! O que é isto? Roupa, um terno, camisa, sapatos. Espera lá, que brincadeira… Mariana, que brincadeira é esta? Que roupa é esta? O quê? Era o meu terno. O terno da nossa cerimônia? Não diga… Você guardou tudo isso até agora. Não acredito.
Ela diz que não há noite que não visite o guarda-roupa, não há noite que ela não cheire a minha roupa. Dá para acreditar?
Desculpe, Mariana, tem de repetir, que eu não escutei bem…
Ela ainda se lembra da primeira noite… Diz que nunca houve mais nenhuma noite assim, nunca mais… Vocês viram? Não dá, não dá para aguentar. Eu não posso…
Está, Mariana? Afinal, eu não posso ir consigo ao cemitério. Não, não posso, tenho uma coisa urgente para fazer, depois volto. O quê? Não, nesta noite, não, não será nesta noite, volto depois, amanhã, não sei, outro dia…