Meu nome é Mariana Chubichuba. “Tem muito mar no teu nome”, era o que meu falecido marido, Armelindo Perna Cardante, vivia repetindo. Dizia, rindo: “Só quero a alegria de morrer nesse mar”. Morreu como queria, numa noite de loucos namoros, eu me transmudando em águas, e ele se afogando em mim. Mar é mãe, viemos todos do mar, havemos de voltar ao mar. Nós, as mulheres, sabemos disso melhor do que os homens. Grávidas, geramos no ventre um pequeno oceano oculto, e nesse mar é que cresce o fruto bendito. Eu, sou sincera!, teria preferido que o meu doce Armelindo soubesse nadar. Armelindo: meu ar, meu mel, meu lindo. Meu perna torta também, e então? Com sua perna torta, andava mais direito do que muitos homens. E como dançava! Tem homens que, se pudessem, entortariam a perna para conseguirem dançar como ele. Esse que me inaugurou, por exemplo, Baltazar Fortuna. Minha avó, a velha Serena Bentinha, costumava dizer que o nome dá o ser. Acreditei no nome dele, Fortuna, e afinal saiu-me a pobreza. Erro meu. Então ele me reapareceu, aqui em Xigovia, estando já eu bastante viúva – o próprio Balta Azar, como lhe chamavam os amigos. E ainda me diz, com falinhas mansas, mansinhas falansas, que viuvez é uma espécie de segunda virgindade. Estava a querer me inaugurar de novo, cortar a fita e cantar o hino, o canalha. Vieram-me aos olhos lágrimas de raiva. Lembrei-me de quando ele me deixou num desvão de escadas, nas mãos de uma velha abortadeira cega a quem chamavam Madre Puríssima e que acho que foi realmente madre antes de se apaixonar por um padre e se desgraçar e, depois, se tornar abortadeira. Voltei para casa sozinha, mas nessa noite passei muito mal. Sangue, sangue. Vi a morte abrindo as suas negras asas sobre mim. Quem me salvou foi um meu vizinho, Arlindo Perna Cardante, enfermeiro, que ouviu meus gemidos, me prestou socorro e me levou ao hospital.
Arlindo era caneco – goês de Anjuna. Não sei onde fica Anjuna nem sei bem onde fica Goa, mas imagino um jardim verde cheio de anjos. Arlindo era quase um anjo, excepto na cama, em que se transformava num verdadeiro diabo. Esse é o homem ideal, anjo da cintura para cima e diabo da cintura para baixo.
Por causa daquele aborto, nunca mais meu corpo aceitou semente de homem. Só para Armelindo eu era ainda o mar. Agora que ele morreu eu sequei. Não há pior destino para uma mulher. Então me veio uma raiva, peguei o que tinha à mão, uma trouxa com roupa do Baltazar, que eu tinha guardado para queimar, azar, má fortuna, amor cadente, e joguei pela janela, mas infelizmente não acertei nele. Caiu ao lado. Me ocorreu então convidá-lo a visitar o cemitério onde está dormindo Perna Torta. Queria matá-lo ali, quem sabe a presença de meu marido me daria força. Escolhi uma faca afiada e escondi-a na bolsa. Achei que no cemitério ganharia coragem. E depois seria só empurrá-lo para uma cova. Cova é o invés de um ovo: um se guarda para a vida, a outra se abre para a morte. Ninguém daria por nada. Na manhã seguinte, quando o encontrassem, iam pensar que era algum morto em fuga, que os há tantos por aqui, e enterrá-lo-iam convenientemente, talvez com uma âncora presa aos pés, como se faz aos velhos marinheiros, para impedir que voltasse a escapar.
Mas então Baltazar recuou… Que não podia ir comigo, que afinal tinha um afazer urgente, logo ele, que nunca teve afazeres, só desfazeres, e marcou para outro dia – para dia nenhum. Suponho que suspeitou das minhas intenções, acovardou-se e fugiu. Ah, mas sei que volta. Os homens são como os louva-a-deus machos, a gente pode até mostrar a faca com que os iremos matar, mas, se lhes mostrarmos ao mesmo tempo um pouco da perna, uma pontinha do seio, eles vêm logo. Vêm sempre, mesmo sabendo do fim que os espera. Sexo para os homens é o fim; para nós, mulheres, é apenas o princípio.
Entretanto, vou afiando a faca.