CENÁRIO: A margem do Nilo próxima a Tebas.
TEMPO: Oito anos depois.
Três mulheres estão lavando roupas no rio. O Sumo Sacerdote, Meriptah, está recostado contra uma palmeira enrolado em seu manto, sua cabeça raspada está escondida por um capuz. Aparentemente está adormecido.
Primeira Mulher: Alguma novidade?
Segunda Mulher: O preço da farinha subiu.
Primeira Mulher: De novo?
Segunda Mulher: Sim, e a barriga do meu velho leva um tanto para encher...
Velha: Tudo está mudado hoje em dia, não é como costumava ser nos bons tempos. A gente não consegue nem comprar um escaravelho para colocar nos mortos.
Primeira Mulher: Já sabem da última sobre a cidade nova?
Segunda Mulher: Não.
Primeira Mulher: Fizeram um entalhe majestoso com o rei e a rainha se beijando.
Velha: Não!
Primeira Mulher: É verdade! O irmão da esposa do meu filho viu com os próprios olhos.
Velha: Aonde o mundo vai parar! Cadê a decência, cadê a religião! Olhem para a rainha antiga. Ela, sim, tem dignidade. Ninguém daria de cara com ela vestida nesses trapos fininhos e se mostrando aqui, ali e em todas as partes como a nova rainha faz.
Segunda Mulher: Ela anda com o rei na carruagem dele em ocasiões públicas, de mãos dadas.
Primeira Mulher: Não!
Segunda Mulher: É, sim. O quarto cocheiro contou para o meu tio.
Velha: Que nojo.
Primeira Mulher: Me diga, é verdade ou é fofoca que o rei ainda não tem outras esposas, só a Rainha Nefertiti?
Segunda Mulher: É a pura verdade. O cocheiro contou para o meu tio bem isso. Todo mundo está comentando.
Velha: Não tem nenhuma mulher no harém dele?
Segunda Mulher: Não.
Velha: E é pra ser um Grande Rei! Aonde é que o mundo vai parar!
Primeira Mulher: Uma única mulher! Eu sei o que meu marido diria disso. Ele diria... (Cochicha para a Segunda Mulher. As duas riem.)
Velha: Tenham cuidado.
Primeira Mulher: Ah, não tem ninguém aqui para nos ouvir.
Segunda Mulher: E o rei não deve ser lá muito homem, se tem uma mulher só!
Primeira Mulher: Queria ver meu marido tendo só uma, se fosse rei! Teria pelo menos trezentas! E trezentos filhos no ano seguinte!
Segunda Mulher: Ah, nós sabemos como o seu marido é um leão, um touro!
Velha: Falando em touros (baixa a voz), os touros sagrados de Mnevis foram abolidos.
Segunda Mulher: O quê?
Velha: Não se pode mais criar touros sagrados. (Balança a cabeça.) Tempos malévolos... tempos malévolos. Ninguém mais se importa com a religião.
Primeira Mulher: E também há perseguição aos templos.
Segunda Mulher: Sim, nosso pai Amon costumava olhar por nós. Agora não temos nenhum Deus.
Velha: É o que o meu velho diz. O sol não é um deus, ele diz. Esteve sempre lá.
Primeira Mulher: E de toda forma não temos permissão de adorar ao sol. Isso também está errado. Só ao calor que está dentro do sol ou alguma bobagem desse tipo.
Velha: Isso não faz sentido!
Segunda Mulher: Claro que não faz.
Velha: O mundo está enlouquecendo.
Primeira Mulher: Acha que é verdade?... (Olha ao redor.)
(O Sumo Sacerdote ronca.)
Segunda Mulher: O quê?
Primeira Mulher: A antiga história sobre a rainha, de que ela não tinha filho, então esse menino foi contrabandeado e não era filho do rei coisíssima nenhuma. Que o pai verdadeiro dele era um jovem sacerdote de Rá.
Segunda Mulher: Essa história eu nunca ouvi.
Velha: Pode ser verdade.
Primeira Mulher: Dizem... (Sussurra.)
Segunda Mulher: Bom, eu ouvi que... (Sussurra e dá risadinhas.)
Velha: Cuidado. Vão conseguir que cortem o nariz de vocês e rasguem suas orelhas por dizerem essas coisas.
Primeira Mulher: Ah, hoje em dia a gente pode fazer o que quiser! Ninguém liga. Se suas ovelhas são roubadas, não tem ninguém para a gente reclamar. Podem até tomar suas peles e trapacear com as hortaliças.
Velha: É uma desgraça!
Segunda Mulher: Dizem que o Baixo Egito não está tão ruim.
Primeira Mulher: Não, porque lorde Horemheb é o governador de lá, e ele não deixa nada barato.
Segunda Mulher: Ah! lorde Horemheb. Esse, sim, é homem.
Velha: Um homem de verdade, como nos velhos tempos.
Primeira Mulher: Ele é tudo que um vizir do rei deve ser.
Segunda Mulher: E ele é tão bonitão.
Primeira Mulher: Todo mundo tem medo dele. Ninguém consegue enganá-lo. Sabe tudo que acontece em todo lugar.
Velha: Era assim que eles costumavam ser. Respeitavam os deuses.
Primeira Mulher: (levantando e recolhendo a roupa lavada) Bem, é o que é. Seria divertido se fôssemos damas e cavalheiros na corte. Eu me imagino andando de carruagem, com um vestido de musselina e fitas. (Faz pose.)
Velha: Seu marido logo a arrancaria de você se experimentasse uma roupa daquelas. Ele é um homem decente.
Segunda Mulher: Dizem que é de assustar o que acontece na corte. As danças e a nudez!
Primeira Mulher: Não me diga.
Velha: (juntando a sua trouxa) Vivemos numa época de grande maldade. Não sei como isso vai terminar.
(As três mulheres saem pela E, quase colidem com Ptahmose, que está entrando. Ptahmose está vestido de maneira simples, como um indivíduo civil, não como sacerdote. O Sumo Sacerdote se mexe, espera um momento, então tira o manto e capuz revelando sua cabeça raspada. Ptahmose o saúda com reverência, se curvando bem baixo.)
Sumo Sacerdote: Saudações, meu filho, Ptahmose.
Ptahmose: Saudações a vós, Vossa Santidade. Achei melhor não me aproximar até que aquelas mulheres partissem.
Sumo Sacerdote: Uma demonstração de sabedoria. É um bom local de encontro, sem ouvidos nos espionando. Além disso, a conversa das mulheres, embora tola e ignorante, serve por vezes como um valioso guia. As mulheres, meu caro Ptahmose, representam de maneira muito adequada o que podemos chamar de força da opinião pública. Lembre-se disso.
Ptahmose: Lembrarei, Santidade.
Sumo Sacerdote: E agora, que notícias nos chegam dessa nova e principiante Cidade do Horizonte?
Ptahmose: (apresentando um rolo de papiro) Trago isto aqui, em segredo, direto da Sua Alteza Nezzemut.
Sumo Sacerdote: (desenrolando) E o que me diz de você?
Ptahmose: Não há nenhuma suspeita de que eu não seja quem digo ser, um jovem escultor ansioso para encontrar o sucesso na nova arte que o rei fundou. Sua Senhoria Bek, o chefe dos escultores reais, tem me favorecido e elogiado meu trabalho. Minha posição está estabelecida.
Sumo Sacerdote: Até aqui tudo bem. (Lê o papiro, então, pensativo, enrola-o de novo.) Então a Rainha Nefertiti teve mais uma filha?
Ptahmose: Sim, Santidade.
Sumo Sacerdote: (ensimesmado) Um sinal evidente da raiva de Amon. Acho que posso confiar no povo da Cidade de No Amon para entender dessa forma. (Reflete um instante.) Na Cidade do Horizonte, eles mantêm uma vigilância rigorosa para possíveis espiões?
Ptahmose: (sorrindo) Oh, não, meu senhor. Não estou correndo perigo nenhum.
Sumo Sacerdote: Eles consideram, não é, que o poder de Amon e de seus sacerdotes foi rompido?
Ptahmose: Com toda a certeza.
Sumo Sacerdote: Como são simplórios e tolos os jovens! A velha rainha não teria sido tão ingênua. É por isso que escolhi nosso ponto de encontro aqui no Nilo. Na cidade, os ouvidos da Rainha Tyi ainda estão ativos. (Estuda de novo o papiro.) O que me diz em relação ao jovem e nobre Tutankhaton?
Ptahmose: Tutankhaton? Está prometido a Ankhepaaton, a segunda filha do rei.
Sumo Sacerdote: E como é o garoto?
Ptahmose: Não passa de um menino, um moleque simpático de temperamento animado e afetuoso.
Sumo Sacerdote: É muito devotado a Akhenaton?
Ptahmose: Ah sim, Santidade. É um culto entre esses jovenzinhos, adorar a Akhenaton.
Sumo Sacerdote: Diria que Tutankhaton tem tendência a ser muito firme em suas opiniões?
Ptahmose: (hesitante) Firme? Não saberia dizer, Santidade.
Sumo Sacerdote: A dama real Nezzemut diz que Tutankhaton é um grande admirador de Horemheb.
Ptahmose: É verdade. Está na idade de adorar os heróis.
Sumo Sacerdote: Horemheb sempre inspiraria a juventude. Tem o dom da liderança. Ele segue com grande prestígio junto ao rei?
Ptahmose: Mais do que nunca. Ao lado do rei ficam sempre o sacerdote Ay e lorde Horemheb. Não só este último é comandante de todos os exércitos egípcios, mas o rei agora o fez governador do Norte e de todo o Baixo Egito.
Sumo Sacerdote: Horemheb... Horemheb... o único homem de habilidade extraordinária no Egito, um soldado nato, um líder natural entre os homens. Um homem criado na fé de Amon e, ainda assim, não está conosco, mas contra nós.
Ptahmose: Não seria possível, Santidade, oferecendo-se uma rica recompensa... (Faz uma pausa significativa.)
Sumo Sacerdote: Aprenda a conhecer os homens, Ptahmose. Um homem que vale comprar em geral não se vende. É assim com Horemheb. Tentar por esse caminho seria desastroso.
Ptahmose: Foi uma sugestão tola de minha parte.
Sumo Sacerdote: (quase que para si mesmo) Um homem indiferente às mulheres... e, no entanto, atraente para elas... (Olha pensativo para o papiro.) No que diz respeito à princesa real Nezzemut, mantenha total discrição, Ptahmose. Não deixe que se pense que existe qualquer comunicação privada entre vocês.
Ptahmose: Mantemos um cuidado total. Por sorte, estou empregado no entalhe de um relevo mostrando a princesa com suas duas anãs, Para e Reneheh. Então as oportunidades para conversar surgem naturalmente. Outras comunicações se dão por intermédio de Para, que é devotada à sua ama e absolutamente leal.
Sumo Sacerdote: Isso é bom.
Ptahmose: (suspirando) São dias ruins para Amon. A cada hora, pioram. Às vezes, na Cidade do Horizonte, meu coração pesa dentro do meu peito. Esse novo culto ímpio floresce e se espalha pela terra do Egito e estamos impotentes.
Sumo Sacerdote: É jovem e impaciente. Julga pela superfície das coisas. O poder de Amon não está diminuído por trabalhar em segredo nos subterrâneos. Embora os oitos grandes templos do Deus estejam esquecidos, embora nossas terras e tesouros tenham sido confiscados, o poder de Amon ainda assim não foi desfeito. Amon ajusta tudo para seus próprios fins, a ambição e o ciúme das mulheres, o culto ao herói da juventude, a arrogância descuidada de um rei renegado. Amon não aceita deboches, Ptahmose. Os sacerdotes de Amon podem trabalhar na escuridão tanto quanto na luz. Deixe que o jovem tolo decore e embeleze a cidade dele. A última palavra ainda está por vir.
CAI O PANO