CENÁRIO: O pavilhão do rei na Cidade do Horizonte.
TEMPO: Seis meses depois.
É uma estrutura leve e espaçosa com decoração alegre em cores que representam aves e vida animal. Há grandes vasos de faiança colorida. Há uma entrada à E. À D há uma galeria com vista para o rio. Há um longo divã na DB. Há um estrado elevado ao centro. Sobre ele, Nefertiti está posando. Há cadeiras douradas e bancos sobre o estrado. Na EB, Akhenaton está colocando os toques finais de cor na famosa escultura da cabeça de Nefertiti. Ele está vestido de forma simples com um traje de linho.
Akhenaton: (Dando um passo para trás e olhando demoradamente de Nefertiti para o busto.) Assim... e assim... (Volta e acrescenta um toque final de cor. Então meneia a cabeça.) Não posso fazer mais nada.
Nefertiti: (baixinho) Está terminada?
Akhenaton: (desencorajado) Está... está.
Nefertiti: Posso ver? (Akhenaton não responde. Ela desce até o lado dele.)
Oh! (Engole o ar bruscamente.)
Akhenaton: (dando as costas) Não posso mexer mais. Não é o que tive a intenção de fazer. Não foi isso que visualizei.
Nefertiti: Mas é linda... linda...
Akhenaton: Não, não, está toda errada... toda errada... (Num ataque de nervos artístico, ele anda de um lado para outro.)
Nefertiti: (doce) Você sempre repete isso, e não é verdade.
Akhenaton: Não entende. Não foi o que eu vi aqui. (Toca sua cabeça) Se soubesse, se você soubesse, teria sido... teria sido. (Gesticula em vão tentando se expressar.) Vou quebrar o busto...
Nefertiti: (parada entre ele e a escultura) Não, não. Eu te proíbo. (Ela sorri um pouco, seu tom é de quem fala a uma criança.) Não quero ver minha linda cabeça destruída. Espere até que Bek veja. Escute o que ele tem a dizer.
Akhenaton: Bek... Bek. Ele elogia tudo que eu faço. Oferecer elogios a um rei... a única opção de comportamento inteligente.
Nefertiti: Não Bek. Bek não é assim. Alguns dos outros sim. Mas Bek é sincero.
Akhenaton: Pois digo que não posso nem olhar para isso.
Nefertiti: (cobrindo com um pano) Não vai mais olhar de novo até amanhã, ou mesmo só daqui uns tantos dias. Você é sempre igual. Todos os artistas são assim, estão sempre insatisfeitos com o que fizeram assim que concluem a obra. (Pensativa.) Até me parece estranho. Se eu tivesse feito algo bonito, ficaria tão feliz. Correria por tudo e bateria palmas, chamando a todos e dizendo: “Olhem, olhem, não é lindo?”. (Akhenaton sorri para ela, consolado e indulgente, ela fala com súbita melancolia.) Mas não sei fazer coisas.
Akhenaton: (com suavidade) Não precisa. Você é a própria coisa.
Nefertiti: Que coisa?
Akhenaton: A beleza...
Nefertiti: (balançando negativamente a cabeça) Ah, não. A beleza está nos seus olhos, na mente, no seu coração, nas suas mãos. Há milhares de mulheres mais lindas do que eu no Egito.
Akhenaton: Para mim, existe apenas uma única linda mulher, Nefertiti.
Nefertiti: (levantando a ponta do pano e espiando a escultura) Sim, estou vendo. (Olha para suas mãos.) Deve ser estranho... confeccionar algo. (Move as mãos de forma experimental.)
Akhenaton: As lindas mãos de Nefertiti ao colocar o Aton para dormir no poente com sistros de pedras preciosas. Vou modelá-las em argila, as lindas mãos de Nefertiti (se afunda no sofá), mas não agora... estou cansado demais. (Fecha os olhos. Depois de um minuto, abre, olha para ela.) O que foi? Algo a entristece?
Nefertiti: Estava pensando que não consigo sequer produzir... um filho. (Fala com profunda e constrangida amargura.)
Akhenaton: (meio que levantando) Minha amada.
(Nefertiti corre até ele e se ajoelha ao lado do marido, chorando.)
Nefertiti: Cinco filhas, cinco filhas... e nenhum filho para usar a dupla coroa.
Akhenaton: Não... não faça isso. Nossa felicidade é tão grande... não deixe que nada a obscureça. Será que conseguiríamos amar um menino mais do que amamos a nossa pequena Meryaton, nossa Ankhepaaton...
Nefertiti: Mas eu deveria ter lhe dado um filho... um filho homem! Sabe o que dizem as pessoas na cidade?... (Baixa a voz.) que é a fúria de Amon.
Akhenaton: Dizem isso aqui, na Cidade do Horizonte?
Nefertiti: Não, não. Digo na velha cidade, a Cidade de No Amon.
Akhenaton: (rindo) Ah, isso, naturalmente os sacerdotes de Amon têm de dizer e fazer o que podem. O poder deles foi rompido, o tesouro confiscado e dado ao serviço do meu Pai Aton, naturalmente eles correm de um lado a outro bufando rancor e maldade. O que se pode esperar de um escorpião senão uma picada? (Faz um gesto.) Não dê importância.
Nefertiti: Mas o povo... as pessoas acreditam neles.
Akhenaton: (confiante) Só os muito velhos e burros... aqueles que serviram Amon por tempo demais para mudar. Dia a dia o amor de Aton fica mais claro para meu povo. (Sonhador.) Eu lhes dei a vida em vez da morte, liberdade em lugar das amarras da superstição, beleza e verdade em lugar da corrupção e exploração. Os velhos tempos ruins se foram para eles. A luz de Aton se ergueu, e podem viver em paz e harmonia, livres da sombra do medo e da opressão.
Nefertiti: Acha... acha mesmo que eles se dão conta disso?
Akhenaton: São bastante ignorantes (sorri), suas mentes andam devagar, mas quem nesta terra preferiria a escravidão à liberdade?
Nefertiti: (se retraindo e franzindo o cenho) Horemheb não pensa da mesma forma que você.
Akhenaton: (com afeto) Horemheb sempre pensa o pior, abençoada seja aquela expressão solene dele. Crocitando sem parar, esse é Horemheb!
Nefertiti: (enciumada) Como você adora aquele homem.
Akhenaton: Por que você não gosta dele, Nefertiti?
Nefertiti: (devagar) Ele... não gosta de mim.
Akhenaton: Não, não.
Nefertiti: Sim, ele não gosta. Ele menospreza as mulheres.
Akhenaton: Pode ter seus motivos para fazer isso. Um soldado não costuma ver o melhor lado das mulheres. Faz parte do treinamento deles enxergar nelas um espólio, nada além disso.
Nefertiti: (persistente) Por que gosta tanto dele? Vocês não têm nada em comum. Não partilham das mesmas ideias. Ele nem sequer acredita no seu Deus. No coração dele, ainda é um adorador de Amon.
Akhenaton: Não, não, Nefertiti.
Nefertiti: É verdade, estou dizendo.
Akhenaton: (pensativo) De certo modo, quem sabe. Horemheb é muito leal às ideias. Cresceu à sombra de Amon e vai levar um bom tempo para ele se desfazer disso. O que o avô dele pensava na época de Amenhotep II basta para Horemheb. (Fala com depreciação e ternura.) É estranho, mas gosto dele mesmo assim. Nem para agradar seu rei e amigo vai fingir algo que não sente. Existe algo de verdadeiro em Horemheb. E apesar de toda a obstinação, não é tolo. Contanto que não seja uma questão que exija imaginação, ele é muito perspicaz. E também tem um corpo magnífico, como o ferro. Sempre admirei isso. (Uma pausa durante a qual podemos ver, pela expressão de Nefertiti, que ela entende a pungência da pausa. Akhenaton tem uma consciência precisa de sua fragilidade física.) Ah, ele é um bom camarada dos pés à cabeça, verdadeiro, forte, vivo. Não há como não gostar dele. Todo mundo gosta!
Nefertiti: Já reparou nisso, a forma como as pessoas o celebram nas ruas? Dizem que ele é idolatrado no Baixo Egito.
Akhenaton: Querido Horemheb. (Olha na direção do busto.) Devemos mostrar a ele sua cabeça. Sempre gosto de mostrar esculturas e pinturas para Horemheb! Ele fica tão sem graça e não sabe o que dizer. Vamos chamá-lo. (Está para bater palmas, mas Nefertiti o impede.)
Nefertiti: Espere... há uma coisa... (Akhenaton olha para ela, surpreso. Ela levanta e fica parada, nervosa.) Preciso falar, preciso... e você precisa me ouvir.
Akhenaton: (sentando-se com uma expressão grave) Estou ouvindo.
Nefertiti: (desesperada) Você é o Grande Rei, e eu não lhe dei um filho homem. Se você tomasse minha irmã, Nezzemut, como esposa, ela também tem sangue real, se ela lhe desse um menino... (Interrompe quando Akhenaton levanta e a faz calar com um gesto imperial.)
Akhenaton: Nefertiti, você é a Esposa Real, a Grande Rainha. Para mim não existe outra, assim como nunca houve e nunca haverá um amor tão grande como o nosso um pelo outro.
Nefertiti: (balançando e quase caindo) Ah... (Ele a segura.)
Akhenaton: O que queria que eu dissesse?
Nefertiti: O que você falou. Mas Horemheb pensaria diferente.
Akhenaton: É o amor de Horemheb por mim que eu valorizo, não os conselhos.
Nefertiti: E sua mãe, ela também pensaria diferente.
Akhenaton: Minha mãe não governa mais o Egito.
Nefertiti: (tímida) Mas ela é sábia.
Akhenaton: Com a sabedoria da geração dela. Temos uma nova sabedoria. (Por um instante ou dois, o místico nele ressurge. Seus olhos se elevam ao sol. Um movimento de Nefertiti o chama de volta. Ele fala com um tom bem factual.) Querida esposa, seja sensata. Nossa filha mais velha, Meryaton, está casada com Smenkhara, e nossa pequena Ankhepaaton está prometida a Tutankhaton. Os dois são garotos afáveis, imbuídos com a verdade e o amor de Deus. Qualquer um seria um rei valoroso. Então vamos voltar à nossa felicidade, nossa felicidade inesgotável nesta nossa adorável cidade. (Pausa.) Venha, vamos mandar chamar nossos amigos. (Bate palmas. Servente Núbio aparece.) Ordene a presença do chefe escultor, Sua Senhoria Bek, e todos que estão com ele nos ateliers. Também chame aqui o Honorável Horemheb. (Servente se prostra e parte.) Está feliz agora, minha esposa de lindas mãos? (Ele as segura.)
Nefertiti: Sim, estou feliz. Mas estou contente de ter falado o que falei antes da chegada de sua mãe hoje.
Akhenaton: Tem medo de minha mãe, como todo mundo. É verdade que é uma mulher imperiosa.
Nefertiti: Ela ama você profundamente.
Akhenaton: Contanto que eu ande na linha dela.
Nefertiti: Não acho que compreende o quanto ela lhe ama.
Akhenaton: Ela me ama como um menino, não como homem.
Nefertiti: Você é cruel.
Akhenaton: Não construí um templo lindo para ela, aqui na nossa cidade? O templo da Rainha Tyi. Não implorei mil vezes para ela deixar a Cidade de No Amon e vir morar aqui? Mas ela prefere os modos de antigamente, a vida antiga. Ela vive no passado. A gente deveria viver no futuro. (Sua expressão amolece.) Enfim, ela agora está vindo.
Nefertiti: Vamos fazê-la tão feliz aqui que não vai mais querer voltar para a cidade velha.
(Bek entra com quatro ou cinco jovens artistas, incluindo Ptahmose. Os rapazes são um pouco decadentes na aparência. Vestidos com muita extravagância e com tendência a fazer pose.)
Akhenaton: Vejam, meus amigos, está concluída. (Retira o pano da cabeça. Eles se aglomeram no entorno.)
Rapazes: (em coro) Maravilhosa! Divina! Perfeição! Deliciosa demais! Sofisticada demais!
(Akhenaton sorri, indulgente, para eles, mas sua atenção está em Bek. Bek parece muito mais velho e sério.)
Akhenaton: E então, meu fiel e leal Bek?
(Bek observa demoradamente a obra, então, de repente, ajoelha-se e beija a mão de Akhenaton.)
Bek: Mestre.
Akhenaton: (com um suspiro de alívio) Então não fracassei no fim das contas!
Nefertiti: (afetuosa) Eu lhe disse.
(Outra explosão de elogios vindos dos rapazes. Estão todos aglomerados ao redor de Akhenaton, que tem o braço ao redor de Nefertiti. É tudo muito amigável e informal. Horemheb entra com Tutankhaton. Tutankhaton é um rapaz bonito com um rosto sem traços marcantes. Está sempre ansioso em receber aprovação e é facilmente levado a se entusiasmar. Horemheb parece bastante sombrio ao ver o grupo em torno de Akhenaton e claramente despreza e desgosta do bando de artistas. Por alguns minutos eles não percebem a presença dele.)
Ptahmose: De longe, é a melhor coisa que Vossa Majestade já produziu, melhor ainda do que o relevo, embora aquele fosse lindo. Não é apenas o Rei do Egito, mas o rei dos escultores!
Um rapaz: Um título muito mais elevado.
Outro: Sim, de fato.
Horemheb: (incapaz de evitar a exclamação) Pfff!
Akhenaton: (vira-se e o vê) Ah, aí está, meu bom Horemheb, e você, meu caro genro.
(Tutankhaton cora de alegria. Akhenaton puxa os dois para a frente.) Venham, o que acham?
Tutankhaton: (animado) Oh, majestade, é a coisa mais linda, tão linda quanto a própria rainha, e isso é um elogio e tanto.
(Nefertiti sorri para ele e estende a mão. Ela e Akhenaton e Tutankhaton ficam parados juntos.)
Akhenaton: E você, Horemheb, o que diz? (Tem um brilho no olhar.)
Horemheb: (sem emoção e um pouco constrangido) Muito bom, meu senhor. Tenho certeza que, hã, a cor é muito realista. (Tenta pensar em algo mais para dizer. Akhenaton o observa como se esperasse algo mais. Os rapazes ficam todos de olho em Akhenaton, prontos para rir se essa for a atitude correta.)
Akhenaton: (aproximando-se dele) Meu queridíssimo amigo. (Engancha o braço no de Horemheb, e a expressão deste último se suaviza.) (Delicado e com sentimento.) Você admiraria qualquer coisa que eu fizesse porque me adora.
Horemheb: (constrangido) De fato, Majestade.
Akhenaton: (um pouco melancólico) Esta nova arte que fundei não lhe comove de alguma forma?
Horemheb: É só que não entendo esse tipo de coisa. É culpa minha.
Akhenaton: (com um olhar crítico para ele) Vou fazer um busto seu.
Horemheb: (sem apreciar a perspectiva) De mim? Oh, mas... sério...
Akhenaton: (contemplando as dificuldades) Para conseguir capturar o poder, a força... o jogo dos músculos... seria necessário conhecer como o corpo humano é composto por baixo da pele. (Pondera o problema.)
Horemheb: Sir, estou muito ansioso para lhe falar. Tributários chegaram de Mitanni e da Síria e também do Sul. Há a questão de seu discurso ser preparado para eles.
Akhenaton: (impaciente) Não agora. (Afasta-se um pouco.)
Horemheb: Então há relatos que não me agradam chegando da cidade de No Amon.
Akhenaton: (ríspido) Da Cidade de No.
Horemheb: Da Cidade de No. Os coletores de impostos...
Akhenaton: Falaremos disso mais tarde. (Volta-se para Bek e os outros.) E no que estão trabalhando agora?
Rapazes: No afresco dos gansos selvagens... Colheita nos campos... Lótus...
Akhenaton: Isso é bom. Saiam vocês mesmos e visitem os campos e a beira do rio. Deixem que tudo seja natural e realista. Soltem as amarras das antigas formalidades, os modos estereotipados de representar os objetos naturais. A simplicidade e a verdade, é isso que devem buscar.
Coro de Rapazes: Sim, mestre.
Akhenaton: E você, sábio Bek?
Bek: As novas encomendas de granito vermelho chegaram do Alto Nilo.
Akhenaton: Que bom.
Bek: Já progredi mais nos relevos seu e da Grande Rainha, mas gostaria que os visse antes que eu avance no entalhe.
Akhenaton: Você nos representou com naturalidade, como seres humanos, e não como figuras estadistas pomposas?
Bek: Majestade, pergunta a mim? Eu, seu primeiro discípulo.
Akhenaton: E meu maior!
Bek: Está dançando, assim, e a rainha lhe estende um ramalhete de flores de lótus, assim! Mas gostaria que visse...
Akhenaton: Vamos agora.
Nefertiti: Sim, isso mesmo.
(Akhenaton e Nefertiti, Bek e os artistas saem, alegres e rindo juntos. Horemheb observa-os. Sua expressão é de preocupação desesperada e infelicidade. Tutankhaton o olha com ansiedade. O menino tem uma adoração profunda e heroica por Horemheb.)
Tutankhaton: Parece cheio de preocupações, lorde Horemheb.
Horemheb: (sentando) Estou.
Tutankhaton: O que o preocupa?
Horemheb: O alcance, a cobiça e a chicanice dos seres humanos!
Tutankhaton: Não entendo.
Horemheb: A menos que haja uma supervisão constante, os fracos são explorados pelos fortes, e leis beneficentes são distorcidas para vantagem dos inescrupulosos.
Tutankhaton: É assim mesmo?
Horemheb: É.
Tutankhaton: E nada pode ser feito?
Horemheb: (pesaroso) Sim, os malfeitores podem ser punidos.
Tutankhaton: E então?
Horemheb: Então serão cuidadosos antes de repetirem as ofensas.
Tutankhaton: E há muitos malfeitores na sua província ao norte?
Horemheb: Não no momento.
(Tutankhaton olha para ele com admiração.)
Tutankhaton: (hesitante) Estava me contando, meu senhor, de suas primeiras campanhas em Asis, quando recebeu a convocação do rei.
Horemheb: Claro, eu estava. Quer mesmo que eu continue?
Tutankhaton: Ah, por favor, meu senhor.
Horemheb: (feliz e divertido) Bem, foi assim. O inimigo estava lá... (Apanha uma ferramenta de modelar e marca um local.)
Tutankhaton: (inclinando-se) Sim.
Horemheb: Nossas principais forças estavam aqui... (Pega outra ferramenta.)
Tutankhaton: Sim.
Horemheb: O Eufrates corria... desse jeito... (Marca com giz.)
Tutankhaton: Entendo.
Horemheb: Eles lutam em uma formação fechada e as carruagens são mais pesadas que as nossas, já que carregam um escudeiro além do motorista e do arqueiro.
Tutankhaton: Sei.
(Entra Nezzemut.)
Horemheb: Vossa Alteza. (Em posição de sentido. O mesmo faz Tutankhaton.)
Nezzemut: Não parem por minha causa. Parece muito emocionante.
Tutankhaton: Lorde Horemheb está me contando de uma batalha.
Nezzemut: Que fascinante. (Senta e abre um sorriso estonteante para Horemheb.) Prossiga.
Horemheb: (para Tutankhaton) Tínhamos a vantagem da mobilidade. Nossas carruagens fingiram estar desorganizadas. Os arqueiros deles caíram na armadilha. Deixaram cair os arcos e vieram brandindo seus machados, gritando e urrando. Claro, são uns camaradas muito selvagens e cabeludos, muito corajosos, mas não têm cérebro.
Nezzemut: É?
(Horemheb repara muito pouco nela, sua atenção principal está em Tutankhaton, mas, mesmo insensível, sente-se mais congraçado em relação a ela como mulher por saber ficar quieta e escutar.)
Horemheb: Nossos arqueiros tinham ordens de não atirar até que eu desse o sinal.
Nezzemut: Que inteligente.
Horemheb: Então, num dado momento, nossas fileiras se abriram, os arqueiros atiraram. Ao mesmo tempo, nossas carruagens desceram por aqui... (Assinala o local.) e os soldados a pé chegaram por aqui... (Assinala outro ponto.) O inimigo estava completamente cercado e os empurramos para o rio.
Tutankhaton: Oh!
Nezzemut: Esplêndido!
Horemheb: Mas, acreditem, como lutaram aqueles homens! O velho Hadendoa sabia lutar, isso eu posso dizer! Até o fim! Lutar contra aqueles camaradas valia a pena.
Nezzemut: Deve ter sido maravilhoso!
(Entra Servo Núbio, curva-se para Nezzemut.)
Servo. A Grande Rainha Tyi está desembarcando da barca real.
Nezzemut: (com voz oficial) Que ela seja recebida com a devida cerimônia e levada aos aposentos preparados para ela. Levem a notícia de sua chegada até os ateliers reais. (O Servo retira-se. Nezzemut corre por toda a galeria e olha ao longe.) Lá está ela, de peruca e tudo. Minha nossa, como ela parece aterrorizante assim!
Tutankhaton: (correndo para se unir a ela) Onde?
Nezzemut: Shhhh... lá. Vestida do mesmo jeito que fazia há vinte anos! Mas que velha mais durona!
Tutankhaton: Como está velha!
Nezzemut: Meu querido, ela deve ter uns cem anos. Mas, é verdade, envelheceu bastante nos últimos tempos. Oh, veja... veja isso, Tut, todos aqueles ornamentos antiquados em ouro. Não são um exagero absoluto?
Tutankhaton: Bem primitivos.
Nezzemut: (lançando um olhar levado para Horemheb) Precisamos ter cuidado com o que a gente diz na frente de lorde Horemheb. Vai mandar nos prender ou alguma outra coisa terrível.
Horemheb: (seco) Isso seria ir além das minhas obrigações.
Nezzemut: Para dizer a verdade, você é um grande admirador da antiga rainha, não é, lorde Horemheb?
Horemheb: É uma mulher que se é obrigado a respeitar.
Nezzemut: Gosta até das roupas antiquadas dela? Não acha que as coisas que se usa hoje em dia são muito mais bonitas? (Ondula o corpo para enfatizar o que diz a seguir.) Elas dão muito mais liberdade.
Horemheb: (olhando com seriedade para os trajes bastante diáfanos) É verdade.
Nezzemut: (virando-se de novo para a janela) Claro que ela é uma personagem. É como dizem as pessoas do povo, é uma rainha sem tirar nem pôr! E, no entanto, não vem de berço essa realeza. Mas ela dá a sensação de que é preciso obedecer tal qual ela manda. Não admira que o antigo rei comesse na mão dela. (Afasta-se da janela e retorna. De repente, para Horemheb.) Isso vale para você, sabe, você parece um rei sem tirar nem pôr. (Horemheb fica envergonhado.) (Para Tutankhaton.) Não parece?
Tutankhaton: Parece sim.
Horemheb: (constrangido) Oh, não passo de um velho general azedo.
Nezzemut: Bobagem, é tremendamente charmoso. (Para Tutankhaton.) Não é?
Tutankhaton: É sim.
Horemheb: (mais constrangido) Mas...
(Nezzemut cai numa gargalhada.)
Nezzemut: Deixei você sem jeito. (Aproxima-se dele com uma mudança de atitude.) Por favor, me perdoe. Eu realmente o admiro demais, não digo isso só porque é charmosão. É a pura verdade, porque é um soldado excelente. Foi emocionante ouvi-lo narrar agora há pouco. Nunca havia me dado conta de que a batalha pudesse ser uma arte.
(Servo Núbio entra correndo, alarmado.)
Servo: A rainha, a rainha.
(Sem cerimônia, Tyi entra. Parece velha e doente. Seus olhos vão direto a Horemheb.)
Tyi: Fico feliz em encontrá-lo aqui, meu senhor. Gostaria de lhe falar. (Nezzemut dá um passo à frente e saúda a rainha. Tyi fica um pouco impaciente.) Deixe-nos a sós, menina, e você também, futuro neto. (Nezzemut sai a contragosto. Tutankhaton sai obedientemente. Ao partirem, Tyi se desmancha no sofá, parece estar doente.) Fico feliz de encontrá-lo aqui. Estava com medo que estivesse em sua província no Baixo Egito.
Horemheb: Saí de lá há duas semanas. (Atento.) Algum problema?
Tyi: Há um estrago se formando. Tenho certeza.
Horemheb: De que jeito?
Tyi: É essa a questão. Não sei.
Horemheb: O que a faz acreditar nisso? (Ele fala com ela como se falasse a outro homem. Eles não têm tempo a perder com protocolos.)
Tyi: (amarga) E não conheço aquela raposa velha e astuta, Meriptah, o Sumo Sacerdote?
(Vê a expressão de Horemheb.) Ah sim, esqueci que você cresceu à sombra de Amon. Ainda tem apego às antigas crenças.
Horemheb: É verdade. Fui criado para reverenciar Amon. Não sou um homem religioso, mas respeito e acredito nas antigas crenças e nas antigas tradições.
Tyi: Por quê? (Pergunta com interesse genuíno.)
Horemheb: Porque dá ao povo o que eles precisam. Algo simples e material a que podem se apegar. Oferece regras de conduta, ajuda nas aflições, reforça a devida reverência pela autoridade.
(Tyi assente com a cabeça.)
Tyi: Sim, tem razão nisso. Que bem faz essa nova religião do meu filho? O princípio da vida representado pelo calor do sol, a essência essencial. O que isso pode significar para as pessoas? Nada! Elas querem algumas estátuas grandiosas em pedra que podem sentir e tocar, a voz do sacerdote que fala pela boca do Deus, as reconfortantes divindades menores, cada uma para uma necessidade específica. Sim, as pessoas precisam dos Deuses, não de um Deus. Ah, se ao menos os sacerdotes não houvessem abusado de seu poder.
Horemheb: (cauteloso) Quanto a isso não sei dizer.
Tyi: Esqueci. Você é o protegido do Sumo Sacerdote de Amon.
Horemheb: Ele era bom para mim e me cobriu de favorecimentos. Devo muita coisa a ele.
Tyi: Então, quem sabe não seja o homem de que preciso... (Parece de repente muito fatigada.)
Horemheb: Por que diz isso?
Tyi: Não se pode servir a dois patrões. De um lado, Amon e as tradições antigas; do outro, Akhenaton e as novas.
Horemheb: Não faço isso. Eu sirvo a um patrão. O rei.
Tyi: É verdade?
Horemheb: O rei, primeiro e para sempre.
Tyi: Mesmo se chegar ao ponto de ter de escolher entre o rei e Deus?
Horemheb: Já lhe disse, não sou um homem religioso. Respeitei a religião do Estado, esta nova me parece um tipo estranho de loucura, mas todas essas coisas eu deixo a quem é mais competente para julgar.
Tyi: Então se tivesse de escolher entre Amon e o rei...
Horemheb: Não há escolha. Sou um homem do rei.
Tyi: Jura isso para mim. Horemheb, sobre a cabeça de meu filho?
Horemheb: Juro. Minha vida pertence ao rei, eu a ofereceria a ele... (Interrompe.)
Tyi: O que foi?
Horemheb: Algo que uma vez ele me disse...
Tyi: Sim?
Horemheb: Que não queria que os homens morressem por ele, mas vivessem por ele.
Tyi: Isso é mais difícil de fazer. (Ele a olha fixamente, perplexo.) Escute, Horemheb, eu confio em você. É o único homem no Egito no qual confio hoje. O único que, tenho certeza, não vai trair seu patrão. Você vem de uma casa leal. (Horemheb faz uma reverência com a cabeça.) Além disso, é o único homem próximo a meu filho com alguma habilidade. Ele está cercado de pintores, dançarinos, escultores... e não se consegue um fiapo de cérebro juntando todos eles!
Horemheb: Molengas. Um grupo de molengas! (Fala com imenso desprezo.)
Tyi: Agora escute, enquanto meu filho mora aqui e sonha com a paz e a harmonia eternas, tenho sido seus olhos e ouvidos na cidade velha. (Sorri.) Sempre tive meu grupinho de espiões, mesmo nos velhos tempos. Sei o que está acontecendo.
Horemheb: E o que está acontecendo?
Tyi: Há inquietação. As pessoas estão descontentes, agitadas.
Horemheb: Mas por que estariam? Os impostos foram perdoados. Multas e penalidades pesadas foram substituídas por outras mais leves. A vida foi facilitada para os pobres.
Tyi: Assim está escrito. Mas que efeito tem a lei escrita se não há ninguém para garantir que seja cumprida?
Horemheb: Bem, é verdade.
Tyi: Os coletores de impostos conduzem o gado, levam o vinho, a farinha, o mel, e, já que não há ninguém para vigiá-los, os bolsos deles engordam.
Horemheb: É natural que seja assim.
Tyi: É igual em toda parte. Exploração, avareza, injustiça.
Horemheb: Ninguém conta isso ao rei?
Tyi: (seca) O rei foi informado.
Horemheb: Bom, então...
Tyi: Como é que você lidaria com uma conduta assim, Horemheb?
Horemheb: Cortaria o nariz e a mão direita de uma centena dos principais culpados.
Tyi: (assentindo) É. Já meu filho escreveu um manifesto... enaltecendo a beleza da verdade e da justiça... e apelou para que esses homens mudassem de comportamento. (Uma pausa.) O que me diz?
Horemheb: O rei tem uma mente muito exaltada. Ele, que é a pura bondade, não consegue entender a malevolência que existe no coração dos homens.
Tyi: E os sacerdotes encorajam os coletores, entende? Eles incitam, secretamente, a causa da injustiça, murmurando uma palavra aqui, outra ali. E já está se espalhando entre as pessoas: Amon era o protetor dos pobres. Nosso pai Amon defendia nossa causa. Esse novo Deus não se importa.
Horemheb: Isso é tudo?
Tyi: Não, há algo mais em movimento. Na aparência, tenho mantido boas relações com Meriptah. O poder dele é cerceado ostensivamente, seus templos e tesouros são confiscados; mas ele está, contudo, longe de ser um homem vencido. Tem cérebro, coragem e visão. Ele e eu jogamos uma partida antiga, nenhum de nós sabe até que ponto consegue enganar o outro. Mas há algo em movimento, Horemheb... eu sei disso.
Horemheb: Mas o que em particular?
Tyi: (desesperada) Estou ficando velha... velha e cansada. A morte se aproxima... Não consigo pensar e enxergar como eu conseguia. Mas imagino... (Pausa.) diga-me, Akhenaton está contemplando alguma medida nova contra os sacerdotes?
Horemheb: Não que eu saiba. A perseguição não faz parte de sua nobre natureza. Ele quebrou o poder de Amon e confiscou sua riqueza. Mas os súditos são livres para adorar quem quiserem, embora ele acredite que o culto de Amon logo vai desbotar e acabar, e todo o Egito vai cultuar Aton.
Tyi: Estou errada então.
Horemheb: O que estava achando?
Tyi: Escute, Horemheb, falei palavras bonitas para Meriptah, me ofereci para negociar com meu filho que uma certa medida de ouro e bens seja devolvida a Amon. Tem sido minha política aparentar que desaprovo a religião de meu filho. Compreende?
Horemheb: Sim. Queria que ele revelasse o que tinha na mão.
Tyi: Ele é esperto demais, acho, para se deixar enganar por completo, mas acredita que eu estou aflita e irritada pela minha própria perda de poder. Acredita que eu me aliaria a ele para recuperar mais poder.
Horemheb: Sim, faz sentido.
Tyi: Então, como eu digo, me ofereci para ser intermediária, mas logo ele deu voltas e voltas, com muita sutileza, para me dissuadir. Não serviria de nada, disse. Melhor é esperar. O rei, ele disse, estava amargo contra Amon e estava considerando uma nova vingança.
Horemheb: (decidido) Isso não é verdade, tenho certeza.
Tyi: Então está tudo bem, pois, entenda, Horemheb, isso não pode acontecer.
Horemheb: Não sei se compreendi bem o que a senhora quer dizer...
Tyi: Não pode haver nenhuma nova jogada contra os sacerdotes de Amon. Isso significaria cair na armadilha de Meriptah.
Horemheb: Acha mesmo?
Tyi: A perseguição é uma faca de dois gumes. Não há nada como a perseguição para acordar novamente o entusiasmo. O povo já está suspirando por Amon e contando histórias sobre a bondade dele com os pobres. Mas ao menos eles ainda podem cultuar como quiserem. Se fosse o caso de surgir algum decreto definitivo...
Horemheb: Entendi... Mas não creio que precise temer. O rei está muito menos obcecado com seu sentimento antigo de fanatismo contra os sacerdotes. Está ocupado com as artes e o aperfeiçoamento da cidade.
Tyi: Está bem. Mas garanta, Horemheb, que os sacerdotes não forcem a mão dele. Meriptah é esperto.
Horemheb: Não sabe de nada definitivo?
Tyi: Nada... a não ser pela vivacidade no olhar de um sacerdote.
Horemheb: Ficarei muito vigilante.
Tyi: Que Rá Harakte te abençoe, por seu amor e lealdade a meu filho. (Ele beija a mão dela.)
(Com outro tom.) Tem visto muito Nezzemut?
Horemheb: (surpreso) A princesa? Não... por quê?
Tyi: Fiquei pensando. Eu não confiaria muito nela se fosse você.
Horemheb: Não passo muito tempo na companhia de mulheres.
(Akhenaton entra com Nefertiti e Tutankhaton. Ele vai até Tyi para cumprimentá-la com afeto.)
Akhenaton: Então veio enfim morar conosco? Seu palácio está pronto. Seu templo foi terminado. (Animado.) Não é bonita a minha cidade? Já viu os lagos, as construções e as árvores... e os pássaros, já reparou nos pássaros? Alguns foram capturados e trazidos de muito longe. Eu amo os pássaros. Eles voam no céu e cantam para seu pai Aton e são queridos por ele.
Tyi: É uma linda cidade.
Akhenaton: É a cidade da felicidade e da paz.
Horemheb: Há outras cidades não tão felizes, sir. Cartas urgentes chegaram de Ribaddi, de Byblos. Os khabiri estão audaciosos e continuamente fazem uma varredura arrebatando os rebanhos e manadas. A costa da Síria inteira está com guarnição insuficiente. Mais tropas deveriam ser enviadas para lá. Os ladrões dos morros estão mais atrevidos achando que não há ninguém para puni-los.
Akhenaton: (suspirando) Por que sempre precisa haver destruição? Vamos escrever um proclama que será lido em voz alta nas cidades da Síria, declarando minha vontade de que essas depredações cessem.
Horemheb: Seria melhor mandar um regimento.
Akhenaton: Isso seria apenas uma prevenção. É preciso ir mais a fundo. (Andando de um lado a outro.) As pessoas precisam aprender a viver em paz e amizade juntas. Como foram oprimidas por muito tempo e acossadas com guerras e derramamentos de sangue, a ideia é estranha para eles. Mas ela virá! O exemplo do Egito, o grande território civilizado, será seguido por esses povos menores.
(Horemheb não responde. Seu silêncio é uma dissidência.)
Tyi: Nas cidades do Egito civilizado não vai tudo bem, meu filho. O povo de No Amon, por exemplo, é explorado e enganado.
Akhenaton: Pelos sacerdotes?
Tyi: Não desta vez. Os coletores de impostos que você nomeou estão abusando de sua posição.
Akhenaton: Isso é ruim. Queria meu povo livre de fardos para viver e prosperar.
Horemheb: Gostaria de sugerir, Majestade, que um exemplo deveria ser feito dos principais culpados. Se o nariz e mãos deles fossem cortados, isso teria um efeito muito salutar.
Akhenaton: Pensa assim. (Sorri um pouco.) Se um homem perder o nariz, Horemheb, você pode criar outro para ele?
Horemheb: (olhando fixo) Não, claro que não.
Akhenaton: Consegue produzir uma nova mão de carne e osso a partir de um toco seco? (Pausa.) Não tem medo, Horemheb, de destruir assim com tanta facilidade aquilo que não é capaz de restaurar?
Horemheb: Não estou lhe entendendo, sir.
Tyi: Eu estou.
Akhenaton: (voltando-se para ela) E o que diz, mãe?
Tyi: Que para o bem das pessoas comuns é bom que existam pessoas como Horemheb, que não conseguem entender o que você fala.
Akhenaton: É isso que você me diz?
Tyi: Digo sim, sendo velha e já tendo testemunhado o jeito do mundo.
Akhenaton: Existe apenas um único caminho verdadeiro: o amor e a beneficência de meu pai, Aton. É preciso abrir os olhos que estão cegos, não destruir a carne e sangue que meu pai criou.
Horemheb: Vosso coração é muito brando, Majestade.
Akhenaton: E seu coração é uma pedra, um rochedo de tão firme. (Ele estende a mão com afeto. Então, com uma mudança de postura.) Mas que história é essa de homenagem?
Horemheb: A comitiva aguarda por Vossa Majestade.
Akhenaton: Devemos recebê-los agora, então? O que acha, mãe? Vai ser divertido. Vão desfilar diante de nós por aqui.
Tyi: Vá vestir seu manto cerimonial para receber essas pessoas com pompa.
Akhenaton: Por que deveria? Não, vou deixar que encontrem o Rei do Egito vestido de forma simples e vivendo uma vida simples. Deixe que vejam que eu, o rei, sou apenas um homem igual a eles, deixe que entendam a grande verdade, que todos os homens são irmãos.
Tyi: Péssima política. O rei sempre deve estar vestido de maneira a causar admiração, um homem à parte.
Akhenaton: Um deus, não um homem, é isso que está dizendo. No entanto, se um deus descer à terra, ele, eu acho, será simples. Se um Deus descer à terra... (Sua expressão fica mística.) Será? (Consigo mesmo.) Sou eu? (Olha para o céu.)
Tyi: Receba-os sentado em seu trono, com a dupla coroa na cabeça. Eu lhe rogo, meu filho, deixe que fiquem admirados com a majestade do Egito. Lembre-se das palavras do Grande Rei em tempos passados. “Um príncipe é um príncipe a quem as pessoas temem. Que o povo não saiba e não diga: ‘Ele não passa de um homem.’.”
Akhenaton: Esse não é nosso modo de fazer as coisas. Venha, esposa, sente-se aqui ao meu lado. E você, minha mãe, sente-se naquela cadeira. Vá, Horemheb, deixe a comitiva entrar. (Ele senta no dossel com Nefertiti a seu lado.)
Tyi: (ríspida) Esta informalidade é absurda. Com seus amigos e seu círculo imediato é uma coisa, mas esta é uma questão pública.
Horemheb: Eu lhe imploro, Majestade, com todo o respeito. Lembre-se, eu conheço essa gente. Tenho muitos amigos entre eles. A cabeça deles é simples, infantil, olham para o Egito cheios de admiração e assombro. O que é preciso é ofuscá-los com a magnificência do Grande Rei para que voltem para casa sem ânimo!
Akhenaton: Assombrados e intimidados pela minha riqueza e poder... que imagem mais aprazível!
Horemheb: Meu senhor, é a imagem que eles desejam ver. O faraó do Egito é uma lenda para eles, um nome, eles não querem ver um homem, mas um deus!
Akhenaton: O filho de Rá é um deus!
(Uma breve pausa.)
Horemheb: O que eu quis dizer é que eles querem ver a imagem que eles têm de um deus.
Akhenaton: Se eles têm ideias falsas, cabe a nós dispersarmos essa falsa visão, e não alimentá-la.
Tyi: Sonhador... sonhador...
Akhenaton: Há apenas uma única coisa a ser cultuada: a verdade. Vamos, chame a comitiva para nossa presença!
(Eles se reúnem. Horemheb sai.)
Tyi: Meu filho, meu filho... não quer saber do meu amor, da minha sabedoria – uma sabedoria que conquistei ao longo de muitos anos somente para seu benefício?
Akhenaton: (doce) Querida mãe, sua sabedoria pertence ao passado.
Tyi: Minha sabedoria não tem tempo! É o conhecimento do coração dos homens e das mulheres.
Akhenaton: Não. Há um interior do coração que você não consegue conhecer ou sentir.
Tyi: Vejo que está arriscando o Egito por um sonho, e não posso fazer nada, nada... (Põe a mão no coração.) e meu tempo aqui é curto, curto... (Se entrega.)
Akhenaton: (para Tutankhaton) Venha, caro menino. Sente aqui aos meus pés. Onde estão minhas filhas?
Nefertiti: Estão velejando no grande lago.
Akhenaton: Verdade, eu havia esquecido. (Bek entra com seus companheiros.) Venha, Bek, pode ser que encontremos algo que nos interesse aqui.
Artistas: Que divertido. Espero que eles sejam bem impossíveis.
(A Comitiva é anunciada e entra. Caem de cara no chão, então se levantam passando pelo salão com seus presentes. Barras de ouro, bolsas de pó de ouro carregadas por negros emplumados, ovos de avestruz e penas da Líbia. Animais selvagens da Síria em gaiolas, moças lindas seminuas, arcos, lanças, escudos e selaria da Síria. Quando o desfile termina, o rei levanta e estende o braço. Todos caem prostrados. Akhenaton fala, quase cantando, com a voz suave.)
Akhenaton: Oh, Aton, pai de todos os seres vivos, nosso pai misericordioso. Vós que criastes a terra de acordo com vosso desejo. Os países da Síria e da Núbia, a terra do Egito. Vós fizestes um Nilo no céu para os países dos estrangeiros para que a água possa cair sobre suas terras e amadurecer seus cultivos. Vosso amor é igual por todos... Assim, também é o meu amor... Pelos moradores do deserto oriental, pelo morador da Núbia, pelo homem da Síria e o habitante da Terra dos Dois Rios; todos esses e os moradores das terras do Egito são igualmente meus filhos. Todos os homens são irmãos. Que vivam juntos unidos no amor e na paz. (Pausa.) (Para Horemheb.) Que estas armas sejam valorizadas pela beleza da forma como foram trabalhadas, mas que não mais sejam vistas nas mãos do meu povo, nem deixe que sejam apontadas contra homem nenhum. Libertem os grilhões dos escravos, deem comida e bebida a eles e permitam que trabalhem para embelezar esta minha cidade, labutando, mas não excessivamente, a cada dia e recebendo comida e bebida suficientes. Que o ouro seja dado à casa de meu pai Aton e usado para construir novas casas de louvor por todo o território egípcio. E vocês, ó mensageiros, retornem para suas terras levando minhas palavras. Que a paz lhes acompanhe e boa vontade de uns para com os outros. (Há um murmúrio confuso, a Comitiva está perplexa e perdida. Eles se retiram com hesitação. Horemheb está franzindo o cenho. Rainha Tyi tem a mão no coração; ela está passando mal. Depois da partida dos estrangeiros, Akhenaton olha para Horemheb com severidade.) Caro amigo, não concorda com a verdade que acabo de professar? Ama a espada, eu sei, mas não a colocaria de lado por minha causa? Não devem mais haver espadas desembainhadas, e nada de flechas cortando o céu para espetar tremulantes na carne humana, nada de lanças para trespassar corpos vivos.
Horemheb: Quisera que assim fosse, meu caríssimo senhor.
Akhenaton: Assim será.
Horemheb: (balançando a cabeça) Algumas das pessoas nessas regiões distantes são pouca coisa mais evoluídas que um animal.
Akhenaton: Os animais lutam por comida e por medo. Quando não há medo e necessidade, os homens não vão mais buscar a destruição.
Tyi: Ah... (Ela salta apontando para Ptahmose. Ao mesmo tempo, tem uma espécie de ataque epilético.) Quem é aquele... aquele?
(Ptahmose rapidamente se esconde atrás do grupo e some.)
Nefertiti: Quem? O quê?
Tyi: (com a voz grossa, enquanto balança de pé) Eu já vi aquele rosto antes... no templo... perigo...
(Horemheb a segura enquanto ela balança, prestes a cair.)
Akhenaton: (imperioso) Chamem meus médicos para atenderem a rainha. (Vai até ela, com profunda afeição.) Mãe.
Tyi: (sem olhar para ele, mas para Horemheb) Lembre-se... de sua promessa...
(Horemheb baixa a cabeça. Ela fica satisfeita.)
Akhenaton: (angustiado) Mãe.
Tyi: (devagar e com dificuldade, enxergando uma memória e não o próprio Akhenaton.) Meu... filhinho... (Ela morre.)
CAI O PANO