V – Noções Elementares de Versificação

V – Noções Elementares de Versificação

“La métrique est une science, mais c’est aussi un art.
Le métricien doit connaître la technique du vers, mais
il doit aussi être un homme de bon sens, avoir de la finesse
et du goût” (G. Millardet, Romania, 43, 1914, p. 260).

 

Poesia e prosa

Poesia e prosa – Em sentido formal, chama-se poesia à forma de expressão ordenada segundo certas regras e dividida em unidades rítmicas.

 

Prosa, Verso, Ritmo, Metro

Prosa é a forma de expressão continuada. Embora a prosa também possa ter ritmo, aqui ele é menos rigoroso que na poesia.

 

Verso é o conjunto de palavras que formam, dentro de qualquer número de sílabas, uma unidade fônica sujeita a um determinado ritmo.

 

Ritmo é a divisão do tempo em período uniformes mediante os apoios sucessivos da intensidade.

 

Metro é o verso que, além de atender ao ritmo, se apresenta dentro de uma norma regular de medida silábica.

 

O ritmo, comum ao verso e ao metro, não se manifesta de maneira uniforme; por isso produz efeitos diferentes conforme a disposição das cláusulas silábicas que constituem o período rítmico do verso.

Por sua vez, um mesmo metro pode apresentar-se sob várias modalidades rítmicas.

Pode-se mudar de ritmo sem alterar o metro ou o verso, como se pode mudar de metro ou verso sem alterar o ritmo.

Como ensina Navarro Tomás, o ritmo nasce da disposição acentual, o verso depende da ação do ritmo, e o metro obedece justamente ao ritmo e à medida silábica.

Além do ritmo acentual, outros recursos suplementares contribuem para dar ao verso as qualidades de sua fisionomia e de colorido; são recursos fônicos, morfológicos e semânticos. Além da rima e da estrofe, figuram, entre outros, a harmonia vocálica, a aliteração de consoantes, o paralelismo, a anáfora, a ordem das palavras ou a valorização semântica de uma palavra ou expressão.

Por melhor que seja o verso, perderá muito de seu valor se proferido por um leitor – e até mesmo pelo seu autor - que não saiba pôr em evidência as características de sua estrutura rítmica, métrica e de seus apoios fônicos.

 

Pausa final. Cavalgamento

Pausa final. Cavalgamento – Na leitura de um poema, marca-se o final de cada verso ou final de cada unidade de verso composto (hemistíquio) com uma pausa, a chamada pausa métrica. Esta pausa métrica não passa de uma pequena interrupção, que não chega a confundir com a pausa mais demorada, resultante da entoação da oração, marcada em geral por vírgula ou outro sinal de pontuação.

Não levar na devida conta a pausa métrica, além de atentar contra o ritmo, pode converter o verso em falsa prosa.

A pausa métrica é transferida para a primeira sílaba tônica do verso seguinte, quando a unidade sintática excede o limite de um verso e, para completar-se, “cavalga” ou “monta” no verso a seguir, patenteando, assim, um desacordo entre a unidade sintática e a unidade métrica. Este fenômeno é conhecido pela denominação francesa enjambement, que se pode traduzir, como fez Said Ali, por cavalgamento. Também se usa o termo encavalgamento:

“Sonho profundo, ó Sonho doloroso,

Doloroso e profundo Sentimento!

Vai, vai nas harpas trêmulas do vento

Chorar o teu mistério tenebroso” [CS.1, II, 63].

 

Versificação

Versificação – é a técnica de fazer versos ou de estudar-lhes os expedientes rítmicos de que se constituem.

“Não se há de confundir versificação com poesia. A poesia é um dom: nasce-se poeta. A versificação é uma arte: torna-se um versejador. Grandes poetas, como Vigny, foram medíocres versejadores. Hábeis versejadores, como Teodoro de Banville, não podem jamais ser chamados poetas” [BH.1, 431].

 

O ritmo poético

O ritmo poético, que na essência não difere das outras modalidades de ritmo, se caracteriza pela repetição. O ritmo consiste na divisão perceptível do tempo e do espaço em intervalos iguais. Quando a poesia se constitui de unidades rítmicas iguais, diz-se que a versificação é regular; quando isto não ocorre, a versificação é irregular ou livre.

O ritmo poético utiliza recursos que nem sempre são coincidentes de idioma para idioma.

Entre nós, por exemplo, não figura a quantidade que é o alicerce da versificação latina ou grega. A rima, por outro lado, que hoje nos é tão familiar e querida, não constituía peça essencial da poesia até a Idade Média latina.

Em português o ritmo poético é assegurado pela utilização dos seguintes expedientes que se podem combinar de maneira variadíssima:

1) número fixo de sílabas;

2) distribuição das sílabas fortes (ou tônicas) e fracas (ou átonas);

3) cesura;

4) rima;

5) aliteração;

6) encadeamento;

7) paralelismo.

 

O número fixo de sílabas coordenado com a distribuição das sílabas fortes e fracas constitui um metro poético e o seu estudo recebe o nome de métrica.

 

1 – Número Fixo de Sílabas

1 – Número Fixo de Sílabas

Como se contam as sílabas de um verso

Como se contam as sílabas de um verso – Na recitação a contagem das sílabas se processa diferentemente da análise gramatical; nesta se atenta para a sua representação na escrita enquanto naquela se busca a realidade auditiva. No verso:

“É toda um hino: – esperança!” [CA.1, 97]

Há sete sílabas para o poeta (este só conta até a última tônica) e dez sílabas para o gramático; aquele não profere o a final de toda, liga a consoante d a um, omite o o final de hino e junta o n à sílaba inicial de esperança:

É / to / d(a)um / hi / n(o): – es / pe / ran / ça

1    2       3        4         5          6       7

Só se conta até a última sílaba tônica: verso agudos, graves e esdrúxulos – Uma das orientações que distinguem a contagem das sílabas entre o poeta e o gramático, é que o primeiro, de acordo com orientação revivida (foi iniciada por Couto Guerreiro, no século XVIII) 187 por Antônio Feliciano de Castilho, no século XIX, só leva em conta até a última sílaba tônica, desprezando a átona ou as átonas finais. Daí a divisão dos versos em agudos, graves ou esdrúxulos, conforme terminarem, respectivamente, por vocábulos oxítonos, paroxítonos, ou proparoxítonos, como nos seguintes versos, todos de dez sílabas:

“O padre não falou – mostrou-lhe o céu!” [CA.1, 137]           Agudo

“Eu vi-a lacrimosa sobre as pedras.” [CA.1, 106]                   Grave

“Estátua da aflição aos pés dum túmulo!” [CA.1, 106]            Esdrúxulo

Neste livro indicaremos a sílaba métrica pelo símbolo glyph1.jpg ; quando for tônica poremos nele um acento tônico: glyph2.jpg.188

 

Fenômenos fonéticos correntes na leitura dos versos

Fenômenos fonéticos correntes na leitura dos versos – Na leitura dos versos, proferimos as palavras com as junções e as pausas que o falar de todos os momentos conhece; por exagero, entretanto, tais fenômenos fonéticos costumam ser explicados como “exigência da técnica versificatória”.

Estes fenômenos são: 1) sinérese; 2) diérese; 3) elisão; 4) crase; 5) ectlipse; e podem ocorrer uns dentro do mesmo vocábulo (intraverbais ou internos) e outros pela junção de dois vocábulos (interverbais ou externos).

 

Sinérese

Sinérese ou ditongação é a junção de vogais contínuas numa só sílaba em virtude de uma das vogais passar a semivogal, no interior da palavra.

Na língua portuguesa moderna, especialmente no Brasil, é normal a sinérese interna: “a) nos grupos vocálicos átonos não finais, de segunda vogal, alta, correspondente em vocábulo derivado ou composto à vogal tônica do primitivo (ex.: traidor, de trair) ou à vogal inicial de uma das formas mínimas componentes (ex.: vaidade, rad. va-, suf. -idade), sendo que, fora dessas duas condições, se tem aí um ditongo sistemático (ex.: lei-tu-ra, cau-te-la, etc.); b) nos grupos vocálicos átonos não finais, de primeira vogal alta (ex.: piedade, suavidade); c) nos grupos vocálicos átonos finais, de primeira vogal átona (ex.: glória, áscua, série, tênue), sendo que não há primeira vogal média nesses grupos (cf. níveo/níviu/mágoa/mágua). A intenção estilística ou a métrica, no verso, criam frequentemente diérese nos dois primeiros casos” [MC.4, 221].

 

Diérese

Diérese é a dissolução de um ditongo em hiato no interior da palavra.

A diérese, que é sempre interna, é fenômeno hoje raro em poesia, geralmente usado apenas para certos fins expressivos ou como expediente para dar ao verso o número de sílabas exigidas:

“Pe / sa / -me es / ta / bri / lhan / te au / ré / o / la / de / nu / me...” [MA].

  1    2          3      4     5       6        7      8   9   10   11   12

O movimento lento, proferindo auréola (au--o-la) como vocábulo de quatro sílabas, parece emprestar à situação o colosso do tamanho que tem o sol, em relação à simplicidade do vaga-lume.

Às vezes costuma-se indicar a diérese pondo-se trema no i ou u: vaïdade (va-i-da-de), saudade (sa-u-da-de).189

 

Sinalefa

Sinalefa, é a perda de autonomia de uma vogal para tornar-se semivogal e, assim, constituir um ditongo com a vogal seguinte:

 

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Elisão

Elisão é o desaparecimento de uma vogal quando pronunciada junto de outra vogal diferente:

 

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A pronúncia rápida dos portugueses leva mais frequentemente à realização de elisões do que a pronúncia mais lenta dos brasileiros. Nem sempre, como no exemplo acima, a elisão é indicada graficamente:

Mas se forçoso t’é deixar a pátria [CA.1, 125].

Note-se também que a elisão pode abarcar mais de duas vogais.

 

Crase

Crase é a fusão de dois ou mais sons iguais num só:

 

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Ectlipse

Ectlipse é a supressão da ressonância nasal de uma vogal final de vocábulo para facilitar a sinérese ou a crase com a vogal contígua.190

Ocorre com mais frequência a ectlipse no final -em e na preposição com. Neste último caso, é comum ser indicada por apóstrofo, porque, a rigor, a ectlipse não passa de uma elisão considerada a palavra no seu sentido mais geral (o Vocabulário Oficial recomenda não usar apóstrofo: coa, coas, co, cos):

“Co’as tranças presas na fita,
Co’as flores no samburá” [CA.1, 116].

É preciso insistir, mais uma vez, que os fenômenos fonéticos aqui estudados só na mão do versejador são frios recursos de aumento ou diminuição de sílabas para atender às exigências da técnica versificatória; na mão do verdadeiro poeta constituem intencionais e vigorosos elementos do quadro que o artista deseja pôr diante de nossos olhos. O ritmo que devemos imprimir ao verso, acelerado aqui, com pausas acolá, é uma como harmonia imitativa das ideias que o poeta nos quer transmitir.

 

O ritmo e a pontuação do verso

O ritmo e a pontuação do verso – Já acentuamos que nem sempre a unidade de sentido do poema coincide com os limites de sua linha, o que nos mostra o erro daqueles que leem verso fazendo longa pausa no fim de cada um deles.191 Esta longa pausa só é lícita quando a unidade sintática o exigir ou permitir:

“Meus Amigos, Adeus – Verei fulgindo

A lua em campo azul, e o sol no ocaso

Tingir de fogo a implacidez das águas;

Verei hórridas trevas lento e lento

Descerem, como um crepe funerário

Em negro esquife, onde repoisa a morte” [GD.3, I, 213].

Às vezes se podem ligar fonemas de palavras separadas por algum sinal de pontuação ou, ao contrário, pode haver uma pausa sem que seja indicada por sinal gráfico adequado, como nestes versos de dez sílabas:

“E eu, fitando-a, abençoava a vida” [CA.1, 279], lido:

E / eu / fi / tan / do-a a / ben / ço / a / va a / vi / da

1    2    3     4        5          6     7    8      9     10

“Ama-se a vida – a mocidade é crença” [CA.1, 144].

 

Expedientes mais raros na contagem das sílabas

Expedientes mais raros na contagem das sílabas – Ao lado dos casos até aqui apontados, há outros de menos incidência, mas que merecem nossa atenção. Lembraremos os três seguintes:

a) o movimento rítmico de um verso pode estar sob a influência do verso anterior ou do seguinte, fazendo com que a vogal ou sílaba inicial de um verso fique incorporada no verso precedente; isto vem explicar a exatidão métrica de alguns versos aparentemente errados por se apresentarem mais curtos do que deviam:

“Chorar a virgem formosa
Morta na flor dos anos” [CA.1, 83], que será lido:

Cho / rar / a / vir / gem / for / mo /

  1      2      3     4       5       6      7

sa / mor / ta na / flor / dos / a / nos

  1     2        3         4         5     6     7

b) o silêncio ou pausa mais forte valendo como sílaba:

“Às vezes, oh, sim, / derramam tão fraco” [GD.3, I, 68].

“O céu era azul, / tão meigo e tão brando” [GD.3, I, 45].

são versos de onze sílabas aos quais a pausa intencional do poeta (indicada aqui por /) vale por uma sílaba métrica.

c) a dissolução de um encontro consonântico pela intercalação de uma vogal (/ i / ou / e /), não indicada na escrita, fazendo da primeira consoante uma sílaba à parte, o que revela uma tendência da pronúncia brasileira corrente:

“Ninguém mais observa o tratado” [GD.2] – observa deve ser lido com quatro sílabas.

“Contudo os olhos dignóbil pranto” [GD.1] – ignóbil deve ser lido também com quatro sílabas.

 

2 – Número Fixo de Sílabas e Pausas

2 – Número Fixo de Sílabas e Pausas

O número fixo de sílabas e pausas é o principal dos apoios rítmicos do verso. O poeta tem a liberdade de não ficar, em todo o poema, preso ao mesmo metro. No poema de Gonçalves Dias, intitulado Minha Vida e Meus Amores, ocorre uma mudança de metro muito interessante. O poeta vinha versejando em decassílabos acentuados na sexta sílaba ou na quarta e oitava:

Outra vez que lá fui, que a vi, que a medo

Terna voz lhe escutei: – sonhei contigo! –

Inefável prazer banhou meu peito,

Senti delícias; mas a sós comigo

Pensei – talvez! – e já não pude crê-lo.

De súbito, nos versos 67 e 68 faz cair as pausas na quarta e sétima sílaba, aproximando o ritmo decassílabo do ritmo de onze sílabas, que vai aparecer nos versos 70 e 71:

Ela tão meiga e tão cheia de encantos,

Ela tão nova, tão pura e tão bela...

      Amar-me! – Eu que sou?

Meus olhos enxergam, enquanto duvida

Minh’alma sem crença, de força exaurida,

Já farta da vida,

Que amor não doirou. [MB.1, II, 127].

Na poesia A Tempestade, Gonçalves Dias varia a medida de estrofe; a estrofe começando por duas sílabas até chegar a onze, quando retorna num movimento decrescente até voltar ao de duas sílabas. Com isto o poeta quis-nos indicar mais vivamente “a aproximação gradativa da tempestade, cuja maior fúria estoura na décima estrofe, para depois afastar-se pouco a pouco” [Manuel Bandeira, editor das Obras de Gonçalves Dias, II, 235].

Os versos em português variam, em geral, de uma a doze sílabas, sendo raros os que ultrapassam este número. Para sua designação empregam-se os nomes gregos denotativos de número prefixados ao elemento -sílabo: mono- (um só), dis- (dois), tri- (três), tetra- (quatro), penta- (cinco), hexa- (seis), hepta- (sete), octo- (oito), enea- (nove), deca- (dez), hendeca- (onze), dodeca- (doze): monossílabo, dissílabo, trissílabo, tetrassílabo (também chamado quadrissílabo), pentassílabo (também dito redondilha menor), hexassílabo, heptassílabo (também dito redondilha maior ou só redondilha), octossílabo, eneassílabo, decassílabo (também chamado heróico), hendecassílabo (também chamado de arte maior) e dodecassílabo (ou também alexandrino), nome tirado das numerosas composições medievais que cantavam os feitos do guerreiro Alexandre, mormente o Poema de Alexandre, composto no século XII, por Alexandre de Bernay e Lambert Licor.

 

Cesura

Cesura – Os versos longos, de ordinário a partir dos de dez sílabas, apresentam uma pausa interna, chamada cesura, para ressaltar o movimento rítmico, dividindo o verso em duas partes, nem sempre iguais, conhecidas pelo nome de hemistíquios. A cesura pode ser uma pausa menor (não indicada por sinal de pontuação), ou mais acentuada (indicada na escrita por sinal de pontuação).

Como assinala Navarro Tomás, “em qualquer ponto do verso pode ocorrer uma interrupção requerida pela sintaxe ou pela necessidade de destacar o significado de uma palavra. Estas paradas ocasionais não têm a função métrica da cesura ou da pausa” [NT.1, 28].

 

Versos de uma a doze sílabas

Versos de uma a doze sílabas – Os versos de uma, duas e três sílabas só têm uma sílaba forte:

a) Monossílabos (raríssimos):

“quebra

 queima

    reina

        dança

sangue

gosma...” [MAn apud MB.3, 3242].

b) Dissílabos:

“Um raio

 Fulgura

 No espaço

 Esparso

 De luz” [GD.4, 229].

c) Trissílabos:

“Vem a aurora

 Pressurosa,

 Cor-de-rosa,

 Que se cora

 De carmim” [GD.4, 229].

d) Tetrassílabos – apresentam os seguintes movimentos rítmicos principais:

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e) Pentassílabos – apresentam os seguintes movimentos rítmicos principais:

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f) Hexassílabos – apresentam os seguintes movimentos rítmicos principais:

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g) Heptassílabos – são os versos mais usados e populares em português e apresentam os seguintes movimentos rítmicos principais:

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h) Octossílabos – apresentam os seguintes movimentos rítmicos principais:

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i) Eneassílabos – apresentam os seguintes movimentos rítmicos principais:

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j) Decassílabos – apresentam os seguintes movimentos rítmicos principais:

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k) Hendecassílabos – apresentam os seguintes movimentos rítmicos principais:

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l) Dodecassílabos – apresentam os seguintes movimentos rítmicos principais:

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“A lei orgânica do alexandrino pode ser expressa em dois artigos: 1.º) quando a última palavra do primeiro verso de seis sílabas é grave (1.º hemistíquio), a primeira palavra do segundo deve começar por uma vogal ou por um h; 2.º) a última palavra do primeiro verso nunca pode ser esdrúxula. Claro está que, quando a última palavra do primeiro verso é aguda, a primeira do segundo pode indiferentemente começar por qualquer letra, vogal ou consoante.

Alguns poetas modernos, desprezando essa regra essencial, têm abolido a tirania da censura. Mas o alexandrino clássico, o verdadeiro, o legítimo, é o que obedece a esses preceitos”.192

 

3 – Rima: Perfeita e Imperfeita 193

Rima: Perfeita e Imperfeita

 

Chama-se rima a igualdade ou semelhança de sons pertencentes ao fim das palavras, a partir da sua última vogal tônica.

As palavras em rima podem estar no fim (rima final, a mais usual) ou no interior do verso (rima interna), podendo, neste último caso, uma das palavras ocupar a posição final.

Interna é a rima que se faz com a última palavra de um verso e uma palavra no interior do verso seguinte. Em Aventura Meridiana (Os Amores de P. Ovídio Nasão, 63 e ss.), A. F. de Castilho, compondo quartetos de versos alternados, de 12 e 6 sílabas, rima o 1.º verso com a 2.a sílaba do 2.º; o 2.º com o 4.º; o 3.º com a 2.a sílaba do 4.º; finalmente variando o verso ora grave, ora agudo:

“Era na estiva quadra! Intenso meio-dia

      Pedia um respirar;

No meio do meu peito

Me deito a descansar.

 

Janela entreaberta, esquiva ao sol fogoso,   

      Repouso ali mantém;

Luz como a de espessura

Escura ao quarto vem”.

A rima pode ser perfeita (ou com homofonia) ou imperfeita (ou com semi-homofonia). Diz-se perfeita quando é completa a identidade dos fonemas finais, a partir da última vogal tônica:

“És engraçada e formosa

      Como a rosa,

Como a rosa em mês d’abril;

És como a nuvem doirada

      Deslizada,

Deslizada em céus d’anil” (G. Dias, Obras, 59).

Na rima perfeita, pode haver ainda identidade da(s) consoante(s) anterior(es) à vogal tônica. Para os versos inglês e alemão o fato constitui falta grave.

Diz-se imperfeita aquela em que a identidade de fonemas finais não é completa, insistindo-se apenas naqueles fonemas que se diferenciam fundamentalmente dos demais [CCh.2, 200]. Ocorre a rima imperfeita quando:

a) se rima uma vogal de timbre semiaberto com outra de timbre semifechado:

“Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:

– “Quem me dera que fosse aquela loura estrela,

Que arde no eterno azul, como eterna vela!”

Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme.” (M. de Assis).

 

b) um dos finais tem um som que o outro não tem:

“Nessa vertigem

Amara a virgem” (C. de Abreu, Obras, 194).

Muitas vezes, a perfeição ou imperfeição da rima é relativa, conforme a pronúncia padrão. No Brasil, por exemplo, constituem rimas perfeitas as que se fazem entre certas vogais e ditongos (desejos com beijos; luz com azuis; atroz com heróis; vãs com mães; espirais com Satanás; bondoso com repouso). Em Portugal é perfeita a rima entre mãe e também (ou tem, etc.), prática que, por imitação literária, ocorre entre alguns de nossos poetas românticos.

 

c) se rima uma vogal oral com uma vogal nasal:

De que ele, o sol, inunda

O mar, quando se põe,

Imagem moribunda

De um coração que foi [JD apud CCh.1, 694].

 

d) se rimam vocábulos com só identidade das vogais tônicas (rima toante ou assonante).

 

Rimas consoantes e toantes – A rima se diz consoante quando é perfeita, isto é, tem os mesmos fonemas a partir da última vogal tônica do verso: vaga-lume / ciúme.

Toante (também assonante, de assonância) é a rima imperfeita, em que há apenas identidade nas vogais tônicas:

calma / cada;    terra / pedra.

 

Disposição das rimas – Quanto à maneira por que se dispõem nos versos, as rimas podem ser emparelhadas, alternadas (ou cruzadas), opostas (ou entrelaçadas ou enlaçadas), interpoladas e misturadas.

Cada rima de uma estrofe é designada por uma letra maiúscula ou minúscula do alfabeto, de modo que a sucessão de letras indica a sucessão das rimas. Assim no exemplo:

“Moços, quero, entre vós, falar à nossa terra...

Somos sua esperança e o seu último amparo;

Em nosso corpo e em nosso espírito se encerra

O que ela agora tem de mais certo e mais caro” [JO.2, 159].

A distribuição das rimas é representada pelo esquema abab (ou abab) onde a indica a rima -erra (terra / encerra) e b a rima -aro (amparo / caro).

 

Emparelhadas são as que se sucedem duas a duas (o esquema é aabbcc, etc.):

“Numa vida anterior, fui um xeque macilento

E pobre... Eu galopava, o albornoz solto ao vento,

Na soalheira candente; e, herói de vida obscura,

Possuía tudo: o espaço, um cavalo, e a bravura” [OB.1].

 

Alternadas (ou cruzadas) são as que, num grupo de quatro versos, se alteram, fazendo que o 1.º verso rime com o 3.º (e os demais ímpares) e o 2.º com o 4.º (e os demais pares). Correspondem ao esquema abab:

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...” [OB.1].

 

Opostas (ou entrelaças ou enlaçadas) são as que se verificam em dois versos entre os quais medeiam dois outros também rimados.

Correspondem ao esquema abba:

“Vai-se a primeira pomba despertada.

Vai-se outra mais... Mais outra... E enfim dezenas

De pombas vão-se dos pombais apenas

Raia, sanguínea e fresca, a madrugada” [R. Correia].

 

Interpoladas são aquelas em que, num grupo de seis versos, o terceiro rima com o sexto, enquanto o primeiro rima com o segundo, e o quarto com o quinto. Correspondem ao esquema aabccb:

Eu nasci além dos mares

      Os meus lares,

Meus amores ficam lá!

–    Onde canta nos retiros

      Seus suspiros,

Seus suspiros o sabiá! (C. de Abreu).

 

Misturadas são aquelas em que a distribuição é livre. As rimas misturadas, para lograrem êxito, requerem constância, vivacidade e sonoridade:

“É meia-noite... e rugindo

Passa triste a ventania,

Como um verbo da desgraça,

Como um grito de agonia.

E eu digo ao vento que passa

Por meus cabelos fugaz:

“Vento frio do deserto,

Onde ela está? Longe ou perto?

Mas, como um hálito incerto,

Responde-me o eco ao longe.

“Oh! Minh’amante, onde estás?...” [C. Alves].

 

4 – Aliteração

Aliteração

 

Aliteração – É o apoio rítmico que consiste em repetir fonemas em palavras simetricamente dispostas. A aliteração nasce, em geral, de desejo de harmonia imitativa.

“A juruti suspira sobre as folhas secas” [C. de Abreu].

“É a perda dura dum futuro inteiro” [Id.].

“Vozes veladas, veludosas vozes,

Volúpias dos violões, vozes veladas,

Vagam nos velhos vórtices velozes

Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas” [Cruz e Sousa].

 

5 – Encadeamento

Encadeamento

 

Encadeamento – Consiste na repetição simetricamente disposta de fonemas, palavras, expressões ou um verso inteiro.

Foi recurso rítmico muitíssimo usado na poesia medieval e é frequente na poesia moderna em versos livres. Exemplos colhidos em Augusto Frederico Schmidt:

“No entanto este motivo escolhido existe.

Não vejo, esta tristeza, da saudade da que é sempre a Ausente

Nem da sua graça desaparecida...” (repetição de fonema)

Pensei em mortos que morreram entre indiferentes.

Pensei nas velhas mulheres...” (repetição de palavra)

“No princípio foi um balanço contínuo e vagaroso,

Depois foi descendo uma sombra indistinta,

Um grande leito surgiu e lençóis brancos como espuma

............................................................................................

No princípio foi um balanço contínuo e vagaroso” (repetição de verso).

 

6 – Paralelismo

Paralelismo

 

Paralelismo – É a repetição de ideias mediante expressões aproximadas:

“O monstrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;

À roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,

E disse: Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tetos negros do fim do mundo?

E o homem do leme disse, tremendo:

“El-Rei Dom João Segundo!”

 

De quem são as velas onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?”

Disse o monstrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso:

Quem vem poder o que eu só posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse

E escorro os medos do mar sem fundo?”

E o homem do leme tremeu, e disse:

“El-Rei Dom João Segundo!” (F. Pessoa).

 

7 – Estrofação

Estrofação

 

O poema pode conter dois ou mais versos os quais se agrupam para formar uma estrofe.

O costume tradicional é iniciar cada verso com letra maiúscula, qualquer que seja a sua relação sintática. Pode-se, entretanto, pôr, no início, letra minúscula, conforme a sua relação sintática com o verso precedente.

As estrofes podem ser simples, compostas e livres.

Simples são as estrofes formadas de versos com a mesma medida.

Compostas são as que encerram versos de diferentes medidas.

Livres são as que admitem versos de qualquer medida.

As estrofes de dois, três, quatro, cinco, seis, oito e dez versos recebem, respectivamente, os seguintes nomes especiais: dísticos, tercetos, quadras (ou quartetos), quintilhas, sextilhas, oitavas e décimas. As estrofes de sete e nove versos não têm nome especial.

 

8 – Verso de ritmo livre

Verso de ritmo livre

 

“O que chamamos impropriamente versos livres é uma série irregular de versos que tomados em separado são regulares” [BH.1, 427].

O verso de ritmo livre não tem número regular de sílabas, versos e estrofes, nem são uniformes e coincidentes o número e a distribuição das sílabas átonas e tônicas responsáveis pelo movimento rítmico.

O verso de ritmo livre exige do poeta uma realização tão completa quanto o verso regular. “À primeira vista, parece mais fácil de fazer do que o verso metrificado. Mas é engano. Basta dizer que no verso livre o poeta tem de criar o seu ritmo sem auxílio de fora. É como o sujeito que solto no recesso da floresta deva achar o seu caminho e sem bússola, sem vozes que de longe o orientem, sem os grãozinhos de feijão da história de João e Maria. Sem dúvida não custa nada escrever um trecho de prosa e depois distribuí-lo em linhas irregulares, obedecendo tão somente às pausas do pensamento. Mas isso nunca foi verso livre... O modernismo teve isso de catastrófico: trazendo para a nossa língua o verso livre, deu a todo o mundo a ilusão de que uma série de linhas desiguais é poema” [MB.1, II, 1282].

 

9 – Recitação

Recitação

 

“A recitação do verso, além dos requisitos exigidos para a da prosa, exige uma gesticulação adequada, sem exageros, um jogo fisionômico apropriado e que o recitalista não faça sentir demais a rima nem a cesura. No caso dos versos livres modernos é preciso descobrir o ritmo e a intenção que o poeta lhes quis dar” [AN.1, V, 108].

 

 

 

187 É interessante observar que Guerreiro optou pela contagem do verso até a última sílaba tônica por amor à brevidade, como declara, para evitar a “frequente repetição de agudo, grave e esdrúxulo, já que a última sílaba tônica basta para o verso ser constante” (Tratado de Versificação Portuguesa, Lisboa, 1784, p. 6). À semelhança dos italianos e espanhóis, a contagem antiga dos versos portugueses levava sempre em conta a existência de sílaba átona depois da última tônica (a base era o verso grave).

188 O emprego antigo e ainda corrente do mácron ( ¯ ) para as tônicas e da braquia ( ̆ ) para as átonas pode confundir os conceitos de quantidade e intensidade.

189 O novo sistema ortográfico proposto não agasalha este emprego do trema.

190 “Sem isso, a sinérese, ou a crase, é anômala, porque a ressonância nasal corresponde a um travamento da sílaba e só as sílabas terminadas por vogal são propriamente livres e se prestam à crase ou sinérese” [MC.4, 103].

191 “(...) na leitura da poesia em que (pondo de parte o encavalgamento) o final de verso correspondente a uma cláusula (e, significativamente, a um sintagma), não é muitas vezes marcado por um silêncio, mas por algo como a combinação de uma descida de tom com um nítido prolongamento da última sílaba tônica” [HCv.2, II, 464 n. 33].

192 O. Bilac - G. Passos, Tratado de Versificação, 68-69.

193 Os versos que não rimam chamam-se soltos ou brancos.