A culpa ou fato exclusivo de terceiro é fator obstante do nexo de causalidade, constituindo uma das excludentes da responsabilidade civil consumerista. Não se pode esquecer que o nexo de causalidade constitui a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano causado.52 Assim sendo, as excludentes de nexo servem para qualquer modalidade de responsabilidade, seja ela subjetiva ou objetiva.
Apesar de a lei mencionar a culpa exclusiva de terceiro, seria melhor utilizar o termo fato exclusivo de terceiro, uma vez que a responsabilidade civil pelo CDC, em regra, independe de culpa, o que pode gerar a confusão. Na verdade, a expressão fato exclusivo é concebida em sentido amplo, a englobar a culpa (desrespeito a um dever preexistente) e o risco assumido por outrem (conduta acima da situação de normalidade, uma iminência de perigo que pode causar dano). Muitos acórdãos, acertadamente, preferem a expressão ampla (por todos: TJSP – Apelação 9059293-06.2004.8.26.0000 – Acórdão 4978699, Bauru – Vigésima Quarta Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Rômolo Russo – j. 24.02.2011 – DJESP 23.03.2011; TJRS – Recurso Cível 71002709756, Porto Alegre – Primeira Turma Recursal Cível – Rel. Des. Leandro Raul Klippel – j. 26.08.2010 – DJERS 02.09.2010; TJRJ – Apelação 2009.001.05440 – Primeira Câmara Cível – Rel. Des. Camilo Ribeiro Ruliere – j. 27.05.2009 – DORJ 14.07.2009, p. 55; e TJPR – Apelação Cível 0473497-4, Foz do Iguaçu – Décima Câmara Cível – Rel. Des. Marcos de Luca Fanchin – DJPR 08.08.2008, p. 113).
Deve ficar claro que esse terceiro deve ser pessoa totalmente estranha à relação jurídica estabelecida. Se houver qualquer relação de confiança ou de pressuposição entre tal terceiro e o fornecedor ou prestador, o último responderá. Anote-se que, nos casos envolvendo a oferta ou publicidade, há norma específica a respeito da relação de pressuposição dos envolvidos com a publicidade, no art. 34 da Lei 8.078/1990.
Como bem observa Sérgio Cavalieri Filho, “Terceiro que integra a corrente produtiva, ainda que remotamente, não é terceiro; é fornecedor solidário. Assim, se a enfermeira, por descuido ou intencionalmente, aplica medicamente errado no paciente – ou em dose excessiva – causando-lhe a morte, não haverá nenhuma responsabilidade do fornecedor do medicamento. O acidente não decorreu de defeito do produto, mas da exclusiva conduta da enfermeira, caso em que deverá responder o hospital por defeito do serviço”.53 Por razões óbvias, o comerciante não pode ser considerado um terceiro no caso de um defeito que atinge o produto. Por todos os julgados, colaciona-se:
“Direito do consumidor. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais e materiais. Consumo de produto colocado em circulação quando seu prazo de validade já havia transcorrido. ‘Arrozina Tradicional’ vencida que foi consumida por bebês que tinham apenas três meses de vida, causando-lhes gastroenterite aguda. Vício de segurança. Responsabilidade do fabricante. Possibilidade. Comerciante que não pode ser tido como terceiro estranho à relação de consumo. Não configuração de culpa exclusiva de terceiro. Produto alimentício destinado especificamente para bebês exposto em gôndola de supermercado, com o prazo de validade vencido, que coloca em risco a saúde de bebês com apenas três meses de vida, causando-lhe gastroenterite aguda, enseja a responsabilização por fato do produto, ante a existência de vício de segurança previsto no art. 12 do CDC. O comerciante e o fabricante estão inseridos no âmbito da cadeia de produção e distribuição, razão pela qual não podem ser tidos como terceiros estranhos à relação de consumo. A eventual configuração da culpa do comerciante que coloca à venda produto com prazo de validade vencido não tem o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação pelos danos resultantes da ingestão da mercadoria estragada em face do fabricante. Recurso especial não provido” (STJ – REsp 980.860/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 23.04.2009 – DJe 02.06.2009).
Do mesmo Superior Tribunal de Justiça, repise-se o acórdão a respeito da morte ocorrida em micareta, o que ingressa no risco-proveito do serviço de lazer prestado, não cabendo a excludente do fato de terceiro:
“Processual civil e consumidor. Recurso especial. Ação de compensação por danos morais. Falecimento de menor em bloco participante de micareta. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência. Atuação de advogado sem procuração nos autos em audiência de oitiva de testemunhas. Prequestionamento. Ausência. Existência de fundamento inatacado. Deficiência na prestação do serviço de segurança oferecido pelo bloco constatada. Não ocorrência da culpa exclusiva de terceiro. Não há violação ao art. 535 do CPC quando ausentes omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido. O prequestionamento dos dispositivos legais tidos por violados constitui requisito específico de admissibilidade do recurso especial. É inadmissível o recurso especial se existe fundamento inatacado suficiente para manter a conclusão do julgado recorrido quanto ao ponto. Súmula 283/STF. Nos termos do art. 14, § 1º, CDC, considera-se defeituoso o serviço que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar. Nas micaretas, o principal serviço que faz o associado optar pelo bloco é o de segurança, que, uma vez não oferecido da maneira esperada, como ocorreu na hipótese dos autos, em que não foi impedido o ingresso de pessoa portando arma de fogo no interior do bloco, apresenta-se inequivocamente defeituoso. Recurso especial não conhecido” (STJ – REsp 878.265/PB – Terceira Turma – Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi – j. 02.10.2008 – DJE 10.12.2008).
Nota-se, na prática e na grande maioria das vezes, que o argumento da culpa ou fato exclusivo de terceiro não prospera, justamente pela existência da relação de pressuposição pelo produto ou serviço. Cite-se a comum situação em que a instituição bancária ou financeira alega que a fraude relativa ao cliente clonado foi causada por um terceiro totalmente estranho à relação, argumento que não acaba vingando (por todos: STJ – REsp 703.129/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – j. 21.08.2007 – DJ 06.11.2007, p. 169).
Por fim, deve ser feito o alerta de que, no transporte de pessoas – em regra, um negócio de consumo –, a excludente da culpa ou fato exclusivo de terceiro não é cabível. Estabelece o art. 735 do Código Civil – que reproduz a antiga Súmula 187 do STF – que “A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. Como se pode notar, a subsunção do Código Civil é melhor para os consumidores do que a aplicação do Código do Consumidor, devendo ser buscada a primeira norma pela festejada tese do diálogo das fontes. Então, naquele famoso caso do avião que caiu na região Centro-Oeste do Brasil, por ter sido atingido por um jatinho (culpa exclusiva de terceiro), a empresa aérea deve indenizar os familiares, consumidores por equiparação, pela incidência da norma civil. Por incrível que pareça, se fosse incidente o Código do Consumidor, isoladamente, a empresa aérea não responderia.
A culpa exclusiva do próprio consumidor representa a culpa exclusiva da vítima, outro fator obstativo do nexo causal, a excluir a responsabilidade civil, seja ela objetiva ou subjetiva. Tem-se, na espécie, a autoexposição da própria vítima ao risco ou ao dano, por ter ela, por conta própria, assumido as consequências de sua conduta, de forma consciente ou inconsciente. Mais uma vez, por razões óbvias de ampliação, prefere-se o termo fato exclusivo do consumidor, a englobar a culpa e o risco, o que também é acompanhado pela melhor jurisprudência (veja-se: TJPR – Apelação Cível 0640090-8, Curitiba – Décima Câmara Cível – Rel. Juiz Convocado Albino Jacomel Guerios – DJPR 16.04.2010, p. 270; TJRJ – Apelação 2009.001.16031 – Oitava Câmara Cível – Rel. Des. Gabriel Zéfiro – DORJ 15.06.2009, p. 151; e TJMG – Apelação Cível 1.0701.03.039127-3/001, Uberaba – Décima Primeira Câmara Cível – Rel. Designado Des. Maurício Barros – j. 22.05.2006 – DJMG 21.07.2006).
Tem-se inicialmente a culpa ou o fato exclusivo do consumidor quando ele desrespeita as normas regulares de utilização do produto constantes do seu manual de instruções, muitas vezes por sequer ter lido o seu conteúdo.
Outro caso típico em que há risco exclusivo assumido pelo consumidor ocorre no surfismo ferroviário, prática que foi muito comum em São Paulo e no Rio de Janeiro, presente quando alguém, por ato de aventura ou desafio, viaja em cima do vagão do trem, o que exclui a responsabilidade objetiva do transportador, típica prestação de serviço (nesse sentido: STJ – REsp 160.051/RJ – Terceira Turma – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – j. 05.12.2002 – DJ 17.02.2003, p. 268; e STJ – REsp 261.027/RJ – Quarta Turma – Rel. Min. Barros Monteiro – j. 19.04.2001 – DJ 13.08.2001, p. 164).
A respeito da culpa exclusiva da vítima, por desrespeito a norma regulamentar contratual, é comum a sua adoção para afastar a responsabilidade civil do médico, quando o paciente não toma as devidas medidas para a sua recuperação ou para o sucesso da intervenção. A título de exemplo, vejamos interessante julgado do Tribunal Gaúcho, que aplicou a premissa diante do uso do tabaco por parte da paciente médica de cirurgia plástica estética ou embelezadora:
“Apelação cível. Ação monitória. Realização de cirurgia plástica embelezadora. Obrigação de resultado. Ausência de nexo causal. Culpa exclusiva da paciente. Uso indiscriminado de tabaco. Não havendo o reconhecimento na ação indenizatória (n. 1.06.0000582-0) proposta pela parte demandada (paciente) de defeito na prestação do serviço prestado por parte do autor (médico) e diante da prova inequívoca da realização de cirurgia e do acerto do valor da mesma entre as partes, justo se faz o pagamento da dívida existente por parte da ora apelante. Apelo desprovido. Unânime” (TJRS – Apelação Cível 70036200970, Bagé – Quinta Câmara Cível – Rel. Des. Gelson Rolim Stockerm – j. 28.05.2010 – DJERS 09.06.2010).
Pelo mesmo caminho, quando um frequentador de casa noturna causa exclusivamente a confusão que gera a agressão física, não há que se falar em responsabilidade civil do prestador de serviços de lazer. Vejamos, nesse diapasão, acórdão do Tribunal de Minas Gerais:
“Apelação cível. Responsabilidade civil. Danos morais. Tumulto em casa noturna. Retirada do autor. Agressão física. Legítima defesa demonstrada. Relação de consumo. Culpa exclusiva da vítima. Improcedência do pedido que se impõe. A responsabilidade civil dos prestadores de serviços por falha na prestação de serviços se sujeita aos preceitos do art. 14, do CDC, sendo certo o dever de indenizar se ele não provar a ocorrência de alguma causa excludente da responsabilidade objetiva, como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, ou que inexiste o defeito ou falha na prestação do serviço. Tendo em vista que o conjunto fático-probatório dos autos comprovou que a parte autora causou tumulto em casa noturna, e que, por isso, foi retirado do local pelos seguranças, não há falar em conduta imotivada dos prepostos da réu. Se da prova testemunhal colhida demonstrou, também, que o autor investiu contra o chefe de segurança da ré, que, para se defender, desferiu-lhe um golpe, a solução de rigor é a improcedência do pedido, haja vista a demonstração de que os fatos se deram por culpa exclusiva do requerente, e, sob a ótica do CDC, presente a excludente de responsabilidade do prestador de serviços” (TJMG – Apelação Cível 4997061-38.2009.8.13.0024, Belo Horizonte – Décima Sétima Câmara Cível – Rel. Des. Luciano Pinto – j. 13.01.2011 – DJEMG 01.02.2011).
Do mesmo modo, entende-se que se o correntista bancário não guardar devidamente o seu cartão magnético ficará evidente a sua culpa exclusiva, a excluir eventual responsabilidade por vício ou fato do serviço. Do Tribunal de São Paulo:
“Responsabilidade civil. Danos morais e materiais. Saques em conta corrente. Cartão magnético e senha utilizados por terceiro. Furto ocorrido na residência dos autores. Culpa exclusiva da vítima. Em que pese, regra geral, a incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre a relação jurídica travada entre instituição financeira e correntista, o dever de indenizar é afastado se o substrato probatório e fático dos autos comprovar que o correntista não zelou pela guarda segura de seu cartão e de sua senha pessoal, oportunizando, com isto, a atuação de terceiro fraudador. Ação improcedente. Recurso não provido” (TJSP – Apelação 990.10.263689-5 – Acórdão 4815381, Itápolis – Vigésima Primeira Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Itamar Gaino – j. 10.11.2010 – DJESP 07.12.2010).
Igualmente a título de ilustração, se o próprio consumidor fizer instalações irregulares e em desacordo com a legislação vigente, a causar refluxo no esgoto e danificando móveis e utensílios, presente está a culpa exclusiva da vítima, a afastar o dever de indenizar do prestador do serviço correspondente (TJSP – Apelação 992.05.060392-1 – Acórdão 4355202, Bauru – Trigésima Segunda Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Walter Zeni – j. 04.03.2010 – DJESP 31.03.2010). A dedução deve ser a mesma se o consumidor fraudar o serviço público, caso da energia elétrica (popular gato). Todavia, deve ficar claro que o ônus de tal comprovação cabe ao prestador do serviço (por todos: TJBA – Recurso Cível 0004662-71.2008.805.0079-1 – Terceira Turma Recursal – Rel. Juiz Baltazar Miranda Saraiva – DJBA 28.10.2010).
Como último exemplo contemporâneo relativo à culpa ou fato exclusivo do consumidor, no caso de existência de dívida, é perfeitamente lícita a inscrição do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, o que constitui exercício regular de direito por parte do credor. Como tal excludente não consta expressamente do Código de Defesa do Consumidor, ao contrário do que ocorre com o Código Civil (art. 188, II, do CC), o caminho de conclusão pela improcedência da demanda passa pela verificação da culpa exclusiva da própria vítima.
Superado o estudo das excludentes de responsabilidade civil previstas expressamente pelo CDC, cumpre analisar o enquadramento de outros fatores obstativos, caso dos eventos extraordinários. Parte-se então para o estudo de uma das principais polêmicas do sistema de responsabilidade consumerista, pela falta de previsão expressa a respeito do caso fortuito e a força maior.
Questão das mais convertidas refere-se a saber se o caso fortuito e a força maior são excludentes de responsabilidade civil no sistema consumerista, uma vez que a lei não trouxe previsão expressa quanto a tais eventos. É forte a corrente doutrinária no sentido de que o rol de excludentes é taxativo (numerus clausus), não se admitindo outros fatores obstativos do nexo de causalidade ou da ilicitude.54
Porém, há ainda outra visão, qual seja a de que os eventos imprevisíveis e inevitáveis podem ser considerados excludentes da responsabilidade no sistema do Código do Consumo, visto que constituem fatores obstativos gerais do nexo de causalidade, aplicáveis tanto à responsabilidade subjetiva quanto à objetiva. Esse é o entendimento compartilhado pelo presente autor. Pela mesma trilha, essa é a opinião do atual Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, em sua dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nos seguintes termos: “O caso fortuito e a força maior enquadram-se, portanto, como causas de exclusão da responsabilidade civil do fornecedor, embora não previstas expressamente no Código de Defesa do Consumidor. O fundamental é que o acontecimento inevitável ocorra fora da esfera de vigilância do fornecedor, via de regra, após a colocação do produto no mercado, tendo força suficiente para romper a relação de causalidade”.55
Antes de se aprofundar o tema, insta anotar que se segue o entendimento de Orlando Gomes, segundo qual o caso fortuito é o evento totalmente imprevisível, enquanto a força maior é o evento previsível, mas inevitável.56 Entre os contemporâneos, Sérgio Cavalieri Filho, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, seguem a mesma divisão conceitual.57 Concluindo dessa forma, não há que se diferenciar a presença de uma conduta humana de um ato de terceiro, o que pode gerar choques de pensamento. O caso fortuito é mais do que a força maior, pois é um fato que não se espera, o que constitui algo raro na atualidade, uma vez que, no mundo pós-moderno, tudo pode acontecer.
Voltando-se à temática consumerista, Zelmo Denari, um dos autores do anteprojeto que gerou o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, admite o caso fortuito e a força maior como excludentes do dever de reparar na ótica do consumidor, sendo pertinente destacar as suas lições:
“As hipóteses de caso fortuito e força maior, descritas no art. 393 do Código Civil como eximentes da responsabilidade na ordem civil, não estão elencadas entre as causas excludentes da responsabilidade civil pelo fato do produto.
Mas a doutrina mais atualizada já advertiu que esses acontecimentos – ditados por forças físicas da natureza ou que, de qualquer forma, escapam ao controle do homem – tanto podem ocorrer antes como depois da introdução do produto no mercado de consumo.
Na primeira hipótese, instalando-se na fase de concepção ou durante o processo produtivo, o fornecedor não pode invocá-la para se subtrair à responsabilidade por danos.
[...]
Por outro lado, quando o caso fortuito ou força maior se manifesta após a introdução do produto no mercado de consumo, ocorre a ruptura do nexo de causalidade que liga o defeito ao evento danoso. Nem tem cabimento qualquer alusão ao defeito do produto, uma vez que aqueles acontecimentos, na maior da parte imprevisíveis, criam obstáculos de tal monta que a boa vontade do fornecedor não pode suprir. Na verdade, diante do impacto do acontecimento, a vítima sequer pode alegar que o produto se ressentia de defeito, vale dizer, fica afastada a responsabilidade dos fornecedores pela inocorrência dos respectivos pressupostos”.58
Mais à frente, o jurista chega à mesma conclusão em relação à prestação de serviços, ou seja, de que o caso fortuito e a força maior devem ser considerados excludentes da responsabilidade civil.59 Em sede de superior instância, já se concluiu desse modo, expressamente (entre os mais recentes: “Consumidor. Responsabilidade civil. Nas relações de consumo, a ocorrência de força maior ou de caso fortuito exclui a responsabilidade do fornecedor de serviços. Recurso especial conhecido e provido” (STJ – REsp 996.833/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Ari Pargendler – j. 04.12.2007 – DJ 1º.02.2008, p. 1). Mais remotamente: “Ação de indenização. Estacionamento. Chuva de granizo. Vagas cobertas e descobertas. Art. 1.277 do Código Civil. Código de Defesa do Consumidor. Precedente da Corte. 1. Como assentado em precedente da Corte, o ‘fato de o art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do art. 1.058 do Código Civil’ (REsp n. 120.647-SP, Relator o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, DJ 15.05.2000). 2. Havendo vagas cobertas e descobertas é incabível a presunção de que o estacionamento seria feito em vaga coberta, ausente qualquer prova sobre o assunto. 3. Recurso especial conhecido e provido” (STJ – REsp 330.523/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – j. 11.12.2001 – DJ 25.03.2002, p. 278).
A verdade é que a omissão legislativa gerou um grande debate jurídico. Na jurisprudência prevalecem os julgados que admitem a alegação do caso fortuito e da força maior como excludentes da responsabilização dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços (por todos os numerosos acórdãos: STJ – REsp 402.708/SP – Segunda Turma – Rel. Min. Eliana Calmon – j. 24.08.2004 – DJ 28.02.2005, p. 267; STJ – REsp 241.813/SP – Quarta Turma – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – j. 23.10.2001 – DJU 04.02.2002, p. 372; TJDF – Recurso 2004.09.1.005206-5 – Acórdão 308.873 – Quinta Turma Cível – Rel. Des. Lecir Manoel da Luz – DJDFTE 19.06.2008, p. 183; TJSC – Acórdão 2007.041167-5, Xanxerê – Rel. Des. Nelson Juliano Schaefer Martins – DJSC 17.12.2007, p. 88; TJMG – Acórdão 1.0024.03.073463-6/001, Belo Horizonte – Décima Quarta Câmara Cível – Rel. Des. Renato Martins Jacob – j. 06.09.2006 – DJMG 23.10.2006; TJRJ – Acórdão 23301/2003, Rio de Janeiro – Quinta Câmara Cível – Rel. Des. Henrique de Andrade Figueira – j. 21.10.2003; 1º TAC-SP – Agravo de Instrumento 834719-5 – Quarta Câmara – Rel. Juiz Paulo Roberto de Santana – j. 21.08.2002).
Na opinião do presente autor, a conclusão deve levar em conta a relação que o fato tido como imprevisível ou inevitável tem com o fornecimento do produto ou a prestação de serviço, ou seja, com o chamado risco do empreendimento, tão caro aos italianos.60 O debate traz à tona aquela antiga diferenciação entre fortuito interno e fortuito externo, bem desenvolvida, entre os clássicos, por Agostinho Alvim.61 O primeiro – fortuito interno – é aquele que tem relação com o negócio desenvolvido, não excluindo a responsabilização civil. O segundo – fortuito externo – é totalmente estranho ou alheio ao negócio, excluindo o dever de indenizar. Conforme enunciado doutrinário aprovado na V Jornada de Direito Civil, evento de 2011, “O caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida” (Enunciado 443).
Em outras palavras, deve-se atentar para os riscos que envolvem a atividade a partir da ideia de proveito ao vulnerável da relação estabelecida. Como bem aponta Anderson Schreiber, “a conclusão acerca da incidência ou não da teoria do fortuito interno parece, antes, vinculada a um juízo valorativo acerca de quem deve suportar o ônus representado por certo dano. Reconhece-se certo fato como inevitável, mas se entende que tal fatalidade não deve ser suportada pela vítima. Daí a aplicação da teoria do fortuito interno ser mais intensa no campo da responsabilidade objetiva, onde é de praxe atribuir ao responsável certos riscos que, embora não tenham sido causados pela sua atividade em si, não devem recair tampouco sobre a vítima”.62
Anote-se que é preciso adaptar as construções à diferenciação seguida por este autor, ou seja, também devem ser consideradas a força maior interna e a força maior externa. Isso porque estamos filiados à construção de que o caso fortuito é o evento totalmente imprevisível, e a força maior, o evento previsível, mas inevitável, conforme outrora demonstrado. Assim, ambas as categorias podem ser internas ou externas, conforme reconhece a jurisprudência (TRF 2ª Região – Acórdão 2000.50.01.008713-4 – Sétima Turma Especializada – Rel. Des. Fed. Reis Friede – DJU 23.10.2007, p. 292).
Pois bem, a diferenciação entre eventos internos e externos vem sendo seguida por parcela considerável da doutrina nacional.63 Em sede de Superior Tribunal de Justiça, tem-se aplicado a diferenciação em casos que envolvem assalto à mão armada a ônibus, concluindo o Tribunal tratar-se de fortuito externo, pois não é essencial ao negócio a segurança ao passageiro, de modo a impedir o evento. Vejamos a ementa de um dos julgados:
“Processo civil. Recurso especial. Indenização por danos morais, estéticos e materiais. Assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo. Caso fortuito externo. Exclusão de responsabilidade da transportadora. 1. A Segunda Seção desta Corte já proclamou o entendimento de que o fato inteiramente estranho ao transporte em si (assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo) constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora. 3. Recurso conhecido e provido” (STJ – REsp 726.371/RJ – Quarta Turma – Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa – j. 07.12.2006 –DJU 05.02.2007, p. 244).
Do ano de 2012, acórdão do mesmo Superior Tribunal de Justiça considerou que o roubo no caso do serviço prestado pelos correios constitui um evento externo, a excluir a responsabilidade civil do prestador de serviços. Conforme o julgado, “O roubo mediante uso de arma de fogo é fato de terceiro equiparável à força maior, que deve excluir o dever de indenizar, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetiva, por se tratar de fato inevitável e irresistível que gera uma impossibilidade absoluta de não ocorrência do dano. Não é razoável exigir que os prestadores de serviço de transporte de cargas alcancem absoluta segurança contra roubos, uma vez que a segurança pública é dever do Estado, também não havendo imposição legal obrigando as empresas transportadoras a contratar escoltas ou rastreamento de caminhão e, sem parecer técnico especializado, nem sequer é possível presumir se, por exemplo, a escolta armada seria eficaz para afastar o risco ou se o agravaria pelo caráter ostensivo do aparato” (STJ – REsp 976.564/SP – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 20.09.2012). A decisão foi publicada no Informativo 505 daquela Corte Superior, podendo ser encontrado outro julgamento na mesma publicação, concluindo pela subsunção do Código de Defesa do Consumidor ao serviço de correio (STJ – REsp 1.210.732/SC – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 02.10.2012).
Por outro lado, entende-se naquela superior instância que o assalto a um banco não constitui um evento externo, pois ingressa no risco do negócio, não afastando o dever de reparar da instituição respectiva, o que está em plena sintonia com a ideia de risco-proveito do Código do Consumidor. Assim, com variações na argumentação desenvolvida: STJ – REsp 1093617/PE – Quarta Turma – Rel. Min. João Otávio de Noronha – j. 17.03.2009 – DJe 23.03.2009; STJ – REsp 787.124/RS – Primeira Turma – Rel. Min. José Delgado – j. 20.04.2006 – DJ 22.05.2006, p. 167; STJ – REsp 694.153/PE – Quarta Turma – Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – j. 28.06.2005 – DJ 05.09.2005, p. 429; e STJ – REsp 613.036/RJ – Terceira Turma – Rel. Min. Castro Filho – j. 14.06.2004 – DJ 01.07.2004, p. 194).
Em outro julgado, do ano de 2012, a mesma Corte Superior concluiu que o banco responde pelo assalto ocorrido até o seu estacionamento, conveniado ou não, não havendo dever de indenizar por eventos a partir desse ambiente, em especial pelo fato social conhecido como “saidinha de banco”. Conforme consta de publicação no Informativo n. 512 do STJ, “a instituição financeira não pode ser responsabilizada por assalto sofrido por sua correntista em via pública, isto é, fora das dependências de sua agência bancária, após a retirada, na agência, de valores em espécie, sem que tenha havido qualquer falha determinante para a ocorrência do sinistro no sistema de segurança da instituição. O STJ tem reconhecido amplamente a responsabilidade objetiva dos bancos pelos assaltos ocorridos no interior de suas agências, em razão do risco inerente à atividade bancária. Além disso, já se reconheceu, também, a responsabilidade da instituição financeira por assalto acontecido nas dependências de estacionamento oferecido aos seus clientes exatamente com o escopo de mais segurança. Não há, contudo, como responsabilizar a instituição financeira na hipótese em que o assalto tenha ocorrido fora das dependências da agência bancária, em via pública, sem que tenha havido qualquer falha na segurança interna da agência bancária que propiciasse a atuação dos criminosos após a efetivação do saque, tendo em vista a inexistência de vício na prestação de serviços por parte da instituição financeira. Além do mais, se o ilícito ocorre em via pública, é do Estado, e não da instituição financeira, o dever de garantir a segurança dos cidadãos e de evitar a atuação dos criminosos” (STJ – REsp 1.284.962/MG – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 11.12.2012).
Aliás, do ano seguinte, o julgamento superior no sentido de que os estacionamentos em geral, excluídos os relativos às instituições bancárias, não respondem por assaltos à mão armada, mas apenas por furtos, pelo fato de serem os primeiros estranhos ao risco do negócio ou risco do empreendimento. Nos termos da publicação do aresto, de mesma relatoria, “não é possível atribuir responsabilidade civil a sociedade empresária responsável por estacionamento particular e autônomo – independente e desvinculado de agência bancária – em razão da ocorrência, nas dependências daquele estacionamento, de roubo à mão armada de valores recentemente sacados na referida agência e de outros pertences que o cliente carregava consigo no momento do crime. Nesses casos, o estacionamento em si consiste na própria atividade-fim da sociedade empresária, e não num serviço assessório prestado apenas para cativar os clientes de instituição financeira. Consequentemente, não é razoável impor à sociedade responsável pelo estacionamento o dever de garantir a segurança individual do usuário e a proteção dos bens portados por ele, sobretudo na hipótese em que ele realize operação sabidamente de risco consistente no saque de valores em agência bancária, uma vez que essas pretensas contraprestações não estariam compreendidas por contrato que abranja exclusivamente a guarda de veículo. Nesse contexto, ainda que o usuário, no seu subconsciente, possa imaginar que, parando o seu veículo em estacionamento privado, estará protegendo, além do seu veículo, também a si próprio, a responsabilidade do estabelecimento não pode ultrapassar o dever contratual de guarda do automóvel, sob pena de se extrair do instrumento consequências que vão além do contratado, com clara violação do pacta sunt servanda. Não se trata, portanto, de resguardar os interesses da parte hipossuficiente da relação de consumo, mas sim de assegurar ao consumidor apenas aquilo que ele legitimamente poderia esperar do serviço contratado. Além disso, deve-se frisar que a imposição de tamanho ônus aos estacionamentos de veículos – de serem responsáveis pela integridade física e patrimonial dos usuários – mostra-se temerária, inclusive na perspectiva dos consumidores, na medida em que a sua viabilização exigiria investimentos que certamente teriam reflexo direto no custo do serviço, que hoje já é elevado” (STJ – REsp 1.232.795/SP – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 02.04.2013, publicado no seu Informativo n. 521).
Ainda sobre esse problema social, conclui-se em sede de STJ que o assalto a shopping center e a supermercado ingressa na proteção de riscos esperada pelos consumidores, não sendo o caso de configuração do caso fortuito ou força maior. Na esfera do que aqui se discute, haveria, portanto, um fortuito interno. Vejamos a ementa de julgado recente:
“Recurso especial. Ação de indenização por danos morais em razão de roubo sofrido em estacionamento de supermercado. Procedência da pretensão. Força maior ou caso fortuito. Não reconhecimento. Conduta omissiva e negligente do estabelecimento comercial. Verificação. Dever de propiciar a seus clientes integral segurança em área de seu domínio. Aplicação do direito à espécie. Possibilidade, in casu. Dano moral. Comprovação. Desnecessidade. Damnum in re ipsa, na espécie. Fixação do quantum. Observância dos parâmetros da razoabilidade. Recurso especial provido. I. É dever de estabelecimentos como shopping centers e hipermercados zelar pela segurança de seu ambiente, de modo que não se há falar em força maior para eximi-los da responsabilidade civil decorrente de assaltos violentos aos consumidores. II. Afastado o fundamento jurídico do acórdão a quo, cumpre a esta Corte Superior julgar a causa, aplicando, se necessário, o direito à espécie. III. Por se estar diante da figura do damnum in re ipsa, ou seja, a configuração do dano está ínsita à própria eclosão do fato pernicioso, despicienda a comprovação do dano. IV. A fixação da indenização por dano moral deve revestir-se de caráter indenizatório e sancionatório, adstrito ao princípio da razoabilidade e, de outro lado, há de servir como meio propedêutico ao agente causador do dano. V. Recurso especial conhecido e provido” (STJ – REsp 582.047/RS – Terceira Turma – Rel. Min. Massami Uyeda – j. 17.02.2009 – DJe 04.08.2009).
Ato contínuo de estudo, a Corte julgou que o ataque de psicopata no cinema do shopping, metralhando as pessoas que ali se encontram, constitui um evento externo, a excluir a responsabilidade do prestador de serviços (caso Mateus da Costa Meira, ocorrido em 3 de novembro de 1999). A conclusão foi assim publicada no Informativo n. 433 do STJ:
“Responsabilidade. Shopping center. Trata-se de REsp em que se discute a responsabilidade e, consequentemente, o dever do shopping ora recorrente de indenizar em decorrência de disparos de arma de fogo na sala de um cinema daquele shopping, fato que levou à morte várias pessoas, entre as quais, o filho do ora recorrido. A Turma entendeu que, para chegar à configuração do dever de indenizar, não basta que o ofendido demonstre sua dor, visto que somente ocorrerá a responsabilidade civil se reunidos todos os seus elementos essenciais, tais como dano, ilicitude e nexo causal. Em sendo assim, não há como deferir qualquer pretensão indenizatória se não foi comprovado, ao curso da instrução, nas instâncias ordinárias, o nexo de causalidade entre os tiros desferidos e a responsabilidade do shopping onde se situava o cinema. Desse modo, rompido o nexo causal da obrigação de indenizar, não há falar em direito à percepção de indenização por danos morais e materiais. Diante disso, deu-se provimento ao recurso” (STJ – REsp 1.164.889-SP – Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJAP) – j. 04.05.2010).
Cumpre anotar que a decisão superior acaba por reformar entendimento do Tribunal Paulista, que, muitas vezes, julga pela responsabilidade do shopping center e da empresa de cinema: “Indenização por danos morais e materiais. Homicídio ocorrido em cinema localizado dentro de shopping center. Responsabilidade solidária do empreendedor e do lojista decorrente da relação de consumo estabelecida entre o consumidor e aquelas pessoas. Estabelecimentos que angariam frequentadores em razão da segurança que oferecem. Verba fixada, entretanto, que se mostra exagerada quanto a um aspecto. Recursos das rés e das autoras parcialmente providos” (TJSP – Apelação com revisão 3850464300 – Sétima Câmara de Direito Privado – Rel. Arthur Del Guércio – j. 23.11.2006). Com o devido respeito, há uma ampliação exagerada da responsabilidade dos entes privados quando, na verdade, quem deveria responder seriam os entes públicos, pela flagrante falta de segurança. A questão passa por uma necessária revisão da responsabilidade civil estatal, diante da falsa premissa da responsabilidade subjetiva estatal, por omissão dos entes e agentes públicos.64
Superado esse interessante e atual debate, ilustre-se que o conceito de fortuito externo é aplicado para afastar o dever de reparar em casos de eventos da natureza sem relação com o objetivo do fornecimento ou prestação. Nessa linha, decisão do Tribunal Paulista, em situação envolvendo danos a consumidor equiparado ou bystander:
“Queda de painel publicitário diante de vendaval. O fortuito externo exclui a obrigação de indenizar e, no caso, não se constatou que a queda do objeto se deu em virtude de falha de sustentação, mas, sim, de força anormal e inevitável de fenômeno da natureza. Vítimas que sofreram danos de natureza leve. Improcedência mantida. Não provimento, prejudicado o agravo retido” (TJSP – Apelação 482.081.4/0 – Acórdão 3334021, Osasco – Quarta Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – j. 16.10.2008 – DJESP 17.12.2008).
Por outra via, a ideia de fortuito interno vem sendo aplicada pela inteligência jurisprudencial para não excluir a responsabilidade civil, mormente em fatos concretos de negativação do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes:
“Dano moral. Nítida a hipossuficiência do consumidor, que não tem como fazer a prova de que não contratou com a ré. Indevida negativação de nome de consumidor junto a banco de dados de proteção ao crédito. Ocorrência de fortuito interno, que se incorpora ao risco da atividade de fornecimento de serviços de massa. Danos morais in re ipsa decorrentes da negativação. Critérios para mensuração. Funções punitiva e ressarcitória. Montante fixado em patamar razoável. Recurso provido em parte, apenas para alterar o índice de correção monetária do valor indenizatório” (TJSP – Apelação Cível 490.260.4/0 – Acórdão 3509627, São Paulo – Quarta Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Francisco Loureiro – j. 05.03.2009 – DJESP 30.03.2009).
Do Superior Tribunal de Justiça pode ainda ser destacado julgado que concluiu pelo fortuito interno em caso de acidente ocorrido em excursão do colégio. A ementa é interessante, por revelar uma hipótese que muito ocorre na prática. Vejamos:
“Civil e processual civil. Acidente ocorrido com aluno durante excursão organizada pelo colégio. Existência de defeito. Fato do serviço. Responsabilidade objetiva. Ausência de excludentes de responsabilidade. 1. É incontroverso no caso que o serviço prestado pela instituição de ensino foi defeituoso, tendo em vista que o passeio ao parque, que se relacionava à atividade acadêmica a cargo do colégio, foi realizado sem a previsão de um corpo de funcionários compatível com o número de alunos que participava da atividade. 2. O Tribunal de origem, a pretexto de justificar a aplicação do art. 14 do CDC, impôs a necessidade de comprovação de culpa da escola, violando o dispositivo ao qual pretendia dar vigência, que prevê a responsabilidade objetiva da escola. 3. Na relação de consumo, existindo caso fortuito interno, ocorrido no momento da realização do serviço, como na hipótese em apreço, permanece a responsabilidade do fornecedor, pois, tendo o fato relação com os próprios riscos da atividade, não ocorre o rompimento do nexo causal. 4. Os estabelecimentos de ensino têm dever de segurança em relação ao aluno no período em que estiverem sob sua vigilância e autoridade, dever este do qual deriva a responsabilidade pelos danos ocorridos. 5. Face as peculiaridade do caso concreto e os critérios de fixação dos danos morais adotados por esta Corte, tem-se por razoável a condenação da recorrida ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais. 6. A não realização do necessário cotejo analítico dos acórdãos, com indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entre o aresto recorrido e os paradigmas, implica o desatendimento de requisitos indispensáveis à comprovação do dissídio jurisprudencial. 7. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos para condenar o réu a indenizar os danos morais e materiais suportados pelo autor” (STJ – REsp 762.075/DF – Quarta Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 16.06.2009 – DJe 29.06.2009).
O fortuito interno ainda é aplicado em julgados acerca do apagão aéreo, o qual atingiu o País em época recente, trazendo a conclusão de responsabilidade da empresa aérea, pois se ingressa nos riscos do empreendimento (veja-se: TJSP – Apelação 991.09.028950-2 – Acórdão 4753638, São Paulo – Décima Oitava Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Rubens Cury – j. 28.09.2010 – DJESP 04.11.2010; TJSP – Apelação 7256443-5 – Acórdão 3462329, São Paulo – Vigésima Quarta Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Antônio Ribeiro Pinto – j. 22.01.2009 – DJESP 25.02.2009; e TJDF – Recurso 2007.09.1.014464-0 – Acórdão 317.416 – Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Rel. Designado Juiz Alfeu Machado – DJDFTE 22.08.2008, p. 106).
Em suma, pode-se concluir que os mergulhos nos eventos internos e externos estão consolidados na civilística nacional, seja no campo teórico ou prático. Todos os exemplos demonstram que, realmente, o rol dos arts. 12, § 3º e 14, § 3º da Lei 8.078/1990 não é taxativo (numerus clausus), mas exemplificativo (numerus apertus), admitindo-se outras excludentes, dentro, por óbvio, do bom-senso. A questão envolve a equidade, a justiça do caso concreto, prevista expressamente como fonte consumerista pelo caput do art. 7º do Código do Consumidor. Resumindo a análise de tais eventos, pode ser elaborado o seguinte quadro comparativo, quanto aos eventos internos e externos.
Superado esse ponto, vejamos o eventual enquadramento dos riscos do desenvolvimento como excludentes da responsabilidade consumerista.
Outra questão que merece ser debatida nesta obra está relacionada aos riscos do desenvolvimento como excludentes do sistema do consumidor. Trata-se de um dos temas mais atuais da responsabilidade civil. Os riscos do desenvolvimento, segundo Marcelo Junqueira Calixto, são aqueles que não são conhecidos pelas ciências quando da colocação do produto no mercado, vindo a ser descobertos posteriormente, após a utilização do produto e diante dos avanços científicos.65 Ilustrando, mencione-se o problema futuro que pode surgir a respeito dos alimentos transgênicos, decorrentes de modificação genética. Imagine-se se, no futuro, for descoberto e comprovado cientificamente que tais alimentos causam doenças, como o câncer. Consigne-se que a matéria foi regulada, no Brasil, timidamente e de forma insatisfatória, pela Lei 11.105, de 2005, denominada Lei de Biossegurança. No tocante à responsabilidade civil, foi inserida norma prevendo a responsabilidade objetiva das empresas que desenvolvem atividades de transformação genética, em regime próximo à responsabilidade ambiental, que ainda será estudada (art. 20).
O tema dos riscos do desenvolvimento é amplamente debatido no Velho Continente, particularmente diante da Diretiva 85/374/CEE, da Comunidade Europeia, de 25 de julho de 1985, relativa “à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos”. O art. 7º da referida Diretiva Internacional enuncia as hipóteses em que a empresa não responde pelo produto colocado no mercado.
O primeiro caso de exclusão da responsabilidade diz respeito à hipótese de prova do produtor de que não colocou o produto em circulação, situação em que o dano não se faz presente. Ademais, pode-se falar em ausência de nexo de causalidade em casos tais, não havendo a necessária relação de causa e efeito entre uma eventual conduta e o dano presente. A segunda hipótese de exclusão da reparação refere-se ao caso de o produtor provar que, tendo em conta as circunstâncias, se pode considerar que o defeito não existia no momento em que o produto foi colocado em circulação ou que este defeito surgiu posteriormente. Tal definição tem relação com os riscos do desenvolvimento. Igualmente, não haverá responsabilidade do fabricante se ele provar que produto não foi fabricado para venda ou para qualquer outra forma de distribuição com um fim econômico por parte do produtor, nem fabricado ou distribuído no âmbito da sua atividade profissional. A quarta situação é se o defeito, bem como o consequente dano ao consumidor, é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas. Como quinta previsão, o produtor não responde se o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto não lhe permitiu detectar a existência do defeito, excludente do mesmo modo interativa aos riscos do desenvolvimento. Por fim, o produtor não responde pelo defeito imputável à concepção do produto no qual foi incorporada a parte componente ou às instruções dadas pelos fabricantes.
No sistema português, a referida Diretiva foi recepcionada pelo Decreto-lei 383, de 6 de novembro de 1989, alterado, posteriormente, pelo Decreto-lei 131, de 24 de abril de 2001. As previsões sobre os riscos do desenvolvimento recebem críticas contundentes da doutrina, eis que estariam mais próximas de um sistema de responsabilidade subjetiva fundada na culpa. Leciona Menezes Leitão, professor catedrático da Universidade de Lisboa, que “Esta exoneração foi, porém, subordinada através do art. 15º da Directiva a um procedimento de stand-still comunitário para aumentar, se possível, o nível de proteção da Comunidade de modo uniforme, tendo-se previsto expressamente uma eventual revisão da Directiva, neste ponto, após o estudo de sua utilização pelos tribunais”.66
De todo modo, a questão não é pacífica entre os lusitanos, uma vez que a comissão elaboradora do anteprojeto do Código do Consumidor Português pretende reproduzir a norma da Diretiva, com a menção dos riscos do desenvolvimento como excludente da responsabilidade do produtor.67 Relembre-se que a comissão elaboradora é presidida pelo professor catedrático da Universidade de Coimbra António Pinto Monteiro, contando com vários acadêmicos em seus quadros.68 Ainda em Portugal, todo o debate relativo a essa Diretiva levou Carlos Ferreira de Almeida, professor da Universidade Nova de Lisboa, a afirmar que “o balanço acerca das virtualidades da Directiva é muito desequilibrado, sendo raras as vozes favoráveis ao seu conteúdo. Nenhuma directiva comunitária é porventura tão criticada e tão mal-amada como esta”.69
O tema dos riscos do desenvolvimento é discutido por igual na Itália, precisamente porque houve uma alteração legislativa no tocante à Diretiva Europeia. Conforme aponta Guido Alpa, o risco do desenvolvimento (rischio dello sviluppo) exclui a responsabilidade do produtor do sistema italiano. Porém, a empresa deverá responder se, depois da sua colocação do mercado, conhecia ou deveria conhecer a sua periculosidade, omitindo-se em adotar as medidas idôneas para evitar o dano, principalmente aquelas relacionadas à informação do público.70 As conclusões do jurista são de incidência da responsabilidade do Código Civil Italiano em situações tais, nos termos do seu art. 2.050, da exposição ao perigo a gerar a responsabilidade por culpa presumida.
No caso brasileiro, pode-se afirmar que o tema divide a doutrina, havendo uma propensão a afirmar que os riscos do desenvolvimento não excluem o dever de indenizar, apesar de fortes resistências. Nessa linha de raciocínio foi a opinião dos juristas presentes na I Jornada de Direito Civil, com a aprovação do Enunciado 43, dispondo que “a responsabilidade civil pelo fato do produto, prevista no art. 931 do novo Código Civil, também inclui os riscos do desenvolvimento”. Em apurado estudo, ao expor toda a controvérsia doutrinária relativa ao assunto e filiar-se à corrente da responsabilização, lecionam Silmara Juny de Abreu Chinelato e Antonio Carlos Morato, professores da Universidade de São Paulo:
“Considerando, ainda, que o risco do desenvolvimento relaciona-se com o fato do produto, com sua segurança, envolvendo direito à via, à integridade física e psíquica do consumidor, direitos da personalidade de grande relevância, somente poderia ser admitido no ordenamento jurídico de modo expresso, como ocorre nos países europeus que adotaram a Diretiva 85/374, e jamais implícito.
A opção do legislador foi clara no sentido de não acolher tal excludente de responsabilidade, não havendo margem à dúvida quanto à interpretação taxativa do rol do § 3º do art. 12 do CDC, no qual o risco do desenvolvimento não se inclui.”71
De fato, seja no sistema civilista ou, principalmente, consumerista, a melhor conclusão é a de que o fornecedor responde pelos riscos do desenvolvimento, servindo como alento as ideias de risco-proveito e de risco do empreendimento. Ademais, a responsabilidade, na proporção do risco presente, pode ser retirada do art. 10 da Lei 8.078/1990, eis que o fornecedor não poderá colocar no mercado produto que sabia ou deveria saber tratar-se de perigoso.
Em reforço, subsume-se o imperativo do art. 8º do Código Consumerista, no sentido de que os produtos colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer situação, a disponibilizarem as informações necessárias e adequadas a seu respeito. Na mesma linha, opina Bruno Miragem que os riscos do desenvolvimento ingressam na garantia de efetividade do direito do consumidor, ao adotar um sistema de responsabilidade objetiva que engloba os riscos colocados no mercado de consumo.72 Por bem, a jurisprudência nacional tem chegado à mesma conclusão, cabendo destacar:
“Plano de saúde. Recusa da seguradora em custear o tratamento de quimioterapia sob alegação de que se trata de medicamento experimental. Sentença procedente. Dano moral configurado. Prevendo o contrato cobertura para a quimioterapia, não poderia a primeira apelante negar o custeio para o tratamento correlato, através de nova técnica, mais eficaz e indicada para o paciente. Ademais, de acordo com o denominado risco do desenvolvimento, é de serem imputados aos fornecedores de serviço não só as novas técnicas, mas também os efeitos colaterais que a ciência só veio a conhecer posteriormente, caso em que a nova descoberta é incorporada aos serviços. Danos morais reduzidos ao patamar de R$ 8.000,00, com juros moratórios a contar da citação. Quanto à restituição da quantia de R$ 4.120,81, deve ser na forma simples e não em dobro, vez que além do pagamento não ter sido realizado diretamente em favor do réu (fls. 77), não houve cobrança indevida, mas apenas a recusa da cobertura securitária, não sendo, assim, aplicável o art. 42 da Lei 8.078/1990. Provimento parcial de ambos os recursos” (TJRJ – Apelação 2009.001.19443 – Quarta Câmara Cível – Rel. Des. Mônica Tolledo de Oliveira – j. 15.09.2009 – DORJ 21.09.2009, p. 137).
Pelo mesmo caminho de inclusão dos riscos do desenvolvimento na responsabilidade civil, vejamos julgado do Superior Tribunal de Justiça, que determinou a responsabilidade da empresa de medicamento pelo produto que, posteriormente, descobriu-se ser de uso limitado ou restritivo:
“Direito do consumidor. Consumo de Survector, medicamento inicialmente vendido de forma livre em farmácias. Posterior alteração de sua prescrição e imposição de restrição à comercialização. Risco do produto avaliado posteriormente, culminando com a sua proibição em diversos países. Recorrente que iniciou o consumo do medicamento à época em que sua venda era livre. Dependência contraída, com diversas restrições experimentadas pelo paciente. Dano moral reconhecido. É dever do fornecedor a ampla publicidade ao mercado de consumo a respeito dos riscos inerentes a seus produtos e serviços. A comercialização livre do medicamento Survector, com indicação na bula de mero ativador de memória, sem efeitos colaterais, por ocasião de sua disponibilização ao mercado, gerou o risco de dependência para usuários. A posterior alteração da bula do medicamento, que passou a ser indicado para o tratamento de transtornos depressivos, com alto risco de dependência, não é suficiente para retirar do fornecedor a responsabilidade pelos danos causados aos consumidores. O aumento da periculosidade do medicamento deveria ser amplamente divulgado nos meios de comunicação. A mera alteração da bula e do controle de receitas na sua comercialização não são suficientes para prestar a adequada informação ao consumidor. A circunstância de o paciente ter consumido o produto sem prescrição médica não retira do fornecedor a obrigação de indenizar. Pelo sistema do CDC, o fornecedor somente se desobriga nas hipóteses de culpa exclusiva do consumidor (art. 12, § 3º, do CDC), o que não ocorre na hipótese, já que a própria bula do medicamento não indicava os riscos associados à sua administração, caracterizando culpa concorrente do laboratório. A caracterização da negligência do fornecedor em colocar o medicamento no mercado de consumo ganha relevo à medida que, conforme se nota pela manifestação de diversas autoridades de saúde, inclusive a OMC, o cloridrato de amineptina, princípio ativo do Survector, foi considerado um produto com alto potencial de dependência e baixa eficácia terapêutica em diversas partes do mundo, circunstâncias que inclusive levaram a seu banimento em muitos países. Deve ser mantida a indenização fixada, a título de dano moral, para o paciente que adquiriu dependência da droga. Recurso especial conhecido e provido” (STJ – REsp 971.845/DF – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – Terceira Turma – Rel. p/Acórdão Min. Nancy Andrighi – j. 21.08.2008 – DJe 01.12.2008).
Sem dúvida, os riscos do desenvolvimento constituem um dos temas mais delicados na ótica consumerista, devendo ser debatidos com grande profundidade pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, no presente e no futuro.
Superado o estudo das excludentes de responsabilidade consumerista, cumpre expor o fato concorrente do consumidor como atenuante da responsabilidade civil dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços. O tema, como outros do presente capítulo, foram estudados pelo presente autor por ocasião da defesa de sua tese de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, publicada por esta mesma editora.73
Como é notório, o Código Civil estabeleceu um sistema de responsabilidade civil baseado na extensão do dano e no grau de culpa dos envolvidos com o evento (art. 944). Assim, havendo excessiva desproporção entre o grau de culpa do agente e o dano, poderá o juiz reduzir equitativamente a indenização. Mais do que isso, consagra-se a culpa concorrente da vítima como atenuante da responsabilidade civil (art. 945 do CC). Questão importante reside em saber se tais parâmetros têm incidência também para a responsabilidade civil objetiva, notadamente para a responsabilidade civil prevista pela Lei 8.078/1990. A indagação foi inicialmente respondida quando da I Jornada de Direito Civil (2002), com a aprovação do Enunciado 46, cuja redação original era a seguinte: “A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva” (grifos deste autor).
Quando da IV Jornada de Direito Civil (2006), por proposição do presente autor, a parte em destaque da ementa doutrinária foi excluída pelo Enunciado 380 da IV Jornada de Direito Civil (“Atribui-se nova redação ao Enunciado 46 da I Jornada de Direito Civil, com a supressão da parte final: não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”). Na V Jornada de Direito Civil (2011), a questão se concretizou pela aprovação do Enunciado 459, também proposto por este autor: “A conduta da vítima pode ser fator atenuante do nexo de causalidade na responsabilidade civil objetiva”.
Isso porque tem-se admitido amplamente o fato concorrente da vítima como atenuante da responsabilidade objetiva. A expressão deve ser entendida em sentido amplo, a englobar a culpa concorrente e o risco concorrente do próprio consumidor. Na ótica do Direito do Consumidor, o problema é muito bem enfrentado por Sérgio Cavalieri Filho:
“Muitos autores não admitem a culpa concorrente nas relações de consumo por considerarem incompatível a concorrência de culpa na responsabilidade objetiva. Como falar em culpa concorrente onde não há culpa? Por esse fundamento, todavia, a tese é insustentável porque, na realidade, o problema é de concorrência de causas e não de culpa, e o nexo causal é pressuposto fundamental em qualquer espécie de responsabilidade. Entendemos, assim, que mesmo em sede de responsabilidade objetiva é possível a participação da vítima (culpa concorrente) na produção do resultado, como, de resto, tem admitido a jurisprudência em casos de responsabilidade civil no Estado”.74
Ora, na esteira das palavras transcritas, o fato concorrente da vítima constitui uma atenuante que diminui a calibração do nexo de causalidade, diminuindo o quantum debeatur. Essa é a opinião de Caitlin Sampaio Mulholland que, em tese de doutorado defendida na UERJ, resolve o problema a partir do estudo da concausalidade (soma de causas), que pode estar presente em casos envolvendo o produto ou o serviço. Vejamos suas palavras:
“O segundo caso é a, contrario sensu, o de uma pessoa que assume o risco de sofrer um dano através de conduta perigosa, quando tinha capacidade de antever a realização do resultado. Aqui a vítima conhecia e previa a possibilidade do evento danoso e aceita o risco do dano, como se fosse um blefe (culpa consciente). Mesmo nessa hipótese não pode haver a exclusão da responsabilidade por parte do agente. Primeiramente, porque não é possível inferir-se a existência de um contrato tácito de assunção de riscos e exclusão da responsabilidade. E em segundo lugar, porque o dano ocasionado teve como causa a conduta de um agente. Contudo, nesse caso, existe uma diminuição do quantum indenizatório, na medida em que existe a concorrência de causas. Um exemplo deste último caso é de uma pessoa que invade um depósito de produtos pirotécnicos e o da empresa que não utilizou os meios para promover a segurança do local. Outro exemplo é o da pessoa que atravessa a rua em local permitido, com sinal aberto para ela, mas um carro, em alta velocidade e visivelmente mostrando sinais de que não vai parar a tempo de impedir o dano, a atropela. Há concorrência de culpas, pois o pedestre assumiu os riscos de sua atitude, por mais que fosse lícita, de gerar o dano ocasionado”.75
Trata-se de incidência da máxima da equidade, retirada da isonomia constitucional e do bom-senso (art. 5º, caput, da CF/1988). Deve ficar bem claro que o fato concorrente da vítima não é fator excludente da responsabilidade do fornecedor, mas simplesmente um fator de diminuição do dever de reparar. Desse modo, a indenização será fixada com razoabilidade, de acordo com as contribuições dos envolvidos, seja por culpa, fato ou risco assumido.
Na mesma linha de análise da concausalidade, o próprio proponente do Enunciado 46 do Conselho da Justiça Federal, da I Jornada de Direito Civil, Paulo de Tarso Sanseverino, mudou seu entendimento em relação à redação original da proposta anterior. Em artigo que sintetiza a sua tese de doutorado, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o jurista expõe, ao comentar o enunciado, que, “Voltando a refletir, com maior profundidade, a respeito do tema por ocasião da elaboração da presente tese, convenci-me, após aprofundar a pesquisa, da possibilidade da incidência da cláusula geral de redução também na responsabilidade objetiva, revisando posição anteriormente sustentada”.76 O atual Ministro do STJ recomenda que a interpretação de acordo com a gravidade da culpa seja substituída pela interpretação segundo a relevância da causa.77 Uma das causas relevantes que este estudo propõe é justamente a assunção do risco pelas partes envolvidas com o evento danoso.
Destaque-se que, como argumento para as proposições quando das IV e V Jornadas de Direito Civil, aduzimos que, em casos de responsabilidade objetiva fundada no Código de Defesa do Consumidor, pode o réu alegar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, visando afastar totalmente a sua responsabilidade. Para tal fim, foram citados os arts. 12, § 3º, e 14, § 3º, ambos da Lei 8.078/1990, que preveem tais excludentes. Dessa forma, foi argumentado que, se o suposto agente pode o mais, que é alegar a excludente total de responsabilidade para afastar a indenização, poderia o menos, que é atestar a conduta concorrente, visando diminuir o quantum indenizatório.
Em reforço, juntou-se, nas ocasiões, notório julgado do Superior Tribunal de Justiça, o qual admitiu a discussão de culpa concorrente em ação de responsabilidade objetiva fundada no Código Consumerista. Trata-se do famoso caso do escorregador, normalmente utilizado como fundamento para a tese da con-causalidade consumerista, diante dos riscos assumidos pelo próprio consumidor:
“Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade do fornecedor. Culpa concorrente da vítima. Hotel. Piscina. Agência de viagens. Responsabilidade do hotel, que não sinaliza convenientemente a profundidade da piscina, de acesso livre aos hóspedes. Art. 14 do CDC. A culpa concorrente da vítima permite a redução da condenação imposta ao fornecedor. Art. 12, § 2º, III, do CDC. A agência de viagens responde pelo dano pessoal que decorreu do mau serviço do hotel contratado por ela para a hospedagem durante o pacote de turismo. Recursos conhecidos e providos em parte” (STJ – REsp 287.849/SP – Quarta Turma – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j. 17.04.2001 – DJ 13.08.2001, p. 165).
Na verdade, julgados mais recentes do STJ reconhecem o fato concorrente do consumidor como fator atenuante: “Agravo regimental no agravo de instrumento. Responsabilidade objetiva. Culpa concorrente. Agravo regimental improvido. Na responsabilidade objetiva é desnecessário discutir a culpa do agente, uma vez que sua responsabilidade independe de culpa; entretanto, pode-se discutir a culpa concorrente ou exclusiva da vítima. Agravo regimental improvido” (STJ – AgRg no Ag 852.683/RJ – Quarta Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 15.02.2011 – DJe 21.02.2011). Na mesma linha, em lide relativa à fraude bancária praticada por meio de cheque furtado, em que ficou devidamente comprovada a falta de cuidado por parte do consumidor:
“Consumidor. Recurso especial. Cheque furtado. Devolução por motivo de conta encerrada. Falta de conferência da autenticidade da assinatura. Protesto indevido. Inscrição no cadastro de inadimplentes. Dano moral. Configuração. Culpa concorrente. A falta de diligência da instituição financeira em conferir a autenticidade da assinatura do emitente do título, mesmo quando já encerrada a conta e ainda que o banco não tenha recebido aviso de furto do cheque, enseja a responsabilidade de indenizar os danos morais decorrentes do protesto indevido e da inscrição do consumidor nos cadastros de inadimplentes. Precedentes. Consideradas as peculiaridades do processo, caracteriza-se hipótese de culpa concorrente quando a conduta da vítima contribui para a ocorrência do ilícito, devendo, por certo, a indenização atender ao critério da proporcionalidade. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido” (STJ – REsp 712.591/RS – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 16.11.2006 – DJ 04.12.2006, p. 300).
Insta anotar que o próprio codificador civil brasileiro admitiu a discussão da culpa concorrente da vítima, ou melhor, tecnicamente, de fato concorrente da vítima, em um caso de responsabilidade objetiva, a saber, na responsabilidade do transportador de pessoas. O dispositivo em questão, art. 738 do Código Civil, enuncia, em seu caput, que a pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários. Ato contínuo, deve abster-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, dificultem ou impeçam a execução normal do serviço. A norma é completada pelo seu parágrafo único, segundo o qual, se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano. Na jurisprudência, vários são os acórdãos que reconhecem o fato concorrente da vítima como atenuante da responsabilidade do transportador, que é submetida ao CDC.
Cite-se o entendimento relativo ao pingente de trem, aquele passageiro que vai pendurado do lado de fora do vagão, podendo ser geralmente notado por quem opera a máquina. Por vezes, fica ele pendurado por pura diversão, mas, em algumas situações, o faz por necessidade, devido ao fato de o vagão estar lotado. Deve ficar claro que a sua atitude não se confunde com a do surfista de trem, o qual é aquele que viaja em cima do vagão. A respeito do pingente, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela presença da culpa concorrente da vítima, não se excluindo totalmente a responsabilidade da empresa férrea, mas atenuando-a (STJ – REsp 226.348/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Castro Filho – j. 19.09.2006 – DJ 23.10.2006, p. 294; e STJ – REsp 324.166/SP – Quarta Turma – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j. 18.10.2001 – DJ 18.02.2002, p. 455). Existem decisões de Tribunais Estaduais na mesma linha, julgando pela contribuição das condutas (ilustrando: TJRJ – Acórdão 2006.001.54574 – Décima Sexta Câmara Cível – Rel. Des. Conv. Pedro Freire Raguenet – j. 09.01.2007).
Pode até parecer que a admissão do fato concorrente do consumidor constitui um argumento contrário à tutela de seus direitos, violando a proteção constitucional constante do art. 5º, inc. XXXII, do Texto Maior. Trata-se de um engano, uma vez que, em algumas situações, o fato ou o risco concorrente constitui um argumento para proteção dos vulneráveis negociais, pela divisão justa dos custos sociais da responsabilidade civil. Isso pode ser percebido pelo próximo tópico deste capítulo, que enfrenta o problema da responsabilidade civil que surge do tabagismo.
Seguindo no estudo da responsabilidade consumerista, cumpre analisar um dos principais problemas da responsabilidade civil contemporânea, qual seja o dever de indenizar das empresas tabagistas pelo uso do cigarro. O tema está no cerne das discussões sociais e jurídicas dos tempos atuais, cabendo relevar as fortes restrições legislativas ao uso do cigarro, especialmente em locais fechados, por uma questão de saúde pública e interesse social.
Após a entrada em vigor, no Estado de São Paulo, da Lei 13.541/2009, outras unidades da federação resolveram copiar a iniciativa de tal proibição, como é o caso do Rio de Janeiro (Lei 5.517/2009). O que se pode dizer, até o presente momento, é que a citada lei antifumo passou a ter ampla aplicação na cidade de São Paulo. Muito mais do que a fiscalização por parte dos órgãos públicos, os cidadãos e as entidades privadas têm colaborado para sua efetivação. Isso porque a proibição ou o não uso do cigarro parecem estar impregnados no senso comum, não só no Brasil, mas em todo o Planeta.
A demonstrar tal evidência, a revista Veja publicou notícia, em sua edição de 25 de novembro de 2009, com o título “A morte lenta do cigarro”.79 A reportagem inicia-se com a seguinte constatação mundial, após tratar da realidade brasileira de restrições ao cigarro: “A constatação dos tempos atuais é inequívoca: a moda contra o cigarro, que agora se espalha pelo Brasil, pegou. Pegou nas democracias do Ocidente e, em certos casos, até mesmo em países mais pobres. Em alguns, as restrições são ousadas (Irlanda, 2004: o cigarro é banido até do símbolo nacional, os pubs). E outros são proibições ainda tímidas (República Checa, 2006: começou o veto ao cigarro nas escolas). Há países onde a lei funciona perfeitamente bem (Suécia, 2005: o cigarro sumiu dos locais públicos). Há outros em que é ignorada (Paquistão, 2003: fuma-se até dentro dos órgãos públicos). Apesar das diferenças de ritmo e de intensidade o banimento do cigarro parece inexorável no Ocidente. O melhor exemplo talvez seja a França, a Paris dos cafés, dos maços de Gauloises colocados com o elmo alado dos gauleses outrora invencíveis. Em 1991, entrou em vigor uma lei que bania o cigarro dos locais públicos e exigia que os restaurantes criassem áreas para não fumantes. Foi francamente ignorada. No ano passado, uma nova lei, mas rígida que a anterior, pegou. O cigarro é a droga mais popular do século XX. Teve a mais espetacular trajetória de um produto no surgimento da sociedade de massas. No apogeu, era símbolo das mais instintivas ambições humanas: a riqueza, o poder, a beleza. No ocaso, virou câncer, dor e morte”.80
Na verdade, parece-nos que a permissão para o uso totalmente livre e indiscriminado do cigarro foi um erro histórico da humanidade, por óbvio influenciado por questões econômicas e pelo poderio político latente das empresas de tabaco. Trata-se de um erro que necessita ser corrigido. A afirmação pode parecer forte, sobretudo para as pessoas que compõem as gerações anteriores. Entretanto, para as gerações sucessivas, o erro é perfeitamente perceptível, em especial se for considerada a cultura contemporânea da saúde e do bem-estar de vida (wellness life).
Tal engano da humanidade foi constatado pelo sociólogo Sérgio Luís Boeira, em sua obra Atrás da cortina de fumaça.81 Ao analisar a questão histórica, o pesquisador aponta para o fato de que a “expansão da manufatura de tabaco acentua globalmente após a Independência dos EUA. Primeiro, porque mesmo durante a guerra de independência os europeus incrementam a importação de fumo da América Latina e do Caribe e promovem o cultivo em outras regiões – como Áustria, Alemanha, Itália e Indonésia. Segundo, porque após a libertação estadunidense, a Inglaterra perde o monopólio da fabricação de pastilhas, rapé, cigarros e tabaco de pipa. Este fato provoca o surgimento de fábricas, ainda que rudimentares, baseadas na manufatura, e não em máquinas”.82 Mais à frente, demonstra o sociólogo que o cigarro tornou-se substancialmente popular na segunda metade do século XIX, estimulado o seu uso pela urbanização e pelo ritmo de vida da modernidade e do capitalismo, fortemente influenciado pelo modo de vida norte-americano (American way of life). A respeito desse período, expõe o sociólogo: “Fumar cigarros torna-se mais prático do que fumar charuto ou cachimbo, o que induz muitos à experimentação e possivelmente ao hábito ou vício”.83 No século XX, incrementou-se o desenvolvimento concreto e efetivo das indústrias de tabaco, sobretudo americanas e britânicas, ocorrendo também, nesse período, o surgimento dos primeiros estudos relativos aos seus males.84
O pesquisador destaca que os movimentos antitabagistas e antifumo cresceram significativamente na segunda metade do século, encontrando o seu apogeu na virada para o século XXI e no seu início, conforme já demonstrado. Na década de 1990, as entidades públicas de saúde descobriram que as próprias empresas de cigarro haviam documentado os graves males do produto, não revelando tais dados, por óbvio, para a sociedade:
“Em meados da década de 1990, os órgãos públicos de saúde descobrem que desde a década de 1950 há, nos laboratórios das empresas fumangeiras, pesquisa científica sigilosa e em profundidade sobre os efeitos do tabagismo. Obra capital neste sentido é The Cigarette Papers, que tende a ser reconhecida como um marco na história da luta antitabagista – embora seja limitada teórica e metodologicamente pelo paradigma disjuntor-redutor. O que Glanz e sua equipe chamam de irresponsabilidade e maneira enganosa é basicamente o fato de que a indústria mantém em segredo pesquisas científicas que contrariam frontalmente os seus próprios discursos públicos, tendo sido comprovadas alterações e supressões de trechos considerados perigosos para a imagem pública das empresas. Tais documentos da BAT e Brown & Williamson reconhecem que o tabagismo é causa determinante de uma variedade de doenças – e por isso mesmo, durante vários anos, os empresários investiram em pesquisas para identificar e remover toxinas específicas encontradas na fumaça de cigarros”.85
Não se olvide que as denúncias relativas aos documentos da Brown & Williamson estão relatadas no filme de Michael Mann, O Informante (1999). É interessante pontuar que muitos julgadores utilizam a existência de tais documentos como argumento para as decisões, apesar de os cultuadores do cigarro ignorarem ou negarem a existência desses estudos.
Para demonstrar a magnitude desse grave engano humano, Sérgio Boeira faz profunda análise dos efeitos biomédicos e epidemiológicos do consumo do cigarro, o que não deixa qualquer dúvida a respeito dos males do produto, diante das inúmeras fontes interdisciplinares pesquisadas.86 Assim, a partir das conclusões divulgadas pela Organização Mundial da Saúde, evidencia-se que o cigarro constitui um fator de risco de danos à saúde.87 O entendimento das entidades médicas é no sentido de que não existe consumo regular de tabaco isento de risco à saúde.88 Os estudos demonstram que há 4.720 substâncias tóxicas na composição do cigarro, sendo 70 delas causadoras de câncer. E mais, a respeito dessa doença: “A participação do tabagismo como fator de risco é bastante elevada, em alguns casos, inclusive tornando ineficaz a quase totalidade dos tratamentos médicos que excluam a superação do vício”.89
Há duas tabelas bem interessantes apresentadas por Sérgio Boeira em sua obra. A primeira demonstra os tipos de câncer mais comuns e o percentual de doentes que são fumantes. Vejamos: câncer de pulmão, 80% a 90% são fumantes; câncer nos lábios, 90%; na bochecha, 87%; na língua, 95%; no estômago, 80%; nos rins, 90%; no tubo digestivo (da boca ao ânus), 80%. A segunda tabela expõe os principais tipos de câncer no mundo, destacando-se em negrito aqueles que têm relação com o tabagismo, a saber: 1º) câncer de pulmão; 2º) câncer de estômago; 3º) intestino; 4º) fígado; 5º) mama; 6º) esôfago; 7º) boca; 8º) colo do útero; 9º) próstata; 10º) bexiga.90
A tabela comparativa exposta tem condições técnicas de afastar a tese da impossibilidade de prova do nexo de causalidade nas ações de responsabilidade civil fundadas no câncer decorrente do tabagismo, conforme prega parte considerável da doutrina e da jurisprudência, e cujos argumentos serão devidamente rebatidos. Nos casos dos males destacados, não há dúvida de que é possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre a colocação de um produto tão arriscado no mercado – no caso, o cigarro – e os danos causados aos seus consumidores.
Como forte e contundente tática ao consumo utilizada pelas empresas de tabaco, destaca-se sobremaneira o papel que a publicidade e os meios de marketing sempre exerceram para seduzir ao uso do produto, levando as pessoas à experimentação e, consequentemente, ao vício. Para a devida pesquisa, este autor compareceu à exposição Propagandas de cigarro – como a indústria do fumo enganou você, com mostra de cartazes e vídeos relativos à publicidade do cigarro nos séculos XIX e XX. A exposição foi realizada na cidade de São Paulo, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, entre os dias 15 e 26 de outubro de 2009. Entre as diversas peças das campanhas publicitárias da época, de início, cumpre destacar aquelas que têm relações com os temas familiares e a criança. Não deixa de chocar o cartaz em que aparece um bebê de colo dizendo à mãe: “Nossa, mamãe, você certamente aprecia o seu Marlboro!”.91 Na mostra, foram expostas também peças de publicidade em que crianças distribuem caixas de maços de cigarro aos pais. Ainda no que concerne a temas da família, produtos como o Lucky Strike, o Pall Mall e o Murad associavam as suas marcas à figura do Papai Noel, que aparecia fumando em suas campanhas de vendas.
Todas as campanhas publicitárias foram veiculadas em momentos históricos em que ainda não estavam amplamente difundidos os terríveis males do cigarro. E as empresas de tabaco aproveitaram-se muito bem desse fato, introduzindo o ato de fumar no DNA social de algumas gerações. Atualmente, tais campanhas contrastam com a obrigatoriedade de propagação de ideias antitabagistas, que constam dos maços, o que inclui o Brasil. Na contemporaneidade, podem ser notadas nos maços fotos e imagens de doentes terminais de câncer, de fetos mortos, de pessoas com membros amputados, de mulheres com peles envelhecidas, de homens inconformados com a impotência sexual, entre outros – tudo em relação causal com o hábito de fumar. O Ministério da Saúde brasileiro há tempos adverte sobre os males do cigarro, conforme orientação do art. 220, § 4º, da Constituição Federal de 1988.
Deve ficar claro que não há qualquer dúvida quanto à incidência do Código de Defesa do Consumidor ao cigarro, tido tipicamente como um produto colocado no mercado de consumo, nos termos dos arts. 2º e 3º da Lei 8.078/1990.
No âmbito jurisprudencial, as decisões a respeito do tema no Brasil começaram a surgir na última década do século passado, notadamente em ações propostas pelos próprios fumantes ou por seus familiares, em casos de morte. Esses julgados anteriores – e que ainda predominam – são no sentido de se excluir a responsabilidade civil das empresas de cigarros pelos males causados aos fumantes, por meio de vários argumentos. Para ilustrar, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, do ano de 1999, ao aplicar a prescrição quinquenal do Código de Defesa do Consumidor, bem como a culpa exclusiva da vítima, a afastar o dever de reparar da empresa tabagista:
“Responsabilidade civil de fabricante. Tabagismo. Doença incurável. Dano moral. Pedido genérico. Prescrição quinquenal. Extinção da ação. Indenização. Dano moral e estético. Laringectomia decorrente de uso de cigarro. Agravo de instrumento contra decisão, proferida em audiência, que rejeitou as preliminares de inépcia da inicial e de prescrição, como também indeferiu expedição de ofícios aos hospitais e médicos que trataram do autor e designou prova pericial médica. Provimento. Nas ações de indenização por dano moral, o pedido há de ser certo e determinado, assim como o valor da causa deve ser declarado pelo autor. Vulnerabilidade do princípio do contraditório pelo entendimento contrário. Hipótese que não encontra amparo para formulação de pedido genérico. Inteligência do CPC, art. 286. Aplicação do CPC, art. 284. Prescrição. Pedido baseado na Lei 8.078/1990. Prescrição quinquenal. Aplicação do art. 27, CDC. Dies a quo contado do dano e do conhecimento do autor dele. Fato notório, há mais de 5 anos da propositura da ação, de que o tabagismo é um dos maiores responsáveis pelo câncer na laringe. Extinção do processo, com julgamento do mérito. Aplicação do CPC, art. 269, IV” (TJRJ – Agravo de Instrumento 3350/1999, Rio de Janeiro – Décima Terceira Câmara Cível – Rel. Des. Julio Cesar Paraguassu – j. 25.11.1999).
Ou, ainda, do mesmo Tribunal, concluindo pela inexistência de nexo de causalidade, diante da licitude da atividade da empresa que desenvolve a atividade: TJRJ – Acórdão 58/1998, Rio de Janeiro – Décima Câmara Cível – Rel. Des. João Spyrides – j. 23.03.1999.
Os julgados de improcedência reproduziram-se de modo significativo na entrada do século XXI, sendo pertinente destacar alguns de seus argumentos para que sejam devidamente rebatidos por este autor, que propõe a aplicação da concausalidade e da teoria do risco concorrente para a problemática do cigarro.
Conforme já se demonstrou, há decisões que expressam a inexistência de nexo de causalidade entre o consumo do produto e os danos à saúde suportados, sendo esse o principal argumento acolhido pelos julgadores (TJSC – Acórdão 2005.034931-6, Criciúma – Câmara Especial Temporária de Direito Civil – Rel. Des. Domingos Paludo – DJSC 18.12.2009, p. 453; TJMG – Apelação Cível 1.0596.04.019579-1/0011, Santa Rita do Sapucaí – Décima Oitava Câmara Cível – Rel. Des. Unias Silva – j. 16.09.2008 – DJEMG 07.10.2008; TJRJ – Acórdão 34198/2004, Rio de Janeiro – Oitava Câmara Cível – Rel. Des. Helena Bekhor – j. 22.03.2005; TJSP – Acórdão com Revisão 268.911-4/8-00, Itápolis – Quinta Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Maury Ângelo Bottesini – j. 28.11.2005; TJRS – Acórdão 70005752415, Porto Alegre – Quinta Câmara Cível (Reg. Exceção) – Rel. Des. Marta Borges Ortiz – j. 04.11.2004).
Existem acórdãos de improcedência da demanda que apontam para a ausência de ilicitude ao se comercializar o cigarro, havendo um exercício regular de direito por parte das empresas, o que não constitui ato ilícito, pelas dicções do art. 188, I, do CC/2002 e do art. 160, I, do CC/1916 (TJDF – Recurso n. 2001.01.1.012900-6 – Acórdão 313.218 – Segunda Turma Cível – Rel. Des. Fábio Eduardo Marques – DJDFTE 14.07.2008, p. 87; e TJSP – Acórdão 283.965-4/3-00, São Paulo – Sexta Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Justino Magno Araújo – j. 15.12.2005).
Podem ser colacionados ainda os tão mencionados julgamentos que atribuem culpa exclusiva à vítima, a excluir a responsabilidade do fornecedor (TJRJ – Acórdão 2005.001.40350 – Quarta Câmara Cível – Rel. Des. Mario dos Santos Paulo – j. 07.02.2006; TJPR – Apelação Cível n. 0569832-6, Curitiba – Nona Câmara Cível – Rel. Des. José Augusto Gomes Aniceto – DJPR 25.09.2009, p. 369; e TJSC – Acórdão 2005.021210-5, Criciúma – Quarta Câmara de Direito Civil – Rel. Des. José Trindade dos Santos – DJSC 02.06.2008, p. 109).
Em complemento ao último argumento, há decisões de rejeição do pedido reparatório que se fundam no livre arbítrio de fumar ou de parar de fumar (TJSC – Acórdão 2005.029372-7, Criciúma – Segunda Câmara de Direito Civil – Rel. Des. Newton Janke – DJSC 27.11.2008, p. 72; TJSP – Apelação com Revisão 270.309.4/0 – Acórdão 4012392, Cotia – Sexta Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Sebastião Carlos Garcia – j. 20.08.2009 – DJESP 14.09.2009; e TJRS – Acórdão 70022248215, Porto Alegre – Décima Câmara Cível – Rel. Des. Paulo Antônio Kretzmann – j. 28.02.2008 – DOERS 27.05.2008, p. 30).
Por óbvio, também existem julgados de condenação das empresas de cigarros, sendo certo que decisões nesse sentido tiveram um crescimento neste século que se inicia em nosso país. Entre as decisões de procedência, cumpre destacar a notória e primeva decisão do Tribunal Gaúcho, do ano de 2003, com ementa bastante elucidativa, inclusive a respeito de questões históricas relativas ao cigarro: “Apelação cível. Responsabilidade civil. Danos materiais e morais. Tabagismo. Ação de indenização ajuizada pela família. Resultado danoso atribuído a empresas fumageiras em virtude da colocação no mercado de produto sabidamente nocivo, instigando e propiciando seu consumo, por meio de propaganda enganosa. Ilegitimidade passiva, no caso concreto, de uma das corrés. Caracterização do nexo causal quanto à outra codemandada. Culpa. Responsabilidade civil subjetiva decorrente de omissão e negligência, caracterizando-se a omissão na ação. Aplicação, também, do CDC, caracterizando-se, ainda, a responsabilidade objetiva. Indenização devida” (TJRS – Acórdão 70000144626, Santa Cruz do Sul – Nona Câmara Cível (Reg. Exceção) – Rel. Des. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira – j. 29.10.2003). Como fortes e contundentes argumentos sociológicos e jurídicos, constam do corpo da decisão:
“É fato notório, cientificamente demonstrado, inclusive reconhecido de forma oficial pelo próprio Governo Federal, que o fumo traz inúmeros malefícios à saúde, tanto à do fumante como à do não fumante, sendo, por tais razões, de ordem médico-científica, inegável que a nicotina vicia, por isso que gera dependência química e psíquica, e causa câncer de pulmão, enfisema pulmonar, infarto do coração entre outras doenças igualmente graves e fatais. A indústria de tabaco, em todo o mundo, desde a década de 1950, já conhecia os males que o consumo do fumo causa aos seres humanos, de modo que, nessas circunstâncias, a conduta das empresas em omitir a informação é evidentemente dolosa, como bem demonstram os arquivos secretos dessas empresas, revelados nos Estados Unidos em ação judicial movida por estados norte-americanos contra grandes empresas transnacionais de tabaco, arquivos esses que se contrapõem e desmentem o posicionamento público das empresas, revelando-o falso e doloso, pois divulgado apenas para enganar o público, e demonstrando a real orientação das empresas, adotada internamente, no sentido de que sempre tiveram pleno conhecimento e consciência de todos os males causados pelo fumo. E tal posicionamento público, falso e doloso, sempre foi historicamente sustentado por maciça propaganda enganosa, que reiteradamente associou o fumo a imagens de beleza, sucesso, liberdade, poder, riqueza e inteligência, omitindo, reiteradamente, ciência aos usuários dos malefícios do uso, sem tomar qualquer atitude para minimizar tais malefícios e, pelo contrário, trabalhando no sentido da desinformação, aliciando, em particular os jovens, em estratégia dolosa para com o público, consumidor ou não.”
Tal acórdão concluiu pelo nexo de causalidade entre a atividade de se colocar o produto no mercado e os danos sofridos pela vítima e por seus familiares, “porquanto fato notório que a nicotina causa dependência química e psicológica e que o hábito de fumar provoca diversos danos à saúde, entre os quais o câncer e o enfisema pulmonar, males de que foi acometido o falecido, não comprovando, a ré, qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores”. A decisão atribui culpa à empresa pela omissão e negligência na informação, nos termos do art. 159 do CC/1916 (responsabilidade subjetiva). Ato contínuo, deduz ser a sua conduta violadora dos deveres consubstanciados nas máximas latinas de neminem laeder e suum cuique tribuere – “não lesar a ninguém” e “dar a cada um o que é seu” –, bem como no princípio da boa-fé objetiva.
A decisio considera não relevante a tese de licitude da atividade de comercialização do cigarro perante as leis do Estado, sendo do mesmo modo impertinente para o mérito a dependência ou voluntariedade no uso ou consumo, com o intuito de afastar a responsabilidade. Em suma, a questão do livre-arbítrio foi descartada pela decisão.
Por fim, no que tange aos argumentos jurídicos de procedência da demanda, foi aplicada a responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor, sendo o cigarro considerado um produto defeituoso, não só em relação aos fumantes (consumidores-padrão) como no tocante aos não fumantes ou fumantes passivos (consumidores equiparados), “uma vez que não oferece a segurança que dele se pode esperar, considerando-se a apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam (art. 12, § 1º, do CDC)”. A culpa exclusiva do consumidor foi tida como não caracterizada, uma vez que “o ato voluntário do uso ou consumo não induz culpa e, na verdade, no caso, sequer há opção livre de fumar ou não fumar, em decorrência da dependência química e psíquica e diante da propaganda massiva e aliciante, que sempre cultuou os malefícios do cigarro, o que afasta em definitivo qualquer alegação de culpa concorrente ou exclusiva da vítima”.
Os valores indenizatórios fixados foram bem elevados. A título de danos materiais, foram reparados a venda de imóvel e de bovinos (para tratar a vítima), as despesas médicas e hospitalares comprovadas, a hospedagem de acompanhantes durante a internação, os gastos com o funeral e o luto da família (danos emergentes). Ainda foram ressarcidos os prejuízos decorrentes do fechamento do minimercado da vítima, desde a época da constatação da doença até a data em que o falecido completaria setenta anos de idade, conforme a expectativa de vida dos gaúchos (lucros cessantes). Como reparação pelos danos morais, foi fixada a quantia de seiscentos salários mínimos para a esposa, de quinhentos salários-mínimos para cada um dos quatro filhos e de trezentos salários-mínimos para cada um dos genros, totalizando os danos imateriais três mil e duzentos salários mínimos.
Além dessa até então inédita e excelente decisão, igualmente concluindo pela procedência de ação proposta por uso de cigarros, há acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que do mesmo modo enfrentou o problema sob a perspectiva da responsabilidade objetiva do Código do Consumidor. A ação foi proposta pela própria fumante – que pleiteou danos materiais e morais pela perda de membros inferiores como consequência do tabagismo – e julgada procedente em primeira instância, condenando-se a empresa Souza Cruz S/A a indenizá-la em R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais). A ementa do julgado foi o seguinte:
“Responsabilidade civil. Indenização por danos morais e materiais. Tabagismo. Amputação dos membros inferiores. Vítima acometida de tromboangeíte aguda obliterante. Nexo causal configurado. incidência do Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade objetiva decorrente da teoria do risco assumida com a fabricação e comercialização do produto. Omissão dos resultados das pesquisas sobre o efeito viciante da nicotina. Dever de indenizar. Recurso improvido” (TJSP – Apelação com Revisão 379.261.4/5 – Acórdão 3320623, São Paulo – Oitava Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Joaquim Garcia – j. 08.10.2008 – DJESP 13.11.2008).
Em sua relatoria, o Desembargador José Garcia concluiu pela incidência da responsabilidade sem culpa da Lei 8.078/1990, aduzindo que “as indústrias de produtos derivados do tabaco, apesar de atuarem dentro da lei vigente, não se eximem da responsabilidade objetiva, dada a teoria do risco, pelos efeitos nocivos causados aos indivíduos pelo uso ou consumo de seus produtos colocados à venda no mercado legitimamente, máxime à luz do Código de Defesa do Consumidor, cujas normas de ordem pública atingem fatos ainda não consolidados antes de sua vigência”. Em reforço, o julgador menciona, assim como consta do inédito julgado do Tribunal Gaúcho, a existência de estudos secretos das próprias empresas de cigarro comprovando os males do produto. O relator analisou ainda as questões relativas à exploração publicitária do passado, bem como os baixos índices de fumantes que conseguem se livrar do vício – cerca de 5% dos usuários, segundo os estudos médicos que constam do acórdão. De forma interdisciplinar, o voto do relator enfrentou questões psicológicas e sociais, aduzindo que, “com o uso regular de cigarros, estabelece-se um condicionamento que faz com que a pessoa passe a ter o fumo integrado à sua rotina. Além disso, o cigarro é também utilizado como um tipo de modulador de emoções, o que faz com que seu uso se amplie significativamente e não esteja associado apenas à necessidade fisiológica de reposição periódica da droga”.
Analisando a questão fática, o Desembargador Joaquim Garcia reconhece a existência de inúmeros julgados de improcedência no País, por ausência de nexo de causalidade entre o ato de fumar e os males existentes. Porém, de outra forma, concluiu o magistrado que a autora padecia de tromboangeíte obliterante (doença de Buerger), “cuja literatura médica a respeito é praticamente unânime ao afirmar que a doença manifesta-se somente em fumantes, ou seja, o tabagismo é condição sine qua non para o desenvolvimento da moléstia contraída”. Comprovado o nexo de causalidade, e sendo reconhecida a possibilidade de se responder também por atos lícitos, os danos materiais comprovados foram indenizados. A respeito do sempre invocado livre-arbítrio, entendeu o relator que “não se revela hábil para afastar o dever de indenizar dessas companhias, pelas mesmas razões que não se presta a justificar a descriminação das drogas”. Relativamente à questão da prova do uso de determinada marca de cigarro, fez incidir na inversão do ônus da prova, de forma correta e esperada. Por fim, o magistrado entendeu pela presença de danos morais presumidos (in re ipsa), diante da amputação dos membros inferiores da autora. Em suma, votou pela confirmação da sentença ora atacada, negando provimento ao recurso de apelação.
Pelo mesmo caminho de não provimento do recurso votou o Desembargador Caetano Lagrasta, cuja decisão merece destaque especial. No início do seu voto, o magistrado já salienta que “Julgar-se questão de tamanha envergadura para a Saúde Pública e Defesa da Cidadania e do Consumidor, implica que se adentre a fatores sociais, e até, a vivência do próprio julgador, iniciado na senda do consumo de cigarros, desde os 14 anos, e dele afastado, há aproximadamente onze anos”. Nas páginas seguintes do voto são expostos com detalhes os aprofundamentos esperados, bem como um histórico a respeito da publicidade, comercialização e uso cultural do cigarro, desde o final dos anos 1920 do século XXI. O seguinte trecho do seu voto merece ser transcrito:
“A partir do final dos anos 20, dificilmente seria possível ingressar num cinema ou teatro onde público, personagens e atores não se apresentassem fumando, numa atitude de ‘glamour’ e de conduta social adequada. Mesmo as fotografias de propaganda mostravam os astros e estrelas fazendo uso de cigarros, como condição de sucesso, segurança e integração social. Este comportamento restou generalizado, independente do país de origem dos espetáculos. Por outro lado, os jovens contavam com o cigarro como elemento de ingresso no mundo adulto e fator de segurança para frequentar os ambientes sociais e mundanos. [...] Desde logo, há que se concluir que o prolongamento desta propaganda não se interrompe em 1950, ao contrário, prossegue nas programações, na projeção de filmes de época, reiteradamente repetidos pelas empresas de televisão ‘abertas’ e ‘por assinatura’. E, somente após longa batalha é que vem sendo possível impedir a propaganda escancarada ou subliminar (outdoors, carros de corrida, revistas, jornais, fotonovelas, telenovelas etc.). Estas, além de outras circunstâncias, infernizaram a vida dos adolescentes, pois deviam apresentar-se nos bailes e festas portando cigarros, se possível de qualidade (na época o ‘Columbia’, muito mais caros do que os do tipo ‘Mistura Fina’ ou ‘Petit Londrinos’, que eram consumidor por operários, encanadores, eletricistas, pedreiros etc.), ainda que não os fumassem, mas que se prestavam a causar impacto às mocinhas.
(...).
Assim, o prolatado arbítrio do jovem ou, mesmo, da criança, ou o do doente-dependente, por facilmente cooptáveis, não resistiria, como não resistiu, ao assédio massacrante da propaganda, ainda que lhes atribua, em elevado grau, comportamento consciente, para que se sentissem partícipes de uma espécie de vida em sociedade, desde logo empunhando o cigarro como manifestação de ‘status’ ou de segurança, ‘auxílio’ no enfrentamento dos desafios dessa mesma sociedade, a partir da saída para o recreio, ao cinema ou às festas da vida escolar, e no ínvio caminho, em direção à morte”.
Ao mergulhar nos fatos em espécie, o magistrado aponta para o fato de que a doença que atingiu a autora da ação – tromboangeíte obliterante – é um mal exclusivo dos fumantes, a atestar a existência de nexo causal com os produtos colocados no mercado. Ato contínuo, de forma corajosa, o julgador conclui que o Estado tem papel de participação para os danos sociais decorrentes do tabagismo, por não elevar os preços dos produtos e não tomar medidas para impedir o contrabando e a falsificação dos cigarros. Ademais, o voto expõe a existência de estudos médicos mais recentes, os quais atestam que grupos internacionais de cientistas identificaram um conjunto de variações genéticas que aumentam o risco de câncer no pulmão dos fumantes. A questão da publicidade enganosa não passou despercebida, diante de práticas sucessivas por meio dos anos de omissão de informações a respeito dos males do cigarro.
Sem prejuízo dessas teses, o que mais se destaca no voto do Desembargador Caetano Lagrasta são as premissas para afastar a alegação de que a atividade de comercialização do cigarro é plenamente lícita, in verbis: “Também é sofístico o argumento de que a empresa requerida planta, industrializa e comercializa objeto lícito. O problema não está no plantio, antes nos ingredientes agregados ao fumo na fase de industrialização e que vêm sendo regularmente combatidos mundialmente, em nome da Saúde Pública. E este seria o limite para o exercício regular de um direito (fl. 1217), ante as circunstâncias que enfatizam os riscos da atividade, salvo se a indústria do fumo se mostre infensa a estes, quando da fabricação, e não aos da eclosão das doenças, quando denunciadas”. Por fim, a respeito desse instigante voto, chama a atenção a força das palavras que afastam o argumento do livre-arbítrio, chegando o juiz a insinuar a existência de um “dogma de alguma estranha e impossível religião do vício”.
Encerrando o estudo desse importante acórdão do Tribunal Paulista, deve ser comentado o voto vencido do Desembargador Sílvio Marques Neto, que deu provimento ao recurso, julgando improcedente a ação. O voto está amparado nas conhecidas premissas outrora mencionadas, sobretudo em duas: a) ausência de nexo de causalidade entre o fumo e os males da autora, por insuficiência de prova; e b) a autora não desconhecia os males do cigarro – foi devidamente informada pela cartela do produto – e fumou porque assim o quis (livre-arbítrio). O magistrado demonstra que o entendimento jurisprudencial consolidado até aquele momento seria no sentido de improcedência das demandas fundadas no tabagismo.
De toda sorte, apesar desses julgados de procedência, insta destacar que prevalecem na jurisprudência nacional as decisões afastando a condenação das empresas de tabaco diante dos fumantes. No ano de 2010, surgiram definitivas decisões nesse sentido no Superior Tribunal de Justiça, as quais declinam o dever de reparar das empresas por vários e já conhecidos argumentos. Os resumos dos julgamentos encontram-se publicados nos Informativos n. 432 e n. 436 daquele Tribunal. De início, colaciona-se a primeira decisão:
“Responsabilidade civil. Cigarro. O falecido, tabagista desde a adolescência (meados de 1950), foi diagnosticado como portador de doença broncopulmonar obstrutiva crônica e de enfisema pulmonar em 1998. Após anos de tratamento, faleceu em decorrência de adenocarcinoma pulmonar no ano de 2001. Então, seus familiares (a esposa, filhos e netos) ajuizaram ação de reparação dos danos morais contra o fabricante de cigarros, com lastro na suposta informação inadequada prestada por ele durante décadas, que omitia os males possivelmente decorrentes do fumo, e no incentivo a seu consumo mediante a prática de propaganda tida por enganosa, além de enxergar a existência de nexo de causalidade entre a morte decorrente do câncer e os vícios do produto, que alegam ser de conhecimento do fabricante desde muitas décadas. Nesse contexto, há que se esclarecer que a pretensão de ressarcimento dos autores da ação em razão dos danos morais, diferentemente da pretensão do próprio fumante, surgiu com a morte dele, momento a partir do qual eles tinham ação exercitável a ajuizar (actio nata) com o objetivo de compensar o dano que lhes é próprio, daí não se poder falar em prescrição, porque foi respeitado o prazo prescricional de cinco anos do art. 27 do CDC. Note-se que o cigarro classifica-se como produto de periculosidade inerente (art. 9º do CDC) de ser, tal como o álcool, fator de risco de diversas enfermidades. Não se revela como produto defeituoso (art. 12, § 1º, do mesmo Código) ou de alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança, esse último de comercialização proibida (art. 10 do mesmo diploma). O art. 220, § 4º, da CF/1988 chancela a comercialização do cigarro, apenas lhe restringe a propaganda, ciente o legislador constituinte dos riscos de seu consumo. Já o CDC considera defeito a falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar frustração no consumidor, que passa a não experimentar a segurança que se espera do produto ou serviço. Destarte, diz respeito a algo que escapa do razoável, que discrepa do padrão do produto ou de congêneres, e não à capacidade inerente a todas as unidades produzidas de o produto gerar danos, tal como no caso do cigarro. Frise-se que, antes da CF/1988 (gênese das limitações impostas ao tabaco) e das legislações restritivas do consumo e publicidade que a seguiram (notadamente, o CDC e a Lei 9.294/1996), não existia o dever jurídico de informação que determinasse à indústria do fumo conduta diversa daquela que, por décadas, praticou. Não há como aceitar a tese da existência de anterior dever de informação, mesmo a partir de um ângulo principiológico, visto que a boa-fé (inerente à criação desse dever acessório) não possui conteúdo per se, mas, necessariamente, insere-se em um conteúdo contextual, afeito à carga histórico-social. Ao se considerarem os fatores legais, históricos e culturais vigentes nas décadas de cinquenta a oitenta do século anterior, não há como cogitar o princípio da boa-fé de forma fluida, sem conteúdo substancial e contrário aos usos e costumes por séculos preexistentes, para concluir que era exigível, àquela época, o dever jurídico de informação. De fato, não havia norma advinda de lei, princípio geral de direito ou costume que impusesse tal comportamento. Esses fundamentos, por si sós, seriam suficientes para negar a indenização pleiteada, mas se soma a eles o fato de que, ao considerar a teoria do dano direto e imediato acolhida no direito civil brasileiro (art. 403 do CC/2002 e art. 1.060 do CC/1916), constata-se que ainda não está comprovada pela Medicina a causalidade necessária, direta e exclusiva entre o tabaco e câncer, pois ela se limita a afirmar a existência de fator de risco entre eles, tal como outros fatores, como a alimentação, o álcool e o modo de vida sedentário ou estressante. Se fosse possível, na hipótese, determinar o quanto foi relevante o cigarro para o falecimento (a proporção causal existente entre eles), poder-se-ia cogitar o nexo causal juridicamente satisfatório. Apesar de reconhecidamente robustas, somente as estatísticas não podem dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de morte supostamente associada ao tabagismo, sem que se investigue, episodicamente, o preenchimento dos requisitos legais. Precedentes citados do STF: RE 130.764-PR, DJ 19.05.1995; do STJ: REsp 489.895-SP, DJe 23.04.2010; REsp 967.623-RJ, DJe 29.06.2009; REsp 1.112.796-PR, DJ 05.12.2007, e REsp 719.738-RS, DJe 22.09.2008” (STJ – REsp 1.113.804/RS – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 27.04.2010).
Ato contínuo, do Informativo n. 436 do STJ, igualmente afastando o dever de indenizar da empresa de cigarro:
“Dano moral. Fumante. Mostra-se incontroverso, nos autos, que o recorrido, autor da ação de indenização ajuizada contra a fabricante de cigarros, começou a fumar no mesmo ano em que as advertências sobre os malefícios provocados pelo fumo passaram a ser estampadas, de forma explícita, nos maços de cigarro (1988). Isso, por si só, é suficiente para afastar suas alegações acerca do desconhecimento dos males atribuídos ao fumo; pois, mesmo diante dessas advertências, optou, ao valer-se de seu livre-arbítrio, por adquirir, espontaneamente, o hábito de fumar. Outrossim, nos autos, há laudo pericial conclusivo de que não se pode, no caso, comprovar a relação entre o tabagismo desenvolvido pelo recorrido e o surgimento de sua enfermidade (tromboangeíte obliterante – TAO ou doença de Buerger). Assim, não há falar em direito à indenização por danos morais, pois ausente o nexo de causalidade da obrigação de indenizar. Precedentes citados: REsp 325.622-RJ, DJe 10.11.2008; REsp 719.738-RS, DJe 22.09.2008; e REsp 737.797-RJ, DJ 28.08.2006” (STJ – REsp 886.347/RS – Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJAP) – j. 25.05.2010).
Como antes exposto, a opinião do presente autor é no sentido de distribuição justa e equitativa dos riscos assumidos pelas partes, a fixar o quantum indenizatório de acordo com a ideia do risco concorrente. Assim, não se filia aos julgados do STJ transcritos, muito menos aos entendimentos doutrinários que buscam afastar a indenização contra as empresas que comercializam o cigarro.
No campo da doutrina, destaque-se a obra coletiva intitulada Estudos e pareceres sobre livre-arbítrio, responsabilidade e produto de risco inerente. O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais (Rio de Janeiro: Renovar, 2009). O livro é coordenado pela professora titular da Universidade de São Paulo Teresa Ancona Lopez, contando com artigos e pareceres de Ada Pelegrini Grinover, Adroaldo Furtado Fabrício, Álvaro Villaça Azevedo, Arruda Alvim, Cândido Rangel Dinamarco, Eduardo Ribeiro, Fábio Ulhoa Coelho, Galeno Lacerda, Gustavo Tepedino, José Carlos Moreira Alves, José Ignácio Botelho de Mesquita, Judith Martins-Costa, Maria Celina Bodin de Moraes, Nelson Nery Jr., René Ariel Dotti, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, além da própria coordenadora.92
Seja por um caminho ou outro, os pareceres procuram afastar a responsabilidade da empresa tabagista, enfrentando questões como nexo de causalidade, a culpa exclusiva da vítima, a inexistência de defeito no produto fumígero, o atendimento da boa-fé pela publicidade do cigarro, a incidência da prescrição, a questão da prova a ser construída na ação pelo fumante, entre outros.
De início, a respeito da ausência do nexo de causalidade, na maioria das vezes estará presente o elo entre os danos provados pelos consumidores de cigarro e o uso do produto.93 Conforme outrora exposto, existem doenças exclusivas decorrentes do tabagismo, por exemplo, a doença de Buerger, e, nesses casos, o nexo causal é bem evidente e inconstestável.94 Cumpre relembrar que quadros comparativos, como o exposto por Sérgio Boeira, têm plenas condições de demonstrar que as doenças cancerígenas são causadas pelo uso do cigarro. Além disso, provas médicas e testemunhais têm o condão de comprovar qual era a marca utilizada pela vítima. A título de exemplo, cite-se que, muitas vezes, consta das certidões de óbito elaboradas por médicos que a causa da morte foi o uso continuado do cigarro. Por fim, a estatística de mercado pode determinar com grau razoável de probabilidade qual era a marca utilizada pelo falecido ou doente.
A respeito do nexo causal, insta deixar bem claro que a responsabilidade civil das empresas de tabaco é objetiva, diante da comum aplicação do Código de Defesa do Consumidor. De maneira subsidiária, em diálogo das fontes, pode ainda ser utilizado o art. 931 do Código Civil, que trata da responsabilidade objetiva referente aos produtos colocados em circulação. Desse modo, não restam dúvidas de que o cigarro é um produto defeituoso, eis que não oferece segurança aos seus consumidores, levando-se em conta os perigos à saúde (art. 12, § 1º, da Lei 8.078/1990). Em reforço, podem ainda ser subsumidos os dispositivos consumeristas que tratam da proteção da saúde e da segurança dos consumidores (arts. 8º a 10 da Lei 8.078/1990). Pela simples leitura atenta dos dispositivos aventados e pelo senso comum, nota-se que são totalmente inconsistentes os argumentos de inexistência de defeito no cigarro, como parte da doutrina considera.95 Talvez a questão até seja cultural, chocando-se, nesse sentido, o modo de agir e o pensamento de gerações distintas.
Nesse contexto de contraponto, não se pode negar que o produto perigoso é defeituoso quando causa danos ao consumidor. Essa é a essência contemporânea do conceito de defeito: o dano causado ao consumidor. Pensar ao contrário, ou seja, verificar o problema a partir da conduta, representa uma volta ao modelo subjetivo ou culposo no sistema consumerista. Em reforço, é imperioso relembrar que, nos casos de responsabilidade objetiva, o nexo causal pode ser formado pela lei, que qualifica a conduta que causou o dano (imputação objetiva). Ato contínuo, pode-se dizer que está presente no caso do cigarro um defeito de criação, o qual afeta “as características gerais da produção em consequência de erro havido no momento da elaboração de seu projeto ou de sua fórmula”.96 Em casos tais, “o fabricante responde pela concepção ou idealização de seu produto que não tenha a virtude de evitar os riscos à saúde e segurança, não aceitáveis pelos consumidores, dentro de determinados ‘standards’”.97 Isso parece claro e evidente a este autor, em especial pela perda de pessoas próximas pelo uso do cigarro e pela farta bibliografia médica que condena essa prática. Há gerações que não conseguiram vencer a luta pela vida contra o cigarro. Outras até hoje lutam contra os seus males, com algumas vitórias, dada a evolução da medicina. E para aqueles que pensam o contrário, seria interessante interrogarem-se se seria aceitável o incentivo do uso do tabaco aos próprios filhos.
Conforme aponta a doutrina mais atenta, pode-se falar em defeitos ocultos, pelo problema quanto ao acesso à informação dos males do cigarro, principalmente se forem levados em conta aqueles que se iniciaram no fumo antes do início da veiculação de informações sobre os males do produto.98 Para que o argumento da ausência de nexo de causalidade fique devidamente afastado, cite-se, ainda, a correta aplicação da teoria da presunção de nexo de causalidade, utilizada em alguns julgados, que tem relação direta com a pressuposição de responsabilidade pela colocação das pessoas em risco pelo produto.99 Voltando mais uma vez ao argumento do defeito, de fato, se o uso do cigarro não causar males à pessoa pelo seu uso continuado, o que até acontece, não há que se falar em defeito. Por outra via, presente o prejuízo, o produto perigoso é elevado à condição de produto defeituoso, surgindo, então, a responsabilidade civil.
Sobre a questão do exercício regular de direito e da licitude da atividade desenvolvida, cumpre destacar que o Direito Civil Brasileiro admite a responsabilidade civil por atos lícitos.100 De início, cite-se a hipótese de legítima defesa putativa, em que o agente pensa que está tutelando imediatamente um direito seu, ou de terceiro, o que não é verdade.101 Além da legítima defesa putativa, admite-se a responsabilidade civil decorrente do estado de necessidade agressivo. O art. 188, I, do Código Civil enuncia que não constitui ato ilícito a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente (estado de necessidade). Todavia, nos termos do art. 929 da atual codificação privada, se a pessoa lesada ou o dono da coisa, em casos tais, não for culpado do perigo, assistir-lhe-á direito à indenização do prejuízo que sofreram. O exemplo clássico é o de um pedestre que vê uma criança gritando em meio às chamas que atingem uma casa. O pedestre arromba a porta da casa, apaga o incêndio e salva a criança. Nos termos dos dispositivos visualizados, se quem causou o incêndio não foi o dono da casa, o pedestre-herói terá que indenizá-lo, ressalvado o direito de regresso contra o real culpado (art. 930 do Código Civil). Ora, seria irrazoável imaginar um sistema que ordena que uma pessoa em ato heroico tenha o dever de reparar, enquanto as empresas de tabaco, em condutas nada heroicas, tão somente lucrativas, sejam excluídas de qualquer responsabilidade pelos produtos perigosos postos em circulação.
Além desses argumentos, insta verificar que, muitas vezes, principalmente para os fumantes das décadas mais remotas, a questão do cigarro pode ser resolvida pela figura do abuso de direito. Isso porque as empresas não informavam dos males causados pelo produto, enganando os consumidores. Assim, estaria configurada a publicidade enganosa, nos termos do art. 37, § 1º, da Lei 8.078/1990, o que gera o seu dever de indenizar. Conforme dispõe o art. 187 do Código Civil de 2002, pode-se falar ainda em quebra da boa-fé, pela falsidade da informação, o que é muito bem exposto por Claudia Lima Marques em excelente e corajoso parecer sobre a questão.102 Em suma, comercializar cigarros pode até ser considerado lícito, diante de um erro histórico cometido pela humanidade. Porém, comercializar o produto sem as corretas informações de seus males – já conhecidos pelas próprias empresas –, gerando danos, configura um ilícito por equiparação (art. 927, caput, do Código Civil), conforme bem aponta Lúcio Delfino.103 Não nos fazem mudar de opinião os argumentos contrários, apesar dos grandes esforços da doutrina de escol.104
No que concerne à questão da publicidade, o parecer de Judith Martins-Costa quase chega a convencer, em especial pelos argumentos realeanos. Aduz a jurista:
“Traduzindo esses dados para as categorias teóricas do tridimensionalismo de Miguel Reale, observaremos que o fato da consciência social acerca dos malefícios do cigarro tem permanecido, através dos tempos, relativamente o mesmo; porém esse fato (a consciência social) recebe diferentes valorações sociais e jurídicas no curso dos tempos, resultando, então, em diferentes recepções normativas por parte do Direito. Quando a consciência social dos males do fumo convivia com a sua ‘glamourização’ sociocultural, havia uma ampla tolerância jurídica; porém passa-se, progressivamente, à ‘desglamourização’ sociocultural do fumo, em virtude da ascensão ao status de valor social do culto à saúde. Então, verifica-se uma relativa intolerância jurídica, expressa nas leis e medidas administrativas restritivas ao fumo e na regulação da propaganda de cigarros”.105
A conclusão a que chega mais à frente, quanto à oferta e à boa-fé, é a de que não é possível interpretar as situações jurídicas do passado com a realidade social do presente e vice-versa. Assim, alega que houve equívoco do julgador do Tribunal Gaúcho ao condenar a empresa Souza Cruz, eis que agiu “trazendo a pré-compreensão e interpretação hoje devidas ao princípio da boa-fé objetiva para selecionar, filtrar, apreciar e, finalmente, julgar, fatos ocorridos nas longínquas décadas de 40 e 50 do século passado, deixando de lado os dados contextuais e ignorando a circunstancialidade em que o conhecimento das concretas situações de vida relativas ao tratamento jurídico dos riscos do tabagismo efetivamente se processa”.106 Anote-se que os fortes argumentos da jurista foram utilizados no julgamento do Superior Tribunal de Justiça publicado no seu Informativo 432.
As belas lições da doutrinadora, na verdade, servem em parte para a premissa jurídica que aqui se propõe. A boa-fé objetiva, a veiculação da oferta do cigarro e as experiências sociais do passado devem ser levadas em conta para a fixação do quantum debeatur, por interação direta com a assunção dos riscos pelas empresas e fumantes. Todavia, não se pode dizer que tais deduções sociais servem para excluir totalmente a responsabilidade ou a ilicitude das condutas das empresas de tabaco, inclusive na questão da publicidade, como quer a jurista gaúcha. Não se pode colocar totalmente o peso do risco em cima dos consumidores, como se pretende. Em verdade, a boa-fé objetiva e o dever de informar servem para calibrar as condutas, influindo diretamente na ponderação e na fixação das responsabilidades de cada uma das partes envolvidas.
No que toca ao argumento do livre-arbítrio, esse já foi exaustivamente rebatido. Cumpre discorrer sobre ele um pouco mais, eis que farta doutrina partidária da conclusão da irreparabilidade o utiliza.107 Em verdade, na realidade pós-moderna não há o citado livre-arbítrio, conceito essencialmente liberal da modernidade, modelo no qual algumas gerações de juristas se formou. O que existe na contemporaneidade é uma inafastável e irresistível tendência de intervenção estatal, de dirigismo negocial, a fim de proteger partes vulneráveis (consumidores, trabalhadores, aderentes, mulheres sob violência, crianças e adolescentes, além de outras questões subjetivas) e valores fundamentais (moradia, saúde, segurança, função social, vedação do enriquecimento sem causa e da onerosidade excessiva, entre outros aspectos de valoração objetiva). Eis aqui mais uma ideia que conflita gerações no Direito. Em reforço, cumpre lembrar as palavras do Desembargador Caetano Lagrasta, em julgado do Tribunal de São Paulo, no sentido de que o argumento do livre-arbítrio parece fundamentar uma pretensa religião que cultua o cigarro. Em reforço, fica a dúvida se realmente havia um livre e irrestrito arbítrio no que toca aos fumantes do passado remoto.
Em relação a argumentos acessórios relativos à liberdade e à autonomia privada, caso da vedação do comportamento contraditório, insta deixar claro que a máxima do venire contra factum proprium não consegue vencer valores fundamentais, caso da tutela da saúde, que está no art. 6º da Constituição Federal (técnica de ponderação).108
Por fim, o argumento principal a ser rebatido é o da culpa exclusiva da vítima. Esse parece ser o maior sofisma jurídico pregado por parte da doutrina e da jurisprudência, que concluem pela inexistência de dever de indenizar os fumantes ou seus familiares, ferindo a lógica do razoável. Não se pode admitir que a carga de culpa fique somente concentrada no consumidor, sobretudo se as empresas de cigarro assumem um risco-proveito, altamente lucrativo. O argumento é por completo inócuo nos casos de fumantes passivos, caso, por exemplo, de trabalhadores de locais em que o fumo vem – ou vinha – a ser permitido (v.g., casas noturnas e restaurantes), que acabam se enquadrando no conceito de consumidor por equiparação ou bystander (art. 17 do CDC). Há até o cúmulo das vozes argumentativas que pregam que a pessoa fuma para depois pleitear indenização ou para que seus familiares o façam. Quem já vivenciou os últimos dias de um fumante sabe muito bem como o argumento é descabido, seja do ponto de vista fático ou social.
A conclusão deste autor é a de que o problema do cigarro deve ser resolvido pela teoria do risco concorrente. Na linha das lições de Judith Martins-Costa antes esposadas, dois momentos distintos devem ser imaginados, para duas soluções do mesmo modo discrepantes. Atente-se para o fato de que as soluções são de divisões diferentes das responsabilidades, sem a atribuição do ônus de forma exclusiva a apenas um dos envolvidos.
De início, para aqueles que começaram a fumar antes da publicidade e da propaganda de alerta, o fator de assunção do risco deve ser diminuído ou até excluído, eis que não tinham conhecimento – ou não deveriam ter – de todos os males causados pelo fumo. Muitas dessas pessoas foram enganadas anos a fio. Aqui se enquadram os que se iniciaram no fumo antes do início do século XXI e que são justamente os personagens principais das demandas em curso perante o Poder Judiciário brasileiro. O maior índice de risco assumido, por óbvio, está na conduta dos fabricantes e comerciantes de cigarros, até porque sabiam ou deveriam saber dos males do produto. É possível deduzir ainda que, diante do grau de instrução do brasileiro comum, não se pode atribuir qualquer índice de riscos aos consumidores, aplicando-se a reparação integral dos danos. Entretanto, aumentando o grau de esclarecimento do fumante, a ponderação deve ser diversa.
Para ilustrar, se uma pessoa altamente esclarecida começou a fumar nos anos 1980, sendo razoável que ela sabia dos males do cigarro, o grau de risco assumido deve ser em torno de 10% ou 20%, enquanto os outros 90% ou 80% correm por conta da empresa de tabaco. Na mesma hipótese, mas envolvendo um analfabeto sem instrução cultural, o grau de risco será de 100% por parte da empresa.
Por outra via, para aqueles que iniciaram o hábito mais recentemente – devidamente informados, sabendo e conhecendo os males do cigarro –, a situação é diferente. Inverte-se o raciocínio, uma vez que a maior carga de risco assumido se dá por parte do fumante. Nesse contexto, pode-se imaginar 90% de risco por parte do fumante e 10% pela empresa; 80% de risco pelo fumante e 20% pela empresa, e assim sucessivamente, o que depende da análise caso a caso pelo aplicador do Direito. Contudo, mesmo em casos tais não se pode admitir a culpa ou o fato exclusivo da vítima, havendo, na verdade, um risco concorrente. Eis aqui mais um exemplo de que a resolução do problema pela concausalidade pode ser favorável ao consumidor, pois em circunstâncias normais poder-se-ia falar em culpa exclusiva do consumidor, como faz parte da doutrina e da jurisprudência, muitas vezes amparada no livre-arbítrio.
Concluindo, a indenização deve ser fixada de acordo com os riscos assumidos pelas partes, aplicando-se a equidade e buscando-se o critério máximo de justiça. Um sistema justo, equânime e ponderado de responsabilidade civil é aquele que procura dividir os custos do dever de indenizar de acordo com os seus participantes e na medida dos riscos assumidos por cada um deles.
Para findar o presente capítulo, colaciona-se tabela com todos os argumentos doutrinários aqui expostos, constantes na citada obra coletiva, com os correspondentes contra-argumentos ou rebates, para os fins de atribuição de uma responsabilidade civil concorrente entre fumantes e empresas tabagistas.
O recall, rechamada ou convocação tornou-se um acontecimento constante no mercado de consumo. A palavra recall está assim traduzida no Dicionário Aulete, um dos poucos em que o verbete é encontrado: “Convocação. Em países de língua inglesa e no Brasil, nome do procedimento em que o fornecedor convoca, por meio de anúncios veiculados na imprensa, os compradores de seu produto, quando constatado um defeito de fabricação, a fim de corrigi-lo antes que cause acidente, prejuízo, dano etc. ao consumidor”.109 Todos os anos, milhares de empresas convocam os seus consumidores para a troca de peças ou mesmo de todo o produto, visando afastar eventuais danos futuros. Na mass consumption society ou sociedade de consumo de massa, as trocas mais comuns são de peças de veículos e de brinquedos infantis.
Não se pode negar que o ato dos fornecedores de convocar os consumidores é uma ação movida pela boa-fé objetiva, em especial na fase pós-contratual ou pós-consumo. Agem assim os fabricantes movidos pela orientação constante do art. 4º, III, e do art. 6º, II, da Lei 8.078/1990. Não olvidam, do mesmo modo, as normas que vedam aos fornecedores manter no mercado de consumo produtos que saibam ser perigosos (arts. 8º e 10 da Lei Consumerista), bem como o comando que enuncia o dever de informar a respeito dos riscos e perigos relativos aos bens de consumo (art. 9º do CDC). Anote-se que o dever de retirar do mercado produto perigoso ou nocivo constava expressamente do art. 11 da Lei 8.078/1990, norma que foi vetada pelo então Presidente da República. Era a redação da norma vetada: “Art. 11. O produto ou serviço que, mesmo adequadamente utilizado ou fruído, apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade será retirado imediatamente do mercado pelo fornecedor, sempre às suas expensas, sem prejuízo da responsabilidade pela reparação de eventuais danos”. Razões do veto: “O dispositivo é contrário ao interesse público, pois, ao determinar a retirada do mercado de produtos e serviços que apresentem ‘alto grau de nocividade ou periculosidade’, mesmo quando ‘adequadamente utilizados’, impossibilita a produção e o comércio de bens indispensáveis à vida moderna (e.g. materiais radioativos, produtos químicos e outros). Cabe, quanto a tais produtos e serviços, a adoção de cuidados especiais, a serem disciplinados em legislação específica”. Todavia, deve ficar claro que tal veto não prejudica o dever de se fazer o recall, prática que se mostrou até mais efetiva do que a simples retirada do produto. O que se verifica no recall é um ato de convocação dos fornecedores para que os consumidores ajam em colaboração ou cooperação, um dos ditames da boa-fé objetiva.
Não restam dúvidas de que há um paralelo entre a responsabilidade pós-contratual ou post pactum finitum e a prática do recall, aplicando-se o princípio da boa-fé nessa fase negocial. Tal interação é muito bem delineada por Rogério Ferraz Donnini, para quem “o recall evita que o fornecedor suporte uma gama enorme de ações de indenização daqueles que eventualmente sofreriam prejuízos, desde que a substituição do produto nocivo ou perigoso seja realizada de maneira apropriada. O recall, assim, não caracteriza uma culpa do fornecedor após a extinção do contrato firmado com o consumidor. Ao contrário. Trata-se de expediente preventivo. Há, em verdade, a antecipação do fornecedor para que o fato que provavelmente sucederia (dano) não se concretize. Embora essa substituição de produto ocorra normalmente após extinto o contrato, inexiste culpa do fornecedor. Não há, destarte, responsabilidade civil do fornecedor, haja vista que o prejuízo ainda não ocorreu. Desde que seja feita a troca da peça avariada de forma adequada, foram os deveres acessórios cumpridos”.110
De fato, se há a troca, o dano não estará presente, não se cogitando o dever de indenizar do fornecedor. Nessa linha vem decidindo a jurisprudência nacional. A título de exemplo, do Tribunal do Distrito Federal: “Ação coletiva. CDC. Alegação de riscos a consumidores. Exposição a produtos viciados ou defeituosos que foram objeto de recall. Danos morais. Inocorrência. O recolhimento preventivo de brinquedo (recall) em face de defeito na concepção ou de componente nocivo à saúde, não gera, por si só, danos morais. Precedentes do STJ” (TJDF – Recurso 2007.01.1.110169-4 – Acórdão 329.335 – Segunda Turma Cível – Rel. Des. Carmelita Brasil – DJDFTE 12.11.2008, p. 77). Na mesma perspectiva:
“Indenização. Danos morais e materiais. Convocação para troca de equipamentos através de recall. Impossibilidade de reparação de dano hipotético ou potencial. Não há se falar em dano moral ou material em decorrência de convocação da autora para troca de equipamentos em seu veículo através de recall pela simples preocupação advinda com a ciência do defeito ou pelo não abatimento do valor do carro no momento da compra. Não existe reparação de dano hipotético ou potencial. Além do mais, não há se falar em danos materiais se o preço de venda do veículo foi superior ao preço de compra. Não é qualquer dissabor, ou qualquer incômodo, que dá ensejo à indenização por abalo moral. É preciso se ter em conta, sempre, que não se pode estimular a proliferação da chamada ‘indústria do dano moral’. Apelo improvido” (TJRS – Acórdão 70004786117, Porto Alegre – Quinta Câmara Cível – Rel. Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha – j. 25.09.2003).
Por outra via, se o problema na coisa é anterior ao recall, a convocação posterior para a troca evidencia o vício, surgindo a obrigação de reparar do fabricante, com base no Código de Defesa do Consumidor, conforme reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça na ementa a seguir colacionada:
“Civil. Processual civil. Recurso especial. Direito do consumidor. Veículo com defeito. Responsabilidade do fornecedor. Indenização. Danos morais. Valor indenizatório. Redução do quantum. Precedentes desta Corte. 1. Aplicável à hipótese a legislação consumerista. O fato de o recorrido adquirir o veículo para uso comercial – táxi – não afasta a sua condição de hipossuficiente na relação com a empresa-recorrente, ensejando a aplicação das normas protetivas do CDC. 2. Verifica-se, in casu, que se trata de defeito relativo à falha na segurança, de caso em que o produto traz um vício intrínseco que potencializa um acidente de consumo, sujeitando-se o consumidor a um perigo iminente (defeito na mangueira de alimentação de combustível do veículo, propiciando vazamento causador do incêndio). Aplicação da regra do art. 27 do CDC. 3. O Tribunal a quo, com base no conjunto fático-probatório trazido aos autos, entendeu que o defeito fora publicamente reconhecido pela recorrente, ao proceder ao recall com vistas à substituição da mangueira de alimentação do combustível. A pretendida reversão do decisum recorrido demanda reexame de provas analisadas nas instâncias ordinárias. Óbice da Súmula 7/STJ. 4. Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que ‘quanto ao dano moral, não há que se falar em prova, deve-se, sim, comprovar o fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado o fato, impõe-se a condenação’ (Cf. AGA 356.447-RJ, DJ 11.06.2001). 5. Consideradas as peculiaridades do caso em questão e os princípios de moderação e da razoabilidade, o valor fixado pelo Tribunal a quo, a título de danos morais, em 100 (cem) salários-mínimos, mostra-se excessivo, não se limitando à compensação dos prejuízos advindos do evento danoso, pelo que se impõe a respectiva redução a quantia certa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 6. Recurso conhecido parcialmente e, nesta parte, provido” (STJ – REsp 575.469/RJ – Quarta Turma – Rel. Min. Jorge Scartezzini – j. 18.11.2004 – DJ 06.12.2004, p. 325).
Na mesma linha, colaciona-se ementa do Tribunal Paulista, seguindo as lições expostas nesta obra: “Indenização. Dano moral. Acidente de veículo com evento morte. Cinto de segurança traseiro. Defeito de fabricação. Recall posterior ao evento. Ônus da prova do fabricante. Considerações sobre a Teoria da carga dinâmica da prova. Dano moral configurado. Sentença reformada. Recurso provido, por maioria” (TJSP, Apelação 0281461-98.2009.8.26.0000 – 8ª Câmara de Direito Privado, Registro – Rel. Des. Caetano Lagrasta – j. 15.08.2012).
Entretanto, situação mais intrincada se faz presente quando o consumidor – avisado ou não – não troca o produto com defeito, vindo a ocorrer o evento danoso. A primeira questão a ser esclarecida é a de que, em casos tais, haverá responsabilidade do fornecedor diante do produto nocivo ou que apresenta riscos. A questão da informação, aqui, é importante para se atenuar a responsabilidade deste. Consigne-se que pode ser encontrada decisão que responsabilizou exclusivamente componente da cadeia de consumo – no caso, o comerciante – por não ter atendido à clara convocação dos consumidores para a troca de produtos:
“Consumidor. Fato do produto. Ingestão de produto (toddynho) que resultou em problemas estomacais. Recall publicado para a substituição do produto, não atendido pelo supermercado, o qual possui responsabilidade objetiva. Nexo de causalidade presente. Dano moral in re ipsa. Lesão à saúde do consumidor. Dever de indenizar. Dano material representado pelas despesas de aquisição do produto e gastos com atendimento. Sentença de improcedência reformada. Deram provimento ao recurso” (TJRS – Recurso Cível 71001416346, Porto Alegre – Primeira Turma Recursal Cível – Rel. Des. Heleno Tregnago Saraiva – j. 15.05.2008 – DOERS 20.05.2008, p. 106).
Ora, se o consumidor não foi devidamente informado – pois os meios de comunicação da convocação foram insuficientes ou equivocados –, a responsabilidade do fornecedor será integral, pela soma da colocação de um produto perigoso no mercado com a falha na informação. Com base em norma que consta da Lei 8.078/1990, alerte-se que o ônus da prova a respeito da comunicação cabe ao fornecedor (art. 38).
Temática ainda mais complicada está relacionada à hipótese em que o consumidor é devidamente comunicado do recall, o que é provado pelo fornecedor ou decorre das circunstâncias e do bom-senso, mas não o atende, vindo a ocorrer o infortúnio. A título de exemplo, uma montadora de veículos convoca os consumidores de determinado modelo popular a fazerem um reforço no engate do cinto de segurança que, segundo estudos técnico-científicos, apresenta riscos de se soltar em casos de freadas bruscas. Diante da enorme quantidade de unidades do automóvel, o recall é anunciado na TV aberta, em jornais, no rádio e na internet. Atendendo ao seu dever de informar, a montadora envia cartas para todos os seus consumidores com aviso de recebimento e mensagens eletrônicas com certificação de leitura pelos destinatários. Determinado consumidor, que foi devidamente avisado do recall, conforme prova que pode ser construída pelo fornecedor, resolve não atender à convocação, assumindo os riscos de utilizar o veículo problemático. Em certa ocasião, o consumidor, ao dirigir o seu veículo, freia bruscamente, e o cinto de segurança não consegue segurar o impacto, vindo o motorista a chocar o seu rosto contra o para-brisa. A colisão lhe causa danos materiais, morais e estéticos, o que faz a vítima ingressar com ação indenizatória em face do fabricante do veículo, pela presença do fato do produto (art. 12 do Código de Defesa do Consumidor).
In casu, não se pode afastar o dever de indenizar do fabricante, presente o defeito do produto colocado em circulação. Entretanto, a vítima, ao não atender o recall, assumiu o risco, devendo a indenização ser reduzida razoavelmente, de acordo com as circunstâncias. Incidem, na espécie, as normas dos arts. 944 e 945 do Código Civil e a teoria do risco concorrente.
Verifica-se, desse modo, que o risco assumido é a construção mais adequada, uma vez que não se pode atribuir culpa exclusiva ao consumidor ao não atender a convocação. Isso porque não se pode falar em desrespeito a um dever principal legal ou contratual. Em verdade, é até possível alegar violação de um dever anexo por parte do consumidor, no caso, do dever de colaboração ou cooperação. Porém, a ideia de risco concorrente tem melhor encaixe no tipo descrito. Na concreção exposta, entende-se que o percentual de risco é maior por parte do consumidor e em menor montante por parte do fornecedor, que procurou minorar as consequências da exposição de outrem ao perigo. Pode-se ainda trabalhar com algumas variações, tais como 70% de risco do consumidor e 30% de risco do fornecedor. Exemplificando, se a vítima pleiteia no problema descrito reparação integral de R$ 10.000,00 (dez mil reais), esta será fixada em valor próximo a R$ 3.000,00 (três mil reais). Evidencie-se, mais uma vez, que não se pode afirmar que a conclusão pela teoria do risco concorrente é contrária aos interesses dos consumidores, pois alguns julgadores poderiam apontar que, na problematização ora descrita, houve culpa exclusiva da vítima ou do consumidor.
Como últimas palavras deste capítulo, nota-se que a tese da concausalidade pelos riscos demonstra ter efetiva aplicação prática. Mais do que isso, mostra ser razoável e equânime, na linha do preceito máximo de justiça de “dar a cada um o que é seu”. Valem as palavras no sentido de que não se pode atribuir a uma das partes, em hipóteses tais, o papel isolado de único causador do evento danoso, o que acaba sendo uma visão maniqueísta e superada, a qual procura dividir a responsabilidade civil em heróis e vilões. Sintetizando, no caso do recall, é possível dividir as responsabilidades de acordo com as contribuições dos envolvidos no caso concreto, notadamente pelos riscos assumidos.
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1 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. Responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 273. Expõe o professor Villaça que a palavra tem origem em um jogo de perguntas e respostas que eram feitas quando da constituição dos negócios “spondesne mihi dare centum? Spondeo” (Prometes me dar um cento? Prometo).
2 ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral. 10. ed. 3. reimpr. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. v. I, p. 877.
3 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 432-433.
4 MARTINS-COSTA, Judith. Do inadimplemento das obrigações. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. V, t. II, p. 97.
5 A tentativa de unificação da responsabilidade civil pelo CDC é apresentada, entre outros, por: CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil. Estrutura e função. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 81; SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
6 Sobre o tema dos contratos coligados: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contratos atípicos e contratos coligados: características fundamentais e dessemelhança. Direito civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 135; LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes contratuais no mercado habitacional. São Paulo: Saraiva, 2003; MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009.
7 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 171.
8 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 171.
9 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 230-231.
10 DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 196-197.
11 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 4: Direito das obrigações. 1ª parte, p. 56.
12 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 4: Direito das obrigações. 1ª parte, p. 56.
13 LIMONGI FRANÇA, Rubens. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. t. 55, p. 291-292.
14 Por todos, entre os civilistas: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2, p. 206-207; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. II: Direito das obrigações, p. 96-97. Os últimos autores falam em culpa presumida.
15 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. III: Responsabilidade civil. p. 249.
16 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Cirurgia plástica e responsabilidade civil do médico: para uma análise jurídica da culpa do cirurgião plástico. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br>. Acesso em: 7 abr. 2009. Trata-se do conteúdo de palestra proferida na VII Reunião Anual dos Dermatologistas do Estado de São Paulo, na cidade de Santos (SP), em 30 de novembro de 2002, promovida pela Sociedade Brasileira de Dermatologia – Regional São Paulo.
17 LÔBO, Paulo. Obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 39.
18 RENTERIA, Pablo. Obrigações de meios e de resultado. Análise crítica. São Paulo: GEN/Método, 2011.
19 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Código Civil comentado. Coord. Ministro Cesar Peluzo. São Paulo: Manole, 2007. p. 766-767.
20 Veja-se, por todos: RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor,. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 171-234; MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIM, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 137-210; GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. Código Comentado e Jurisprudência. 3. ed. Niterói: Impetus, 2007. p. 54-95; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 309-322. v. III.
21 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor. Código comentado e jurisprudência. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 107-124.
22 A criação do exemplo está em: RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 238-239.
23 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 239.
24 A solidariedade passiva legal como regra consumerista á observada por autores como Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Leis civis comentadas. São Paulo: RT, 2006. p. 193); Luiz Antonio Rizzatto Nunes (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 159); Sérgio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 248); Leonardo de Medeiros Garcia (Direito do Consumidor. Código Comentado e Jurisprudência. 3. ed. Niterói: Impetus, 2007. p. 47-48); Claudia Lima Marques, Antonio Herman Benjamim e Bruno Miragem (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 223). Os últimos foram citados no Capítulo 2 deste livro.
25 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 199.
26 Vejamos as fontes: DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 192; TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade civil por acidente de consumo na ótica civil-constitucional. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 275; DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7: Responsabilidade Civil. p. 452); CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 467; LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: RT, 2001; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Responsabilidade civil. vol. III, p. 310; SCHMITT, Cristiano Heineck. Responsabilidade civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010. p. 149-151; KHOURI, Paulo R. Roque. Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 161; SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 176-177; GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. IV: Responsabilidade civil. p. 262; VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. IV: Responsabilidade civil. p. 219.
27 MARQUES, Claudia; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 412. De toda sorte, insta verificar que Bruno Miragem, em obra solitária, sustenta ser a responsabilidade do comerciante subsidiária ou supletiva no fato do produto (MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 395).
28 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 199.
29 Essa é a conclusão do coautor Daniel Amorim Assumpção Neves, ao discorrer, em sua tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo, sobre a possibilidade das ações probatórias autônomas (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações probatórias autônomas. São Paulo: Saraiva, 2008. Coleção Theotônio Negrão).
30 SIMÃO, José Fernando. Vícios do produto no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2003. p. 102.
31 BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V. Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 183-184.
32 Nessa linha, veja-se: BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V. Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 185.
33 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. Código Civil Comentado e Jurisprudência. 3. ed. Niterói: Impetus, 2007. p. 100.
34 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. Código Civil Comentado e Jurisprudência. 3. ed. Niterói: Impetus, 2007. p. 101.
35 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 361.
36 SIMÃO, José Fernando. Vícios do produto. Questões controvertidas. In: MORATO, Antonio Carlos; NÉRI, Paulo de Tarso (orgs.). 20 anos do Código de Defesa do Consumidor. Estudos em homenagem ao Professor José Geraldo Brito Filomeno. São Paulo: Atlas, 2010. p. 410.
37 A questão está exposta em: TARTUCE, Flávio. Direito Civil. 6. ed. São Paulo: GEN/Método, 2011. v. 3: Teoria geral dos contratos e contratos em espécie, e TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Volume Único. São Paulo: GEN/Método, 2011.
38 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIM, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 594.
39 Nesse sentido, por todos: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIM, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 570.
40 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 981.
41 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 366-370.
42 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 367.
43 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 369.
44 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 422.
45 LISBOA, Roberto Senise. Responsabiliade civil nas relações de consumo. São Paulo: RT, 2001. p. 241.
46 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 471.
47 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 630.
48 TEPEDINO, Gustavo. Liberdade de escolha, dever de informar, defeito do produto e boa-fé objetiva nas ações de indenização contra os fabricantes de cigarros. In: LOPEZ, Teresa Ancona (Coord.). Estudos e pareceres sobre livre-arbítrio, responsabilidade e produto de risco inerente. O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 237.
49 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 397.
50 A expressão “demandas frívolas” é de Anderson Schreiber, que abordou muito bem o tema em sua notável obra, fruto de tese de doutoramento defendida na Itália (SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 187-215). Logo ao início do capítulo é citada expressão da obra de Tim Maia: “Não quero dinheiro”.
51 GUGLINSKI, Vitor Vilela. Danos morais pela perda do tempo útil: uma nova modalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3237, 12 maio 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21753>. Acesso em: 21 set. 2013.
52 A construção está baseada, entre outros, nas ideias de Maria Helena Diniz, que assim conceitua a causalidade: “1. Filosofia do direito. a) Relação entre uma causa e um efeito; b) qualidade de produzir efeito; c) princípio em razão do qual os efeitos se ligam às causas. 2. Direito civil e direito penal. Um dos elementos indispensáveis para a configuração do ilícito ou do delito, pois as responsabilidades civil e penal não poderão existir sem a relação ou o nexo de causalidade entre o dano ou resultado e o comportamento do agente. Deveras, considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” (DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1, p. 641).
53 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 255.
54 Nessa linha de pensamento: Claudia Lima Marques, Antonio Herman V. Benjamim e Bruno Miragem (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 383); Rizzatto Nunes (Comentários ao Código de Defesa do Consumido. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 195); Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Leis civis comentadas. São Paulo: RT, 2006. p. 195); e Roberto Senise Lisboa (Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: RT, 2001. p. 270).
55 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 312.
56 GOMES, Orlando. Obrigações. Atual. Humberto Theodoro Júnior. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 148.
57 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 65; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 9. ed. v. III. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 152-153.
58 DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 190.
59 DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 195.
60 Sobre o tema, do risco do empreendimento, entre os italianos: ALPA, Guido; BESSONE, Mario. La responsabilità civile. A cura di Pietro Maria Putti. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2001; ALPA, Guido; BESSONE, Mario. Trattado di diritto privado. Diretto da Pietro Rescigno. Torino: UTET, Ristampa, 1987. t. 6: Obbligazione e contratti.
61 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 314-315.
62 SCHREIBER, Anderson. Flexibilização do nexo causal em relações de consumo. In: MARTINS, Guilherme Magalhães (coord.). Temas de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 38-39.
63 Da doutrina nacional, podem ser citados como seguidores da divisão: CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. IV, p. 272-273: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. IV, p. 287; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. III, p. 156-157; GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor. 3. ed. Niterói: Impetus, 2007. p. 57-58.
64 Essa revisão conceitual da responsabilidade civil do Estado consta de outra obra, fruto de tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo: TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e risco. A teoria do risco concorrente. São Paulo: GEN/Método, 2011.
65 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A responsabilidade civil pelo fornecedor de produtos pelos riscos do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 176.
66 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2006. v. I, p. 392.
67 Código do Consumidor. Anteprojecto. Comissão do Código Consumidor. Ministério da Economia e da Inovação. Secretaria de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor. Lisboa: Instituto do Consumidor, 2006. p. 174.
68 Além de Pinto Monteiro, são integrantes da Comissão: professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida (Universidade Nova de Lisboa), professor Doutor Paulo Cardoso Correia Mota Pinto (Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional e professor da Universidade de Coimbra), Dr. Manuel Tomé Soares Gomes (Desembargador do Tribunal de Relação de Lisboa), Maria Manuela Flores Ferreira (Procuradora-geral do Tribunal Central de Lisboa), Mestre Mário Paulo da Silva Tenreiro (Chefe da Unidade da Comissão Europeia, em Bruxelas, sobre política dos consumidores), professor José Eduardo Tavares de Souza (Universidade do Porto), professor Doutor Augusto Silva Dias (Universidade de Lisboa e Universidade Lusíada) e professora Doutora Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia (Universidade de Lisboa e Universidade Católica Portuguesa).
69 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do consumo. Coimbra: Almedina, 2005. p. 173.
70 ALPA, Guido. Il diritto dei consumatori. 3. ed. Roma: Laterza, 2002. p. 404.
71 CHINELATO, Silmara Juny de Abreu; MORATO, Antonio Carlos. O risco do desenvolvimento nas relações de consumo. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil. Estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: RT, 2009. p. 57-58.
72 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 392.
73 TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e risco. A teoria do risco concorrente. São Paulo: GEN/Método, 2011.
74 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor, São Paulo: Atlas, 2008. p. 254.
75 MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ, 2009. p. 24.
76 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Indenização e equidade no Código Civil de 2002. In: CARVALHO NETO, Inácio de (Coord.). Novos direitos. Após seis anos de vigência do Código Civil de 2002. Curitiba: Juruá, 2009. p. 103.
77 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Indenização e equidade no Código Civil de 2002, cit., p. 103-104.
78 Estudo retirado de: TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e risco. A teoria do risco concorrente. São Paulo: GEN/Método, 2011. Resolveu-se repetir aqui a publicação do estudo, diante da amplitude maior desta obra quanto ao público jurídico, como um manual.
79 REVISTA VEJA. São Paulo: Abril, Edição 2.140, ano 42, n. 47, 25 nov. 2009, p. 163-166. Reportagem assinada pelo jornalista André Petry, de Nova York, Estados Unidos da América.
80 REVISTA VEJA. São Paulo: Abril, Edição 2.140, ano 42, n. 47, 25 nov. 2009, p. 163.
81 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica. Tese – (Doutorado) Itajaí: Universidade Federal de Santa Catarina, 2002. Trata-se de tese de doutorado da área de ciências humanas, defendida perante a Universidade Federal de Santa Catarina.
82 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica, cit., p. 48.
83 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica, cit., p. 51.
84 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica, cit., p. 56.
85 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica, cit., p. 426.
86 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica, cit., p. 79-91.
87 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica, cit., p. 80.
88 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica, cit., p. 82.
89 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica, cit., p. 86.
90 BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica, cit., p. 86.
91 Imagem disponível em: <http://lane.stanford.edu/tobacco/index.html>. Acesso em: 18 dez. 2009.
92 LOPEZ, Teresa Ancona. Estudos e pareceres sobre livre-arbítrio, responsabilidade e produto de risco inerente. O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
93 Entendendo pela ausência de nexo causal na questão relativa aos danos decorrentes do uso do cigarro, ver, naquela obra coletiva, as posições de Gustavo Tepedino, José Carlos Moreira Alves, Galeno Lacerda e Nelson Nery Jr. (LOPEZ, Teresa Ancona. Estudos e pareceres sobre livre-arbítrio, responsabilidade e produto de risco inerente. O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009).
94 Destaque-se que nenhum dos pareceres e estudos constantes da obra coletiva que se analisa enfrentou a questão da doença de Buerger, sendo os artigos e pareceres direcionados somente para os mais diversos tipos de câncer. Nota-se, contudo, que a decisão de improcedência publicada no Informativo 436 do STJ menciona tal doença.
95 Considerando inexistente o defeito no cigarro, com o principal argumento de que o produto perigoso não é defeituoso, naquela obra coletiva; Adroaldo Furtado Fabrício, Álvaro Villaça Azevedo, Galeno Lacerda, Nelson Nery Jr., Ruy Rosado de Aguiar Jr. e Teresa Ancona Lopez.
96 ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza; ALVIM, Eduardo Arruda; MARINS, James. Código do Consumidor comentado. 2. ed., 2. tir. São Paulo: RT, 1995. p. 103.
97 ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza; ALVIM, Eduardo Arruda; MARINS, James. Código do Consumidor comentado, cit., p. 103.
98 MORAES, Carlos Alexandre. Responsabilidade civil das empresas tabagistas. Curitiba: Juruá, 2009. p. 165.
99 Sobre essa presunção do nexo causal na questão do cigarro, com a citação de outras decisões jurisprudenciais: MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade, cit., p. 248-257.
100 Argumentando pela licitude do ato de vender de cigarros na obra coletiva abordada: Adroaldo Furtado Fabrício, Ruy Rosado de Aguiar Jr. e Teresa Ancona Lopez.
101 Conforme o art. 188, I, do Código Civil, a legítima defesa não constitui ato ilícito. Concluindo pelo dever de indenizar, presente a legítima defesa putativa: “Civil. Dano moral. Legítima defesa putativa. A legítima defesa putativa supõe negligência na apreciação dos fatos, e por isso não exclui a responsabilidade civil pelos danos que dela decorram. Recurso especial conhecido e provido” (STJ – REsp 513.891/RJ – Terceira Turma – Rel. Min. Ari Pargendler – j. 20.03.2007 – DJ 16.04.2007, p. 181).
102 MARQUES, Claudia Lima. Violação do dever de boa-fé, corretamente, nos atos negociais omissivos afetando o direito/liberdade de escolha. Nexo causal entre a falha/defeito de informação e defeito de qualidade nos produtos de tabaco e o dano final morte. Responsabilidade do fabricante do produto, direito a ressarcimento dos danos materiais e morais, sejam preventivos, reparatórios ou satisfatórios. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, n. 835, p. 74-133, 2005.
103 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade civil e tabagismo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 265-325.
104 Excluindo a responsabilidade das empresas pela questão da publicidade que não pode ser tida como enganosa ou abusiva, naquela obra coletiva: Fábio Ulhoa Coelho, Adroaldo Furtado Fabrício e Gustavo Tepedino.
105 MARTINS-COSTA, Judith. Ação indenizatória. Dever de informar do fabricante sobre os riscos do tabagismo. In: LOPEZ, Teresa Ancona (Coord.). Estudos e pareceres sobre livre-arbítrio, responsabilidade e produto de risco inerente. O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 284.
106 MARTINS-COSTA, Judith. Ação indenizatória. Dever de informar do fabricante sobre os riscos do tabagismo, cit., p. 289.
107 Discorrendo de forma profunda sobre o livre-arbítrio e a liberdade do fumante, em uma visão liberal, naquela obra coletiva: Teresa Ancona Lopez, Álvaro Villaça Azevedo, Galeno Lacerda, Nelson Nery Jr., Maria Celina Bodin de Moraes e René Ariel Dotti.
108 Na citada obra coletiva, enquadrando o fumante que pleiteia a indenização na vedação do comportamento contraditório que decorre da boa-fé: Teresa Ancona Lopez, Nelson Nery Jr e Gustavo Tepedino.
109 Dicionário disponível para os assinantes do sítio Universo On Line em: <http://aulete.uol.com.br>. Acesso em: 10 dez. 2009.
110 DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 125.