Diante de sua concepção como realidade técnica e orgânica, a pessoa jurídica é capaz de direitos e deveres na ordem civil, independentemente dos membros que a compõem, com os quais não tem vínculo. Tal realidade pode ser retirada do art. 45 do Código Civil de 2002, ao dispor que começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro. Fala-se em autonomia da pessoa jurídica quanto aos seus membros, o que constava expressamente no art. 20 do Código Civil de 1916, dispositivo que não foi reproduzido pela atual codificação, sem que isso traga qualquer conclusão diferente.
Como decorrência lógica desse enquadramento, em regra, os componentes da pessoa jurídica somente responderão por débitos dentro dos limites do capital social, ficando a salvo o patrimônio individual dependendo do tipo societário adotado (responsabilidade in vires). A regra é de que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica, para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios ou componentes da pessoa jurídica sejam executados.
Devido a essa possibilidade de exclusão da responsabilidade dos sócios ou administradores, a pessoa jurídica, por vezes, desviou-se de seus princípios e fins, cometendo fraudes e lesando sociedade ou terceiros, provocando reações na doutrina e na jurisprudência. Visando a coibir tais abusos, surgiu no Direito Comparado a figura da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou teoria da penetração (disregard of the legal entity). Com isso, alcançam-se pessoas e bens que se escondem dentro de uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abuso, além dos limites do capital social (responsabilidade ultra vires). Fábio Ulhoa Coelho demonstra as origens da teoria:
“A teoria é uma elaboração doutrinária recente. Pode-se considerar Rolf Serick o seu principal sistematizador, na tese de doutorado defendida perante a Universidade de Tübigen, em 1953. É certo que, antes dele, alguns autores já haviam dedicado ao tema, como por exemplo, Maurice Wormser, nos danos 1910 e 1920. Mas não se encontra claramente nos estudos precursores a motivação centra de Serick de buscar definir, em especial a partir da jurisprudência norte-americana, os critérios gerais que autorizam o afastamento da autonomia das pessoas jurídicas (1950)”.1
Como se extrai de obra do jurista, são apontados alguns julgamentos históricos como precursores da tese: caso Salomon vs. Salomon & Co., julgado na Inglaterra em 1897, e caso State vs. Standard Oil Co., julgado pela Corte Suprema do Estado de Ohio, Estados Unidos, em 1892.2 A verdade é que a partir das teses e dos julgamentos, as premissas de penetração na pessoa jurídica passaram a influenciar a elaboração de normas jurídicas visando a sua regulamentação. Trata-se de mais uma festejada incidência da teoria da aparência e da vedação do abuso de direito, agora em sede do Direito de Empresa, ramo do Direito Privado.
O instituto em análise permite ao juiz não mais considerar os efeitos da personificação da sociedade para atingir e vincular responsabilidades dos sócios e administradores, com intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos por eles cometidos, desde que causem prejuízos e danos a terceiros, principalmente a credores da empresa. Dessa forma, os bens particulares dos sócios podem responder pelos danos causados a terceiros. Em suma, o escudo, no caso da pessoa jurídica, é retirado para atingir quem está atrás dele, o sócio ou administrador. Bens da empresa também poderão responder por dívidas dos sócios, por meio do que se denomina desconsideração inversa ou invertida, mais à frente estudada.
Como é cediço, o atual Código Civil Brasileiro acolheu expressamente a desconsideração. Prescreve o seu art. 50 que: “Em caso de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o Juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” Como a desconsideração da personalidade jurídica foi adotada pelo legislador da nova codificação privada, não é recomendável mais utilizar a expressão teoria, que constitui trabalho doutrinário, amparado pela jurisprudência. Tal constatação também é retirada da leitura do Código de Defesa do Consumidor.
O art. 28, caput, da Lei 8.078/1990, enuncia que: “O Juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”; (...) § 5º: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Faz o mesmo o art. 4º da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), ao prever que “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”. De qualquer forma, no tocante às duas normas, há uma diferença de tratamento, conforme será demonstrado a seguir.
Tanto em relação à adoção da teoria, quanto à manutenção das leis especiais anteriores, expressa o Enunciado 51 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, que “a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema”. Eis aqui o argumento pelo qual não se pode mais utilizar a expressão teoria, uma vez que a desconsideração foi abraçada pela codificação privada.
Aprofundando o tema, a melhor doutrina aponta a existência de duas grandes teorias fundamentais acerca da desconsideração da personalidade jurídica:3
a) Teoria maior ou subjetiva – a desconsideração, para ser deferida, exige a presença de dois requisitos: o abuso da personalidade jurídica + o prejuízo ao credor. Essa teoria foi adotada pelo art. 50 do CC/2002.
b) Teoria menor ou objetiva – a desconsideração da personalidade jurídica exige um único elemento, qual seja o prejuízo ao credor. Essa teoria foi adotada pela Lei 9.605/1998, para os danos ambientais, e supostamente pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.
Relativamente ao Código de Defesa do Consumidor, diz-se supostamente pela redação do § 5º do seu art. 28, bastando o mero prejuízo ao consumidor, para que a desconsideração seja deferida, segundo a doutrina especializada.4 Esse entendimento por vezes é adotado pela jurisprudência, conforme se depreende de notória e explicativa ementa do Superior Tribunal de Justiça:
“Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º – Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. – Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. – A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28 do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Recursos especiais não conhecidos” (STJ, REsp 279.273/SP – Rel. Ministro Ari Pargendler – Rel. p/Acórdão Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma – j. 04.12.2003 – DJ 29.03.2004, p. 230).
Todavia, no que tange ao Direito do Consumidor, como é notório, o art. 28, § 1º, do CDC, foi vetado, quando na verdade o veto deveria ter atingido o § 5º. O dispositivo vetado teria a seguinte redação: “A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores societários e, no caso de grupo societário, as sociedades que a integram” (art. 28, § 1º). As razões do veto, que não têm qualquer relação com a norma: “O caput do art. 28 já contém todos os elementos necessários à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, que constitui, conforme doutrina amplamente dominante no direito pátrio e alienígena, técnica excepcional de repressão a práticas abusivas”.
Assim, fica em dúvida a verdadeira adoção dessa teoria, apesar da previsão legal. Nesse sentido, comentando o erro no veto, anota Gustavo Rene Nicolau que “com este equívoco manteve-se em vigor o terrível § 5º. Entendo que não se pode considerar eficaz o referido parágrafo, prestigiando um engano em detrimento de toda uma construção doutrinária absolutamente solidificada e que visa – em última análise – proteger a coletividade”.5 O que é importante dizer é que, apesar dos protestos do jovem civilista, o art. 28, § 5º, do CDC, vem sendo aplicado amplamente pela jurisprudência como precursor da teoria menor ou objetiva.
Deve ficar claro que a desconsideração da personalidade jurídica não significa a sua extinção, mas apenas uma ampliação das responsabilidades, quebrando-se com a sua autonomia. Ademais, a medida é tida como excepcional, dependendo de autorização judicial. Em suma, não se pode confundir a desconsideração com a despersonificação da pessoa jurídica. No primeiro instituto, apenas desconsidera-se a regra pela qual a pessoa jurídica tem existência distinta de seus membros. Na despersonificação, a pessoa jurídica é dissolvida ou extinta. Destaque-se que a despersonificação da pessoa jurídica está tratada, em termos gerais, pelo art. 51 do Código Civil, in verbis: “Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua. § 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução. § 2º As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado. § 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica”.
Repisando, é possível, no caso de confusão patrimonial, responsabilizar a empresa por dívidas dos sócios (desconsideração inversa ou invertida). O exemplo típico é a situação em que o sócio, tendo conhecimento de divórcio, compra bens com capital próprio em nome da empresa (confusão patrimonial). Pela desconsideração, tais bens poderão ser alcançados pela ação de divórcio, fazendo com que o instituto seja aplicado no Direito de Família. Sobre o tema, mencione-se o trabalho de Rolf Madaleno, que trata da teoria da disregard no Direito de Família. Citando farta jurisprudência do TJRS, o doutrinador utiliza um exemplo muito próximo do que aqui foi apontado: “Quando o marido transfere para sua empresa o rol mais significativo dos bens matrimoniais, sentença final de cunho declaratório haverá de desconsiderar este negócio específico, flagrada a fraude ou o abuso, havendo, em consequência, como matrimoniais esses bens, para ordenar sua partilha no ventre da separação judicial, na fase destinada a sua divisão, já considerados comuns e comunicáveis”.6 Admitindo essa possibilidade, na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado 283 CJF/STJ, prevendo que “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”. Da jurisprudência, pode ser encontrado julgado publicado no Informativo 444 do STJ, aplicando a categoria (STJ – REsp 948.117/MS – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 22.06.2010).
A desconsideração inversa, do mesmo modo, é possível em demanda envolvendo uma relação de consumo. Imagine-se o caso de um fornecedor ou prestador que tem vários débitos em relação a consumidores e que, para fraudá-los, passa a transmitir os seus bens para o seu nome próprio. Entendendo desse modo, e fazendo menção ao art. 28 do CDC, do Tribunal de São Paulo:
“Bem móvel. Ação de obrigação de fazer C.C. Pedido de indenização. Pedido de aplicação da desconsideração inversa da pessoa jurídica. Bloqueio ‘on-line’. Presentes os pressupostos legais (art. 28 do CDC e art. 50 do CC de 2002). Agravo improvido. Presentes os elementos de convicção dos pressupostos do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 50 do Código Civil de 2002, é aplicável a despersonalização da pessoa jurídica inversa para alcançar os bens sociais ou particulares dos administradores ou sócios que a integram” (TJSP – Agravo de instrumento n. 990.10.074924-2 – Acórdão n. 4630.973/SP – Vigésima Sexta Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Norival Oliva – j. 10.08.2010 – DJESP 23.08.2010).
Em todos os casos, seja a desconsideração direta ou inversa, dispõe o Enunciado n. 281 do CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, que a sua aplicação prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica. Em tom prático, não há necessidade de provar que a empresa está falida para que a desconsideração seja deferida.
Por outra via, o Enunciado n. 282 do CJF/STJ aduz que o encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade jurídica. Imagine-se a hipótese em que a pessoa jurídica fechou o estabelecimento empresarial e não pagou credores, inclusive consumidores. Não há como concordar com essa conclusão doutrinária, pois o encerramento irregular é exemplo típico de abuso da personalidade jurídica, particularmente de desvio de finalidade da empresa, conforme balizado entendimento jurisprudencial, apesar da matéria não ser pacífica (nesse sentido, ver: TJSP, Agravo de instrumento 990.09.250776-1, Acórdão 4301323, São Paulo, Vigésima Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Oscar Feltrin, j. 03.02.2010, DJESP 25.02.2010; TJMG, Agravo interno 1.0024.06.986632-5/0011, Belo Horizonte, Décima Primeira Câmara Cível, Rel. Des. Marcos Lincoln, j. 27.01.2010, DJEMG 22.02.2010; TJPR, Agravo de instrumento 0572154-2, Guarapuava, Terceira Câmara Cível, Rel. Des. Paulo Habith, DJPR 17.12.2009, p. 32; TJRS, Agravo de instrumento 70030801385, Lajeado, Décima Nona Câmara Cível, Rel. Des. Guinther Spode, j. 24.11.2009, DJERS 01.12.2009, p. 75; TJDF, Recurso 2009.00.2.005888-6, Acórdão 361.803, Sexta Turma Cível; Rel. Des. Jair Soares, DJDFTE 18.06.2009, p. 87).
Em complemento, para confirmar a possibilidade da desconsideração em casos tais, notadamente em demandas envolvendo consumidores, anote-se que, no âmbito da execução fiscal, o Superior Tribunal de Justiça entende que se presume dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente (Súmula 435). Como se nota, o teor da súmula está na contramão do entendimento que consta do criticado Enunciado 282 CJF/STJ. Também na contramão desse enunciado doutrinário, do mesmo STJ, cabe colacionar trechos de acórdãos recentes: “Do encerramento irregular da empresa presume-se o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja pela confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para se buscar o patrimônio individual de seu sócio” (REsp 1.259.066/SP – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJe 28.06.2012); “Reconhecendo o acórdão recorrido que a ex-sócia, ora recorrente, praticou atos que culminaram no encerramento irregular da empresa, com desvio de finalidade e no esvaziamento patrimonial, a revisão deste entendimento demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial ante o óbice da Súmula 7/STJ” (STJ – REsp 1.312.591/RS – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – Quarta Turma – j. 11.06.2013 – DJe 01.07.2013).
Também da IV Jornada de Direito Civil, preconiza o Enunciado n. 284 do CJF/STJ que “As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica”. Ao contrário do anterior, esse enunciado está de acordo com o entendimento jurisprudencial que, por exemplo, admite a desconsideração da personalidade jurídica em face de uma associação (nesse sentido, ver: TJSP, Agravo de instrumento 573.072.4/7, Acórdão 3123059, São Vicente, Oitava Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Caetano Lagrasta, j. 07.08.2008, DJESP 22.08.2008; TJPR, Agravo de instrumento 0285267-3, Acórdão 238202, Curitiba, Desembargadora Anny Mary Kuss, 15ª Câmara Cível, j. 19.04.2005, publicado em 06.05.2005). Tal entendimento deve ser aplicado em benefício dos consumidores.
Ainda naquele evento, foi aprovado o Enunciado 285 do CJF/STJ, estabelecendo que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor. Como não poderia ser diferente, pode uma empresa consumidora fazer uso do instituto contra uma empresa devedora.
Seguindo no estudo da categoria da desconsideração consumerista, o § 2º, do art. 28, do CDC, enuncia que as sociedades integrantes dos mesmos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis para os fins de incidência do Código de Defesa do Consumidor. As sociedades coligadas, ademais, só responderão por culpa, tendo uma responsabilidade subjetiva (art. 28, § 4º, do CDC). Como bem esclarece Zelmo Denari, apesar de os comandos estarem inseridos no artigo referente à desconsideração, têm eles incidência para qualquer situação de responsabilidade civil encampada pelo Código do Consumidor, inclusive para os fins de temática do presente tópico.7
Para esclarecer em relação às sociedades coligadas, o seu conceito consta do art. 1.097 do CC/2002: “Consideram-se coligadas as sociedades que, em suas relações de capital, são controladas, filiadas, ou de simples participação, na forma dos artigos seguintes”. É considerada controlada: a) a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores; b) a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas (art. 1.098 do CC). Além disso, diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais do capital da outra, sem controlá-la (art. 1.099 do CC). Por fim, é de simples participação a sociedade de cujo capital outra sociedade possua menos de dez por cento do capital com direito de voto (art. 1.100 do CC).
Por fim, em relação às sociedades consorciadas, “são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código” (art. 28, § 3º, do CDC). Mais uma vez, nota-se que a regra não serve apenas para os fins de desconsideração, mas para todas as decorrências de responsabilização civil, na linha da solidariedade pregada pelo art. 7º, parágrafo único, do CDC.
As sociedades consorciadas, nos termos do art. 278, caput, da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976), são aquelas que se constituem para executar determinado empreendimento, caso de uma complexa obra pública. Conforme o § 1º do último preceito, “o consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade”. Como bem esclarece Zelmo Denari, “O § 3º do art. 28 derrogou expressamente essa disposição da lei comercial, criando, nas relações de consumo, um vínculo de solidariedade entre as empresas consorciadas, em benefício do consumidor”.8
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1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2, p. 37.
2 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2, p. 41.
3 Por todos, ver: COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2, p. 36-47.
4 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor. 3. ed. Niterói: Impetus, 2007. p. 114; PODESTÁ, Fábio Henrique. Código de Defesa do Consumidor comentado. São Paulo: RT, 2010. p. 177.
5 NICOLAU, Gustavo René. Desconsideração da personalidade jurídica. In: CANEZIN, Claudete Carvalho. Arte jurídica. Curitiba: Juruá, 2006. v. III, p. 236.
6 MADALENO, Rolf. Direito de família. Aspectos polêmicos. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 31.
7 DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 238.
8 DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 238.