<html xmlns="http://www.w3.org/1999/xhtml" xmlns:xsi="http://www.w3.org/2001/XMLSchema-instance" xmlns:ops="http://www.idpf.org/2007/ops"> <head> <title>SciELO Books</title> <link rel="stylesheet" type="text/css" href="css/scielobooks.css"/> <meta http-equiv="Content-Type" content="application/xhtml+xml; charset=utf-8"/> </head> <body> <div class="chapter"> <div class="title"> <p>Livros publicados </p> </div> <div class="section"> <div class="title"> <p>Apuração do texto poético de Jacinta Passos</p> </div> <p>Os originais dos livros de Jacinta Passos se perderam. Por isso, para esta edição, o princípio adotado foi o de reproduzir os poemas tal como apareceram nos quatro volumes publicados em vida da autora. </p> <p>Da mesma forma que nestes livros, na presente edição os poemas são apresentados em ordem cronológica. A data de produção aparece entre parênteses, ao final de cada poema, mesma solução adotada em <i>Canção da partida</i>, porém diferente da usada no primeiro livro, onde o ano de produção aparece sozinho, em folha à parte, antes de um poema ou grupo de poemas. <i>Poemas políticos</i> não data os poemas novos, apenas os republicados. <i>A Coluna, </i>que contém um único e longo poema épico, também não é datado. Nos dois últimos casos, não foi possível identificar datas precisas de produção de cada poema, porém se conseguiu indicar, em notas, o provável período de criação do conjunto de poemas novos, no caso de <i>Poemas políticos, </i>e do longo poema de <i>A Coluna</i>.</p> <p>Divulgar a poesia de Jacinta Passos entre leitores contemporâneos constitui o principal objetivo da atual edição: por isso, a ortografia e a acentuação dos poemas foram atualizadas. Houve necessidade de correção de pouquíssimos erros gramaticais ou de impressão, o que configura apuro linguístico da parte da autora e de seus editores e gráficos. Para esses casos, corrigiu-se o erro original involuntário, sem apensar nota de rodapé a respeito. </p> <p>Em <i>Canção da partida</i> e <i>Poemas políticos</i>, Jacinta Passos agrupou poesias até então inéditas em livro, mas também seleções de poesias publicadas em livro(s) anterior(es), decerto aquelas que mais agradavam à autora. Nesta edição, foram evitadas repetições: cada poema aparece apenas uma vez, integrado ao conjunto/livro onde foi originalmente publicado. O leitor é notificado disso nos locais apropriados, e em seguida remetido às páginas, neste volume, onde estão as outras poesias que originalmente fizeram parte daquele livro. Essa solução, embora dificulte o reconhecimento imediato do conjunto de cada livro da autora, evita o contrassenso de repetir poemas dentro de um mesmo volume, além de representar uma economia, de espaço e preço. Não haverá prejuízo substancial para o leitor – que continua a ter acesso a toda a produção de Jacinta, podendo assim reconstituir o conjunto de cada livro. </p> <p>Poeta rigorosa, Jacinta Passos fez modificações, às vezes sutis, em sinais gráficos, palavras ou expressões de seus poemas, quando republicados em livro, ou quando transpostos das páginas de jornal para o livro. Por exemplo, nos três poemas de seu primeiro livro (<i>Momentos de poesia</i>), republicados no segundo (<i>Canção da partida</i>) – intitulados "Canção simples", "Carnaval" e "Cantiga das mães" -, as aspas, indicando diálogos, foram substituídas por travessões. A atual edição reproduz a última versão de cada poema, pois ela contém modificações no texto realizadas pela autora, expressando assim a sua vontade. A adoção desse princípio, contudo, obrigou, em nome do bom senso, a substituir aspas por travessões também nos poemas não republicados do primeiro livro. Ao fazer isso, creio que não fugi às intenções da poeta: se ela promoveu aquela mudança nos poemas escolhidos para serem republicados, é provável que, caso fosse publicar de novo também os outros poemas, fizesse neles a mesma alteração. </p> <p>Esta edição procura equilíbrio entre a vontade de oferecer ao leitor a plena fruição dos poemas – que se dá quando se lê apenas poesia, sem notas explicativas – e a necessidade de informar, sobretudo por se tratar da primeira edição de toda a obra de Jacinta Passos, cujos textos há muito não circulavam; e de uma edição que tem a pretensão de fixar seu texto e de tornar seus poemas compreensíveis para os leitores de hoje. Assim, esta edição inclui notas, porém tenta evitar excessos, apensando-as somente quando pareceram indispensáveis. As notas fornecem informações sobre data e local da primeira publicação de alguns poemas, pequenas alterações promovidas no texto pela autora, quando da republicação de algum poema etc. Quando foi possível, as notas identificam também referências que a autora fez a pessoas e locais, geralmente a membros de sua família e a pequenas localidades da sua infância e juventude, cujos sentidos talvez se perdessem, caso não constassem aqui. As notas esclarecem ainda referências históricas, abundantes em alguns poemas (especialmente em <i>A Coluna</i>), porém pouco familiares aos leitores de hoje, principalmente aos jovens. Espera-se que elas enriqueçam a leitura e sirvam de subsídio a futuros estudos sobre a obra da autora.</p> <div class="image"> <p><img src="images/a03img01.png" alt="Jacinta Passos 01"/></p> </div> <div class="image"> <p><img src="images/a03img02.png" alt="Desenhos de Lasar 1944" /> </p> </div> </div> <div class="section"> <div class="title"> <p><a id="pt1"></a>Momentos de poesia</p> </div> <p>ESCRITO POR dois autores, este livro compõe-se de duas partes: a primeira, intitulada <i>Momentos de poesia</i> (p. 1 a 98), reúne 38 poemas de Jacinta Passos; a segunda parte (não incluída neste volume), <i>Mundo em Agonia</i> (p. 102 a 144), contém 22 poemas de seu irmão, Manoel Caetano Filho.<a id="not001b"></a><a href="#not001a"><sup>*</sup></a></p> <p>Esta é a primeira reedição de <i>Momentos de poesia</i>. Em seus livros posteriores (ver indicações em notas desta edição), Jacinta republicou alguns poemas deste seu primeiro livro. </p> <p><i>Momentos de poesia </i>recebeu críticas muito favoráveis da imprensa baiana, lançando o nome de Jacinta Passos e de seu irmão no meio literário da Bahia.</p> <p>Poesia perdida</p> <blockquote> <p>Ó! a poesia deste momento que passa,</p> <p>a grande poesia vivida neste instante</p> <p>por todos os seres da terra,</p> <p>que palpita nas coisas mais simples</p> <p>como um rastro luminoso da Beleza</p> <p>e, sem uma voz humana para eternizá-la,</p> <p>se perde para sempre, inutilmente...</p> <p>Por que existo, Senhor, quando não posso cantar?</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1933?)<a id="not01b"></a><a href="#not01a"><sup>1</sup></a></p> </div> <p>Manhã de sol</p> <blockquote> <p>Dia azul de Maio. Esplende</p> <p>um sol de ouro no céu que além se estende.</p> <p>Prolongam-se vibrações do arrebol</p> <p>na clara luz desta manhã de sol.</p> <p>O céu ardente,</p> <p>dum azul luminoso e transparente,</p> <p>tem doçura infinita...</p> <p>Um rumor de asas pelo azul palpita,</p> <p>palpita pelo ar.</p> <p>É carícia sonora, a música do mar.</p> <p>O verde risonho</p> <p>das árvores é lindo como um sonho.</p> <p>A brisa leve e fresca em surdina cicia.</p> <p>Há, em toda parte, uma explosão de alegria.</p> <p>A natureza canta, radiosa,</p> <p>um hino aleluial na manhã gloriosa.</p> <p>E todo esse esplendor se comunica</p> <p>à alma da gente, que vibrando fica</p> <p>e, com alta emoção esplêndida e feliz,</p> <p>bendiz,</p> <p>numa alegria incontida,</p> <p>a glória de viver e a beleza da vida.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1934)</p> </div> <p>Maria</p> <blockquote> <p>Ergue-se a cruz no cimo do Calvário.</p> <p>Após cumprir sua missão, Jesus,</p> <p>que por nós nasceu pobre e solitário,</p> <p>por nós, agora, vai morrer na cruz.</p> <p>Já se fez o divino donatário</p> <p>de tudo o que era seu. Bênção de luz</p> <p>que desceu sobre o mundo tumultuário</p> <p>é doutrina de amor que ao Céu conduz.</p> <p>Prisão, torturas, sede, fundas dores,</p> <p>desprezo, ingratidões, açoite, horrores,</p> <p>tudo sofreu por nós, pobres mortais.</p> <p>Ainda entrega no instante da agonia,</p> <p>imaculado, o vulto de Maria,</p> <p>o bem maior que todos os demais.<a id="not02b"></a><a href="#not02a"><sup>2</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1934)</p> </div> <p>Incerteza</p> <blockquote> <p>Em meu olhar se espelha</p> <p>a sombra interior de incerteza angustiante.</p> <p>E em minha alma floriu como rosa vermelha,</p> <p>de um vermelho gritante</p> <p>como o clangor de um clarim,</p> <p>essa angústia que vive a vibrar dentro em mim.</p> <p>É minha vida um longo, ansioso esperar</p> <p>num amor que há de vir.</p> <p>Amor, prazer que é dor e sofrer que é gozar,</p> <p>amor que tudo dá e sem nada pedir,</p> <p>e que às vezes, num segundo,</p> <p>resume a glória toda e toda a ânsia do mundo.</p> <p>Mas depois desse amor, o que virá? O tédio</p> <p>insípido e tristonho,</p> <p>desenganos sem cura e dores sem remédio,</p> <p>com a posse dum bem, o desfolhar dum sonho.</p> <p>Não vale mais, muito mais,</p> <p>desejar sempre um bem sem possuí-lo jamais?</p> <p>Oh! não. O coração</p> <p>não se cansa de amar se sabe querer bem,</p> <p>ter para o erro, o perdão,</p> <p>renunciar a si mesmo e viver para alguém.</p> <p>E se um motivo qualquer,</p> <p>imperioso e fatal, o sonho desfizer,</p> <p>então eu saberei bendizer, comovida,</p> <p>o amor que já passou</p> <p>deixando uma doçura amarga em minha vida.</p> <p>Quando o sonho murchou,</p> <p>também a esperança finda,</p> <p>mas dentro d'alma fica uma saudade ainda.<a id="not03b"></a><a href="#not03a"><sup>3</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1934)</p> </div> <p>Crepúsculo</p> <blockquote> <p>Vai lentamente agonizando o dia...</p> <p>O poente onde, há pouco, o sol ardia,</p> <p>se tingiu de cor de ouro, luminosa.</p> <p>Tons desmaiados de lilás e rosa</p> <p>listram o puro azul do firmamento </p> <p>- um poema de luz, neste momento.</p> <p>A sombra de mansinho vem caindo</p> <p>e o contorno das coisas, diluindo.</p> <p>Pesa um grande silêncio, enorme e mudo.</p> <p>Desce suavemente sobre tudo,</p> <p>uma bênção dulcíssima de paz.</p> <p>A treva escura que vem vindo traz</p> <p>uma saudade vaga, indefinida...</p> <p>saudade do que já passou na vida,</p> <p>saudade mansa, boa, imensa e triste,</p> <p>saudade até dum bem que não existe,</p> <p>nostalgia sem fim da perfeição</p> <p>que, nessa hora, invade o coração.</p> <p>A alma das coisas que vagava a esmo</p> <p>parece ir recolhendo-se em si mesma,</p> <p>pondo-se então a meditar consigo.</p> <p>A silhueta de um convento antigo</p> <p>ergue-se negra, austera e secular,</p> <p>banhada em doce luz crepuscular,</p> <p>no fundo luminoso do poente.</p> <p>É a longa torre uma oração silente.</p> <p>Parece uma blasfêmia, o negro véu</p> <p>de fumaça manchando o ouro do céu.</p> <p>O silêncio, de súbito, estremece</p> <p>e pelo ar passa um frêmito de prece.</p> <p>Vibrou a alma sonora da paisagem</p> <p>e o canto vem tangido pela aragem.</p> <p>Quando, do sino, a voz forte badala,</p> <p>Todo o rumor em derredor se cala</p> <p>e escuta a voz que soa, alta e vibrante,</p> <p>na quietude da tarde agonizante.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1935)</p> </div> <p>O mar</p> <blockquote> <p>Múrmuro e lento,</p> <p>o mar ao longe se espraia.</p> <p>Geme e brame, ruge e clama</p> <p>o seu tormento,</p> <p>e, soluçando, vem morrer na praia.</p> <p>O mar imenso...</p> <p>Quando eu escuto o seu rumor soturno,</p> <p>fico a cismar.</p> <p>Penso</p> <p>no destino do mar</p> <p>- ser eterno cantor -</p> <p>cantar a sua dor de eterno insatisfeito,</p> <p>cantar o seu sonho infinito desfeito,</p> <p>cantar o mesmo canto que embalou</p> <p>a infância do mundo.</p> <p>O mar imenso... encarcerado</p> <p>dentro dos frios limites dum traçado.</p> <p>Ouço vozes estranhas... Vem do fundo</p> <p>do mar ou de dentro de mim,</p> <p>esse surdo clamor?</p> <p>São vozes obscuras,</p> <p>vozes desconhecidas,</p> <p>vozes que irrompem</p> <p>da parte ignorada de mim mesma.</p> <p>Por que esta sede imensa de saber,</p> <p>desvendar os segredos escondidos,</p> <p>despir as coisas </p> <p>de suas transitórias aparências,</p> <p>penetrar no seu âmago,</p> <p>ver a essência do ser?</p> <p>Pobre desejo humano esbarra, mudo,</p> <p>ante o mistério de tudo.</p> <p>Por que este desejar que não se cansa,</p> <p>por que este destino errante de correr</p> <p>sempre atrás dum bem que não se alcança?</p> <p>Anseio de sentir-se um instante feliz,</p> <p>anseio de eternizar esse instante que passa,</p> <p>perdendo-se no passado, no infinito do tempo,</p> <p>como se perde um pouco de fumaça</p> <p>na amplidão dos espaços infinitos...</p> <p>Por que este desejar que não tem fim,</p> <p>se o mísero coração</p> <p>sabe que nenhum bem lhe satisfaz?</p> <p>Foge o minuto fugaz</p> <p>e no fundo de toda ventura sorvida</p> <p>há um gosto de cinza.</p> <p>Perguntas sem resposta, atiradas à toa,</p> <p>inutilmente...</p> <p>Ouço vozes estranhas... Vem do fundo</p> <p>do mar ou de dentro de mim</p> <p>esse surdo clamor?</p> <p>São vozes de sofrimento, de amarguras, </p> <p>vozes de todas as criaturas</p> <p>que falam por minha voz.</p> <p>Todas as criaturas que sofreram</p> <p>esta ânsia indefinida </p> <p>- angústia milenária como a vida -</p> <p>de querer atingir o inatingível.</p> <p>Vozes de todos que sentiram, vivo,</p> <p>cruel, o trágico destino humano</p> <p>de pássaro cativo:</p> <p>- ter diante de si o vasto céu azul,</p> <p>luminoso e ardente,</p> <p>ter asas, asas para bem alto subir,</p> <p>e sentir </p> <p>que não pode voar,</p> <p>impotente... impotente...</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1935)</p> </div> <p>Solidão</p> <blockquote> <p>Há em torno de mim muralhas glaciais.</p> <p>Vivo encerrada dentro de mim mesma,</p> <p>debruçada </p> <p>sobre estas profundezas abissais</p> <p>do meu ser,</p> <p>sobre esta solidão interior</p> <p>de um mundo fechado,</p> <p>áspera solidão inacessível</p> <p>onde existe </p> <p>um silêncio gelado,</p> <p>amargo,</p> <p>vazio.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1936)</p> </div> <p>Cântico de exílio</p> <blockquote> <p>Estou cansada, Senhor.</p> <p>Minha alma insaciável,</p> <p>a minha alma faminta de beleza,</p> <p>ávida de perfeição,</p> <p>é perseguida pelo teu amor.</p> <p>Puseste dentro dela esta ânsia infinita</p> <p>cujo ardor queima,</p> <p>como a sede que em pleno deserto escaldante</p> <p>persegue o viajor.</p> <p>Esta angústia, que cresce e que vibra e palpita,</p> <p>nasceu dentro em mim</p> <p>no mesmo divino instante </p> <p>em que, morrendo a última ilusão,</p> <p>só me restava afinal</p> <p>uma fria certeza,</p> <p>cortante como o gume dum punhal.</p> <p>A certeza de que, tendo tudo no mundo,</p> <p>nada </p> <p>pode encher o vazio do meu desejo,</p> <p>do meu desejo profundo.</p> <p>Na aridez de minha alma desolada,</p> <p>esta angústia brotou,</p> <p>como brota no solo sertanejo,</p> <p>no solo nu, exausto e sofredor,</p> <p>solo onde a seca vai matando a vida,</p> <p>a última flor</p> <p>- a flor sangrenta do cacto -</p> <p>cuja raiz parece que sugou</p> <p>todo o sangue da terra dolorida.</p> <p>Compreendi, Senhor, compreendi</p> <p>a voz que sobe</p> <p>do fundo misterioso do meu ser.</p> <p>Esta angústia que vive dentro em mim</p> <p>somente há de ter fim</p> <p>quando nada mais existir entre nós,</p> <p>quando, num dia sem crepúsculo,</p> <p>eu me abismar em ti,</p> <p>no teu esplendor absoluto.</p> <p>Mas apenas começo a caminhar,</p> <p>estou cansada, Senhor.</p> <p>É bem longo o caminho a percorrer</p> <p>e sinto-me sozinha.</p> <p>Levanto os braços para o céu distante</p> <p>como a palmeira – longo anseio de infinito -</p> <p>que no deserto se ergue, solitária,</p> <p>em busca do azul.</p> <p>Suplico humildemente o teu auxílio.</p> <p>Dos meus lábios, irrompe como um grito</p> <p>meu cântico de exílio.</p> <p>Ah! Senhor, quando se há de realizar </p> <p>a aspiração profunda do meu ser?</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1937)</p> </div> <p>Agonia no Horto</p> <blockquote> <p>Na solidão do Horto,</p> <p>quando sofrias, Senhor,</p> <p>e todo concentrado em tua grande dor,</p> <p>o teu corpo curvado para a terra,</p> <p>sucumbido e exangue,</p> <p>como um cálice cheio que transborda,</p> <p>suava gotas de sangue.</p> <p>Na solidão do Horto,</p> <p>quando sofrias, Senhor,</p> <p>abandonado, sem nenhum conforto,</p> <p>diante do teu espírito, passava </p> <p>a trágica visão de toda a humanidade.</p> <p>Como um longo rio,</p> <p>o tempo em séculos se desenrolava.</p> <p>Vias o mundo moderno...</p> <p>pobre mundo sem alma, esquecido de ti,</p> <p>pobre mundo indiferente,</p> <p>por quem pregado numa cruz, Senhor,</p> <p>morreste inutilmente.</p> <p>E mais do que a dureza dos Herodes,</p> <p>e a covardia dos Pilatos,</p> <p>devia te doer</p> <p>a incompreensão de teus amigos.</p> <p>Os teus amigos</p> <p>que vivem perto de ti, mas que não te conhecem.</p> <p>Encerrados em seu mundo pequenino,</p> <p>em vez de seguirem teu vulto divino,</p> <p>te fazem semelhante a eles.</p> <p>Deformam os traços teus, puríssimos,</p> <p>e fazem de tua figura,</p> <p>de tua figura perfeita,</p> <p>uma caricatura.</p> <p>Nada disto, Senhor, ainda compreendemos:</p> <p>o sentido profundo</p> <p>da mensagem de paz, da mensagem de amor</p> <p>que, há dois mil anos, Senhor,</p> <p>vieste trazer ao mundo.</p> <p>E as verdades eternas</p> <p>e as belezas escondidas </p> <p>do teu Evangelho</p> <p>- livro que é sempre novo apesar de tão velho,</p> <p>e que ninguém jamais se cansará de ler.</p> <p>Nada disto, Senhor, ainda compreendemos:</p> <p>tuas palavras divinas,</p> <p>de bondade, de paz e de perdão,</p> <p>e as dádivas infinitas</p> <p>do teu amor,</p> <p>o mistério da redenção,</p> <p>a vida que nos deste</p> <p>com tua morte, Jesus,</p> <p>a loucura divina, a loucura da cruz.</p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1937)</p> </div> <p>A missão do poeta</p> <blockquote> <p>No instante inicial da criação,</p> <p>quando o mundo acabava de sair</p> <p>das mãos de Deus</p> <p>e quando as coisas todas palpitavam</p> <p>quentes ainda do seu sopro criador, </p> <p>escutou-se o primeiro cântico na terra,</p> <p>glorificando o Senhor.</p> <p>Canta </p> <p>o poeta porque seu destino é cantar.</p> <p>Cantar o mesmo canto que irrompeu</p> <p>dos lábios do primeiro homem criado,</p> <p>ante a maravilhosa visão da beleza,</p> <p>da esplêndida harmonia universal.</p> <p>Cantar ao Senhor</p> <p>bendizendo a divina perfeição,</p> <p>bendizendo o amor infinito</p> <p>que transbordou, criando as criaturas.</p> <p>Canta o poeta </p> <p>a glória e o sofrimento do universo.</p> <p>Canta por todas as criaturas</p> <p>que não sabem cantar.</p> <p>Apreende</p> <p>a realidade íntima das coisas,</p> <p>o mistério que liga os seres todos</p> <p>numa unidade essencial</p> <p>e canta </p> <p>as belezas dispersas pelo mundo,</p> <p>fragmentos da beleza total.</p> <p>Sente </p> <p>a harmonia quebrada do universo,</p> <p>a desordem estabelecida</p> <p>pelo egoísmo do homem</p> <p>e canta</p> <p>a angústia da alma humana que procura</p> <p>o paraíso perdido.</p> <p>Sofre</p> <p>as durezas de sua própria resistência</p> <p>e canta</p> <p>o fundo e permanente sofrimento</p> <p>para atingir o estado interior</p> <p>quando, de dentro d'alma irrompe, límpido,</p> <p>puro, o canto único</p> <p>que eleva as coisas todas para o alto,</p> <p>glorificando o Senhor.</p> <p>Canta</p> <p>o poeta porque seu destino é cantar.<a id="not04b"></a><a href="#not04a"><sup>4</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1937)</p> </div> <p>Contrição</p> <blockquote> <p>Perdoa-me, Senhor, por ter acreditado</p> <p>que todas as franquezas de minha miséria humana,</p> <p>que as minhas quedas e as minhas incalculáveis possibilidades de queda, </p> <p>que minhas fugas para longe de ti – infidelidades à minha vocação eterna -,</p> <p>que minhas recusas aos apelos de tua graça,</p> <p>que as formas todas do meu egoísmo radical,</p> <p>que a minha incapacidade absoluta de elevar-me para ti,</p> <p>que tudo isso, Senhor,</p> <p>fosse mais invencível, mais forte</p> <p>do que a onipotência do teu amor infinito.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1938)</p> </div> <p>Oferenda</p> <blockquote> <p>Senhor,</p> <p>eu quis fazer de minha vida</p> <p>meu mais belo poema em teu louvor.</p> <p>A minha obra mais pura de beleza,</p> <p>concebida</p> <p>num claro instante de emoção</p> <p>pela minha inteligência </p> <p>- o dom mais alto que de ti me veio,</p> <p>a glória de pensar.</p> <p>Renuncio, Senhor, alegremente,</p> <p>à alegria de criar,</p> <p>com minhas próprias mãos, o meu destino.</p> <p>Quero apenas viver a minha vida.</p> <p>Quero ser a tua obra,</p> <p>humildemente,</p> <p>simplesmente,</p> <p>como as coisas simples são.</p> <p>Quero viver em mim teu pensamento,</p> <p>a ideia que sempre existiu em tua mente eterna</p> <p>e que quiseste realizar no tempo,</p> <p>no momento sagrado</p> <p>em que o amor de meus pais me concebeu.</p> <p>Eu quero ser nas tuas mãos divinas,</p> <p>a argila flexível,</p> <p>que aos toques do trabalho criador</p> <p>se deixa modelar.</p> <p>Quero que em mim tu realizes, pura,</p> <p>integral,</p> <p>perfeita,</p> <p>a tua obra, Senhor.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1938)</p> </div> <p>Consagração</p> <blockquote> <p>As minhas mãos, minhas humildes mãos,</p> <p>têm gestos puríssimos de bênção.</p> <p>Meus pés descobrem caminhos desconhecidos.</p> <p>Meus lábios dizem palavras que não são minhas,</p> <p>palavras divinas de amor.</p> <p>Minha inteligência concebe pensamentos eternos.</p> <p>Minha alma sofre o peso de dor infinita.</p> <p>E das profundezas misteriosas de minha vida</p> <p>transubstanciada,</p> <p>sobe para ti um canto de louvor perfeito.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1938)</p> </div> <p>Comunhão</p> <blockquote> <p>Meus irmãos, meus irmãos,</p> <p>vinde ouvir o meu cântico de amor.</p> <p>Num grande sopro invisível,</p> <p>o Espírito do amor desceu sobre mim.</p> <p>Circulou em ondas de fogo,</p> <p>penetrou nas fibras mais secretas do meu ser,</p> <p>comunicou-lhe a plenitude da vida infinita</p> <p>e transbordou sobre o mundo.</p> <p>Eu vos ofereço, irmãos, este amor,</p> <p>eu vos faço o dom integral deste amor,</p> <p>no meu espírito, no meu corpo, nos meus gestos, no meu canto.</p> <p>Homens de todas as regiões da Terra inteira,</p> <p>vinde ouvir o meu canto de amor universal.</p> <p>Homens de todas as raças de todas as nações e de todas as classes,</p> <p>homens dos recantos longínquos do universo,</p> <p>filhos da velha Europa dividida e do místico Oriente,</p> <p>homens da África, negros filhos da raça sofredora,</p> <p>povos da jovem América, esperança do mundo,</p> <p>mestiços que trazeis no sangue o conflito de raças diversas,</p> <p>homens que viveis nas ilhas distantes, perdidas no mar,</p> <p>homens que viveis nas frias regiões de geleiras eternas,</p> <p>homens dos desertos ardentes, de imensos areais sem fim,</p> <p>povos humilhados e sofredores, povos sem liberdade,</p> <p>judeus que carregais o peso duma dor milenária,</p> <p>povos desconhecidos de bárbaras regiões selvagens,</p> <p>homens todos da terra toda,</p> <p>vinde ouvir o meu canto de amor universal.</p> <p>Homens ricos e pobres,</p> <p>pobres escravizados aos ricos e ricos escravos do dinheiro,</p> <p>capitalistas importantes e proletários humildes,</p> <p>gordos burgueses satisfeitos,</p> <p>operários que ruminais o surdo rancor de injustiças acumuladas,</p> <p>reacionários conservadores da desordem estabelecida,</p> <p>comunistas que tendes sede de comunhão humana,</p> <p>homens cultos e sábios, homens simples do povo,</p> <p>criminosos e santos, crianças imaculadas,</p> <p>velhos que olhais com nostalgia os caminhos percorridos,</p> <p>prostitutas famintas de ternura humana,</p> <p>enfermos sofredores, miseráveis desamparados,</p> <p>massa anônima das ruas, multidão desconhecida,</p> <p>homens que sofreis dores ignoradas e silenciosas,</p> <p>e vós todos, poetas, meus irmãos,</p> <p>homens todos da terra toda,</p> <p>vinde ouvir o meu canto de amor universal.</p> <p>Eu vos ofereço, irmãos, este amor</p> <p>cuja força destrói as resistências mais duras,</p> <p>as barreiras criadas pelo egoísmo do homem </p> <p>e que paira acima, muito acima das divisões, dos conflitos e dos ódios.</p> <p>Eu vos ofereço este amor que unifica,</p> <p>numa harmonia total, os contrastes mais ásperos,</p> <p>este amor que, infinito, transcende o espaço</p> <p>e que perdura sempre, além do tempo.</p> <p>Eu vos ofereço este amor que desvenda </p> <p>a grande realidade invisível,</p> <p>a comunhão da vida universal.</p> <p>Amor – integração dos seres no mistério do Ser,</p> <p>revelação da vida em sua plenitude,</p> <p>translúcida visão do esplendor absoluto.</p> <p>Meus irmãos, meus irmãos,</p> <p>vinde ouvir o meu cântico de amor.<a id="not05b"></a><a href="#not05a"><sup>5</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1939)</p> </div> <p>Vida morta</p> <blockquote> <p>Correm vertiginosamente as minhas horas</p> <p>para um negro abismo insondável.</p> <p>Um desencanto total paralisa</p> <p>todas as energias profundas do meu ser,</p> <p>toda a minha infinita aspiração de amor,</p> <p>todo o meu humano desejo de viver.</p> <p>Um desencanto total imobiliza</p> <p>os movimentos da vida brotando dentro em mim</p> <p>e transmuda a minha paisagem interior</p> <p>em frígidas geleiras glaciais.</p> <p>Petrificada</p> <p>num desespero frio, mudo, inerte,</p> <p>minha vida está morta em suas fontes essenciais.</p> <p>E as minhas horas, as minhas horas vazias,</p> <p>inutilmente,</p> <p>rolam num negro abismo sem fim.</p> <p>Numa atração invencível,</p> <p>para o não-ser, para o nada,</p> <p>arrastadas,</p> <p>as minhas horas, as minhas horas vazias,</p> <p>correm vertiginosamente...</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1939)</p> </div> <p>Súplica</p> <blockquote> <p>Como um peregrino perdido na grande noite eterna</p> <p>eu te peço, Senhor, um pouco de luz.</p> <p>No princípio,</p> <p>antes de todos os tempos,</p> <p>antes de rolarem os mundos </p> <p>na harmonia sideral dos espaços etéreos,</p> <p>no princípio, quando eu era</p> <p>entre as possibilidades infinitas da beleza incriada,</p> <p>marcaste meu ser</p> <p>com o sinal de fogo dos destinos sagrados.</p> <p>E na plenitude do teu Ser infinito,</p> <p>tu precisas de mim, Senhor.</p> <p>Precisas de mim para que realizes</p> <p>o teu plano divino,</p> <p>para que, através de minha voz, as vozes todas da terra</p> <p>cantem o teu louvor.</p> <p>Como um peregrino perdido na grande noite eterna</p> <p>eu te peço, Senhor, um pouco de luz.</p> <p>Quebra todas as ásperas durezas do meu ser,</p> <p>identifica-me com todas as coisas,</p> <p>para que possa captar as mínimas vibrações da vida cósmica</p> <p>e elevar para ti</p> <p>o canto de louvor da terra toda.</p> <p>Crucifica o meu espírito e a minha carne.</p> <p>Quero experimentar todas as formas do sofrimento humano,</p> <p>a dor universal,</p> <p>para que, purificada pelo sofrimento,</p> <p>a minha voz se erga, clara e simples como a voz das criancinhas.</p> <p>Põe na minha boca o canto definitivo,</p> <p>o canto perfeito, o louvor perene</p> <p>do absoluto esplendor de tua beleza divina.</p> <p>Como um peregrino perdido na grande noite eterna,</p> <p>eu te peço, Senhor, um pouco de luz.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1939)</p> </div> <p>Campo Limpo<a id="not06b"></a><a href="#not06a"><sup>6</sup></a></p> <blockquote> <p>Quando vejo, ondulando ante os meus olhos,</p> <p>os teus campos banhados pelo sol,</p> <p>o ardor da seiva rebentando nessa natureza viva,</p> <p>a doçura do teu céu na hora crepuscular,</p> <p>a sombra negra das árvores que se alongam como fantasmas quando a noite desce,</p> <p>a profundeza insondável das tuas noites estreladas,</p> <p>quando vejo o esplendor de tua beleza,</p> <p>sinto, inesperada, uma estranha alegria,</p> <p>como se encontrasse</p> <p>um pedaço vivo de mim mesma.</p> <p>Campo Limpo,</p> <p>as tuas paisagens se identificaram</p> <p>com todas as vibrações de minha vida amanhecente.</p> <p>As tuas paisagens parecem humanas.</p> <p>Parece humano o murmúrio do vento nas tuas árvores seculares</p> <p>e a branca silhueta da velha casa antiga.</p> <p>Tuas paisagens revivem a minha vida já morta,</p> <p>todos os instantes perdidos para sempre</p> <p>e que eu quisera integrados num momento eterno.</p> <p>Como a árvore que dá sombra e flor e fruto</p> <p>esconde as raízes na terra de onde veio,</p> <p>estão mergulhadas no teu solo</p> <p>as raízes mais profundas do meu ser.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1939)</p> </div> <p>Alegria</p> <blockquote> <p>Perscrutei ansiosa a tua face.</p> <p>E na tua face marcada pelo sofrimento,</p> <p>batida por todos os ventos do mundo, </p> <p>trabalhada por todas as misérias da terra,</p> <p>na tua face</p> <p>onde se cruzam sulcos de fundas dores humanas,</p> <p>onde ficaram rastros de passos perdidos por obscuros caminhos,</p> <p>descobri, ó meu irmão desconhecido e anônimo,</p> <p>um traço de semelhança com a tua face verdadeira,</p> <p>a Face perfeita de todos os homens.<a id="not07b"></a><a href="#not07a"><sup>7</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1940)</p> </div> <p>Ressuscitados</p> <blockquote> <p>Por que permaneceis curvados e tristes, homens de toda a terra,</p> <p>por que permaneceis debruçados sobre o vosso destino,</p> <p>trazendo nos olhos a funda saudade de um mundo perdido</p> <p>e nos membros a estranha</p> <p>sensação duma queda de altíssima montanha?</p> <p>Todos os caminhos humanos</p> <p>já foram percorridos por aquele que viveu a experiência total.</p> <p>Um homem venceu o sofrimento e a morte.</p> <p>Luz puríssima,</p> <p>uma grande luz puríssima transfigura todos os seres,</p> <p>como se, intactos, acabassem de sair das mãos do Criador.</p> <p>Por que permaneceis curvados e tristes, homens de toda a terra,</p> <p>por que permaneceis debruçados sobre o vosso destino,</p> <p>trazendo nos olhos a funda saudade de um mundo perdido</p> <p>e nos membros a estranha</p> <p>sensação duma queda de altíssima montanha?</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1940)</p> </div> <p>A guerra</p> <blockquote> <p>Eu sou a humanidade que sofre.</p> <p>As minhas raízes profundas mergulham no ventre da terra,</p> <p>o meu espírito como uma antena prodigiosa domina o espaço</p> <p>e capta todas as vibrações, as mínimas vibrações</p> <p>trazidas pelos ventos que sopram de todos os lados.</p> <p>Eu sou a humanidade que sofre.</p> <p>Experimento no meu espírito e na minha carne</p> <p>este instante de dor universal.</p> <p>Sinto a realidade sangrenta dos campos de guerra,</p> <p>o lívido pavor diante da morte</p> <p>que ronda sinistra nas grandes aves metálicas,</p> <p>nos monstros de ferro, nos peixes fantásticos do mar.</p> <p>Clarões que se abrem,</p> <p>gritos alucinados,</p> <p>balas que silvam,</p> <p>explosão de bombas,</p> <p>corpos que tombam.</p> <p>É a trágica destruição do homem </p> <p>pela máquina poderosa que a sua inteligência criou.</p> <p>Caminho pelas cidades transformadas em trincheiras.</p> <p>Choro com as mulheres a saudade dos lares vazios,</p> <p>a perda dos filhos – o próprio ser mutilado.</p> <p>Fujo pelas estradas perdidas</p> <p>com as crianças que encontram as escolas fechadas</p> <p>e bebem no olhar, nas palavras, nos gestos dos homens,</p> <p>uma herança de ódio invencível.</p> <p>Vivo a tragédia apocalíptica de horrores infernais</p> <p>em que se transformou a grandiosa sinfonia da Terra,</p> <p>o fecundo labor humano que devia transformar a Terra</p> <p>que a mão do Criador deixara inacabada.</p> <p>Eu sou a humanidade que sofre.</p> <p>Sofro, nesta fornalha imensa onde se misturam homens de todos os povos,</p> <p>a dolorosa experiência dos meus erros milenares,</p> <p>do meu radical egoísmo</p> <p>que não aceitou a realidade total,</p> <p>que fez de si mesmo o centro do universo,</p> <p>ergueu fronteiras entre os seres humanos,</p> <p>dividiu o mundo em pedaços minúsculos,</p> <p>distribuiu injustamente as riquezas da terra,</p> <p>organizou o reino da injustiça</p> <p>onde paira, terrível, sobre todos os seres, a grande ausência de Deus.</p> <p>Eu sou a humanidade que sofre.</p> <p>Experimento no meu espírito e na minha carne</p> <p>este instante de dor universal.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1940)</p> </div> <p>Poema</p> <blockquote> <p>Aceitemos a vida, é inútil lutar.</p> <p>O mistério desse amor transcende o nosso ser limitado</p> <p>e tem a força invencível dos destinos marcados nos planos eternos.</p> <p>É o mesmo mistério profundo</p> <p>das forças elementares do cosmo,</p> <p>da energia insondável</p> <p>que faz renovar a vida na face da Terra</p> <p>e faz rolar os mundos nos espaços sem fim.</p> <p>Meu amor, meu amor, como é longa esta espera.</p> <p>As minhas mãos, os meus lábios, o meu olhar, os meus gestos</p> <p>guardam um tesouro intacto de ternura.</p> <p>Tua cabeça cansada repousará no meu ombro.</p> <p>Sentirás nos meus carinhos </p> <p>a frescura das fontes em que nenhum viajante bebeu.</p> <p>Simplesmente,</p> <p>tranquilamente,</p> <p>eu me abandonarei a ti num gesto de oferenda.</p> <p>Encontrarás no meu olhar a compreensão das palavras que não disseres.</p> <p>Uma grande luz brilhará na tua face,</p> <p>na tua face que as lutas da vida marcaram.</p> <p>Terás a visão verdadeira dos homens e das coisas</p> <p>e viverás o teu destino</p> <p>porque o teu ser, integrado no meu ser,</p> <p>atingirá a plenitude.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1940)</p> </div> <p>Compreensão</p> <blockquote> <p>As minhas mãos docemente pousaram em tua fronte.</p> <p>Esquecida</p> <p>de todas as dores do mundo, do mal profundo da vida,</p> <p>tua cabeça em meu regaço adormeceu.</p> <p>Adormeceu como um pássaro cansado,</p> <p>errante passarinho</p> <p>que vagou por céus longínquos em meio de tormentas bravias</p> <p>e encontrou, afinal, a doçura de um ninho.</p> <p>Nesse instante, as minhas mãos compreenderam</p> <p>por que foram feitas tão leves e macias.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1941)</p> </div> <p>A dor absoluta</p> <blockquote> <p>A plenitude do Ser infinito,</p> <p>Senhor,</p> <p>tu não podes comunicar.</p> <p>Desse informe plasma original onde dormem todas as realidades possíveis,</p> <p>nenhuma criatura,</p> <p>nenhuma vida,</p> <p>o teu ato pode fazer surgir ilimitada e perfeita.</p> <p>Não podes criar nenhum ser como tu.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1941)</p> </div> <p>Mensagem aos homens</p> <blockquote> <p>- Eu te esperei longo tempo de terrível solidão.</p> <p>Através dos meus anseios, das minhas lutas,</p> <p>dos meus cansaços e das minhas esperanças,</p> <p>através do meu fundo desalento</p> <p>e da minha ainda mais funda alegria de existir,</p> <p>através das incessantes mutações da vida,</p> <p>do céu, da terra, das águas, dos outros e de mim mesma,</p> <p>eu te esperei.</p> <p>Inteira, pura e livre como a luz, a livre luz das alvoradas.</p> <p>- Oh! por que me trazes um coração diminuído</p> <p>como um seixo levado pelo rio, um seixo que muitas águas rolaram?</p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1941)</p> </div> <p>O momento eterno</p> <blockquote> <p>Apagaram-se todas as limitações porque tu e eu desaparecemos.</p> <p>Existimos fundidos num ser único</p> <p>que ignora a sucessão no tempo,</p> <p>que desconhece as fronteiras onde sua vida termina e a vida cósmica se inicia,</p> <p>perdido no êxtase imenso</p> <p>como um astro sem memória perdido no espaço sem princípio e sem fim</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1941)</p> </div> <p>Limitação</p> <blockquote> <p>Nos teus gestos vibra nesta hora, hora única de amor,</p> <p>a minha mesma grande ânsia impossível.</p> <p>Nas tuas carícias sôfregas,</p> <p>no apelo magnético do teu olhar debruçado sobre o meu,</p> <p>nos teus ouvidos que parecem esperar uma palavra inefável,</p> <p>na tua boca ansiosa querendo sorver o sopro substancial de minha vida,</p> <p>nas tuas narinas ofegantes,</p> <p>nas tuas mãos ávidas tateando o meu corpo</p> <p>como se quisessem guardar nas pontas dos dedos a memória de minhas formas,</p> <p>nos teus gestos vibra nesta hora, hora única de amor,</p> <p>a minha mesma grande ânsia impossível.</p> <p>Ânsia de posse total.</p> <p>Atingir, através do teu corpo, tua essência imutável e única.</p> <p>Revelar-te a ti mesmo.</p> <p>Tocar, possuir como uma realidade tangível,</p> <p>minha,</p> <p>o mistério profundo do teu ser.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1941)</p> </div> <p>Mulher</p> <blockquote> <p>Diante do teu sofrimento,</p> <p>que vontade, amor, de ninar tuas mágoas,</p> <p>como embala a mãe seu filho pequenino.</p> <p>Quisera te amar com uma grande ternura compreensiva,</p> <p>a ternura das mães, apenas. </p> <p>Quisera não te querer com este ciúme primitivo e bárbaro</p> <p>que irrompe do meu ser obscuro</p> <p>como uma planta selvagem rasgando as entranhas da Terra.</p> <p>Este ciúme envolvente,</p> <p>solícito,</p> <p>tenaz,</p> <p>que se enrola em ti como a roupa que protege o teu corpo.</p> <p>Ciúme do espaço onde estás sem que eu possa simultaneamente estar,</p> <p>do tempo que te conheceu antes de mim</p> <p>e onde tua presença continuará,</p> <p>talvez quando dele já estiver libertada.</p> <p>Ciúme </p> <p>cuja nascente se perde em ignotas origens remotíssimas,</p> <p>grito lúcido do instinto milenário</p> <p>exigindo o dom integral para integralmente se dar.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1941)</p> </div> <p>Mistério carnal</p> <blockquote> <p>Corpos humanos que a morte tocou.</p> <p>Por que esperam os corpos abandonados</p> <p>na branca solidão do vasto cemitério?</p> <p>Corpos que um dia surgiram como uma realidade surpreendente</p> <p>na face da Terra.</p> <p>E amanheceram numa esplêndida palpitação de beleza</p> <p>que se ignora,</p> <p>até o momento da grande revelação</p> <p>quando o amor lhes deu a consciência de existirem.</p> <p>Olhos, pés, mãos, boca, sexo, fronte,</p> <p>que encarnaram os mais fugitivos movimentos do espírito,</p> <p>que amaram, pensaram, sentiram, viveram,</p> <p>e a morte, de súbito, petrificou.</p> <p>Por que esperam os corpos abandonados</p> <p>na branca solidão do vasto cemitério?</p> <p>Enigma terrível, tu estás em nosso sangue,</p> <p>herança atávica recebida através das gerações.</p> <p>Dormes no fundo do nosso ser como o sal nas grandes águas marinhas.</p> <p>Para além de nossas dores e de nossas alegrias,</p> <p>a vida, a vida é o dom supremo.</p> <p>Mas tu és a raiz envenenada,</p> <p>e todos os seus frutos são frutos de sabor amargo.</p> <p>Ah! como deve ser triste o destino dos espíritos</p> <p>que abandonaram os corpos.</p> <p>São fragmentos de seres, são seres incompletos </p> <p>que não se podem fixar para sempre.</p> <p>A carne que no fundo da terra se transforma </p> <p>em verme, em húmus, em flor, em fruto,</p> <p>a carne que era um ser com o espírito,</p> <p>como a semente com a árvore escondida dentro dela,</p> <p>não participa no seu destino final.</p> <p>Por que esperam os corpos abandonados </p> <p>na branca solidão do vasto cemitério?</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1941)</p> </div> <p>Canção simples</p> <blockquote> <p>A flor caída no rio</p> <p>que a leva para onde quer,</p> <p>sabia disso e caiu,</p> <p>seu destino é ser mulher.</p> <p>Leva tudo e segue em frente,</p> <p>amor de homem é tufão,</p> <p>o de mulher é semente</p> <p>que o vento enterrou no chão.</p> <p>Mulher que tudo já deu,</p> <p>homem que tudo tomou,</p> <p>é mulher que se perdeu,</p> <p>é homem que conquistou.</p> <p>Mulher virgem, condição</p> <p>para homem dar – nobre gesto -</p> <p>resto duma divisão</p> <p>se a divisão deixou resto.</p> <p>No sangue, a honra é lavada</p> <p>de homem que mulher engana,</p> <p>mulher que vive enganada</p> <p>coitado! fraqueza humana.</p> <p>A flor caída no rio</p> <p>que a leva para onde quer,</p> <p>sabia disso e caiu,</p> <p>seu destino é ser mulher.<a id="not08b"></a><a href="#not08a"><sup>8</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1941)</p> </div> <p>Ressonância</p> <blockquote> <p>Nossos espíritos se reconhecem</p> <p>como se através de milênios se esperassem.</p> <p>Nossos corpos se procuram</p> <p>como dois polos magnéticos de atração profunda.</p> <p>Tão simples deveria ser a fusão de tua vida e minha vida,</p> <p>nosso destino essencial, tão simples.</p> <p>Alegrias e dores entre os seres humanos,</p> <p>entre todos os seres,</p> <p>por que se ligam inexoravelmente?</p> <p>Somos dois elos, amor, numa cadeia infinita...</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1941)</p> </div> <p>O canto de amanhã</p> <blockquote> <p>Desabem sobre mim os grandes sofrimentos.</p> <p>As dores elementares,</p> <p>a fome,</p> <p>o frio,</p> <p>o cansaço,</p> <p>a miséria,</p> <p>que marcam como fogo o ser humano total,</p> <p>desabem sobre mim.</p> <p>Fortes ventos em fúria me arrastem na tormenta.</p> <p>E como uma planta de estufa</p> <p>transplantada,</p> <p>eu viva como vivem as plantas do mato,</p> <p>plantas sem nome perdidas em imensas florestas bravias</p> <p>onde sopram terríveis vendavais.</p> <p>Eu seja apenas uma coisa entre as coisas de que os homens se servem.</p> <p>O meu espírito se apague</p> <p>e a consciência do meu corpo cresça como uma realidade absorvente,</p> <p>a única realidade.</p> <p>Eu seja apenas uma boca faminta</p> <p>que sabe o valor de um pedaço minúsculo de pão.</p> <p>Eu seja apenas braços exaustos que não podem parar</p> <p>e pés cansados e doridos que não encontram o fim do seu caminho.</p> <p>Eu seja apenas mãos,</p> <p>ásperas mãos calejadas pelos rudes contatos cotidianos</p> <p>e que, trêmulas, trêmulas, tiritam de frio.</p> <p>Eu seja apenas uma carne nua</p> <p>que disputa um trapo de pano,</p> <p>o pão,</p> <p>a água,</p> <p>o fogo,</p> <p>a terra,</p> <p>o ar,</p> <p>que disputa cada milésimo de tempo que vive.</p> <p>Eu seja apenas uma coisa entre as coisas de que os homens se servem,</p> <p>entre pedras, ferro, pai, mãe,</p> <p>ouro, árvores, filhos, irmãos e companheiros,</p> <p>entre animais, carvão, petróleo, alavancas e máquinas.</p> <p>Minha cabeça se curve ao peso da fria injustiça organizada e aceite</p> <p>e receba a piedade como último insulto.</p> <p>Eu seja apenas uma coisa entre as coisas de que os homens se servem,</p> <p>e, do fundo de meu ser revolvido pelas dores elementares,</p> <p>nascerá,</p> <p>simples como desponta à flor da terra um fio das grandes águas subterrâneas,</p> <p>o canto dos que têm fome e sede de justiça.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1941)</p> </div> <p>Noturno em Palmira</p> <blockquote> <p>E tu que não vens. A noite é música apenas.</p> <p>Distâncias, formas e cores apagaram-se na treva.</p> <p>- A curva ondulante das colinas</p> <p>e a linha dos longos eucaliptos.</p> <p>Asas negras de urubus cortando a transparência do azul.</p> <p>O branco sanatório solitário nas montanhas</p> <p>e os gestos dos homens sofredores,</p> <p>gestos simples de homens para quem a tragédia se tornou uma forma de vida. </p> <p>Distâncias, formas e cores apagaram-se na treva.</p> <p>Somente a noite existe, a densa noite informe.</p> <p>Os seres são puras formas interiores,</p> <p>são ritmos essenciais.</p> <p>A presença das árvores é o cântico da seiva elaborando.</p> <p>Os animais desapareceram dentro da espécie gloriosa.</p> <p>Mundos em formação latejam nos espaços noturnos</p> <p>e astros mortos giram a saudade da luz.</p> <p>Fluidos imponderáveis,</p> <p>ondas de energia cósmica rolando,</p> <p>movimentos iniciais de formas obscuras,</p> <p>sons, misteriosos sons nascendo de ignotas distâncias sem fim.</p> <p>Música pura,</p> <p>a vida original vibrando dentro da grande noite mágica e profunda.</p> <p>A noite é música apenas. E tu que não vens.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1941) </p> </div> <p>Carnaval</p> <blockquote> <p>Um povo surgiu, surgiu não sei donde,</p> <p>dançando, cantando, um povo surgiu.</p> <p>- Você me conhece? – Não conhece não.</p> <p>E a voz se perde na multidão.</p> <p>Eu sou a Bahia.</p> <p> – Viva o Rei Momo! – hoje é seu dia.</p> <p>Chora a menina,</p> <p>com medo do mandu.</p> <p> – Lá vem o cordão!</p> <p>Bate o batuque </p> <p>e o batuque bate.</p> <p>Negro preto,</p> <p>cor de urubu,</p> <p>bate o batuque</p> <p>e o batuque bate.</p> <p>Negro é rei</p> <p>no carnaval,</p> <p>tem manto, tem cetro,</p> <p>e o chapéu de sol</p> <p>é pálio real.</p> <p>Gritos humanos, interjeições,</p> <p>lança-perfume, desejos sem rumo, acres, com gosto de mar,</p> <p>um cheiro forte de todas as raças</p> <p>vibram no ar.</p> <p>Uma massa humana,</p> <p>todas as cores,</p> <p>todas as raças,</p> <p>todas as classes,</p> <p>em confusão.</p> <p>De que subsolo irrompeu, informe, nua,</p> <p>essa nova realidade sem nome que dança na rua?</p> <p>A rua Chile,</p> <p>a rua grã-fina,</p> <p>cadê os donos da rua-salão?</p> <p>- Madame ultrachique que tem três amantes.</p> <p>- O burguês graúdo,</p> <p>- Os vagabundos elegantes,</p> <p>- Os literatos de academia,</p> <p>carro oficial,</p> <p>rodas de porta de confeitaria </p> <p>que resolvem o momento internacional.</p> <p>Cadê a gente de todo dia,</p> <p>cadê os donos da rua-salão?</p> <p>Passa uma "dama" de cetim vermelho </p> <p>que mora dos lados do Pau Miúdo.</p> <p>Ondas humanas que vão e que vêm,</p> <p>ritmo de samba até no andar.</p> <p>Um louro estrangeiro que samba também.</p> <p>- Olhe a mulata de seu Manoel Português!</p> <p>Passa no carro, gorda, imponente,</p> <p>com um chapeuzinho de chinês.</p> <p>Cordão do Chame-Chame. Bonde cheio. O doutor da Vitória quer tomar.</p> <p>- Segue o bonde, não há mais lugar.</p> <p>- Você me conhece? – Não conhece não.</p> <p>E a voz se perde na multidão.</p> <p>Um povo surgiu, surgiu não sei donde</p> <p>dançando, cantando, um povo surgiu.</p> <p>Os homens do mundo estão no meu sangue.</p> <p>No meu sangue,</p> <p>as raças,</p> <p>as classes,</p> <p>os povos</p> <p>misturam-se.</p> <p>Eu sou a Bahia.</p> <p>- Viva o Rei Momo! hoje é seu dia.<a id="not09b"></a><a href="#not09a"><sup>9</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1942)</p> </div> <p>Nós, os cristãos</p> <blockquote> <p>Senhor,</p> <p>na realidade eterna de tua vida divina,</p> <p>contemplas dentro do teu Verbo</p> <p>todas as criaturas.</p> <p>Contemplas os cristãos</p> <p>que não continuam através do tempo</p> <p>a presença do teu Verbo encarnado.</p> <p>Não somos a tua imagem.</p> <p>Somos apenas uma caricatura,</p> <p>nós, os cristãos</p> <p>que aceitamos a injustiça na face da Terra.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1942)</p> </div> <p>Cantiga das mães </p> <blockquote> <p>(Para minha mãe)</p> <p>Fruto quando amadurece</p> <p>cai das árvores no chão,</p> <p>e filho depois que cresce </p> <p>não é mais da gente, não.</p> <p>Eu tive cinco filhinhos </p> <p>e hoje sozinha estou.</p> <p>Não foi a morte, não foi,</p> <p>oi!</p> <p>foi a vida que roubou.</p> <p>Tão lindos, tão pequeninos,</p> <p>como cresceram depressa,</p> <p>antes ficassem meninos</p> <p>os filhos do sangue meu,</p> <p>que meu ventre concebeu,</p> <p>que meu leite alimentou.</p> <p>Não foi a morte, não foi,</p> <p>oi!</p> <p>Foi a vida que roubou.</p> <p>Muitas vidas a mãe vive.</p> <p>Os cinco filhos que tive</p> <p>multiplicaram por cinco </p> <p>minha dor, minha alegria.</p> <p>Viver de novo eu queria</p> <p>pois já hoje mãe não sou.</p> <p>Não foi a morte, não foi,</p> <p>oi!</p> <p>foi a vida que roubou.</p> <p>Foram viver seus destinos,</p> <p>sempre, sempre foi assim.</p> <p>Filhos juntinho de mim,</p> <p>berço, riso, coisas puras,</p> <p>briga, estudos, travessuras,</p> <p>tudo isso já passou.</p> <p>Não foi a morte, não foi,</p> <p>oi!</p> <p>foi a vida quem roubou.<a id="not10b"></a><a href="#not10a"><sup>10</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1942) </p> </div> <p>Diálogo num país qualquer</p> <blockquote> <p>- Demorei muito, não foi, mulher?</p> <p>E o menino, como vai o menino?</p> <p>- Vai assim como Deus quer.</p> <p>Você arranjou o dinheiro?</p> <p>- O dinheiro da receita?</p> <p>- Sim. Coitado de meu filho, ficou sozinho o dia inteiro,</p> <p>doente como está.</p> <p>Fui ver se dava um jeito.</p> <p>Fui na casa do padrinho,</p> <p>que me deu umas frutas – fruta está tão caro -</p> <p>para a dieta dele, coitadinho.</p> <p>E a receita, como é?</p> <p>- Não arranjei, não.</p> <p>Ia falar com o gerente</p> <p>para ver se me adianta algum dinheiro.</p> <p>Mas estavam todos na reunião.</p> <p>Sabe que a guerra já esta perto da gente?</p> <p>- E para que fizeram reunião?</p> <p>- Foi uma espécie de comício.</p> <p>O diretor fez um discurso,</p> <p>disse que a hora é grave, que exige sacrifício.</p> <p>A pátria está ameaçada.</p> <p>Cada homem deve dar até a própria vida</p> <p>para defender o que é nosso,</p> <p>para defender a pátria estremecida.</p> <p>- E ele disse o que é pátria?</p> <p>- Disse que pátria é tudo o que nós temos.</p> <p>É a nossa terra </p> <p>e tudo de bom que esse nome encerra.</p> <p>É o alimento que nos vem do solo,</p> <p>é o pão,</p> <p>a água que bebemos,</p> <p>o fogo que nos aquece,</p> <p>a casa onde vivemos.</p> <p>- Pátria é tudo o que nós temos.</p> <p>Meu filho doente,</p> <p>sem remédio,</p> <p>sem alimento,</p> <p>sem um cobertor para a hora do frio.</p> <p>Água comprada por três mil réis a lata.</p> <p>Fogo no candeeiro de gás que a vizinha emprestou.</p> <p>O dono da casa exigindo o aluguel.</p> <p>Será que a gente tem mesmo pátria, Manuel?</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1942)</p> </div> <p>Canto da hora presente</p> <blockquote> <p>Os ventos que sopram do norte,</p> <p>os ventos que sopram do sul,</p> <p>que vêm do Pacífico,</p> <p>e que vêm do Atlântico,</p> <p>de todas as terras,</p> <p>de todos os mares,</p> <p>se cruzam nos ares.</p> <p>São ventos que trazem faíscas de fogo,</p> <p>que trazem sementes de vida e de morte.</p> <p>No Oriente velhíssimo, no berço do mundo,</p> <p>na Europa – o que é hoje Europa?</p> <p>na África humilhada que é humana também,</p> <p>nas ilhas perdidas</p> <p>que boiam nos mares,</p> <p>alguma coisa morre,</p> <p>alguma coisa nasce.</p> <p>A vida se renova na face da Terra.</p> <p>Homens que tendes as raízes mergulhadas</p> <p>na terra americana.</p> <p>Homens em cujo sangue se plasma</p> <p>o homem americano.</p> <p>Homens de todas as cores,</p> <p>classes,</p> <p>condições,</p> <p>nós somos a América,</p> <p>somos o Brasil que tem um destino</p> <p>dentro do mundo,</p> <p>do mundo que o fogo transforma.</p> <p>Os ventos que sopram do norte,</p> <p>os ventos que sopram do sul,</p> <p>que vêm do Pacífico</p> <p>e que vêm do Atlântico,</p> <p>de todas as terras,</p> <p>de todos os mares,</p> <p>se cruzam nos ares.</p> <p>São ventos que trazem faíscas de fogo,</p> <p>que trazem sementes de vida e de morte.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1942)</p> </div> <p>Eu serei Poesia</p> <blockquote> <p>A poesia está em mim mesma e para além de mim mesma.</p> <p>Quando eu não for mais um indivíduo,</p> <p>eu serei poesia.</p> <p>Quando nada mais existir entre mim e todos os seres,</p> <p>os seres mais humildes do universo,</p> <p>eu serei poesia.</p> <p>Meu nome não importa.</p> <p>Eu não serei eu, eu serei nós,</p> <p>serei poesia permanente,</p> <p>poesia sem fronteiras.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1942)</p> </div> <div class="image"> <p><img src="images/a03img03.png" alt="Desenhos de Lasar Beijo"/></p> </div> </div> <div class="section"> <div class="title"> <p><a id="pt2"></a>Canção da partida</p> </div> <div class="right"> <p><i>Que vontade de cantar:</i></p> <p> <i> a vida vale por si.</i></p> </div> <div class="right"> <p><i> A meu pai</i></p> <p> <i> e minha mãe</i></p> <p><i> em sinal de muito amor e reconhecimento</i></p> </div> <p> A PRIMEIRA edição de <i>Canção da partida<a id="not002b"></a><a href="#not002a"><sup>**</sup></a> </i> é belíssima, com apenas 200 exemplares, numerados e assinados pela autora e ilustrados com cinco desenhos de Lasar Segall, um deles na capa. Dez exemplares especiais foram acompanhados de uma ponta-seca original de Segall. Quatro dos desenhos originais de Lasar Segall encontram-se atualmente no Museu Lasar Segall, em São Paulo, e o quinto, que corresponde ao desenho da capa, assinado e dedicado, pertence à filha de Jacinta, Janaína Amado. Estes desenhos ilustram a presente edição, acrescentados dos que Segall fez à época, mas não foram usados na primeira edição do livro.</p> <p>A segunda edição de <i>Canção da partida<a id="not003b"></a><a href="#not003a"><sup>***</sup></a></i> contém alentado ensaio crítico sobre a obra de Jacinta Passos, "Entre lirismo e ideologia", de autoria de José Paulo Paes, composto especialmente para a edição. No presente volume, este ensaio integra a Fortuna Crítica.</p> <p>Completam <i>Canção da partida </i>os seguintes poemas, republicados do livro anterior, e aqui transcritos nas páginas indicadas: Cantiga das mães p.75, Carnaval p.71 e Canção simples, p.66.</p> <p>Canção da partida<a id="not11b"></a><a href="#not11a"><sup>11</sup></a> </p> <p>(para Manoel Caetano Filho)</p> <blockquote> <p>Passa</p> <p>passa </p> <p>passará</p> <p>derradeiro ficará.</p> <p>Não me prenda</p> <p>bom vaqueiro</p> <p>bom vaqueiro</p> <p>eh!</p> <p>dá licença de passar,</p> <p>levo a noite e levo o dia</p> <p>que alegria!</p> <p>levo tanto o que acabar.</p> <p>Mandioca tem veneno,</p> <p>dá farinha e dá beiju.</p> <p>Campo Limpo, lobisomem,<a id="not12b"></a><a href="#not12a"><sup>12</sup></a></p> <p>menina de calundu,</p> <p>medo de cobra e trovão,</p> <p>escuridão!</p> <p>- Traga logo o meu cavalo.</p> <p>- Está pronto, meu patrão.</p> <p>Benedito tem cem anos:</p> <p>negro duro!</p> <p>cem anos de escravidão.<a id="not13b"></a><a href="#not13a"><sup>13</sup></a></p> <p>Cadê Princesa Isabel</p> <p>que a liberdade inventou?</p> <p>- Vitalina!</p> <p>manoca o fumo,<a id="not14b"></a><a href="#not14a"><sup>14</sup></a> menina,</p> <p>você hoje vadiou.</p> <p>É vem o velho Camilo,</p> <p>barbas brancas,</p> <p>ar de nobre.</p> <p>Camilo, você é pobre</p> <p>e nunca foi senador,</p> <p>mas por que é igualzinho</p> <p>ao retrato de vovô?</p> <p>Não sei, não sei se adivinho,</p> <p>se Venâncio adivinhou:</p> <p>- são voltas que o mundo dá.<a id="not15b"></a><a href="#not15a"><sup>15</sup></a></p> <p>Passa</p> <p>passa</p> <p>passará</p> <p>derradeiro ficará.</p> <p>- Minha madrinha,</p> <p>nasci em berço de ouro -</p> <p>(Morreu pedindo branquinha.)</p> <p>Era grande, era valente,</p> <p>gostava do bom quitute,</p> <p>curava o povo doente,</p> <p>rezava Mês de Maria</p> <p>mas um dia</p> <p>vovó Jacinta morreu.<a id="not16b"></a><a href="#not16a"><sup>16</sup></a></p> <p>Na casa grande vazia</p> <p>uma sombra anda, vigia.</p> <p>Dade na fonte,</p> <p>Dade na lenha,</p> <p>dez filhos deu ao mundo,</p> <p>está plantando roça,</p> <p>está na casa da farinha,</p> <p>criou cinco filhos brancos</p> <p>e depois morreu sozinha.</p> <p>Campo Limpo.</p> <p>Onde é que Dade está?<a id="not17b"></a><a href="#not17a"><sup>17</sup></a></p> <p>Passa </p> <p>passa </p> <p>passará</p> <p>derradeiro ficará.</p> <p>Zé do Carmo,</p> <p>é vem o trem!</p> <p>Cruz das Almas.</p> <p>Não me prenda</p> <p>bom vaqueiro </p> <p>bom vaqueiro</p> <p>eh!</p> <p>dá licença de passar.</p> <p>S. Félix!</p> <p>olhe o rio Paraguassu,</p> <p>vou morar junto da ponte,<a id="not18b"></a><a href="#not18a"><sup>18</sup></a></p> <p>Cachoeira</p> <p>Bananeira</p> <p>quanta água desceu do monte!</p> <p>- Hoje tem sabatina?</p> <p>- Tem, sim senhor!</p> <p>- Vamos, maninha, vamos</p> <p>passear no jardim celeste.</p> <p>- O que foi que vistes lá?</p> <p>Giroflê, giroflá.</p> <p>Professor Mário!</p> <p>Zete!</p> <p>Dulce!</p> <p>Paulo!</p> <p>Zinha! <a id="not19b"></a><a href="#not19a"><sup>19</sup></a></p> <p>vamos ver a estrelinha</p> <p>piscando no céu noturno,</p> <p>dar um nome a cada astro,</p> <p>como vai, senhor Saturno?</p> <p>A Terra se move</p> <p>- quem viu? quem viu?</p> <p>em torno dum eixo</p> <p>que nunca existiu.</p> <p>Vamos, maninha,</p> <p>passear no mapa-múndi,</p> <p>é bonito como um chão,</p> <p>todo feito de mosaicos,</p> <p>cada cor, uma nação.</p> <p>Quanto azul!</p> <p>Tem mais água do que terra,</p> <p>tem mais peixe do que homem,</p> <p>tem nação roxa, amarela,</p> <p>- dê um pulo, pule o mar! -</p> <p>verde, azul, cor de canela,</p> <p>de pimenta-malagueta,</p> <p>cor da cara do Capeta</p> <p>ou de cor já desbotada</p> <p>tão pisada!</p> <p>nação velha, sem idade,</p> <p>como se pode saber?</p> <p>nasceu antes do relógio</p> <p>que fez o tempo nascer.</p> <p>Vamos, maninha,</p> <p>o que foi que vistes lá?</p> <p>Passa</p> <p>passa </p> <p>passará</p> <p>derradeiro ficará.</p> <p>Me leve ligeiro,</p> <p>Manuel Canoeiro,</p> <p>este rio vai dar</p> <p>nas águas do mar.</p> <p>Rema</p> <p>rema </p> <p>remador,</p> <p>caranguejo peixe é,</p> <p>lutar contra a sua sorte </p> <p>é remar contra a maré.</p> <p>Pé de Anjo, ganhador,</p> <p>vou conhecer a Bahia,<a id="not20b"></a><a href="#not20a"><sup>20</sup></a></p> <p>já vou tomar o vapor,</p> <p>eu não sei como é o mar,</p> <p>quero ver o Elevador.<a id="not21b"></a><a href="#not21a"><sup>21</sup></a></p> <p>Este rio vai dar</p> <p>nas águas do mar.</p> <p>Serei rica ou serei pobre?</p> <p>Tomásia de Queiroz,<a id="not22b"></a><a href="#not22a"><sup>22</sup></a></p> <p>minha criada!</p> <p>me diga o que somos nós.</p> <p>O meu pai é deputado<a id="not23b"></a><a href="#not23a"><sup>23</sup></a></p> <p>democrata liberal</p> <p>- viva a eleição!</p> <p>terça-feira vou ao baile</p> <p>no Palácio Aclamação.</p> <p>- Andar na rua sem chapéu</p> <p>ficará bem para nós?</p> <p>- Não fica!</p> <p>Minha irmã vai se casar</p> <p>com um doutor.</p> <p>Sou rica!</p> <p>- Vamos vender Campo Limpo</p> <p>para pagar nossa casa</p> <p>na Ladeira do Hospital.<a id="not24b"></a><a href="#not24a"><sup>24</sup></a></p> <p>As meninas logo vão</p> <p>entrar na Escola Normal,</p> <p>é mais seguro,</p> <p>professora é meio de vida,</p> <p>ninguém sabe do futuro.</p> <p>Minha mãe, minha mãezinha,</p> <p>todo dia na cozinha,</p> <p>faz doce para vender:</p> <p>- Augusto Braço Cotó,</p> <p>vá entregar no Triunfo<a id="not25b"></a><a href="#not25a"><sup>25</sup></a></p> <p>e cobre!</p> <p>Não diga nada a ninguém,</p> <p>meu bem.</p> <p>Sou pobre!</p> <p>Não sei se sou rica ou pobre,</p> <p>vivo lá e vivo cá,</p> <p>sou como a mãe de S. Pedro,</p> <p>entre o céu e a terra está.</p> <p>Passa</p> <p>passa</p> <p>passará</p> <p>derradeiro ficará.</p> <p>Casa, escola,</p> <p>profissão,</p> <p>rua, igreja,</p> <p>multidão,</p> <p>vida, vida,</p> <p>solidão!</p> <p>Menina, minha menina,</p> <p>carocinho de araçá,</p> <p>cante</p> <p>estude</p> <p>reze</p> <p>case</p> <p>faça esporte e até discurso,</p> <p>faça tudo o que quiser</p> <p>menina!</p> <p>não esqueça que é mulher.</p> <p>Minha terra tem gaiola</p> <p>onde canta o sabiá</p> <p>Menina minha menina,</p> <p>carocinho de araçá.</p> <p>Passa</p> <p>passa </p> <p>passará</p> <p>derradeiro ficará.</p> <p>Bernadete é preta,</p> <p>é preta que nem tição.</p> <p>Bernadete é pobre,</p> <p>é pobre sem um tostão.</p> <p>Regina, Minervina,</p> <p>Estelita e Conceição.<a id="not26b"></a><a href="#not26a"><sup>26</sup></a></p> <p>- Pelo sinal da pobreza!</p> <p>- Pelo sinal de mulher!</p> <p>- Pelo sinal</p> <p>da nossa cor!</p> <p>Nós somos gente marcada</p> <p>- ferro em brasa em boi zebu -</p> <p>ninguém precisa dizer:</p> <p>Bernadete, quem és tu?</p> <p>Nós somos gente marcada,</p> <p>nós temos muitos irmãos.</p> <p>Eu te conheço, José,</p> <p>José que desde menino</p> <p>trabalhas nas Sete Portas,</p> <p>teu patrão: "Seu Catarino".</p> <p>Eu te conheço, Manuel,<a id="not27b"></a><a href="#not27a"><sup>27</sup></a></p> <p>tu és Manuel de Maria,</p> <p>meu compadre, estivador.</p> <p>Pelo sinal</p> <p>da nossa cor!</p> <p>Porque estás triste, Maria?</p> <p>deixa Manuel xingar,</p> <p>xingar também alivia:</p> <p>é uma forma de chorar.</p> <p>Nós somos gente marcada,</p> <p>nós temos muitos irmãos.</p> <p>Passa depressa Moisés,</p> <p>o Mar Vermelho secou!</p> <p>Para a banda de lá,</p> <p>eu vou!</p> <p>Passa </p> <p>passa </p> <p>passará </p> <p>derradeiro ficará.</p> <p>Bom vaqueiro</p> <p>bom vaqueiro</p> <p>eh!</p> <p>dá licença de passar,</p> <p>já não vou sozinha agora,</p> <p>vou com Dade,</p> <p>Benedito,</p> <p>Pé de Anjo,</p> <p>com José,</p> <p>vou com Camilo,</p> <p>e com Tomásia,</p> <p>não vou só,</p> <p>Bernadete, Minervina,</p> <p>Augusto Braço Cotó.</p> <p>Vou de avião</p> <p>para S. Paulo,</p> <p>vou até o Orobó,</p> <p>Território do Alasca,</p> <p>vou virar um esquimó,</p> <p>me encontrar com Timochenko,</p> <p>Ludmila Pavlichencko,</p> <p>minha irmã, minha irmãzinha,</p> <p>que irmãzinha tenho eu,</p> <p>vou ver a estrela d'alva</p> <p>que no céu se acendeu.</p> <p>Passa mato,</p> <p>passa rio,</p> <p>passa fera, passa frio,</p> <p>passa até Montes Cárpatos,</p> <p>a viagem vai custar.</p> <p>Quando a gente lá chegar,</p> <p>Venâncio!</p> <p>não precisas mais de pinga,</p> <p>Manuel nunca mais xinga,</p> <p>Lampião deixa o cangaço,</p> <p>Sinhá Anastácia</p> <p>não precisa mais rezar.</p> <p>- Que bicho hoje deu?</p> <p>que time ganhou?</p> <p>- O gato comeu</p> <p>O fogo queimou.</p> <p>O país para onde vamos,</p> <p>Estelita!</p> <p>é uma terra tão bonita,</p> <p>parece até invenção.</p> <p>O país para onde vamos, </p> <p>Vitalina!</p> <p>fica aqui, fica na China,</p> <p>fica nas bandas do sul,</p> <p>fica lá no Polo Norte,</p> <p>principia onde termina,</p> <p>muito além daquele monte,</p> <p>lá na linha do horizonte,</p> <p>onde a terra encontra o céu.</p> <p>Já não vou sozinha agora,</p> <p>vamos, meu povo,</p> <p>diga adeus, vamos embora.<a id="not28b"></a><a href="#not28a"><sup>28</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1944)</p> </div> <p>Três canções de amor <br /> (para James)</p> <blockquote> <p>I</p> <p>Eu fui por um caminho.</p> <p>Eu também.</p> <p>Encontrei um passarinho.</p> <p>Eu também.</p> <p>Passarinho! queres um ninho?</p> <p>Eu também.</p> <p>Passarinho virou um homem.</p> <p>Ai! meu bem.</p> <p>Agora és tu,</p> <p>agora eu sou,</p> <p>amar é doce, </p> <p>meu corpo eu dou.</p> <p>Agora muda o sol.</p> <p>Eu também.</p> <p>Agora muda a terra.</p> <p>Eu também.</p> <p>Agora mudas tu.</p> <p>Cadê meu bem?</p> <p>Tão lúcido e tão puro,</p> <p>inseguro!</p> <p>Nosso amor é como tudo,</p> <p>um vaivém.</p> <p>Podes virar um passarinho.</p> <p>Eu também.</p> <p>II</p> <p>Entrou por uma porta,</p> <p>saiu pela outra.</p> <p>Velha Vitória!</p> <p>conte o fim daquela história.</p> <p>Era uma vez uma Princesa</p> <p>no Castelo de El-rei,</p> <p>na torre, vivia presa.</p> <p>Pronto! o resto, não sei.</p> <p>Cadê a Princesa?</p> <p>A Princesa fugiu?</p> <p>A terra tremeu?</p> <p>A torre caiu?</p> <p>Princesinha real,</p> <p>a Bruxa levou,</p> <p>nos ares voou,</p> <p>que Bruxa infernal!</p> <p>o mundo mostrou</p> <p>o bem e o mal.</p> <p>Cadê El-rei, meu senhor?</p> <p>El-rei se escondeu</p> <p>na gruta sombria,</p> <p>dorme de noite,</p> <p>dorme de dia,</p> <p>parece até morto.</p> <p>Padre-Nosso! Ave-Maria!</p> <p>Meu amigo, meu amigo,</p> <p>companheiro!</p> <p>teu amor, minha alegria,</p> <p>- uma gruta bem sombria.</p> <p>Escondido lá no fundo</p> <p>cuidado! cuidado! </p> <p>está El-rei meu senhor,</p> <p>dormindo acordado!</p> <p>Nunca se fie no seu sono,</p> <p>sono de El-rei, meu senhor.</p> <p>Não queiras nunca ser dono,</p> <p>negro!</p> <p>Ah! negro do meu amor!</p> <p>III</p> <p>Abra a porta,</p> <p>queremos entrar.</p> <p>Somos amantes,</p> <p>queremos amar.</p> <p>Hurra!</p> <p>Que porta pesada.</p> <p>Que porta caturra.</p> <p>Empurra.</p> <p>Abra esta porta!</p> <p>Não somos mãos soltas,</p> <p>frágeis no ar.</p> <p>Somos punho e onda</p> <p>e gigante e andar.</p> <p>Abra esta porta!</p> <p>Já cresce o gigante</p> <p>maior que o mar!</p> <p>A porta de bronze</p> <p>vai arrombar.<a id="not29b"></a><a href="#not29a"><sup>29</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1944)</p> </div> <p>Pânico no planeta Marte </p> <p>(A Scliar, Bernardo Zeibel, Clóvis Graciano, Guida Carone, Manuel Martins)</p> <blockquote> <p>Acabem com isto!</p> <p>Façam o sol parar!</p> <p>Prendam Zebedeu!</p> <p>Esvaziem o mar!</p> <p>Meu Deus, que aflição!</p> <p>Fuzilem Maria!</p> <p>Tapem o vulcão!</p> <p>- Orai por eles, orai.</p> <p>Uai!</p> <p>Que vozes são estas? Parai!</p> <p>Não podemos dormir.</p> <p>São eles que vêm! Tapem o vulcão!</p> <p>Será Lampião? Que vozes soturnas!</p> <p>Corujas piando nas trevas noturnas?</p> <p>Não enforcamos Tiradentes! Juro!</p> <p>Mula-sem-cabeça. Esconjuro!</p> <p>Fechem a janela. De onde sopra o vento?</p> <p>São uivos de cão. Agouro. Arrepio.</p> <p>Trememos de frio.</p> <p>- Orai por eles, orai.</p> <p>Por favor, esperai!</p> <p>Não queremos morrer.</p> <p>Prendam Zebedeu!</p> <p>S. Judas Tadeu!</p> <p>Esperai um instantinho!</p> <p>Estamos morrendo!</p> <p>Viver é tão bom, meu S. José do Quartinho!</p> <p>Quem é que vem lá? Não nos ouves, não?</p> <p>Assombração!</p> <p>Uma coluna, uma coluna andando!</p> <p>Girando esmagando,</p> <p>vem para cima de nós! Eu morro!</p> <p>Socorro!</p> <p>Não queremos morrer!</p> <p>Vamos criar outro Hitler!</p> <p>Vamos virar curinga,</p> <p>cafuringa!</p> <p>Salazar!</p> <p>Mistura o preto com o branco,</p> <p>Franco!</p> <p>Qual o elixir que vai dar?</p> <p>Vamos ser neutros.</p> <p>Acendam a luz. Escuro como breu.</p> <p>Como vai, irmão Laval?</p> <p>Que cheiro de sangue!</p> <p>Cão policial!</p> <p>Vamos inventar outra Gestapo!</p> <p>Sopapo!</p> <p>Olhem uma rosa, uma rosa vermelha!</p> <p>Limpem as fileiras, façam o expurgo!</p> <p>Uma rosa, rosa. Rosa sem cabeça.</p> <p>É Rosa de Luxemburgo!</p> <p>Quem é que vem lá? Quem bate estas portas?</p> <p>Almas das criancinhas mortas!</p> <p>Mortas de fome. Todo dia! Todo dia!</p> <p>Em Paris, em Santos, Feira de Santana, Oceania!</p> <p>Vamos rezar!</p> <p>Fuzilem Maria!</p> <p>Façam o sol parar!</p> <p>Almas do outro mundo. Fantasmas!</p> <p>Miasmas!</p> <p>Olhem ali! Ali!</p> <p>É a alma do negro Zumbi!</p> <p>De quem será esta voz?</p> <p>É Lenine! Mateoti! Estão rindo, rindo de nós!</p> <p>- Orai por eles, orai.</p> <p>Trotsky, ressuscitai!</p> <p>Estamos morrendo!</p> <p>Ninguém arranja um remédio</p> <p>nem mesmo alegórico?</p> <p>Elixir paregórico!</p> <p>Vacina!</p> <p>Mandem comprar penicilina,</p> <p>ligeiro!</p> <p>Para que serve o dinheiro?</p> <p>Acuda! Acuda, mamãezinha!</p> <p>Vamos jogar na Quitandinha!</p> <p>Vamos falar porcaria!</p> <p>Meu Deus, que aflição!</p> <p>Não queremos morrer.</p> <p>Não!</p> <p>É vem Rokossovsky!</p> <p>Nossos cavalos de corrida!</p> <p>Nossas Colônias de turismo!</p> <p>Abismo!</p> <p>Rádio. Avião. Tudo em vão?</p> <p>Nossos tapetes. Nossa fábrica!</p> <p>Adeus trustezinho, nunca mais!</p> <p>Nossa Rede de jornais!</p> <p>Vamos ser sutis.</p> <p>O mal está é na raiz!</p> <p>Vamos defender a Família. Queres?</p> <p>Vamos ter muitas mulheres.</p> <p>A mulher do Ministro. A tal.</p> <p>A intelectual. Todas. Possíveis e impossíveis.</p> <p>Vamos ser irresistíveis.</p> <p>Quem avança na noite?</p> <p>São tropas marchando? Judeus massacrados? Quem avança?</p> <p>Europa no cárcere rumina vingança!</p> <p>Vamos fugir? Não adianta.</p> <p>Vamos distribuir cachaça.</p> <p>Retórica e futebol.</p> <p>Vamos fazer Arte pela Arte.</p> <p>Cadê a Ciência, vamos comprar?</p> <p>Vamos chorar na cama.</p> <p>Não adianta. Vamos gritar!</p> <p>Que gosto de lama!</p> <p>Vamos ser caridosos.</p> <p>Anúncios luminosos!</p> <p>Invadiram a Europa! Berlim!</p> <p>Nosso fim!</p> <p>Estamos morrendo!</p> <p>Brasil! Argentina!</p> <p>Último refúgio! América do Sul!</p> <p>- Orai por eles, orai.</p> <p>A vida se vai!</p> <p>Guerrilheiros de Tito!</p> <p>Maldito!</p> <p>Quem foi que gemeu?</p> <p>Prendam Zebedeu!</p> <p>A morte já vem!</p> <p>Que medo, mãezinha!</p> <p>Viver é tão bom!</p> <p>Chegou nosso dia!</p> <p>Tapem o vulcão!</p> <p>Fuzilem Maria!</p> <p>Depressa! Depressa!</p> <p>Meu Deus, que agonia!</p> <p>Sai, Demônio! Sai!</p> <p>- Orai por eles, orai.<a id="not30b"></a><a href="#not30a"><sup>30</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1944)</p> </div> <p>Canção da alegria</p> <blockquote> <p>Urupemba</p> <p>urupemba</p> <p>mandioca aipim!</p> <p>peneirar</p> <p>peneirou</p> <p>que restou no fim?</p> <p>Peneira massa peneira,</p> <p>peneira peneiradinha,</p> <p>(Ai! vida tão peneirada)</p> <p>peneira nossa farinha.</p> <p>Olhe o rombo</p> <p>olhe o rombo</p> <p>olhe o rombo arrombou!</p> <p>olhe o cisco</p> <p>olhe o risco</p> <p>urupemba furou!</p> <p>Eh! sai espantalho</p> <p>da ponta do galho!</p> <p>Escorra! Escorra!</p> <p>Tirai essa borra!</p> <p>Urupemba</p> <p>urupemba </p> <p>mandioca aipim!</p> <p>peneirar</p> <p>peneirou</p> <p>que restou no fim?</p> <p>Farinha fininha</p> <p>peneiradinha!</p> <p>Ai! vida, que vida</p> <p>nuinha! nuinha!</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1944)</p> </div> <p>Louvação do dinheiro</p> <blockquote> <p>Chave do mundo,</p> <p>porta do céu,</p> <p>poder divino,</p> <p>submarino,</p> <p>louvado seja</p> <p>o vosso nome</p> <p>que mata a fome,</p> <p>vence a floresta,</p> <p>afronta a morte,</p> <p>asa, transporte</p> <p>ao reino místico,</p> <p>ar do cativo</p> <p>contemplativo</p> <p>da pura essência</p> <p>da existência</p> <p>(bola de gude:</p> <p>beatitude)</p> <p>eixo da terra,</p> <p>sol do nascente,</p> <p>onipotente,</p> <p>varinha mágica</p> <p>do rei real,</p> <p>de todo o mal</p> <p>livrai-nos senhor</p> <p>mediador,</p> <p>venha a nós todos</p> <p>o vosso reino</p> <p>de sumo bem</p> <p>para sempre. Amém.</p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1944)</p> </div> <p>Estrela do Oriente </p> <p>(para Ben Ami)</p> <blockquote> <p>I</p> <p>Levantai-vos, párias de todo o mundo!</p> <p>Não vedes? Ela vem vindo, a Estrela do Oriente,</p> <p>alta, bela, imponente, os pés plantados no chão,</p> <p>traz o fogo no olhar e uma foice na mão.</p> <p>II</p> <p>Canta, Jacinta, teu hino,</p> <p>louva a Estrela do Oriente.</p> <p>Mariana, Guiomar,</p> <p>venham, venham me ajudar.</p> <p>Não sei a cor de seus cabelos,</p> <p>não posso saber,</p> <p>não sei as linhas do seu corpo,</p> <p>não posso saber.</p> <p>Não posso vê-la à distância</p> <p>como vejo meu vizinho,</p> <p>serei o seu sexo ou seu dedo mindinho?</p> <p>Mariana! Guiomar!</p> <p>Só na voz da própria Estrela</p> <p>podemos cantar.</p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1944)</p> </div> <p>Metamorfose </p> <p>(A Dias, João, Divaldo Miranda, Luiz Rogério, Almir Matos, Osvaldo Peralva)</p> <blockquote> <p>Fui moleque,</p> <p>jornaleiro,</p> <p>nunca tive opinião,</p> <p>ajudante de pedreiro,</p> <p>fui chofer de caminhão,</p> <p>trabalhei na Plataforma,</p> <p>operário de sabão,</p> <p>já morei</p> <p>oi!</p> <p>já morei no Taboão.</p> <p>Carneirinho! Carneirão!</p> <p>Olha pro céu! Olha pro chão!</p> <p>Céu é Barra, é Avenida,</p> <p>outra vida!</p> <p>nunca a gente foi lá não.</p> <p>Nem eu sei como foi isso,</p> <p>foi feitiço,</p> <p>arte do Cão,</p> <p>mas um dia fiquei rico</p> <p>que nem o rei Salomão.</p> <p>Chave do mundo,</p> <p>tenho na mão.</p> <p>Desceu o céu!</p> <p>Subiu o chão!</p> <p>Minha gente venha ver</p> <p>coisa que nunca se viu,</p> <p>um mulato virou branco,</p> <p>subiu! subiu!</p> <p>A formiga criou asas,</p> <p>o pato passou a ganso,</p> <p>lagarta virou besouro,</p> <p>de repente virei tudo,</p> <p>virei até um rei mouro,</p> <p>virei sábio, virei <i>gentleman</i>,</p> <p>meu cabelo virou louro,</p> <p>virei genro, industrial,</p> <p>tabu, ministro, escritor,</p> <p>quase viro ditador.</p> <p>Agora cheguei em cima,</p> <p>agora vi que eu sou dois.</p> <p>Quem sois?</p> <p>Minhas senhoras:</p> <p>Meus senhores:</p> <p>O meu drama começou.</p> <p>Serei moleque e rei mouro,</p> <p>serei dentro e serei fora,</p> <p>serei ontem e serei hoje,</p> <p>serei noite e luz da aurora?</p> <p>Quem sois?</p> <p>Serei eu e serei tu,</p> <p>serei Sancho e D. Quixote,</p> <p>serei Deus e Belzebu?</p> <p>Não posso viver assim!</p> <p>Serei Pierrot e Arlequim,</p> <p>serei anjo e homem carnal,</p> <p>serei o ser e o não-ser,</p> <p>serei o bem e o mal?</p> <p>Serei foice e serei sigma?</p> <p>Enigma!</p> <p>Que serei eu afinal?</p> <p>Ai de mim!</p> <p>Serei o princípio e o fim?<a id="not31b"></a><a href="#not31a"><sup>31</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1944)</p> </div> <p>Canção do segredo</p> <blockquote> <p>Tesouro escondido,</p> <p>quem foi que escondeu</p> <p>no cume do morro,</p> <p>quem é dono teu?</p> <p>Tesouro escondido</p> <p>no cimo! no fundo!</p> <p>Foi Adão, foi Adão</p> <p>no princípio do mundo?</p> <p>Quem foi, foi Jasão?</p> <p>Chi! Fale baixinho,</p> <p>olhe o monstro-dragão!</p> <p>Que medo! Que medo!</p> <p>Tesouro escondido</p> <p>qual é o teu segredo?</p> <p>Será o segredo </p> <p>da vida imortal?</p> <p>Será liberdade</p> <p>achada afinal?</p> <p>Não corras Dolores,</p> <p>também eu não corro.</p> <p>Quem chega primeiro</p> <p>ao cume do morro?</p> <p>Sozinho, ninguém!</p> <p>Pelos séculos dos séculos.</p> <p>Amém!</p> <p>Demos as mãos </p> <p>- mão na mão </p> <p>- mão na mão</p> <p>ligeiro primeiro</p> <p>matemos Ladrão,</p> <p>o guarda-tesouro,</p> <p>monstro-dragão.</p> <p>Tesouro escondido</p> <p>segredo perdido</p> <p>no monte! na serra!</p> <p>- mão na mão</p> <p>- mão na mão</p> <p>Abri-vos montanha</p> <p>aos homens da terra!</p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1944)</p> </div> <p>Cantiga de ninar </p> <p>(variação sobre um tema do Recôncavo baiano)</p> <blockquote> <p>Su su su</p> <p>neném mandu,</p> <p>quem dorme na lagoa</p> <p>é sapo-cururu.</p> <p>Su su su cadê papai Ioiô?</p> <p>Dorme meu neném, mamãe já deu leitinho,</p> <p>boi boizinho não vem, neném dorme na cama.</p> <p>Su su su</p> <p>Dorme dorme dorme meu neném mandu.</p> <p>Boi da cara preta não não meu boizinho,</p> <p>não pegue neném, não, ele é meu filhinho.</p> <p>Su su su</p> <p>Quem dorme na lagoa</p> <p>é sapo-cururu.</p> <p>Asa de morcego rabo de tatu.</p> <p>Menino não dorme menino faz manha,</p> <p>brinquedo não ganha não ganha vintém,</p> <p>seu papai é pobre, mãezinha também.</p> <p>Su su su</p> <p>Leve este menino para o murundu.</p> <p>Senhora Onda do Mar</p> <p>vestida de verde com franjas de luar,</p> <p>ninai meu filhinho fechai seu olhinho</p> <p>seu soninho velai</p> <p>que mamãe precisa fazer com papai,</p> <p>Senhora Onda do Mar,</p> <p>um planeta novo de neném morar.</p> <p>Su su su</p> <p>Quem dorme na lagoa</p> <p>é sapo-cururu.</p> <p>Sapo sapo sapo-cururu-ru-ru.</p> <p>Su su su<a id="not32b"></a><a href="#not32a"><sup>32</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1944)</p> </div> <p>Diálogo na sombra</p> <blockquote> <p>- Que dissestes, meu bem?</p> <p>- Esse gosto.</p> <p>Donde será que ele vem?</p> <p>Corpo mortal.</p> <p>Águas marinhas.</p> <p>Virá da morte ou do sal?</p> <p>Esses dois que moram no fundo e no fim.</p> <p>- De quem falas, amor, do mar ou de mim?<a id="not33b"></a><a href="#not33a"><sup>33</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1944)</p> </div> <p>Navio de imigrantes </p> <p>(A Lasar Segall)</p> <blockquote> <p>Gestos parados</p> <p>no limiar</p> <p>do céu e mar.</p> <p>Corpos largados</p> <p>desamparados,</p> <p>límpido tempo</p> <p>de primavera</p> <p>mora no fundo</p> <p>de vossa espera.</p> <p>Navio sombrio, que levas no bojo?</p> <p>- descobre o teu véu:</p> <p>navegas em busca da terra ou do céu?</p> <p>Corpos humanos</p> <p>suportam corpos,</p> <p>seus desenganos.</p> <p>Corpo, cansaço,</p> <p>longa viagem,</p> <p>busca um regaço,</p> <p>terra ou miragem.</p> <p>Arca ou navio,</p> <p>nau ou galera,</p> <p>vens doutra era,</p> <p>séculos a fio.</p> <p>Qual o teu rumo?</p> <p>Levas o sumo</p> <p>da dor humana </p> <p>que se supera,</p> <p>vida ou quimera.</p> <p>No bojo teu,</p> <p>levas o sonho</p> <p>de Prometeu.</p> <p>Levas em ti</p> <p>o amanhã,</p> <p>judeus do Egito</p> <p>a Canaã.</p> <p>Levas os negros,</p> <p>nau ou barcaça,</p> <p>e mais o drama</p> <p>de sua raça.</p> <p>Levas Chiquinha</p> <p>e sua dor,</p> <p>a dor que é minha.</p> <p>Levas Colombo,</p> <p>levas o povo</p> <p>e a descoberta</p> <p>dum mundo novo.</p> <p>No limiar</p> <p>do céu e mar.</p> <p>Qual o teu rumo?</p> <p>Só tu resistes,</p> <p>as águas tristes</p> <p>cobriram tudo,</p> <p>sozinho, mudo,</p> <p>sinais profundos</p> <p>vês no horizonte,</p> <p>tu és a ponte</p> <p>entre dois mundos.</p> <p>Asas alerta,</p> <p>fim, descoberta,</p> <p>anunciação,</p> <p>ramo de paz,</p> <p>âncora, chão,</p> <p>beira de cais,</p> <p>ave, esperança,</p> <p>nau da aliança.</p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1944)</p> </div> <p>Chiquinha </p> <p>(Para Matilde, Maria, Regina, Lourdes, Marcelina, Tomásia e Bernadete)<a id="not34b"></a><a href="#not34a"><sup>34</sup></a></p> <blockquote> <p>Chiquinha</p> <p>tão frágil,</p> <p>magrinha.</p> <p>Teu corpo miúdo</p> <p>o tempo secou,</p> <p>as formas redondas</p> <p>o tempo gastou.</p> <p>Pareces criança.</p> <p>Chiquinha,</p> <p>magrinha,</p> <p>que doce esperança</p> <p>te faz resistir?</p> <p>Que doce esperança</p> <p>mais forte que tudo,</p> <p>mais forte que o tempo,</p> <p>cansaço,</p> <p>pobreza,</p> <p>mais forte que o medo,</p> <p>doença,</p> <p>tristeza,</p> <p>que doce esperança</p> <p>mais forte que tudo,</p> <p>à vida traz preso</p> <p>teu corpo miúdo?</p> <p>Chiquinha</p> <p>Chiquinha</p> <p>não lutas sozinha.</p> <p>A doce esperança</p> <p>te vem como herança</p> <p>e a luta também,</p> <p>do fundo dos séculos,</p> <p>Chiquinha, te vem.</p> <p>Teu corpo cansado</p> <p>lutou no Egito,</p> <p>as mãos, mãos escravas,</p> <p>abanaram leques</p> <p>e teu corpo nu,</p> <p>teus seios morenos</p> <p>e teus pés pequenos</p> <p>dançaram lascivos,</p> <p>ligeiros, airosos,</p> <p>deleitando o tédio</p> <p>de reis ociosos.</p> <p>Chiquinha,</p> <p>teu corpo,</p> <p>teu corpo cansado,</p> <p>foi corpo explorado</p> <p>na Mesopotâmia,</p> <p>na Pérsia e Turquia </p> <p>- haréns de sultão -</p> <p>foi pária na Índia,</p> <p>na China e Japão.</p> <p>Teu corpo explorado</p> <p>foi mercadoria,</p> <p>espada e cavalo</p> <p>e vinho, foi orgia</p> <p>na Arábia lendária, </p> <p>de ardência e magia.</p> <p>Já foi, na Judeia,</p> <p>corpo apedrejado.</p> <p>Na Grécia, teu corpo</p> <p>vestido de túnica,</p> <p>foi Vênus olímpica,</p> <p>foi deusa na Arte,</p> <p>foi serva na vida.</p> <p>No Império Romano,</p> <p>teu corpo serviu</p> <p>a César, guerreiros,</p> <p>fidalgos patrícios,</p> <p>à flor da nobreza,</p> <p>miséria e grandeza,</p> <p>foi senhora-escrava, </p> <p>matrona impoluta,</p> <p>dama e prostituta.</p> <p>Chiquinha</p> <p>Chiquinha</p> <p>durante dez séculos,</p> <p>teu corpo fechado</p> <p>nas torres feudais</p> <p>de imensos castelos,</p> <p>foi corpo arrancado</p> <p>da terra, da vida,</p> <p>corpo sem raiz,</p> <p>feito puro espírito,</p> <p>mistério e tabu,</p> <p>teu corpo adorado</p> <p>foi corpo explorado.</p> <p>E quando as Nações,</p> <p>nos tempos modernos,</p> <p>abriram caminhos</p> <p>ao mundo futuro,</p> <p>caminhos no mar</p> <p>em busca de terras,</p> <p>riquezas, escravos,</p> <p>teu corpo apanhado</p> <p>nas selvas da África</p> <p>chegou ao mercado</p> <p>vendido e comprado,</p> <p>teu corpo de negra,</p> <p>teus braços de serva,</p> <p>teu sexo de fêmea,</p> <p>teu ventre fecundo</p> <p>produtor de escravos</p> <p>dos donos do mundo.</p> <p>Teu corpo apanhado</p> <p>nas selvas da África,</p> <p>nas terras indígenas,</p> <p>nas tribos nativas</p> <p>das ilhas no mar,</p> <p>teu corpo ajudou </p> <p>Europa a crescer</p> <p>e um mundo a nascer</p> <p>nas terras da América.</p> <p>Chiquinha</p> <p>Chiquinha</p> <p>não lutas sozinha.</p> <p>Chiquinha</p> <p>teu corpo </p> <p>ainda não é teu.</p> <p>Não é livre a vida.</p> <p>Não é livre o amor.</p> <p>Chiquinha</p> <p>teu corpo </p> <p>mudou de senhor.</p> <p>Tu sabes </p> <p>Chiquinha</p> <p>que a máquina que move</p> <p>o mundo moderno</p> <p>te vem libertar?</p> <p>Tu sabes</p> <p>(isto sim, tu sabes)</p> <p>a máquina tem dono</p> <p>e tu tens apenas</p> <p>teu corpo de carne</p> <p>que pede comida</p> <p>e roupa</p> <p>e abrigo,</p> <p>teu corpo de carne</p> <p>agarrado à vida.</p> <p>A máquina </p> <p>precisa mover</p> <p>dinheiro! dinheiro!</p> <p>e tu </p> <p>precisas viver.</p> <p>O dono da máquina,</p> <p>teu dono e senhor,</p> <p>Chiquinha,</p> <p>é teu comprador.</p> <p>Tu vendes teus braços,</p> <p>trabalho, energia,</p> <p>tu vendes teu tempo,</p> <p>descanso, alegria,</p> <p>vigor, juventude,</p> <p>beleza e saúde,</p> <p>futuro dos filhos,</p> <p>tu vendes, tu vendes,</p> <p>Chiquinha, que dor!</p> <p>tu vendes teu sexo,</p> <p>desistes do amor.</p> <p>A máquina </p> <p>te vem libertar.</p> <p>Dinheiro! Dinheiro!</p> <p>A máquina </p> <p>te vem devorar.</p> <p>A máquina </p> <p>é monstro de lenda,</p> <p>é monstro-dragão,</p> <p>devora teu corpo,</p> <p>é bicho-papão,</p> <p>é monstro danado</p> <p>de muitas cabeças,</p> <p>tem corpo-serpente,</p> <p>rasteja no chão,</p> <p>seu hálito arrasa</p> <p>como um furacão,</p> <p>tem língua de fogo</p> <p>tem asas e voa,</p> <p>ligeiro, ligeiro,</p> <p>cuspindo dinheiro,</p> <p>devora teu corpo,</p> <p>devora teu povo,</p> <p>seu sangue e suor.</p> <p>A máquina </p> <p>te vem devorar.</p> <p>Chiquinha</p> <p>Chiquinha</p> <p>tu sabes que a máquina </p> <p>te vem libertar?</p> <p>A máquina </p> <p>conquista </p> <p>a terra</p> <p>e o céu</p> <p>e o mar,</p> <p>a máquina,</p> <p>Chiquinha,</p> <p>te vem libertar.</p> <p>A máquina </p> <p>prolonga teus braços,</p> <p>liberta teu corpo</p> <p>de serva doméstica,</p> <p>te arranca de casa,</p> <p>derruba as paredes</p> <p>limites, fronteiras</p> <p>do lar, doce lar </p> <p>- prisão milenar -</p> <p>e faz do teu corpo,</p> <p>cansado</p> <p>explorado</p> <p>e multiplicado</p> <p>na luta, esse mundo</p> <p>difícil, Chiquinha</p> <p>teu reino será.</p> <p>Chiquinha </p> <p>tu sabes que a máquina</p> <p>que move</p> <p>o mundo moderno</p> <p>te vem libertar?<a id="not35b"></a><a href="#not35a"><sup>35</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p>(1943)</p> </div> <p>Canção da liberdade</p> <blockquote> <p>Eu só tenho a vida minha.</p> <p>Eu sou pobre pobrezinha,</p> <p>tão pobre como nasci,</p> <p>não tenho nada do mundo,</p> <p>tudo que tive, perdi.</p> <p>Que vontade de cantar:</p> <p>a vida vale por si.</p> <blockquote> <p>Nada eu tenho neste mundo,</p> <p>sozinha!</p> <p>Eu só tenho a vida minha.</p> </blockquote> <p>Eu sou planta sem raiz</p> <p>que o vento arrancou do chão,</p> <p>já não quero o que já quis,</p> <p>livre, livre o coração,</p> <p>vou partir para outras terras,</p> <p>nada mais eu quero ter,</p> <p>só o gosto de viver.</p> <blockquote> <p>Nada eu tenho neste mundo,</p> <p>sozinha!</p> <p>Eu só tenho a vida minha.</p> </blockquote> <p>Sem amor e sem saúde,</p> <p>sem casa, nenhum limite,</p> <p>sem tradição, sem dinheiro,</p> <p>sou livre como a andorinha,</p> <p>tem por pátria o mundo inteiro,</p> <p>pelos céus cantando voa,</p> <p>cantando que a vida é boa.</p> <blockquote> <p>Nada eu tenho neste mundo,</p> <p>sozinha!</p> <p>Eu só tenho a vida minha.<a id="not36b"></a><a href="#not36a"><sup>36</sup></a></p> </blockquote> </blockquote> <div class="right"> <p> (1943)</p> </div> <p>Sangue negro </p> <p>(para Jorge Amado)<a id="not37b"></a><a href="#not37a"><sup>37</sup></a></p> <blockquote> <p>Terras curvas do Recôncavo</p> <p>onde adormece o oceano,</p> <p>no teu subsolo circula </p> <p>sangue negro cor da noite,</p> <p>da cor do preto africano,</p> <p>preto cujo sangue escravo</p> <p>regou o solo baiano.</p> <p>Terras curvas do Recôncavo</p> <p>onde adormece o oceano,</p> <p>de tuas veias abertas</p> <p>escorre</p> <p>o petróleo baiano,</p> <p>sangue negro do Brasil.</p> <p>Operário mestiço! </p> <p>tuas ásperas mãos – e tu não sabes disso – </p> <p>tuas mãos quando movem as máquinas do Poço</p> <p>movem forças latentes,</p> <p>movem forças criadoras,</p> <p>movem o Brasil, tuas mãos libertadoras.</p> <p>Teu gesto inicial se transmite e propaga,</p> <p>repercute longe até nas selvas do Oeste</p> <p>e cresce, desdobrado como cresce uma onda </p> <p>de mar,</p> <p>cresce e acelera o ritmo de Volta Redonda,</p> <p>gerando máquinas sem parar,</p> <p>e gera usinas</p> <p>onde o ferro e os metais tirados das minas </p> <p>do ventre da terra,</p> <p>se transformam em carros e trens, navios e aviões, em armas de guerra.</p> <p>E as máquinas nascidas do teu movimento,</p> <p>rápidas mensagens humanas levarão,</p> <p>mensagens de conhecimento,</p> <p>mensagens de aproximação</p> <p>entre todos os brasileiros</p> <p>irmãos que a distância isolou, como estrangeiros,</p> <p>em plena solidão.</p> <p>O gaúcho galopando nos pampas do sul,</p> <p>freará o cavalo</p> <p>e vai, surpreso, descobrir no vale amazônico</p> <p>onde dormem forças primordiais,</p> <p>que irmãos nortistas modelam um mundo novo,</p> <p>com a borracha,</p> <p>a borracha que desce dos longos seringais.</p> <p>No Nordeste, o vaqueiro cantará:</p> <p>O homem tira da terra,</p> <p>a chuva que o céu não dá.</p> <p>Rã quando canta não erra,</p> <p>é chuva que vai chegá,</p> <p>o homem tira da terra,</p> <p>a chuva que o céu não dá.</p> <p>Boi gordo pasta na serra,</p> <p>tão contente a gente está,</p> <p>o homem tira da terra,</p> <p>a chuva que o céu não dá.</p> <p>Quando venceu nossa guerra</p> <p>logo peguei a cantá,</p> <p>o homem tira da terra,</p> <p>a chuva que o céu não dá.</p> <p>O lavrador</p> <p>largará a enxada que dos pais recebeu</p> <p>e moverá os arados mecânicos </p> <p>que os homens de outras terras lhe ensinaram</p> <p>através da distância e dos ventos oceânicos.</p> <p>Operário mestiço!</p> <p>teu gesto inicial que faz brotar os frutos</p> <p>e nascer as grandes cidades,</p> <p>teu gesto move as máquinas da indústria,</p> <p>move o Brasil,</p> <p>move o povo crescendo, amadurecendo, se tornando viril. </p> <p>Terras curvas do Recôncavo</p> <p>onde adormece o oceano,</p> <p>no teu subsolo circula </p> <p>sangue negro cor da noite,</p> <p>da cor preto-africano,</p> <p>preto cujo sangue escravo</p> <p>regou o solo baiano.</p> <p>Terras curvas do Recôncavo</p> <p>onde adormece o oceano,</p> <p>de tuas veias abertas </p> <p>escorre</p> <p>o petróleo baiano,</p> <p>sangue negro do Brasil.<a id="not38b"></a><a href="#not38a"><sup>38</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1943)</p> </div> <p>Mensagem às crianças do mundo</p> <blockquote> <p>Crianças da Ásia, a velha escrava lendária</p> <p>que embalou o berço dos primeiros homens do mundo,</p> <p>crianças da Ásia, a velha escrava lendária</p> <p>de cujo seio escorre a riqueza como um leite precioso</p> <p>que os outros homens do mundo arrancam da boca dos seus filhos.</p> <p>Crianças chinesas, pequeninos heróis de olhos oblíquos,</p> <p>na célula inicial do vosso ser</p> <p>ficou impresso o heroísmo cotidiano da resistência</p> <p>que já se tornou uma forma de vida do vosso povo, crianças da China.</p> <p>Crianças da Europa,</p> <p>da França, Polônia, Itália, Bélgica, Suécia,</p> <p>vossas pátrias entregaram-se ao invasor</p> <p>como mulheres que se entregam com medo, sem amor,</p> <p>vossas pátrias são escravas silenciosas, crianças da Europa.</p> <p>Crianças alemãs,</p> <p>fabricadas,</p> <p>mecanizadas,</p> <p>exatamente iguais como soldadinhos de chumbo,</p> <p>que aprendem somente a odiar,</p> <p>que não conhecem um brinquedo,</p> <p>crianças sem infância,</p> <p>vós não sois vós mesmas, crianças da Alemanha.</p> <p>Crianças judias, vosso povo continua a sofrer,</p> <p>sobre vós pairam as mesmas mãos assassinas</p> <p>que degolaram, como há dois mil anos na Judeia,</p> <p>centenas de cabecinhas infantis e risonhas como as vossas, crianças judias.</p> <p>Crianças da Rússia, a pátria misteriosa</p> <p>cujo roteiro os donos do mundo ocultavam</p> <p>como os antigos roteiros dos tesouros que os bandeirantes, ávidos, buscavam,</p> <p>crianças da Rússia, a pátria misteriosa</p> <p>que Stalingrado revelou ao mundo.</p> <p>Crianças nativas das ilhas oceânicas,</p> <p>vossos olhos descobrem</p> <p>que para além das praias e dos coqueiros não existe apenas o mar.</p> <p>Vossos olhos espiam assustados</p> <p>as grandes aves metálicas e os monstros marinhos carregados de homens,</p> <p>homens dos continentes distantes que vêm matar e morrer nas vossas ilhas oceânicas.</p> <p>Crianças da África, dessa África que no deserto e nas selvas</p> <p>luta há milênios, luta para ser, luta elementar e titânica</p> <p>contra o sol, o vento, as águas, as feras bravias e o homem branco.</p> <p>Crianças da América mestiça, a mulher nova e livre</p> <p>que concebeu Juarez, Castro Alves, Whitman e Bolívar.</p> <p>Crianças do mundo, guardai esta mensagem</p> <p>até o dia em que vossos olhos descubram</p> <p>que não é apenas um papel rabiscado ou uma lição difícil de soletrar.</p> <p>Muito além desta hora terrível,</p> <p>o pão,</p> <p>o fogo,</p> <p>a água,</p> <p>a terra,</p> <p>o ar,</p> <p>alegrias elementares pelas quais os homens lutam, </p> <p>permanecem.</p> <p>Muito além das dores e dos ódios milenares,</p> <p>muito além de todas as coisas, </p> <p>muito além do bem e muito além do mal,</p> <p>a vida permanece.</p> <p>Muito além desta hora terrível,</p> <p>chegará um tempo no tempo</p> <p>em que a polícia, a moral, as leis e todas as coisas acidentais</p> <p>serão inúteis para a comunidade humana</p> <p>como remédios para um organismo que recuperou a saúde.</p> <p>Chegará um tempo no tempo</p> <p>em que na terra conquistada, os homens, todos os homens, como vós, minhas puras criancinhas</p> <p>receberão a vida, a vida simplesmente, como o dom supremo.<a id="not39b"></a><a href="#not39a"><sup>39</sup></a> <sup>e</sup> <a id="not40b"></a><a href="#not40a"><sup>40</sup></a></p> </blockquote> <div class="right"> <p> (1942)</p> </div> <div class="image"> <p><img src="images/a03img04.png" alt="Desenhos de Lasar 2 pessoas" /></p> </div> </div> <div class="section"> <div class="title"> <p><a id="pt3"></a>Poemas políticos</p> </div> <div class="right"> <p><i>Canto y cuento es la poesía.</i></p> <p><i>Se canta una viva historia,</i></p> <p><i>cantando su melodía. </i></p> <p> Antonio Machado</p> </div> <div class="right"> <p><i> Para James</i></p> <p><i> esta lembrança do Pontal do Sul</i></p> </div> <p>O TERCEIRO livro de Jacinta Passos<a id="not004b"></a><a href="#not004a"><sup>****</sup></a> reúne poemas inéditos, além de uma coletânea de poemas do <i>Canção da partida</i>. Os inéditos, subdivididos em "Poemas políticos" e "Canções líricas", foram compostos entre 1946 e 1950, mais provavelmente entre 1948 e 1950, quando Jacinta viveu em uma fazenda no sul da Bahia. </p> <p>Os poemas políticos acrescentam inovações temáticas e formais à obra da autora. E as canções líricas desenvolvem ao limite experiências poéticas que ela vinha exercitando desde o livro anterior. Primeiro livro de Jacinta editado no Rio,<i> Poemas políticos</i> reforçou o prestígio da autora junto aos círculos de esquerda e tornou seu nome conhecido no meio literário da então capital do país. </p> <p>Completam <i>Poemas políticos</i> os seguintes poemas, republicados dos livros anteriores: Canção da partida p.85, Três canções de amor p.96, Pânico no planeta Marte (com o título Pânico burguês) p.99, Cantiga de ninar p.111, Diálogo na sombra p.112, Chiquinha p.115, Canção da liberdade p.121, Cantiga das mães p.75, e Canção simples p.66. </p> <p>Poemas políticos</p> <p>O latifúndio</p> <blockquote> <p>Aqui o lugar. Na meia-noite de sombras</p> <p>e selva, ruminam bois, ele chega sonâmbulo.</p> <p>- Te esperava, filho.</p> <blockquote> <p>(Velhos conhecidos, o monstro e a grande jaqueira</p> <p>verde-negro maternal de cúpula folhuda.)</p> </blockquote> <p>Quem chega é um homem ah! mas que face terrível,</p> <p>no olhar que ferida funda</p> <p>de animal sozinho e a dor,</p> <p>desabrigo e frio, doenças,</p> <p>sol de verão, pobre corpo minado, ah! crua </p> <p>dor de fome, dor de terra sem fruto, animal</p> <p>com sua dor antiga sozinho no latifúndio.</p> <p>Aqui o mistério acontece e a grande jaqueira</p> <p>guarda segredo; mas contam</p> <p>que esse monstro macilento,</p> <p>nu, come da terra e fica espojando no chão.</p> <p>Depois cresce a noite. Depois o segundo</p> <p>canto do galo: eis o lobisomem</p> <p>correndo na estrada, seu uivo longo, ouviste?</p> <p>A coruja e o rio, quando ele passa, já sabem:</p> <p>a noite se abriu em duas.</p> <p>Pernas de cão feito lebre correm</p> <p>como o vento no vale estreito entre serras.</p> <p>- Mãe, quem pisou na cumeeira?</p> <blockquote> <p>(o menino corta o sono de choro mal-assombrado)</p> </blockquote> <p>Rastro de vingança e cinza e sangue nas fazendas</p> <p>dos crimes oligárquicos. Madrugada</p> <p>de reses mortas. Águas barrentas, a flor</p> <p>do café no chão. Oh! quem fez o cacau pecar</p> <p>e abriu em feridas a folha felpuda do fumo?</p> <p>Corre-léguas vai no faro das cidades longe.</p> <blockquote> <p>(Diz o povo que é Mãe-Velha</p> <p>quem sabe? aquela que mora</p> <p>só, com seus sapos, na cabeceira do rio.</p> <p>Teve filhos, mas se foram, oh! faz tanto tempo</p> <p>que emigraram para o sul.</p> <p>Quantas luas ela viu?</p> <p>Ninguém sabe. Mora ali</p> <p>há cem anos? Muito mais,</p> <p>do tempo dos donatários</p> <p>daquela capitania.</p> <p>Vive a era do cavalo.</p> <p>Seus olhos não viram nunca</p> <p>uma rua. Tudo em vão. Trem de ferro</p> <p>passaste, máquinas, ó flor elétrica</p> <p>dessa era, velocidade, passaste em vão.</p> <p>Diz o povo que é Mãe-Velha.</p> <p>Ó terra de tanto sofrer.)</p> </blockquote> <p>Corre-léguas vai no faro das cidades longe</p> <p>na orla do mar, metrópoles maciças, altas</p> <p>de cimento e luz, corpo de aranha faiscante.</p> <p>Cidade que dormes envolvida em fluido manto</p> <p>de ópio, acorda.</p> <p>Teu sono tem muitos séculos, ó cidade,</p> <p>não sentes as veias secando? Vais morrer,</p> <p>virgem louca, o bicho da terra sugando</p> <p>na noite teu sangue, respiras ainda? Teu crescimento</p> <p>parou, vais morrer, virgem louca, cidade de ópio.</p> <p>Corre-léguas vai no faro das cidades longe</p> <p>carregando seu segredo:</p> <p>- uma gota de meu sangue</p> <p>com esta faca terás</p> <p>sou a tua outra metade</p> <p>desencanta o meu encanto</p> <p>ou eu vou te devorar.</p> <p>Depois vem a barra do dia, sete cores no céu,</p> <p>a fala da jaqueira e uma faca enterrada no chão.</p> <p>- Até outra hora, filho.<a id="not41b"></a><a href="#not41a"><sup>41</sup></a></p> </blockquote> <p>O rio</p> <blockquote> <p>Tantos rios como eu abriram leito de pedras </p> <p>e pranto. Um dia perguntávamos:</p> <p>- Dizei-me, curva, aonde vou? casa tronco rocha sois</p> <p>aqueles que ficam, minha lei é não parar. Sigo</p> <p>fio de água, água humilde sou, para onde? Ó curva,</p> <p>falai. Água de revolta, espuma e ódio nos poros</p> <p>na garganta no útero, pranto de mulher, água </p> <p>de fel antigo, quem é meu semelhante? Dizei, aonde vou?</p> <p>Leito de pedras e pranto. Súbito, próximo,</p> <p>atravessou olhai, ele!</p> <p>ali na frente, vivo, tão vivo,</p> <p>ele sim! o rio das águas inúmeras. Correi </p> <p>doçuras e dores, punhos, Partido, esperança nossa.</p> <p><i>nascimento</i></p> <p>O ano foi vinte e dois.<a id="not42b"></a><a href="#not42a"><sup>42</sup></a> Criatura de desejo</p> <p>e sonho. Carne e luar na boca das profecias.</p> <p>Aqui está recém-nascido úmido de lágrimas</p> <p>e leite, filho das dores, criança concebida</p> <p>na injustiça.</p> <p><i>fala materna</i></p> <p>Te contarei muitas coisas,</p> <p>filho. Te criarei tão forte</p> <p>e tão sábio que serás um herói novo do século,</p> <p>filho, proletário, punho meu libertador.</p> <p>Não tenho dote nem joias</p> <p>nem tapete de veludo</p> <p>para amaciar caminho.</p> <p>Só tenho mesmo é um livro. Um livro para te dar.</p> <p>Como se eu te desse olhos novos. E exatos, filho.</p> <p>Aqueles olhos com que Marx viu a História</p> <p>e saudou teu nascimento.</p> <blockquote> <p>(Baixinho agora,</p> <p>vamos conversar ba<a id="not43b"></a>ixinho, são dramas de família.</p> <p>Tenho uma irmã rica,<a href="#not43a"><sup>43</sup></a> filho, e poderosa, nasceu</p> <p>muito antes de mim. Quando vi </p> <p>a luz, ela já era grande dama senhora</p> <p>minha. Dona da lei</p> <p>e da alegria no mundo. Por isso nasceste, filho,</p> <p>fora da lei. Teu avô, o velho rei caduco,<a id="not44b"></a><a href="#not44a"><sup>44</sup></a></p> <p>não se governa mais. Ficou possesso. Essa dama é velha</p> <p>bruxa criminosa avara.</p> <p>Vai morrer. Sabe que vai morrer. Morrerá,</p> <p>meu filho, por tuas mãos. Está escrito. Por isso</p> <p>te farei de ternura e aço. Por isso ela te persegue tanto,</p> <p>quis te matar no meu ventre.</p> <p>Ela não é gente, filho, não tem veias nem músculos.</p> <p>Só tem a pele seca, é oca por dentro, a bruxa</p> <p>sustentada de veneno como cobra na fúria.)</p> </blockquote> <p>Serás tão forte e tão sábio, filho.</p> <p>Zumbi dos Palmares.</p> <p>Tiradentes.</p> <p>As primeiras greves.</p> <p>Os dezoito do Forte.</p> <p>Muitos rios correram antes. Tu, maior que todos.</p> <p><i>sumidouro</i></p> <p>Vinte e três anos:<a id="not45b"></a><a href="#not45a"><sup>45</sup></a> águas fermentaram</p> <p>na terra.</p> <p>Cavou chão. Fez leito. Abriu tocas e cavernas</p> <p>feito bicho teimoso.</p> <p>Caminhando foi crescendo</p> <p>águas iguais recebeu</p> <p>as raízes conheceu</p> <p>viu semente começar.</p> <p>Viu a mão do camponês</p> <p>Por cima das catacumbas</p> <p>ouviu os pés da Coluna<a id="not46b"></a><a href="#not46a"><sup>46</sup></a></p> <p>e os passos da Aliança.<a id="not47b"></a><a href="#not47a"><sup>47</sup></a></p> <p>Rio de suor e silêncio.</p> <p>Agora é rio da terra.</p> <p>Amazonas. São Francisco. Rio da Prata.</p> <p>Carregado de cobras e piranhas e madeira</p> <p>boiando. Lutas. Dramas e coisas. Do Brasil.</p> <p><i>1935 </i><a id="not48b"></a><a href="#not48a"><sup>48</sup></a></p> <p>Tenso como rede de nervos</p> <p>pressentindo ah! novembro</p> <p>de esperança e precipício.</p> <p>Fruto peco.</p> <p>Novembro de sangue e de heróis.</p> <p>Grito de assombro morto na garganta,</p> <p>soluço seco dor sem nome. Ferido.</p> <p>De morte ferido. Como um animal ferido. Luta</p> <p>de entranhas e dentes. Natal.</p> <p>Sangue. Praia Vermelha.</p> <p>Sangue.</p> <p>Sangue. É quase um fio</p> <p>escorrendo </p> <p>sangrento</p> <p>tenaz</p> <p>por dentro dos cárceres,</p> <p>nas ilhas </p> <p>e nos corações que a esperança guardaram.</p> <p><i>na praça</i></p> <p>Europa treme até nas águas e no ar.</p> <blockquote> <p>(Nações em carne viva sangrando machucadas</p> <p>sob as botas do rei. Nas areias do deserto</p> <p>rodam tanques de morte. Dakar fica mais perto</p> <p>do que nunca. Torpedos mancham de sangue as portas</p> <p>de nossos mares. FEB do povo nasce. Vem</p> <p>a peleja final. Os aliados vacilam, </p> <p>Rússia cresce indômita. Só. Perante o mundo </p> <p>recém-despertado.)<a id="not49b"></a><a href="#not49a"><sup>49</sup></a></p> </blockquote> <p>A força do terremoto chegou até aqui. Noite densa,</p> <p>reuniu águas desagregadas, marés de lua cheia</p> <p>forçaram portas ferrenhas de prisões. Povoou as ruas,</p> <p>vinde ver as ruas! Que festa de palavras e bandeiras</p> <p>e flores e desfiles nas grandes capitais.</p> <p>Maio de S. Cristóvão. Palavra inédita</p> <p>de gume e fogo e rumo e onda se espraiando</p> <p>nos confins da pátria comovida. </p> <p>Pacaembu de arena clara. Não mais o grande Capitão</p> <p>da lenda. Fulgor na bruma.</p> <p>É Prestes próximo concreto lúcido sofrido,</p> <p>conosco, crescendo.</p> <p>Visão de mar nas ruas, ah! comícios de pétalas e palmas</p> <p>e multidões crescendo ávidas de nordeste a sul.<a id="not50b"></a><a href="#not50a"><sup>50</sup></a></p> <p>Quinze cadeiras.<a id="not51b"></a><a href="#not51a"><sup>51</sup></a></p> <p>Lodo e sangue nas escadarias. Ouro nos portais.</p> <p>Quinze cadeiras. Voz implacável no Parlamento, acesa.</p> <p>Veio a curva.</p> <p>(Fôlego, pulso, rumo. E o livro materno e mágico.</p> <p>Para trás ficaram águas. Efêmeras.</p> <p>Paradas outras, nas margens podres, larvas gerando.)</p> <p><i>as fúrias e a carta</i></p> <p>I</p> <p>- Estas mal traçadas linhas</p> <p>Mister,</p> <p>são carta de puro amor.</p> <p>Tive notícias do rei.</p> <p>Será verdade? Lunático?</p> <p>Ai que vida tão patética</p> <p>meu pobre pai sorumbático.</p> <p>Dizei-lhe do meu pesar</p> <p>pela perda do Império</p> <p>Alemão, que Deus console,</p> <p>e dos povos infiéis.</p> <p>Alteza, que importa a China?</p> <p>Por detrás desta cortina</p> <p>faremos te coroar.</p> <p>Salve rei! O Novo Mundo</p> <p>é teu novo pedestal.</p> <p>Recebi os mensageiros</p> <p>Mister, do rei venerável.</p> <p>Beijei-lhe a mão no Palácio</p> <p>Tiradentes. Dei discursos</p> <p>castiços salamaleques</p> <p>e banquetes até rosa</p> <p>eu lhe cedi, respeitosa.</p> <blockquote> <p>(Ó povo, cala esta boca</p> <p>de injúria e maldição.</p> <p>Sou vendida e prostituta?</p> <p>Tu falas porque não sentes</p> <p>meu dilema: as portas abro</p> <p>da casa</p> <p>ou as graças perderei.</p> <p>Ó povo, cala esta boca.</p> <p>Eu sou herdeira do rei.)</p> </blockquote> <p>Minha casa tem riquezas</p> <p>de petróleo e manganês</p> <p>sou a bela anfitriã</p> <p>Mister, que mais quereis?</p> <p>Cacau? Cristal? Paulo Afonso?</p> <p>Prazer de servir o rei.</p> <p>Generais de traição?</p> <p>Tenho alguns. Bases? Soldados?</p> <p>Mais difícil. Explicarei.</p> <p>Tenho ferro bem barato</p> <p>prazer em servir o rei.</p> <p>Agora meus instrumentos</p> <p>de uso revelarei.</p> <p>Meu olho policial,</p> <p>togas sujas, meus partidos,</p> <p>os inventores da lei</p> <p>e cabeça sifilítica</p> <p>do meu curto presidente.</p> <p>Agora aqui lembrarei</p> <p>com licença, nosso dólar.</p> <p>Prazer de servir o rei.</p> <p>Ora, direis, tudo certo,</p> <p>e a chave de segurança?</p> <p>Tenho a chave, caro Mister,</p> <p>é pedra fundamental,</p> <p>sobre ela repousando</p> <p>o país mudará.</p> <p>Nação em duas metades</p> <p>o campo suga as cidades,</p> <p>o país não crescerá.</p> <p>Pedra de fato e de lei</p> <p>Deus conserve o latifúndio</p> <p><i>yes</i>, Deus salve o rei.</p> <p>Vou terminar com palavras</p> <p>de puro devotamento.</p> <p>Dizei ao rei como sinto</p> <p>seu crucial sofrimento.</p> <p>Ai vida tão dilemática!</p> <p>Paz? é a crise crescendo</p> <p>povos infiéis crescendo.</p> <p>Paz? é a Rússia maior.</p> <p>É o desemprego aqui.</p> <p>Guerra? mas guerra é a força</p> <p>da correnteza mais rápida</p> <p>circulando no planeta.</p> <p>Guerra? espada de dois gumes</p> <p>salvai o peito do rei.</p> <p>Digamos com Mister Truman:</p> <p>salvai o peito do rei.</p> <p>Brasil de quarenta e nove.</p> <p>Assinado, a grande dama.<a id="not52b"></a><a href="#not52a"><sup>52</sup></a></p> <p>II</p> <p>Lenine, do outro mundo ri com seus olhos oblíquos.</p> <blockquote> <p>(Até rasgaram o Livro</p> <p>da Lei para enterrar o rio)</p> </blockquote> <p>Mas ele agora é a lei viva nova nas ruas, impávido</p> <p>crescendo. Olho policial presente. Fúrias</p> <p>e sangue nas praças.</p> <p>Praça da Sé, Patriarca,</p> <p>S. Jerônimo das Minas, ferrovias de Bauru.</p> <p>Fernandópolis, Tupã, canaviais S. Amaro.</p> <p>Metalúrgicos do Rio, Morro Velho dos mineiros, tecelões de Sorocaba.</p> <p>Do Largo da Carioca pela estiva</p> <p>de Santos vem caindo florescendo o sangue vem</p> <p>bradando por minas e ferrovias por asfaltos e muros,</p> <p>cárceres e casas, campos fábricas e metalúrgicas bradando</p> <p>vem pelos canaviais<a id="not53b"></a><a href="#not53a"><sup>53</sup></a></p> <p><i>coral </i></p> <p>- Forte como um touro, dizem.</p> <p>- Na passagem de seus pés nascem caminhos.</p> <p>Sua palavra </p> <p>não viste descer do céu nos quatro ventos?</p> <p>Semente no bico dos passarinhos.</p> <p>- Tão forte e tão sábio, dizem.</p> <p>- Alta madrugada, sua mão escreve</p> <p>nos muros: cidade, vigiai comigo,</p> <p>na casa de minha mãe conheço dor </p> <p>de fome e de frio. Tanta fartura dorme</p> <p>cidade,</p> <p>o progresso dorme, preso onde? na mão</p> <p>dos poderosos. Em verdade vos digo.</p> <p>Tempo de crescer.</p> <p>Cidade, vamos.</p> <p>Vinte e oito anos: avançai comigo.</p> <p>- Louvado seja seu poder de frutos.</p> <p>- Louvado. Que estes campos nunca viram tanta</p> <p>esperança. Nem depois das chuvas viram.</p> <p>- Sua voz, ouviste?</p> <p>"A terra será da mão que planta e colhe".</p> <p>- Custei de acreditar.</p> <p>- E eu.</p> <p>Tanto viveu meu pai e nunca teve espera.</p> <p>Só cansaços e penas.</p> <p>- Na terra sem trato até ouvir se pode</p> <p>alvoroço de grão.</p> <p>Espigas de milho e laranjais se ouvem.</p> <p>-Ah! não morrerei sem ver com estes olhos</p> <p>que a terra há de comer.</p> <blockquote> <p>(Louvado seja teu nome e tua raça.</p> <p>Tens um irmão em cada pátria, louvado seja.</p> <p>O ventre de tua mãe louvado seja.</p> <p>De pura luz tua coroa será.)<a id="not54b"></a><a href="#not54a"><sup>54</sup></a></p> </blockquote> <p><i>o salto</i></p> <p>Água funda rio maduro</p> <p>homens do leme eis o mar.</p> <p>Água funda, rio maduro</p> <p>e força para saltar.</p> <p><i>mar</i></p> <p>Cidade e campo.</p> <p>Branco e negro.</p> <p>Mar.</p> <p>Mulher e homem. Mar.</p> <p>Burguesia e homens. Tudo é mar. Aqui</p> <p>o rio deságua e a história do homem principia.</p> </blockquote> <p>A morte do coronel</p> <blockquote> <p>I</p> <p>Era figura de proa</p> <p>sim senhor,</p> <p>esse varão soberano.</p> <p>Já foi rei de Madragoa.</p> <p>Sangue quente,</p> <p>pele cor de caraíba.</p> <p>Era figura de proa.</p> <p>Como o pai herdara título,</p> <p>reino, chicote e coroa.</p> <p>- Pobre dele, está nas últimas.</p> <p>Na sala dos comentários</p> <p>se reza cochicha lá</p> <p>no quarto de telha-vã</p> <p>ele pena no sofá.</p> <p>Agora já não é mais </p> <p>que triste carne sumindo,</p> <p>força de lua minguando.</p> <p>Dizem até que carregava</p> <p>algumas mortes, coberto</p> <p>de ouro e prata.</p> <p>(A doença entrou no corpo,</p> <p>feitiço</p> <p>pela boca dos rendeiros.)</p> <p>Candeia, cadê teu lume</p> <p>força do corpo viril?</p> <p>Patrão cacique de grei,</p> <p>dez filhos dentro de casa</p> <p>e sete fora da lei.</p> <p>Lá se vai.</p> <p>Ó corpo, cadê teu lume?</p> <p>Ó candeia, alumiai.</p> <p>Parentes de sentinela,</p> <p>exército de salvação:</p> <p>- Vinde, ó poderes divinos</p> <p>salvai os pés da nação.</p> <p>- Este homem é uma coluna</p> <p>não pode morrer assim,</p> <p>vinde, estrangeiro do dólar</p> <p>vosso amigo está no fim,</p> <p>movei polícia e tirano</p> <p>com cara de querubim</p> <p>movei ralé da colônia,</p> <p>mares de <i>whisky</i> e de <i>gin</i></p> <p>Ó Santa Igreja Católica</p> <p>vosso amigo está no fim.</p> <p>II</p> <p>Gente, que olho é aquele</p> <p>espiando na vidraça?</p> <p>(Será delírio febril</p> <p>cadeia mortiça e baça?)</p> <p>Não é um olho sozinho.</p> <p>Que se passa?</p> <p>São dois são dez um milhão</p> <p>na vidraça.</p> <p>Vinte milhões espiando </p> <p>o sinal de morte enfim</p> <p>dessa figura de proa.</p> <p>(É povo de Madragoa</p> <p>na vidraça.)</p> <p>Ó rei chicote e coroa</p> <p>triste rei de fim de raça.</p> </blockquote> <p>O enforcado</p> <blockquote> <p>Ninguém viu a face. Seus longos cabelos</p> <p>de mártir, alumiando o mar.</p> <p>Contam que ele desce das montanhas, noite</p> <p>alta e vigia.</p> <p>Anda sobre as ondas</p> <p>e o velho Atlântico vem muitas coisas lhe contar:</p> <p>- Das montanhas recebo também </p> <p>amigo, os grandes rios</p> <p>carregados de drama. Vês o Mississipi?</p> <blockquote> <p>(Povo, ó povo do país do norte</p> <p>minhas águas são de espanto sacudidas.)</p> </blockquote> <p>Vês este perfil de montes e areia</p> <p>ondulando e a cintura tão fina?</p> <p>Pois cresce neste corpo bem-amado</p> <p>um tumor de morte, devorante.</p> <blockquote> <p>(Ah continente meu</p> <p>rosa de outubro</p> <p>espada de dois gumes, América.)</p> </blockquote> <p>O crime se prepara aqui em casa</p> <p>o crime maior</p> <p>indústria de sangue que se chama guerra.</p> <blockquote> <p>(Aurora dos povos</p> <p>ó múltipla</p> <p>que tua unidade amadureça logo.</p> <p>Fitai o norte! o crime cresce</p> <p>contra nós seus poderes malignos</p> <p>contra ti, ó povo</p> <p>do norte, estás conosco.)</p> </blockquote> <p>Das cabeceiras dos rios descem chamas e cólera.</p> <p>Que se passa? perguntam. Mas eu, eu conheço estas terras por dentro.</p> <p>Aqui é Brasil. A infâmia outra vez. Te lembras, Tiradentes?</p> <p>o quinto do ouro, a família real, e o vinte e um de abril?</p> <p>Eu sei do medo e da cobiça. O demônio nascendo</p> <p>no turvo. O demônio da guerra</p> <p>nascendo no cérebro dos cavaleiros do lucro: – Não podemos parar. Não queremos morrer</p> <p>e a terra sob os pés estrangeiros. Aqui é Brasil:</p> <p>ódio puro ódio, florestas e cidades acesas, punhos altos se multiplicando.</p> <p>Ah! cavaleiros do lucro, como sois pequenos.</p> <p>Sangue do asfalto de Esplanada aos campos de Tupã.</p> <p>O operário desperta e comanda. Ágil como um gato</p> <p>salta até junto das minas. Monta guarda ao petróleo:</p> <p>- alto lá, traidores. Disto não fareis semente de morte. Rosa </p> <p>e fartura nascerão daqui.</p> <p>Sessenta famílias de ganância e crime.</p> <p>Até a Paulo Afonso, ó servos da infâmia?</p> <p>São Francisco insultado vem rugindo:</p> <p>assanhai piranhas! caatingas do serão, espinheiros de jurema,</p> <p>de tocaia! para engolir os gringos invasores.</p> <blockquote> <p>(Sabia dessas coisas, Mister Truman?</p> <p>- aqui quem lhe fala é o velho Atlântico.</p> <p>Ah! Excelência, quantas surpresas</p> <p>na casa de José Joaquim, o Enforcado.)</p> <p>Contam que ele desce das montanhas, noite</p> <p>alta e vigia.</p> </blockquote> <p>Longe, além do tempo, o que fica a olhar?</p> <p>Anda sobre as ondas. Seus longos cabelos</p> <p>de mártir, alumiando o mar.<a id="not55b"></a><a href="#not55a"><sup>55</sup></a></p> </blockquote> <p>Elegia das quatro mortas </p> <blockquote> <p>I</p> <p>Chegas de manhã, tranquila.</p> <blockquote> <p>(Não estás morta, morta, amiga,</p> <p>no chão, desfeita, de um país de brumas?)</p> </blockquote> <p>De manhã, tranquila.</p> <p>Quando a luz do dia vem</p> <p>clareando o céu, as coisas e a lembrança.</p> <p>Olga,<a id="not56b"></a><a href="#not56a"><sup>56</sup></a> de manhã.</p> <blockquote> <p>(Não estás morta, morta, amiga,</p> <p>não te levaram num navio, sofrendo?)</p> </blockquote> <p>Tu, aqui, tranquila:</p> <p>teu vulto claro de alemã, tão nosso,</p> <p>tão do Brasil teus olhos bem amados,</p> <p>translúcidos,</p> <p>e o rosto longo e os cabelos finos.</p> <blockquote> <p>(Não estás morta, morta, amiga,</p> <p>crime de feras contra flor tão pura?)</p> </blockquote> <p>De manhã conosco:</p> <p>aquela mesma luta antiga</p> <p>e dura,</p> <p>tão dura às vezes, bem sabes como exige.</p> <p>Tranquila, conosco:</p> <p>muita coisa, Olga, foi mudando</p> <p>depois daqueles tempos: num campo</p> <p>de suplícios, tua filha nascendo. Não, não esquecemos</p> <p>o Estado Novo, os crimes do fascismo</p> <p>e teu corpo de bravura resistindo:</p> <p>mas a luta é cada vez mais uma só:</p> <p>lembras da Alemanha em tua juventude</p> <p>de sonho e combate? Um lado de sombra ainda,</p> <p>de luz, outro lado: tudo será luz</p> <p>una, de alegria</p> <p>que da barra do Oriente vem raiando,</p> <p>da Rússia vem como de um sol a pino,</p> <p>e de nós, os povos duros,</p> <p>sugados, na sombra,</p> <p>duros, combatendo.</p> <p>Prestes. Prestes. Ah!</p> <p>nunca se viu tanta esperança terrena.</p> <blockquote> <p>(Não estás morta, morta, amiga,</p> <p>de tantas dores com que te mataram?)</p> </blockquote> <p>Chegas de manhã, tranquila.</p> <p>II</p> <p>Também tu: de crespa cabeleira</p> <p>viva,</p> <p>de onde vens morena de manhã?</p> <blockquote> <p>- Pelas costas. Me mataram pelas </p> <p>costas. Covardia. Pois se mata</p> <p>assim um ser humano?</p> </blockquote> <p>Ah! Zélia<a id="not57b"></a><a href="#not57a"><sup>57</sup></a> O cão policial</p> <p>teve medo de olhar teus olhos.</p> <p>Foi no ano de quarenta e nove.</p> <p>Foi na rua.</p> <p>No Rio de Janeiro, capital.</p> <blockquote> <p>- Meu filho ia nascer:</p> <p>mundo mais humano, o que eu queria.</p> </blockquote> <p>Tão simples. Assim teu sonho era, </p> <p>o nosso, de fartura e paz.</p> <p>Será feito pela mão dos pobres</p> <blockquote> <p>(pobres não eram tuas mãos </p> <p>de mulher irmã das mãos do negro,</p> <p>do camponês e do trabalhador?)</p> </blockquote> <p>Pela mãos dos pobres </p> <p>que têm fome e sede de justiça</p> <p>na terra.</p> <p>III</p> <p>Flor de tristeza, vagarosa, Dade,<a id="not58b"></a><a href="#not58a"><sup>58</sup></a></p> <p>Foi assim que te vi no campo, um dia.</p> <p>Tu vens chegando, tua fala, lenta:</p> <p>- não sou de natural assim tão triste </p> <p>mas labutei demais e me acabou.</p> <p>Treze homens levaram teu caixão</p> <p>por cinco léguas de caminho ingrato.</p> <p>Flor de existência malograda, flor</p> <blockquote> <p>(não conseguiste nem as miudezas</p> <p>de teu desejo: ah! era de uma volta</p> <p>de ouro, como gostavas! E um vestido</p> <p>de seda verdadeira. Ouço teu riso,</p> <p>risada ruidosa, da garganta)</p> </blockquote> <p>Treze homens levaram teu caixão.</p> <p>- Morreu de quê? – perguntam. A doença</p> <p>já encontrou teu corpo consumido:</p> <p>onze filhos, pobreza, mais a roça,</p> <p>mais água e lenha e casa de farinha.</p> <p>Morreste sem remédio como um bicho:</p> <p>desconhecias o poder das letras,</p> <p>da medicina e da luz elétrica.</p> <p>Nenhum relógio marcou teu passamento.</p> <p>Treze homens levaram teu caixão.</p> <p>Flor de tristeza, vagarosa, Dade,</p> <p>foi de morte matada que morreste</p> <p>e bem sabias. O crime não tem data:</p> <p>morte lenta geral antiga fria:</p> <p>o latifúndio acabou contigo.</p> <p>- Não sou de natural assim tão triste.</p> <p>Tu vens chegando, tua fala, lenta</p> <p>acusa e tua voz se anima agora </p> <p>("a terra será da mão que planta e colhe")</p> <p>é de esperança flor recuperada.</p> <p>IV</p> <p>Na frente.</p> <p>Na frente maduros.</p> <p>Caminhando na frente maduros.</p> <p>Era o dia Primeiro de Maio.</p> <p>Na frente.</p> <p>No Rio Grande, cidade do sul.</p> <p>De repente.</p> <p>De repente, atiraram.</p> <blockquote> <p>(- Onde estamos?</p> <p>- Foi da sombra. Atiraram.</p> <p>- A polícia? Da sombra? Covardes!)</p> </blockquote> <p>De repente.</p> <p>De metralha e fuzil.</p> <blockquote> <p>(- Mas quem foi que mandou atirar?</p> <p>- Foi a sombra. Estrangeiros do dólar.)</p> </blockquote> <p>Atiraram. Mataram</p> <p>Operários sem armas, mataram.</p> <blockquote> <p>(- Ah! governo sem lei nem vergonha!)</p> </blockquote> <p>Foi assim. Angelina<a id="not59b"></a><a href="#not59a"><sup>59</sup></a> mataram.</p> <p>Quatro mortos. Maduros.</p> <p>Caminhando na frente maduros.</p> <p>Levantando e bandeira, Angelina.</p> <p>Era o dia da classe operária.</p> <p>Na frente.</p> <p>Protetora da pátria, Angelina.</p> <p>Foi no ano feroz de cinquenta.</p> <p>Foi no ano feroz do fascismo.</p> <p>Era o dia Primeiro de Maio.</p> <p>No mundo.</p> <p>No Rio Grande, cidade do sul.<a id="not60b"></a><a href="#not60a"><sup>60</sup></a></p> </blockquote> <p>Canções líricas</p> <p>Canção atual</p> <blockquote> <p>Plantei meus pés foi aqui</p> <p>amor, neste chão.</p> <p>Não quero a rosa do tempo</p> <p>aberta </p> <p>nem o cavalo de nuvem</p> <p>não quero </p> <p>as tranças de Julieta.</p> <p>Este chão já comeu coisa</p> <p>tanta que eu mesma nem sei,</p> <p>bicho</p> <p>pedra</p> <p>lixo</p> <p>lume</p> <p>muita cabeça de rei.</p> <p>Muita cidade madura</p> <p>e muito livro da lei.</p> <p>Quanto deus caiu do céu</p> <p>tanto riso neste chão,</p> <p>fala de servo calado</p> <p>pisado</p> <p>soluço de multidão.</p> <p>Coisas de nome trocado</p> <p>- fome e guerra, amor e medo -</p> <p>Tanta dor de solidão.</p> <p>Muito segredo guardado</p> <p>aqui dentro deste chão.</p> <p>Coisa até que ninguém viu</p> <p>ai! tanta ruminação</p> <p>quanto sangue derramado </p> <p>vai crescendo deste chão.</p> <p>Não quero a sina de Deus</p> <p>nem a que trago na mão.</p> <p>Plantei meus pés foi aqui</p> <p>amor, neste chão.</p> </blockquote> <p>Canção para Jana</p> <blockquote> <p>Riso de abril rompe a neblina,</p> <p>rosa menina.</p> <p>Crescei, ó cabelos de chama,</p> <p>carne de rosa e pudim.</p> <p>Cor de pitanga</p> <p>boca miúda </p> <p>riso, alfazema, patchuli.</p> <p>(Água do rio</p> <p>eu te darei</p> <p>leite com mel</p> <p>chapéu de rei</p> <p>limão caixinha</p> <p>e datacum.</p> <p>Passearei</p> <p>com lô-lô-lô</p> <p>bilu-bilá</p> <p>nane ninou.)</p> <p>Flor buliçosa</p> <p>rosa crescei.</p> <p>Água dos mares da Bahia.</p> <p>Na sombra aqui destas asas</p> <p>até um dia.<a id="not61b"></a><a href="#not61a"><sup>61</sup></a></p> </blockquote> <p>Canção do amor livre</p> <blockquote> <p>Se me quiseres amar</p> <p>não despe somente a roupa.</p> <p>Eu digo: também a crosta</p> <p>feita de escamas de pedra</p> <p>e limo dentro de ti,</p> <p>pelo sangue recebida</p> <p>tecida </p> <p>de medo e ganância má.</p> <p>Ar de pântano diário</p> <p>nos pulmões.</p> <p>Raiz de gestos legais</p> <p>e limbo do homem só</p> <p>numa ilha.</p> <p>Eu digo: também a crosta</p> <p>essa que a classe gerou</p> <p>vil, tirânica, escamenta.</p> <p>Se me quiseres amar.</p> <p>Agora teu corpo é fruto.</p> <p>Peixe e pássaro, cabelos</p> <p>de fogo e cobre. Madeira </p> <p>e água deslizante, fuga</p> <p>ai rija</p> <p>cintura de potro bravo.</p> <p>Teu corpo.</p> <p>Relâmpago, depois repouso</p> <p>sem memória, noturno.</p> </blockquote> <p>Canção de brinquedo</p> <blockquote> <p>Reino da terra</p> <p>riso será.</p> <p>Menina, esse riso</p> <p>não é de graça,</p> <p>tempo virá.</p> <p>Ó riso custoso</p> <p>rei e rainha</p> <p>em teu lugar.</p> <p>Ó flor de sangue</p> <p>tempo virou</p> <p>tempo virá.</p> <p>Abre, ó roseira </p> <p>reino da terra </p> <p>riso será.</p> <p>Tens medo do risco?</p> <p>Segura o novelo</p> <p>Entra na roda e dança, ó menina.</p> <p>Tens medo do risco?</p> <p>Não és flor sozinha:</p> <p>um olho aceso</p> <p>entre as mulheres</p> <p>criatura minha.</p> <p>Um grão de milho</p> <p>cravo criança camaradinha.</p> <p>Araçá-mirim.</p> <p>Segura o novelo.</p> <p>Agora sim.</p> <p>Flor no cabelo</p> <p>entra na roda e dança, ó jasmim.</p> </blockquote> <p>Chamado de amor</p> <blockquote> <p>Tanta laranja madura</p> <p>ai tanta!</p> <p>que aroma vem do quintal.</p> <p>A maré já deu passagem</p> <p>cresce meu canavial</p> <p>minha vara de condão</p> <p>cavaleiro, teu punhal.</p> <p>Jasmim da noite floriu.</p> <p>Jasmim.</p> <p>Acabou-se o bem e o mal.</p> <p>Já tirei os meus sapatos,</p> <p>Vesti meu manto real.<a id="not62b"></a><a href="#not62a"><sup>62</sup></a></p> </blockquote> <div class="image"> <p><img src="images/a03img05.png" alt="Desenhos de Lasar Mulheres" /></p> </div> </div> <div class="section"> <div class="title"> <p><a id="pt4"></a>A coluna</p> </div> <div class="right"> <p><i>Coluna, tu és a herança </i></p> <p><i>que os pais transmitem aos filhos </i></p> <p><i>como abc de criança</i></p> </div> <p> </p> <div class="right"> <p><i>Dedico este livro a todos aqueles </i></p> <p><i>que possibilitaram escrevê-lo e publicá-lo..</i></p> </div> <p>O LIVRO <i>A coluna </i><a id="not005b"></a><a href="#not005a"><sup>*****</sup></a> nunca foi republicado. Na edição original, sob o título, há estes dizeres: "(Poema em 15 Cantos) Escrito em São Paulo – 1953-1954." Na última página, abaixo da palavra "Índice", esta explicação: "(A Coluna, poema composto de 15 Cantos, é uma parte do livro "Histórias do Brasil e outros poemas")". </p> <p>É provável que a edição do livro tenha sido financiada, parcial ou integralmente, pelo PCB, pois sua temática era de grande interesse para o partido, e Jacinta quase não dispunha de recursos financeiros à época.</p> <p>O tema do poema épico é a Coluna Prestes, marcha de cerca de 25.000 km empreendida por homens e mulheres que, sob o comando entre outros de Miguel Costa e Luiz Carlos Prestes, percorreu, entre 1924 e 1927, grande parte do interior do Brasil, perseguida por forças governamentais e privadas. Embora nunca tenha sido vencida pelas tropas do governo, a Coluna também não conseguiu o objetivo de comandar uma rebelião popular para depor os governos Arthur Bernardes e Washington Luiz. Sem perspectiva de vitória, acabou se embrenhando na Bolívia. </p> <p><i>A Coluna </i>recria, em tom épico e evocações líricas, episódios acontecidos durante a marcha, cantando cenas de batalhas e do cotidiano da gente humilde que aderiu à revolta. O livro estabelece um diálogo poético com <i>O cavaleiro da esperança</i>: a vida de Luiz Carlos Prestes, de Jorge Amado. Lançado em 1942 na Argentina (sob o título <i>Vida de Luiz Carlos Prestes</i>) e em 1945 no Brasil, o livro de Amado também narrou personagens e episódios da Coluna Prestes, como os que Jacinta versejou. </p> <p>A partida </p> <blockquote> <p>I</p> <p>Ó céus e terras, tremei</p> <p>que a Coluna já partiu</p> <p>neste ano de Vinte e Quatro</p> <p>todo o Brasil sacudiu</p> <p>será Coluna de fogo<a id="not63b"></a><a href="#not63a"><sup>63</sup></a></p> <p>que o viajante já viu?</p> <p>Coluna de vento e areia</p> <p>dos desertos desafio?</p> <p>Ó céus e terras, tremei</p> <p>que a Coluna já partiu.</p> <p>II</p> <p>Partiu das terras do sul,</p> <p>dos descampados sem fim</p> <p>o gaúcho indaga atento:</p> <p>para onde marcham assim? </p> <p>- Adeus cidades que ficam,</p> <p>Santo Ângelo de onde vim,<a id="not64b"></a><a href="#not64a"><sup>64</sup></a></p> <p>arredai serras, adeus</p> <p>a quem fica atrás de mim -</p> <p>Partiu das terras do sul,</p> <p>dos descampados sem fim.</p> <p>III</p> <p>Através da terra imensa </p> <p>abrindo caminho no chão,</p> <p>seus cavalos, cavaleiros</p> <p>e seu grande Capitão,</p> <p>Coluna dos revoltosos</p> <p>Coluna da decisão,</p> <p>espinha dorsal no corpo</p> <p>do Brasil, Insurreição.</p> <p>Através da terra imensa </p> <p>abrindo caminho no chão.</p> <p>IV</p> <p>Quem deixou essas pisadas?</p> <p>Foi a Coluna que passou.</p> <p>Quem na mata abriu picadas?</p> <p>Foi a Coluna e viajou</p> <p>e no seu rastro, cavalos,</p> <p>homens e armas levou</p> <p>atrás um feixe de luz</p> <p>e de esperanças deixou.</p> <p>Quem deixou essas pisadas?</p> <p>Foi a Coluna que passou.</p> <p>V</p> <p>Provectas autoridades</p> <p>dessa cidade tranquila</p> <p>ó Juiz, ó Escrivão,</p> <p>ó Intendente da vila,</p> <p>quem perturbou vosso sono</p> <p>e o de Dona Domitila?</p> <p>- Confiai, irmãos, em Deus</p> <p>e nos jagunços da vila -</p> <p>diz o Padre, e o Coronel</p> <p>assanha seus cães de fila.<a id="not65b"></a><a href="#not65a"><sup>65</sup></a></p> <p>Provectas autoridades</p> <p>dessa cidade tranquila.</p> <p>VI</p> <p>João Ferreira diz: bravura!</p> <p>segue a Coluna que passa</p> <p>é Cabo da Guarda e leva</p> <p>mulher, espingarda e cabaça,</p> <p>roceiro deixa roçado,</p> <p>vaqueiro, a corda que laça,</p> <p>adeus mulher, adeus filhos,</p> <p>a seus vizinhos abraça.</p> <p>João Ferreira diz: bravura!</p> <p>segue a Coluna que passa.</p> </blockquote> <p>O capitão</p> <blockquote> <p>Cavaleiro que passa a galope</p> <p>tão veloz no cavalo alazão</p> <p>o seu nome é Luiz Carlos Prestes<a id="not66b"></a><a href="#not66a"><sup>66</sup></a></p> <p>Comandante sem par, Capitão,</p> <p>Capitão de oitocentos soldados</p> <p>que mais logo serão mais de mil,</p> <p>Comandante da marcha e batalhas,</p> <p>o seu nome guardai, ó Brasil,</p> <p>bravo jovem de vinte e seis anos</p> <p>tão veloz no cavalo alazão</p> <p>o seu nome é Luiz Carlos Prestes</p> <p>Comandante sem par, Capitão.</p> </blockquote> <p> </p> <p>A curva de Maria Preta</p> <blockquote> <p>I</p> <p>- Coluna ao Norte! Marchar!<a id="not67b"></a><a href="#not67a"><sup>67</sup></a></p> <p>Atrás de nós, legalistas</p> <p>são cães de faro na pista,</p> <p>veio a noite, foi o dia</p> <p>e esses cães na teimosia.</p> <p>São pagos para matar.</p> <p>Viva o exército popular!</p> <p>II</p> <p>- Tristes novas, Comandante.</p> <p>- Que seja breve, soldado.</p> <p>- Inimigo à vista!</p> <p>à frente! à direita! legalistas!</p> <p>- Ferroviários avante!</p> <p>(Por ordem do Comandante)</p> <p>- Do traçado siga a sina</p> <p>suba Santa Catarina<a id="not68b"></a><a href="#not68a"><sup>68</sup></a></p> <p>até um ponto alcançado</p> <p>Maria Preta chamado,</p> <p>neste lugar</p> <p>combater e retirar,</p> <p>à boca da noite pelo</p> <p>lado esquerdo em cotovelo</p> <p>quebrar.</p> <p>Depois seguir adiante.</p> <p>Coluna ao Norte! Marchar!</p> <p>III</p> <p>Dito e feito. A noite esconde</p> <p>tropas, tiros. Quem? Aonde?</p> <p>Dois inimigos. Quem são?</p> <p>Luta de morte. Escuridão.</p> <p>Silvos, balas. Não responde?</p> <p>Matou. Morreu. Quem? Aonde?</p> <p>Foi-se a noite e de manhã</p> <p>ó cegueira humana vã!</p> <p>Quando em Santa Catarina </p> <p>a luz primeira ilumina</p> <p>jazem restos e destroços,</p> <p>carne, sangue, armas, ossos,</p> <p>de legalistas.</p> <p>Legalistas se encontraram</p> <p>e enganados se mataram.</p> <p>Ó Maria Preta ó sorte</p> <p>ó curva de engano e morte.</p> <p>IV</p> <p>Longe, voz a comandar</p> <p>- Coluna ao Norte! Marchar!</p> </blockquote> <p>O encontro</p> <blockquote> <p>- Soldados, onde acampamos?</p> <p>- No oeste do Paraná.</p> <p>- Soldados, e aquela tropa</p> <p>que vem vindo para cá?</p> <p>- Patrulha de segurança</p> <p>que partiu e volta já</p> <p>mais ligeiro do que o vento</p> <p>no oeste do Paraná.</p> <p>- Portadora de notícias?</p> <p>- De notícias e reforço,</p> <p>mantimento e montaria.</p> <p>Portadora que vem lá</p> <p>mais ligeira do que o vento</p> <p>no oeste do Paraná.</p> <p>- Às suas ordens, senhor.</p> <p>- Eram forças inimigas?</p> <p>- Eram paulistas rebeldes</p> <p>contra o governo Bernardes,</p> <p>eram paulistas que o Cinco</p> <p>de Julho já revoltara,</p> <p>paulistas que o General</p> <p>Miguel Costa comandara.<a id="not69b"></a><a href="#not69a"><sup>69</sup></a></p> <p>- Que é feito dos desertores?</p> <p>- Os desertores passaram </p> <p>do Paraguai a fronteira,</p> <p>foram esconder da vergonha </p> <p>a face, em terra estrangeira.</p> <p>- Esses que marcham, soldados</p> <p>revoltosos de honra e bem</p> <p>que venham para a Coluna</p> <p>serão Coluna também.</p> </blockquote> <p>A marcha</p> <blockquote> <p>- Soldados, rumo a São Paulo</p> <p>Levantar acampamento! -</p> <p>E a Coluna se levanta</p> <p>é agora movimento </p> <p>de cavalos nas estradas</p> <p>mulas, éguas e jumentos</p> <p>que levam homens e armas</p> <p>de guerra carregamento.</p> <p>Burros lerdos, resistentes</p> <p>que força de marcha fria!</p> <p>levam no dorso o Segundo</p> <p>Grupo de Artilharia.</p> <p>Subindo serras abruptas</p> <p>de penedo e mataria</p> <p>lá vai um Grupo de Obuses</p> <p>lá, outro de Infantaria.</p> <p>Lá vai num Grupo de treze</p> <p>um fuzil metralhadora</p> <p>um fuzileiro e mais dois</p> <p>com munição matadora.</p> <p>É um Grupo de combate,</p> <p>lá, Corpo metralhadora</p> <p>pesada, em quatro seções</p> <p>de oito peças, portadora.</p> <p>Esse vai do Paraguai</p> <p>através em destacado</p> <p>até sul de Mato Grosso</p> <p>e de armas carregado<a id="not70b"></a><a href="#not70a"><sup>70</sup></a></p> <p>é um Grupo de Artilharia</p> <p>por Tenente comandado</p> <p>por ser um material</p> <p>de guerra muito pesado.</p> <p>Paraguai também guardou</p> <p>um General alquebrado.</p> <p>Isidoro Dias Lopes,</p> <p>votos de saúde e paz!<a id="not71b"></a><a href="#not71a"><sup>71</sup></a></p> <p>Vamos embora, Coluna</p> <p>Comandante e oficiais</p> <p>neste ano de Vinte e Cinco</p> <p>nunca esquecido jamais,</p> <p>mil e duzentos soldados</p> <p>vamos embora sem mais </p> <p>neste ano de Vinte e Cinco</p> <p>nunca esquecido jamais.</p> </blockquote> <p>Quatro combates</p> <blockquote> <p><i>Batalhão ferroviário<a id="not72b"></a><a href="#not72a"><sup>72</sup></a></i></p> <p>- Estás preso, Major!</p> <p>Vinte e Oito de Outubro</p> <p>foi assim que começou</p> <p>e o Major prisioneiro</p> <p>na própria casa ficou.</p> <p>Donde partiram ordens tais?</p> <p>Era a revolta.</p> <p>Eram dois oficiais.</p> <p>Foram depois ao quartel.</p> <p>- Oficial de dia?</p> <p>- Sim.</p> <p>Entregaram-lhe um papel,</p> <p>um telegrama, uma ordem</p> <p>do General Comandante</p> <p>da Região</p> <p>(Mandava passar o comando </p> <p>do Batalhão)</p> <p>E na ausência do Major</p> <p>foi o oficial do dia</p> <p>quem o comando passava</p> <p>e o Boletim escrevia:</p> <p>"Em virtude do telegrama</p> <p>484</p> <p>passo nesta data</p> <p>na cidade de Santo Ângelo,</p> <p>o comando do Batalhão</p> <p>Ferroviário</p> <p>ao Sr. Luiz Carlos Prestes,</p> <p>Capitão". E assinou.</p> <p>Vinte e Oito de Outubro.</p> <p>Foi assim que começou.</p> <p><i>O cerco</i></p> <p>- Comandante, aguardo ordens.</p> <p>- Demorar no Piauí.</p> <p>- Até quando demorar?</p> <p>- Até que seja o Governo</p> <p>obrigado a retirar </p> <p>suas forças do Nordeste</p> <p>e Ceará,</p> <p>Bahia, caminho de Minas,</p> <p>livre será.</p> <p>Era o cerco. Urussuí.</p> <p>Nas margens do Parnaíba</p> <p>entrincheirados ali</p> <p>na margem esquerda defronte</p> <p>e vilas do Piauí,</p> <p>lá, Teresina ocupada,</p> <p>era o cerco.<a id="not73b"></a><a href="#not73a"><sup>73</sup></a> Urussuí.</p> <p>Que batalhão é aquele?</p> <p>"Vinte e Três de Caçadores"</p> <p>Polícia do Ceará</p> <p>Piauí também. Vapores.</p> <p>Cangaceiros. Munição.</p> <p>Mil e quinhentos senhores</p> <p>inimigos.</p> <p>São Luís e Piauí.</p> <p>- Não temes Coluna o cerco</p> <p>fechado em volta de ti?</p> <p>- Ó senhores, quem já viu,</p> <p>senhores do Piauí,</p> <p>Coluna Prestes temer</p> <p>um cerco</p> <p>um cerco de Urussuí?</p> <p>Ah! noite escura de breu.</p> <p>Cruzeiro do Sul, Cruzeiro,</p> <p>a quem foi que protegeu?</p> <p>Foi quando a noite já vinha.</p> <p>Fim da tarde. De tardinha.</p> <p>Balas. Tiros, tiroteio.</p> <p>Onde? De onde veio?</p> <p>Doutra margem, dum lugar</p> <p>começaram a disparar.</p> <p>Fogo. Fogo.</p> <p>Legalistas concentrados</p> <p>jogam forças </p> <p>na luta desatinados.</p> <p>Nem perguntam: quem atirou?</p> <p>Foi uma patrulha e léguas</p> <p>já andou</p> <p>(Do Destacamento Dutra,</p> <p> não foi um Destacamento)</p> <p>Ah! noite escura de breu.</p> <p>Legalista legalista</p> <p>só fantasmas combateu.</p> <p>Quando veio a madrugada </p> <p>bateram em retirada.</p> <p>Ó águas do Parnaíba</p> <p>vê quanto covarde arriba!</p> <p>Balsas, canoas no rio,</p> <p>que um esquadrão perseguiu.</p> <p>Ó sossego doce vila</p> <p>à beira do rio tranquila</p> <p>outrora.</p> <p>Um vapor? Sim, nesta hora</p> <p>a pé, cavalo, vapor,</p> <p>tudo é fuga, medo, horror.</p> <p>Retaguarda legalista</p> <p>logo alcançada na pista</p> <p>da covardia.</p> <p>Ah! xereta de Governo</p> <p>que outra sorte merecia?</p> <p>Longe dali, a Coluna</p> <p>no ataque à Capital,</p> <p>quatro dias de combate</p> <p>e Teresina afinal.</p> <p>Munições, armas, recrutas,</p> <p>Piauí entregue está,</p> <p>uma faixa do Maranhão</p> <p>e o caminho do Ceará.</p> <p>Ah! noite escura de breu.</p> <p>Cruzeiro do Sul, Cruzeiro</p> <p>a quem foi que protegeu?</p> <p><i>Piancó</i></p> <p>Da ladeira na descida</p> <p>quando entre nuvens de pó </p> <p>já se avista na baixada </p> <p>a vila de Piancó,</p> <p>das casas e da Cadeia,</p> <p>da Igreja Matriz da praça,</p> <p>rebentam tiros e balas</p> <p>entre estouros e fumaça.</p> <p>- Avançar Destacamento!</p> <p>Quem será esse inimigo</p> <p>mortal?</p> <p>Um padre e cem cangaceiros</p> <p>e mais sessenta da Força.</p> <p>Policial.</p> <p>Foi da Coluna a vanguarda</p> <p>foi da vanguarda o seu guia</p> <p>o primeiro que avançava </p> <p>e o que primeiro caia,</p> <p>onze balas recebera</p> <p>mais três balas recebia,</p> <p>seu nome, Capitão Pires,</p> <p>foi da vanguarda o seu guia</p> <p>defronte à Cadeia Pública</p> <p>o que primeiro caía.</p> <p>(Desde as oito da manhã)</p> <p>Combate duro e cruel!</p> <p>cinco mortos já caídos,</p> <p>dois Capitães, dois Tenentes,</p> <p>mais oito Praças feridos.</p> <p>Depois... silêncio de tréguas.</p> <p>- Que será? – Olhai, soldado,</p> <p>bandeira branca!</p> <p>em cima! além! no telhado!</p> <p>Agora a luta cessou</p> <p>e marcha o Destacamento</p> <p>mas eis que alguém atirou.</p> <p>Quem? De onde? Um momento</p> <p>de confusão se passou.</p> <p>Uma cilada. Emboscada.</p> <p>Abrem fogo, começou</p> <p>da casa do Padre Aristides<a id="not74b"></a><a href="#not74a"><sup>74</sup></a></p> <p>um tiroteio rebentou.</p> <p>Uma cilada. Emboscada.</p> <p>João Bahiano, uma lata</p> <p>de gasolina tomou</p> <p>com ordem de incendiar</p> <p>aquela casa, marchou.</p> <p>Uma cilada. Emboscada.</p> <p>De repente a porta abriu,</p> <p>Sargento Lino, o primeiro</p> <p>que avançou e caiu,</p> <p>avança o Destacamento</p> <p>e aquela sala invadiu.</p> <p>- Quem será essa figura</p> <p>de batina e carabina</p> <p>e de faca na cintura?</p> <p>- Senhor padre, até que enfim!</p> <p>e o padre nem teve tempo</p> <p>de respirar, foi o fim!</p> <p>Foi o fim de seu capanga</p> <p>celerado </p> <p>que trinta anos cumpria.</p> <p>Foi o fim. Naquele dia.</p> <p>Piancó da Paraíba.</p> <p>Já quando a noite caía.</p> <p><i>O São Francisco</i></p> <p>Ó São Francisco, barreira</p> <p>entre o Oeste e o mar</p> <p>tu vais servir ao Governo</p> <p>para a Coluna cercar?!</p> <p>Eu, nunca! Responde o rio </p> <p>sou até capaz de secar</p> <p>como outrora o Mar Vermelho</p> <p>para a Coluna passar.</p> <p>Quanto rifle quanta pose</p> <p>quanto homem de boné</p> <p>são vinte mil na Bahia,</p> <p>polícia, jagunço e mé,</p> <p>até do sul chegou gente</p> <p>paulista e gaúcho até</p> <p>tropa do Rio, federal</p> <p>gente de pose e boné.</p> <p>- Coluna, eu te pego</p> <p>Coluna, onde estás?</p> <p>Coluna, é agora</p> <p>ou nunca jamais.</p> <p>- Estou nas catingas</p> <p>Coluna, onde estás?</p> <p>Tiririca dos Bodes?</p> <p>Nas Minas Gerais?</p> <p>- Achei a batida </p> <p>Coluna, onde estás,</p> <p>do sertão para Oeste?</p> <p>no rastro, eu atrás.</p> <p>- A Coluna atravessou?</p> <p>Ó São Francisco, dizei!</p> <p>vim de Bahia até Minas</p> <p>e a maldita não achei -</p> <p>E o São Francisco calado</p> <p>não deu nenhuma ousadia</p> <p>suas águas turvas ficaram</p> <p>e praguejando corria.</p> <p>Curva dum laço a Coluna</p> <p>nesse tempo descrevia,</p> <p>de novo à beira das águas,</p> <p>Pernambuco e Bahia.</p> <p>Travessia. Agora sim</p> <p>neste lugar, oportuna</p> <p>travessia. "Destacamento</p> <p>João Alberto" da Coluna.</p> <p>Quatro paquetes do lado</p> <p>de Pernambuco – Reúna</p> <p>a tropa que for preciso</p> <p>e a tropa deles se muna!</p> <p>um pelotão nas canoas</p> <p>e velas que o vento enfuna.</p> <p>Travessia, os paquetes</p> <p>vão carregando a Coluna.</p> <p>São Francisco São Francisco</p> <p>águas de novo a roncar.</p> <p>Meia légua de largura,</p> <p>das três até madrugar.</p> <p>Adeus, ó Coluna Prestes</p> <p>na outra margem e a marchar.<a id="not75b"></a><a href="#not75a"><sup>75</sup></a></p> <p>Ó São Francisco, barreira </p> <p>entre o Oeste e o mar.</p> </blockquote> <p>Jagunços e coronéis</p> <blockquote> <p>- Sopra a lenha da fogueira</p> <p>assa o churrasco, Tadeu!</p> <p>na carabina e no rifle</p> <p>ninguém maior do que eu,</p> <p>minha fama de valente</p> <p>este cabra mereceu,</p> <p>sopra a lenha da fogueira</p> <p>assa o churrasco, Tadeu!</p> <p>- Você conta é muita prosa</p> <p>mas diga quem pode mais</p> <p>jagunço do São Francisco</p> <p>aqui nas Minas Gerais,</p> <p>jagunço, de tudo a mando</p> <p>do Coronel, é capaz</p> <p>mas diga por que respeita</p> <p>os revoltosos, rapaz.</p> <p>Sopra a lenha da fogueira</p> <p>assa o churrasco, Tadeu,</p> <p>na carabina e no rifle</p> <p>ninguém maior do que eu.</p> <p>- Pois agora eu vou contar</p> <p>foi que nestas redondezas</p> <p>chegou antes da Coluna</p> <p>seu nome e suas proezas,</p> <p>abaixo de Deus sagrado,</p> <p>só Coronel tem grandezas</p> <p>mas se ouço um nome – Coluna -</p> <p>não sou mais homem, franquezas.</p> <p>Sopra a lenha da fogueira</p> <p>assa o churrasco, Tadeu,</p> <p>na carabina e no rifle</p> <p>ninguém maior do que eu.</p> <p>Foi nessa noite, que susto!</p> <p>já tarde da noite em meio</p> <p>que o jagunço caiu morto</p> <p>foi depois dum tiroteio.</p> <p>"Golpe de mão" da Coluna,</p> <p>num minuto aconteceu</p> <p>e, como presas de guerra,</p> <p>carabinas e Tadeu.</p> <p>Fazendeiro que já foi</p> <p>quantas léguas possuía!</p> <p>senhor da vida e da morte</p> <p>no sudoeste da Bahia.</p> <p>Agora presa de guerra</p> <p>para serviço miúdo</p> <p>- Quem persegue esta Coluna?</p> <p>Responda! não fique mudo.</p> <p>- Coronel manda em jagunço,</p> <p>cacique de taba e tuba,</p> <p>aqui, Horácio de Matos,<a id="not76b"></a><a href="#not76a"><sup>76</sup></a></p> <p>Coronel de Condeúba.</p> <p>Coronel manda em jagunço</p> <p>o Governo em Coronel</p> <p>Jequié, Lençóis, Conquista,</p> <p>são dessas forças, quartel.</p> <p>Jagunço de carabina</p> <p>e rifle (pior que o Cão!)</p> <p>rifle de papo amarelo</p> <p>dos que usa Lampião.</p> </blockquote> <p>O inimigo</p> <blockquote> <p>A Coluna descansou</p> <p>da marcha, na noite fria.</p> <p>Ficaram olhos acesos</p> <p>e a fogueira, de vigia.</p> <blockquote> <p>Su su su</p> <p>menino mandu</p> <p>dorme na lagoa</p> <p>sapo-cururu<a id="not77b"></a><a href="#not77a"><sup>77</sup></a></p> </blockquote> <p>Soldados dormem quietos</p> <p>Debaixo deste telheiro</p> <p>em cima pia a coruja</p> <p>com seu piado agoureiro.</p> <blockquote> <p>Su su su</p> <p>menino mandu</p> </blockquote> <p>Soldados dormem quietos</p> <p>no bivaque de improviso</p> <p>até as armas descansam</p> <p>que este descanso é preciso.</p> <blockquote> <p>Dorme na lagoa</p> <p>sapo-cururu</p> </blockquote> <p>Soldados dormem quietos</p> <p>na barraca e na varanda,</p> <p>eis de repente o inimigo</p> <p>- Depressa, levanta e anda!</p> <p>Depressa, são feras,</p> <p>depressa ou quiseras</p> <p>nas mãos do inimigo</p> <p>cair, que o perigo</p> <p>de perto ameaça</p> <p>de morte ou mordaça</p> <p>cadeia ou degredo.</p> <p>Galopa sem medo!</p> <p>Legalista do Inferno!</p> <p>donde o Governo</p> <p>tais feras tirou?</p> <p>Ah! raiva que eu sou.</p> <p>Depressa e a trote</p> <p>esporas, chicote,</p> <p>as crinas revoltas,</p> <p>de rédeas bem soltas</p> <p>e bridas também</p> <p>(Que medo não tem!)</p> <p>depressa e a trote</p> <p>mão no cabeçote</p> <p>o pé na estribeira</p> <p>encilha e carreira!</p> <p>esquipa montado</p> <p>depressa, soldado</p> <p>que medo não tem.</p> <p>Legalista do inferno</p> <p>não vale um vintém!</p> <p>A Coluna descansou</p> <p>da marcha na noite fria.</p> <p>Ficaram olhos acesos.</p> <p>E de repente partia.</p> </blockquote> <p>A troca</p> <blockquote> <p>- Teu nome, camponês?</p> <p>- Joel, seu irmão.</p> <p>- Que desejas da Coluna?</p> <p>- Falar com Seu Capitão.</p> <p>- É Vosmicê?</p> <p>- Luiz Carlos Prestes.</p> <p>- Sou daqui, Seu Capitão,</p> <p>eu nasci foi mesmo aqui</p> <p>no Piauí, no sertão,</p> <p>queria fazer uma troca</p> <p>se for sua opinião,</p> <p>são duas coisas que tenho,</p> <p>mais nada, Seu Capitão,</p> <p>esta cuia de farinha</p> <p>e um burrinho de estimação.</p> <p>- Por qual troco quer trocar?</p> <p>- Por um lugar na Coluna</p> <p>mais um fuzil de atirar.</p> <p>E foi assim que Joel,</p> <p>o camponês do sertão,</p> <p>um dia virou soldado</p> <p>de Prestes, Seu Capitão.</p> </blockquote> <p>Os heróis e as feras</p> <blockquote> <p><i>José Tomaz</i></p> <p>Treze anos tão valentes</p> <p>menino do Piauí,</p> <p>o teu cavalo tem pés</p> <p>ou asas de colibri?</p> <p>Dezoito léguas custosas</p> <p>andou </p> <p>entre as tropas inimigas</p> <p>passou</p> <p>assim dois Destacamentos</p> <p>em doze horas ligou.</p> <p>(Dos soldados era um simples</p> <p>servidor).</p> <p>José Tomaz, anspeçada,</p> <p>menino do Piauí,</p> <p>o teu cavalo tem pés</p> <p>ou asas de colibri?</p> <p><i>Zé Viúvo</i></p> <p>Quem passar pelos caminhos </p> <p>na moita de mato e espinhos</p> <p>cerrada, úmida, escura,</p> <p>nem vê aquela figura</p> <p>de homem sempre sentado.</p> <p>Quem será?</p> <p>Parece quieto dormindo</p> <p>se não fosse o olhar luzindo </p> <p>aceso na escuridão.</p> <p>Zé Viúvo é um ferido</p> <p>de guerra, no Maranhão</p> <p>perdeu um pé,</p> <p>de muleta nos joelhos,</p> <p>sentado, vigia é.</p> <p>Parece quieto dormindo</p> <p>mas se no mato bulindo</p> <p>alguma folha estalou</p> <p>que fujas, ó inimigo</p> <p>daquele tiro certeiro</p> <p>da carabina o primeiro.</p> <p><i>Juventude</i></p> <p>Combateu duro combate</p> <p>em Flores de Pernambuco.</p> <p>Combateu.</p> <p>Oliveira, juventude</p> <p>que o perigo não venceu,</p> <p>no meio do fogo das balas</p> <p>combateu</p> <p>viu seu pai morto cair</p> <p>no chão</p> <p>tomou das armas paternas</p> <p>e esgotou a munição.</p> <p>Foi só depois da batalha:</p> <p>- Comandante, eis as armas</p> <p>do meu pai que faleceu -</p> <p>Em Flores de Pernambuco</p> <p>combateu.</p> <p><i>Quarenta mulheres</i></p> <p>Mulheres guerreiras</p> <p>quem viu teu valor?</p> <p>na marcha ligeiras</p> <p>que a guerra provou.</p> <p>Passagem difícil!</p> <p>Mulheres não passam</p> <p>além deste rio!</p> <p>Por ordem! O Comando</p> <p>que tal proibiu.</p> <p>No rio Uruguai</p> <p>quem pode passar?</p> <p>Raiou a manhã</p> <p>- Soldados marchar!</p> <p>Quarenta mulheres</p> <p>nas tropas estão.</p> <p>Mas como? E agora</p> <p>o Comando diz, não?</p> <p>Diante do fato</p> <p>novo decidir,</p> <p>outra ordem foi dada</p> <p>- mulheres seguir!</p> <p>Mulheres guerreiras</p> <p>quem viu teu valor?</p> <p>na marcha ligeiras</p> <p>que a guerra provou.</p> <p>"Onça" mulata</p> <p>de belos quadris</p> <p>que dança maxixe</p> <p>carrega fuzis.</p> <p>"Onça" mulata</p> <p>quem viu teu valor?</p> <p>não vales somente</p> <p>na dança no amor.</p> <p>Na luta ligando</p> <p>salvou do inimigo</p> <p>feroz e maior,</p> <p>uma tropa menor.</p> <p>Mulheres guerreiras</p> <p>quem viu teu valor?</p> <p>na marcha ligeiras</p> <p>que a guerra provou.</p> <p>Hermínia perita</p> <p>do laço no jogo</p> <p>Hermínia estrangeira</p> <p>Hermínia enfermeira</p> <p>a linha de fogo</p> <p>passou. Na trincheira</p> <p>inimiga, doentes</p> <p>salvou.</p> <p>Ó valentes.</p> <p>Mulheres guerreiras </p> <p>quem viu teu valor?</p> <p>na marcha ligeiras</p> <p>que a guerra provou.</p> <p>Nasceu um menino.</p> <p>Sua mãe se chamava</p> <p>Santa-Rosa e logo</p> <p>depois cavalgava.</p> <p>E dizem que podes</p> <p>o corpo fechar</p> <p>às balas, ó tia</p> <p>Maria,</p> <p>depois de rezar?</p> <p>Mulheres guerreiras</p> <p>quem viu teu valor?</p> <p>na marcha ligeiras</p> <p>que a guerra provou.</p> <p><i>O sargento</i></p> <p>Sangue na noite a clamar.</p> <p>Polícia da Paraíba,</p> <p>quantos crimes a pagar!</p> <p>- Sargento, então te recusas</p> <p>a própria cova cavar?</p> <p>- Alugado dos infernos,</p> <p>quem te deu a ousadia?</p> <p>Pobre corpo do Sargento</p> <p>novos golpes recebia</p> <p>até que desfalecido</p> <p>no chão sem forças caía,</p> <p>depois retalhado à faca</p> <p>mais um valente morria.</p> <p>Sangue na noite a clamar.</p> <p>Polícia da Paraíba,</p> <p>quantos crimes a pagar!</p> <p><i>A fuga</i></p> <p>Carreira desabalada</p> <p>nas catingas sem fim</p> <p>que triste figura!</p> <p>de que foges assim?</p> <p>Foi depois de Imburanas:</p> <p>aonde vais, Coronel</p> <p>João Nunes, que triste</p> <p>que triste papel! </p> <p>Eram cento e cinquenta </p> <p>os teus comandados</p> <p>e mais caminhões</p> <p>ó abandonados!</p> <p>Quinze mortos, feridos</p> <p>eram quinze também,</p> <p>que triste figura</p> <p>Coronel sem ninguém!</p> <p>Polícias de Més</p> <p>chefe tal merecia,</p> <p>lábias, bravatas, </p> <p>e agora fugia.</p> <p>Pernambuco. Imburanas.</p> <p>Aonde vais, ó fujão?</p> <p>as vilas mais próximas</p> <p>a dois dias estão.</p> <p>Nas catingas de mato</p> <p>ralo e rasteiro,</p> <p>roto e ferido</p> <p>nos espinhos de espinheiro.</p> <p>Carreira desabalada</p> <p>nas catingas sem fim, </p> <p>que triste figura!</p> <p>de que foges assim?</p> <p><i>Os trinta</i></p> <p>Eram trinta. Eram tão fortes.</p> <p>Desciam do Ceará.</p> <p>Tão belos dessa beleza</p> <p>que a juventude é quem dá.</p> <p>Agora só a lembrança</p> <p>dos trinta jovens restou.</p> <p>Duas polícias ou feras?</p> <p>A disputa começou.</p> <p>Paraíba ou Pernambuco,</p> <p>qual das duas afinal</p> <p>sabe mais tortura e morte </p> <p>na ponta do seu punhal?</p> <p>Eram trinta. Eram tão fortes.</p> <p>Sangrados como animal.</p> <p>Somente um ficou vivo</p> <p>pois ao sicário pagou</p> <p>quinhentos contos. Dos trinta </p> <p>só a lembrança restou.</p> <p><i>O leilão</i></p> <p>- Quem dá mais?</p> <p>- Quem dá mais?</p> <p>Dona Cassimira, quatro mil réis!</p> <p>Quatro mil réis por cabeça!</p> <p>Meus senhores, Dona Cassimira!</p> <p>Dona Cassimira, a chefe do sertão!</p> <p>Tia de Horácio de Matos.</p> <p>Quanto dão?</p> <p>Quatro mil réis!</p> <p>Quatro mil réis por um "patriótico"!</p> <p>Vai nascer um batalhão!</p> <p>Lá vai uma...</p> <p>Lá vai duas...</p> <p>Lá vai três... Pela primeira...</p> <p>Receberá Mercê...</p> <p>Seu Franquilim, dez mil réis!</p> <p>Dez mil réis!</p> <p>Seu Franquilim, de Pilão Arcado!</p> <p>Seu Franquilim, das Lavras!</p> <p>Seu Franquilim, do São Francisco!</p> <p>Seu Franquilim chefe de jagunços</p> <p>que mais mortes cometeu,</p> <p>o que bate no peito e diz:</p> <p>que jagunço maior que eu?</p> <p>Quem dá mais?</p> <p>Receberá Mercê...</p> <p>O Governo, meus senhores,</p> <p>do Estado e da Nação!</p> <p>ante tal poder se cala</p> <p>o poderoso Janjão</p> <p>Coronel de Mato Grosso,</p> <p>Êmulo de Lampião – </p> <p>Quem dá mais?</p> <p>O Governo, meus senhores,</p> <p>já não se fala em tostão,</p> <p>o preço dum diamante,</p> <p>proclamai ante a Nação,</p> <p>por uma cabeça, senhores,</p> <p>de revoltoso!</p> <p>Já não se fala em tostão.</p> <p>Receberá Mercê...</p> <p>Catete!... Quinhentos contos!</p> <p>pela boca de Seu Mé</p> <p>através dos oligarcas</p> <p>que mandam em Caetité.</p> <p>Palavra de Artur Bernardes.</p> <p>Quem atesta? Quem dá fé?</p> <p>O senhor Geraldo Rocha,</p> <p>quem, senão ele, outro Mé?</p> <p>Quem dá mais? Quinhentos contos!</p> <p>Que esteja o país ciente</p> <p>da fala do presidente!</p> <p>Que excelsa virtude e zelo!</p> <p>Oh! flagelo </p> <p>Oh! Coluna</p> <p>Oh! caminho da perdição.</p> <p>Quinhentos contos de prêmio</p> <p>a quem livrar a Nação.</p> <p>Lá vai uma...</p> <p>Lá vai duas...</p> <p>Lá vai três... Pela primeira...</p> <p>Receberá Mercê...</p> <p>Quem fala agora sou eu</p> <p>natural deste sertão,</p> <p>os graúdos já falaram</p> <p>(defender Pátria e Nação!)</p> <p>Ó Cassimira!</p> <p>Ó Janjão!</p> <p>Será que pátria é Catete?</p> <p>Governo de Més, Nação?</p> <p>Diz que não,</p> <p>toda gente como eu</p> <p>natural deste sertão,</p> <p>pátria, uma casa tão grande</p> <p>onde moram</p> <p>onde moram</p> <p>mais de cinqüenta milhões.</p> <p>Lá vai uma...</p> <p>Lá vai duas...</p> <p>- Quem dá mais?</p> <p>- Quem dá mais?</p> <p>Receberá Mercê...</p> </blockquote> <p>Seca</p> <blockquote> <p>Cavalos e cavaleiros</p> <p>onde pouso de abrigar?</p> <p>é tudo chapada só</p> <p>deserto de esturricar.</p> <blockquote> <p>- Ai quem me dera um balanço </p> <p>balanço de embalançar</p> <p>ai quem me dera um balanço</p> <p> na rede de caroá – </p> </blockquote> <p>Cavalos e cavaleiros</p> <p>fazem força de marchar</p> <p>secaram até as cacimbas</p> <p>ai! as frutas do ingá.</p> <blockquote> <p>- Ai quem me dera um balanço </p> <p>balanço de embalançar</p> <p>ai quem me dera um balanço</p> <p> na rede de caroá -</p> </blockquote> <p>Cavalos e cavaleiros</p> <p>ai! se pudessem avistar </p> <p>um pé de mandacaru</p> <p>para esta sede matar.</p> <blockquote> <p>- Ai quem me dera um balanço </p> <p>balanço de embalançar</p> <p>ai quem me dera um balanço</p> <p> na rede de caroá -</p> </blockquote> <p>Fome</p> <p>Que anjos são esses</p> <p>que vivem nos seguindo</p> <p>de noite e de dia?</p> <p>Padre-Nosso! Ave-Maria!<a id="not78b"></a><a href="#not78a"><sup>78</sup></a> </p> <p>- Não são anjos não senhor</p> <p>são homens do Ceará</p> <p>são retirantes da seca</p> <p>que viviam ao deus-dará.</p> <p>- E por que nos seguem assim?</p> <p>- Porque desejam comida</p> <p>que não existe mais lá</p> <p>não são anjos não senhor</p> <p>são homens do Ceará.</p> <p>- E aqueles de corpo nu,</p> <p>escuro, cabeça longa,</p> <p>que correm mais do que lebre</p> <p>e gritam mais que araponga?</p> <p>- Do Vale do Tocantins</p> <p>são índios são mais de cem</p> <p>que, por armas e comida,</p> <p>nos vêm seguindo também.</p> <p>Que anjos são esses</p> <p>que vivem nos seguindo</p> <p>de noite e de dia?</p> <p>Padre-Nosso! Ave-Maria!</p> </blockquote> <p>Potreadas<a id="not79b"></a><a href="#not79a"><sup>79</sup></a> </p> <blockquote> <p>Hoje eu vou correr cem léguas </p> <p>eh!</p> <p>cem léguas de arrepiar.</p> <p>No lombo deste cavalo</p> <p>nem que custe o que custar.</p> <p>Eh! desertão da Chapada,</p> <p>Passagem Ruim, Icó,</p> <p>Lagoa do Mulungu,</p> <p>Aracuan e Cipó,</p> <p>Uauá, Várzea da Ema,</p> <p>Ipueiras, Cocobocó.</p> <p>Hoje eu vou correr cem léguas</p> <p>eh!</p> <p>cem léguas de arrepiar.</p> <p>Vou vencer o sergipano</p> <p>sozinha, no potrear.</p> <p>Nem que não ache o caminho</p> <p>de volta para contar</p> <p>nem que me assalte o jagunço</p> <p>da moita de gravatá</p> <p>nem que firam os espinhos</p> <p>de jerema e de joá.</p> <p>Hoje eu vou correr cem léguas</p> <p>eh!</p> <p>cem léguas de arrepiar.</p> <p>Vou tirar o bicho da toca,</p> <p>Seu Mano, desalojar.</p> <p>Vou com quinze, senhores,</p> <p>tirem o facão da bainha,</p> <p>arrebanhar os cavalos</p> <p>na redondeza vizinha</p> <p>eh! potreada relâmpago</p> <p>tirem o facão da bainha!</p> <p>Hoje eu vou correr cem léguas</p> <p>eh! </p> <p>cem léguas de arrepiar.</p> <p>Gritar eh! eh! catingueiros</p> <p>eh! polícia. E debandar.</p> <p>Vou queimar livros de impostos </p> <p>daquela Coletoria</p> <p>dizer ao preso: sois livre,</p> <p>palmatória foi um dia,</p> <p>polícia, ninguém te salva,</p> <p>cadê a Virgem Maria?</p> <p>No lombo deste cavalo</p> <p>nem que custe o que custar.</p> <p>Hoje eu vou correr cem léguas </p> <p>eh! </p> <p>cem léguas de arrepiar.</p> </blockquote> <p>Serras e pântanos</p> <blockquote> <p><i>Serra do Sincurá</i></p> <p>Dentro da noite, uma vela</p> <p>de cera de carnaúba</p> <p>com sua luz amarela</p> <p>um fio de luzes subindo</p> <p>que procissão é aquela?</p> <p>na Serra do Sincurá</p> <p>soldados caminham nela</p> <p>subindo a pé vão puxando</p> <p>os animais vão naquela</p> <p>marcha lenta, padiolas</p> <p>da chama à luz amarela</p> <p>os homens de sete fôlegos</p> <p>ofegam, que marcha aquela!</p> <p>dentro da noite, Coluna,</p> <p>dentro da noite, uma vela.</p> <p><i>Estrada cruel</i></p> <p>Aqui começa a estrada</p> <p>que o povo chamou de cruel,</p> <p>doze léguas de chão seco</p> <p>só de espinhos e de fel.</p> <p>Espinheiro abraça a pedra</p> <p>plantada na terra nua </p> <p>desse abraço nascem flores </p> <p>ó vida que força a tua!</p> <p>Coroas-de-frade e só</p> <p>cactos, mandacarus,</p> <p>mais adiante umbuzeiros </p> <p>sem folhas e sem umbus.</p> <p>Chapadão entre as bacias</p> <p>do Verde e do Jacaré,</p> <p>por aqui marcha a Coluna</p> <p>desmontada, marcha a pé.</p> <p>Nem animais, nenhum pássaro</p> <p>ó água que falta fazes!</p> <p>Só répteis. Gitiranas</p> <p>que surpresa! os tons lilases.</p> <p>Já quando a noite era negra</p> <p>e impossível o caminhar</p> <p>ó lua-cheia no céu</p> <p>ó aguada neste lugar.</p> <p>Aqui Boca da Picada</p> <p>três léguas do Jacaré,</p> <p>Estrada Cruel, adeus</p> <p>outro caminho aqui é.</p> <p><i>Cem homens e um telegrama</i></p> <p>- É Mato Grosso deserto</p> <p>chamado Camapuã</p> <p>daqui a Coluna em duas</p> <p>deve partir amanhã.</p> <p>- São ordens do Comandante?</p> <p>- Sim, soldados, que a Coluna</p> <p>deve alcançar a fronteira</p> <p>da Bolívia. Necessário </p> <p>é despistar. E Siqueira</p> <p>Campos vai comandar</p> <p>essa missão derradeira.<a id="not80b"></a><a href="#not80a"><sup>80</sup></a> </p> <p>Enquanto isso, a Coluna</p> <p>numa defesa ligeira,</p> <p>deve alcançar a Bolívia</p> <p>e entrar na terra estrangeira.</p> <div class="center"> <p>* * *</p> </div> <p>- A Coluna passou por aqui?</p> <p>- Agorinha.</p> <p>- O que foi que comeu?</p> <p>- Carne-seca e farinha.</p> <p>- A Coluna passou por aqui?</p> <p>- E seguiu.</p> <p>- Muito longe?</p> <p>- Só seis léguas a fio...</p> <p>- A Coluna passou por aqui?</p> <p>- Se passou...</p> <p>- O que foi que levou?</p> <p>- Mosquetões.</p> <p>- Mosquetões do Exército?</p> <p>- Venderam ao patrão.</p> <p>- A Coluna passou por aqui?</p> <div class="center"> <p>* * *</p> </div> <p>Cem homens velozes</p> <p>de nuvem e de vento</p> <p>que pegues se podes</p> <p>pegar movimento!</p> <p>Legalista sujo</p> <p>sujo e peçonhento!</p> <p>Cem homens velozes</p> <p>de nuvem e de vento</p> <p>que pegues se podes</p> <p>pegar movimento!</p> <div class="center"> <p>* * *</p> </div> <p>O trem trafega no trilho</p> <p>extremo para o oeste.</p> <p>Estação Pires do Rio</p> <p>Eis que contra o trem, investe</p> <p>um Grupo ousado e armado,</p> <p>3º Destacamento</p> <p>e é trem tomado de assalto,</p> <p>cem homens de nuvem e vento.</p> <div class="center"> <p>* * *</p> </div> <p>- Soldados, marchar!</p> <p>rumo à Casa da Estação</p> <p>um telegrama a passar.</p> <p>(Presidente Washington Luiz</p> <p>Catete – Rio)</p> <p>"Antes deixar país</p> <p>fronteiras atravessar</p> <p>seus escravos governar</p> <p>votos Governo feliz.</p> <p>Casa da Estação</p> <p>assinado – Comandante</p> <p>da Missão".</p> <div class="center"> <p>* * *</p> </div> <p>Um Grupo ousado e armado</p> <p>3º Destacamento</p> <p>e o Paraguai alcançado.</p> <p>Cem homens de nuvem e vento.</p> <p><i>Marcha final</i></p> <p>Cavalos lentos</p> <p>lerdos suados</p> <p>olhos mortiços</p> <p>quase apagados.</p> <p>Homens de ferro</p> <p>curvos cansados.</p> <p>Os pés afundam</p> <p>no atoleiro</p> <p>caminho de visgo,</p> <p>o derradeiro.</p> <p>(Como resina</p> <p>de cajueiro)</p> <p>Bois também servem</p> <p>de montaria</p> <p>os cascos grossos</p> <p>na lama fria.</p> <p>Onde acampar</p> <p>no fim do dia?</p> <p>Ó Mato Grosso<a id="not81b"></a><a href="#not81a"><sup>81</sup></a></p> <p>rio Araguaia!</p> <p>copas de árvores </p> <p>de samambaia.</p> <p>Que é de o pouso antes</p> <p>que a noite caia?</p> <p>Cimo dos montes</p> <p>fogo e descanso</p> <p>aqui das tropas</p> <p>breve remanso.</p> <p>Que é de as caças,</p> <p>galos e gansos?</p> <p>Carne e palmito</p> <p>raro ou nenhum</p> <p>nem mais a sopa</p> <p>de jerimum.</p> <p>E a rapadura?</p> <p>Ai jatium!</p> <p>Ai muriçoca!</p> <p>que longe estás</p> <p>ó Carolina,</p> <p>a de Goiás</p> <p>do Tocantins,</p> <p>princesa. E mais</p> <p>as filarmônicas,</p> <p>flauta e pistom</p> <p>bombos, dobrados,</p> <p>longe teu som.</p> <p>Adeus palanque</p> <p>flauta e pistom.</p> <p>As vestes rotas,</p> <p>malas e linhos,</p> <p>que é de os mascates</p> <p>nos seus burrinhos?</p> <p>Que é de os ciganos?</p> <p>Ninguém. Sozinhos.</p> <p>Neste ano Vinte</p> <p>e Sete embarca,</p> <p>Rio Araguaia,</p> <p>Porto da Barca.</p> <p>Em Fevereiro</p> <p>já desembarca</p> <p>na outra margem</p> <p>em Capin Blanco,</p> <p>já é Bolívia,</p> <p>último arranco.</p> <p>(Armas depostas</p> <p>em Capin Blanco</p> <p>Depois La Gaiba<a id="not82b"></a><a href="#not82a"><sup>82</sup></a></p> <p>exílio teu)</p> <p>Coluna, quem </p> <p>quem te venceu?</p> <p>Ninguém, ó filha</p> <p>do povo meu.</p> </blockquote> <p>Canto de despedida</p> <blockquote> <p>I</p> <p>Adeus Coluna que pisas</p> <p>fronteiras de terra estranha</p> <p>o que vais buscar tão longe </p> <p>passando rio e montanha?</p> <p>Coluna de mil guerrilhas<a id="not83b"></a><a href="#not83a"><sup>83</sup></a></p> <p>sempre vence e nunca apanha</p> <p>manda a defesa buscar</p> <p>a tal distância tamanha</p> <p>garantias sem demora.</p> <p>Boa viagem!</p> <p>Soldado parte e não chora.</p> <p>II</p> <p>Que Bolívia e Paraguai</p> <p>te sejam pátria também</p> <p>as sombras de heróis antigos</p> <p>valem teus passos além </p> <p>e os braços desses dois povos,</p> <p>abertos te digam: vem </p> <p>estreitar lutas e ódios</p> <p>num mesmo dia que vem</p> <p>do Continente, ó aurora!</p> <p>Boa viagem!</p> <p>Soldado parte e não chora.</p> <p>III</p> <p>Que medida para medir</p> <p>os teus feitos de andarilha</p> <p>de vinte e seis mil quilômetros</p> <p>teu roteiro e tua trilha?</p> <p>Combates, cinquenta e três,</p> <p>sem cair numa armadilha.</p> <p>Vencidos foram dezoito</p> <p>Generais. Só de guerrilhas,</p> <p>mais de mil Brasil afora.</p> <p>Boa viagem!</p> <p>Soldado parte e não chora.</p> <p>IV</p> <p>Que medida para medir</p> <p>esse caminho de esperanças</p> <p>e lutas que abriu tão fundas </p> <p>sementeiras de lembranças</p> <p>e lições para teu povo?</p> <p>Coluna, tu és a herança</p> <p>que os pais transmitem aos filhos</p> <p>como <i>abc</i> de criança.</p> <p>Cartilha de toda hora.</p> <p>Boa viagem!</p> <p>Soldado parte e não chora.</p> <p>V</p> <p>Boa viagem, Coluna,</p> <p>que a planta deitou raízes</p> <p>no chão, na gente, no tempo,</p> <p>até quando? também dizes,</p> <p>cavalos e cavaleiros</p> <p>voaram como perdizes</p> <p>cem mil cavalos no lombo</p> <p>te levaram a outros países,</p> <p>Coluna. Até outra hora.</p> <p>Boa viagem!</p> <p>Soldado parte e não chora.</p> <p>VI</p> <p>Teu povo dizia adeus:</p> <p>até quando? em que dia?</p> <p>cavaleiro da esperança</p> <p>que libertar prometia.</p> <p>Teu povo agora te vê</p> <p>como outrora não te via</p> <p>do Partido Comunista</p> <p>olhos, mão, palavra, guia,</p> <p>Capitão. Até outra hora.</p> <p>Boa viagem!</p> <p>Soldado parte e não chora.</p> </blockquote> <div class="image"> <p><img src="images/a03img06.png" alt="Desenhos de Lasar Beijo 2" /></p> </div> </div> <div class="footer"> <p><a id="not001a"></a><a href="#not001b">*</a> PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. <i>Nossos poemas</i>. Salvador: Ed. Bahiana, 1942. 144 p. </p> <p><a id="not002a"></a><a href="#not002b">**</a> <i>Canção da partida</i>. São Paulo: Edições Gaveta, 1945. 1ª ed. 121 p.</p> <p><a id="not003a"></a><a href="#not003b">***</a> <i>Canção da partida</i>. Salvador: Fundação das Artes, 1990, 2ª ed. 77 p. </p> <p><i><a id="not004a"></a><a href="#not004b">****</a> POEMAS POLÍTICOS</i>. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1951. 87 p.</p> <p><a id="not005a"></a><a href="#not005b">*****</a> Passos, Jacinta. <i>A Coluna</i>. Rio de Janeiro: Ed. A. Coelho Branco F.º, 1957. 47 p.</p> <p><a id="not01a"></a><a href="#not01b">1</a> Este poema, ao contrário de todos os outros de <i>Momentos de poesia</i>, não está datado. Teria isso sido um lapso da edição, ou a ausência de data foi deliberada, nesse caso possivelmente para tornar "Poesia perdida" uma espécie de epígrafe de todo o livro? O poema foi escrito provavelmente em 1933. </p> <p><a id="not02a"></a><a href="#not02b">2</a> Este soneto foi publicado pela primeira vez na revista <i>O Malho</i>, Rio, ano XXXV, n<sup>o</sup> 180, 12 nov. 1936, demonstrando que Jacinta já buscava conexões fora do Estado. Foi reproduzido integralmente, como exemplo de poema bem resolvido, na coluna literária "Homens e Obras", de Carlos Chiacchio, no jornal <i>A Tarde</i>, Salvador, 6 de outubro de 1937. O renomado crítico baiano analisou poemas ainda inéditos da jovem poeta Jacinta Passos, que então usava o pseudônimo literário "Jacy Passos". O texto integral da crítica de Chiacchio está nesta edição. </p> <p> Uma outra Maria, bem diferente desta, foi tema do poema de Jacinta "Canção para Maria", escrito dezoito anos depois deste, e aqui reproduzido em "Poemas esparsos". </p> <p><a id="not03a"></a><a href="#not03b">3</a> Publicado em <i>O malho</i>, Rio, ano XXXV, n<sup>o </sup>185, 17 nov. 1936.</p> <p><a id="not04a"></a><a href="#not04b">4</a> Este poema foi publicado pela primeira vez na revista <i>A Ordem, </i>Rio de Janeiro, Ano XX, Vol. XXIV, jan./jul. 1940, p. 83-84. Na revista, estão assinalados local e data da criação do poema: "Baía, 26 de agosto de 1938". Foi o primeiro poema de Jacinta publicado fora da Bahia.</p> <p> Fundada no Rio de Janeiro pelo intelectual católico Jackson de Figueiredo, a partir da morte deste, em 1928, a revista <i>A Ordem </i>passou a ser dirigida pelo escritor católico Alceu de Amoroso Lima (Tristão de Athayde). O tema do poema, assim como seu local original de publicação, demonstram a religiosidade de Jacinta à época, bem como suas conexões no meio intelectual católico. </p> <p><a id="not05a"></a><a href="#not05b">5</a> "Comunhão" foi o primeiro poema publicado por Jacinta Passos na Bahia. Originalmente, foi editado no jornal <i>O Imparcial</i>, Salvador, em 17 março 1940, assinado por "Jacy Passos", integrando a página semanal da ALA (Ala das Letras e das Artes). No jornal, após o nome de Jacinta, está escrito: "Poetisa bahiana". E, ao final do poema: "Inédito para ALA". </p> <p> É o primeiro poema de Jacinta Passos que apresenta conteúdo social, seu foco deslocando-se do eu interior da poeta para sua comunhão com todos os outros seres humanos.</p> <p><a id="not06a"></a><a href="#not06b">6</a> <i> Campo Limpo</i>: nome da fazenda, em Cruz das Almas, BA, onde Jacinta nasceu e viveu até os 10 anos de idade, e para onde retornou várias vezes, durante a adolescência e a juventude. O Campo Limpo é um espaço simbólico importante na obra de Jacinta.</p> <p><a id="not07a"></a><a href="#not07b">7</a> Publicado pela primeira vez na revista católica <i>A Ordem</i>, Rio de Janeiro, jul./dez.1940, Ano XX, Vol. XXIV, p. 82. </p> <p><a id="not08a"></a><a href="#not08b">8</a> "Canção simples" foi republicado, em versão ligeiramente modificada, nos dois livros seguintes de Jacinta, <i>Canção da partida </i>e <i>Poemas políticos.</i> Conforme explicado em "Apuração do texto poético de Jacinta Passos", a versão publicada aqui é sempre a última revista pela autora: portanto, a destes últimos livros. O poema expressa, já em 1941, a extrema preocupação de Jacinta com a situação da mulher na sociedade brasileira. </p> <p><a id="not09a"></a><a href="#not09b">9</a> "Carnaval" foi republicado no jornal <i>O Imparcial</i>, Salvador, 12 de março de 1943, e em <i>Canção da partida</i> (1945). A versão aqui transcrita é a última. </p> <p><a id="not10a"></a><a href="#not10b">10</a> "Cantiga das mães" foi republicado, com pequenas alterações, nos dois livros posteriores de Jacinta, versão aqui reproduzida. </p> <p><a id="not11a"></a><a href="#not11b">11</a> Este é o mais autobiográfico dos poemas de Jacinta. É inspirado em suas experiências e em pessoas com quem conviveu durante a infância, vivida na Fazenda Campo Limpo – onde também nasceu -, e nas cidades vizinhas de Cruz das Almas, São Félix e Cachoeira, todas na região do Recôncavo baiano, bem como em algumas experiências da autora durante a adolescência e primeira juventude, vividas na cidade de Salvador. A maioria das referências é a lugares e pessoas que efetivamente existiram. Não por acaso Jacinta dedicou este poema ao irmão, seu companheiro das brincadeiras e da descoberta do mundo. </p> <p><a id="not12a"></a><a href="#not12b">12</a> A referência ao lobisomem aparece também no poema "O latifúndio", de <i>Poemas políticos</i>. </p> <p><a id="not13a"></a><a href="#not13b">13</a> Jacinta nasceu vinte e seis anos após o término da escravidão. Deve ter convivido com ex-escravos, na fazenda do pai, nas cidades do Recôncavo baiano e em Salvador, todos locais com alta concentração de população escrava, durante o século XIX. Cf. biografia de Jacinta Passos, nesta edição. </p> <p><a id="not14a"></a><a href="#not14b">14</a><i> Manoca o fumo</i>. Constrói uma espécie de boneca com as folhas de fumo, para fabricar o charuto. A economia da região de Cruz das Almas, onde Jacinta nasceu e passou a infância, baseava-se na produção de fumo de alta qualidade, para o fabrico de charutos. Havia fábricas de charutos na cidade, inclusive a famosa Suerdieck.</p> <p><a id="not15a"></a><a href="#not15b">15</a> Há outra referência a Venâncio em "Franco", texto jornalístico de autoria de Jacinta, reproduzido nesta edição.</p> <p><a id="not16a"></a><a href="#not16b">16</a> A madrinha e avó paterna da autora chamava-se Jacintha Velloso Passos. O nome da neta foi homenagem à avó. </p> <p><a id="not17a"></a><a href="#not17b">17</a> Dade, empregada no Campo Limpo, ajudou a criar Jacinta e seus quatro irmãos. Ela aparece também em "Elegia das quatro mortas", do livro <i>Poemas políticos</i>.</p> <p><a id="not18a"></a><a href="#not18b">18</a> Referência à mudança da família Passos, em 1926, para a cidade de São Felix, à beira do rio Paraguassu, em frente à cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano.</p> <p><a id="not19a"></a><a href="#not19b">19</a> Nomes de irmãs e primo de Jacinta.</p> <p><a id="not20a"></a><a href="#not20b">20</a> <i> Bahia</i>. Nome pelo qual a cidade de Salvador era (e ainda é) conhecida entre baianos. Esta estrofe, como as anteriores, remete à mudança de Jacinta e família do interior do estado para Salvador. </p> <p><a id="not21a"></a><a href="#not21b">21</a> <i> Elevador</i>. Referência ao Elevador Lacerda, obra imponente inaugurada em 1873, para interligar as cidades baixa e alta de Salvador.</p> <p><a id="not22a"></a><a href="#not22b">22</a> <i> Tomásia de Queiroz</i>. Começou a trabalhar na casa da família Passos no final da década de 1910, aos 11 anos de idade, e aí permaneceu até morrer, octogenária, em 1980. </p> <p><a id="not23a"></a><a href="#not23b">23</a> Em 1927, Manoel Caetano, pai de Jacinta, foi eleito deputado estadual. Seria novamente eleito em 1934 e em 1946.</p> <p><a id="not24a"></a><a href="#not24b">24</a> <i> Ladeira do Hospital.</i> Nome popular da rua Frei Henrique, em Nazaré, onde, com recursos provenientes da venda da Fazenda Campo Limpo, Manoel Caetano mandou construir um sobrado, para abrigar a família. Jacinta viveu muitos anos neste sobrado, durante o final da infância, a adolescência, a juventude e alguns anos da maturidade.</p> <p><a id="not25a"></a><a href="#not25b">25</a> <i> Triunfo</i>. Bar elegante, onde eram servidos quitutes e bebidas, ponto de encontro masculino na Praça da Sé, em Salvador. O pai de Jacinta costumava frequentá-lo. </p> <p><a id="not26a"></a><a href="#not26b">26</a> <i> Bernadete, Regina, Minervina, Conceição</i>. Nomes de serviçais da família Passos, no interior do Estado e em Salvador.</p> <p><a id="not27a"></a><a href="#not27b">27</a> Há outra referência de Jacinta ao mesmo Manuel, no texto jornalístico "O povo não pode mais ser enganado", reproduzido nesta edição.</p> <p><a id="not28a"></a><a href="#not28b">28</a> Canção da partida" foi republicado, sem alterações, em <i>Poemas políticos</i>, livro seguinte de Jacinta.</p> <p><a id="not29a"></a><a href="#not29b">29</a> A versão aqui adotada de "Três canções de amor" é a do livro <i>Poemas políticos, </i>onde foi republicado, com alterações muito pequenas.</p> <p><a id="not30a"></a><a href="#not30b">30</a> Sob o título de "Pânico burguês", somente a primeira estrofe deste poema foi republicada no livro seguinte de Jacinta, <i>Poemas políticos. </i>A dedicatória foi suprimida.</p> <p><a id="not31a"></a><a href="#not31b">31</a> Este poema foi republicado, após a morte da autora, na <i>Revista da Bahia</i>, Salvador, nº 15, dez. 1989 / fev. 1990, p. 123.</p> <p><a id="not32a"></a><a href="#not32b">32</a> Com algumas alterações este poema foi republicado em <i>Poemas políticos</i>, versão aqui adotada.</p> <p><a id="not33a"></a><a href="#not33b">33</a> Republicado em <i>Poemas políticos</i>.</p> <p><a id="not34a"></a><a href="#not34b">34</a> Trata-se de empregadas domésticas da família Passos, no Recôncavo e em Salvador.</p> <p><a id="not35a"></a><a href="#not35b">35</a> Republicado em <i>Poemas políticos</i>, versão aqui reproduzida. A dedicatória só foi publicada na edição original.</p> <p><a id="not36a"></a><a href="#not36b">36</a> Este poema foi republicado no jornal <i>O Momento</i>, Salvador, 11 de Junho de 1945, e no livro <i>Poemas políticos</i>, em versão aqui adotada. </p> <p><a id="not37a"></a><a href="#not37b">37</a>, à época intelectual comunista, residente em Salvador e já de grande sucesso, era amigo de Jacinta; ambos escreviam para o jornal <i>O Imparcial</i>. A partir de 1945, Jacinta tornou-se cunhada de Jorge, ao se casar com o irmão dele, James Amado. Cf. biografia de Jacinta Passos, nesta edição. </p> <p><a id="not38a"></a><a href="#not38b">38</a> Este poema foi publicado pela primeira vez na revista <i>Seiva</i>, Salvador, Ano V, Nº 18, Julho 1943, p. 10 a 13, e republicado no jornal <i>O Imparcial</i>, Salvador, 1<sup>o</sup> de Agosto de 1943, Suplemento, p.3. No jornal, a dedicatória não aparece. A versão do poema publicada em <i>O Imparcial </i>e em <i>Seiva </i>é a mesma, e difere desta. Naquela versão, está indicado que o poema foi escrito em Cruz das Almas.</p> <p><a id="not39a"></a><a href="#not39b">39</a> Este poema foi publicado primeira vez, com outra versão, na revista cultural <i>Seiva</i>, Salvador, Ano IV, Nº 15, dezembro 1942, p. 12 e 13. </p> <p><a id="not40a"></a><a href="#not40b">40</a> Completam o livro <i>Canção da partida </i>os seguintes poemas, republicados do livro anterior: Cantiga das mães, p.75, Carnaval, p.71 e Canção simples, p.66. </p> <p><a id="not41a"></a><a href="#not41b">41</a> Este poema foi republicado, em vida da autora, na revista <i>Violão de rua</i>, edição extra, 1963, p.86-88. Não se sabe se Jacinta, então vivendo em Sergipe, tomou conhecimento da edição.</p> <p><a id="not42a"></a><a href="#not42b">42</a> <i> Vinte e dois. </i>Referência ao ano de 1922, quando foi fundado o Partido Comunista Brasileiro (PCB).</p> <p><a id="not43a"></a><a href="#not43b">43</a> <i> Tenho uma irmã rica</i>. Referência à burguesia.</p> <p><a id="not44a"></a><a href="#not44b">44</a><i> Teu avô, o velho rei caduco</i>. Referência à aristocracia e à monarquia.</p> <p><a id="not45a"></a><a href="#not45b">45</a><i> Vinte e três anos</i>. 23 anos após sua fundação, em 1945, o PCB foi legalizado. </p> <p><a id="not46a"></a><a href="#not46b">46</a> <i> Coluna</i>. A chamada "Coluna Prestes", marcha de um grupo de pessoas, durante dois anos, por 13 Estados brasileiros, contra a República Velha e seus governantes; foi liderada, entre outros, por Luiz Carlos Prestes, que à época ainda não era comunista. Ver <i>A Coluna</i>, quarto livro de poemas de Jacinta, integralmente dedicado ao tema, reproduzido nesta edição. </p> <p><a id="not47a"></a><a href="#not47b">47</a> <i>Aliança</i>. Aliança Nacional Libertadora (ALN), frente ampla contra o fascismo e o imperialismo. Fundada em 1935 e neste mesmo ano posta na ilegalidade, foi liderada pelos comunistas, mas dela participavam também socialistas, católicos e democratas, preocupados com o avanço internacional e interno do fascismo.</p> <p><a id="not48a"></a><a href="#not48b">48</a> <i> 1935</i>. Data da rebelião militar liderada pelos comunistas que, planejada para explodir em todo o Brasil em novembro de 1935 e tomar o poder, eclodiu apenas, e de forma muito tímida, em Natal, Recife e Rio de Janeiro, sendo rapidamente esmagada. Seus líderes, inclusive Prestes, foram presos.</p> <p><a id="not49a"></a><a href="#not49b">49</a> Esta estrofe refere-se à Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e à participação do Brasil nela, via Força Expedicionária Brasileira (FEB). </p> <p><a id="not50a"></a><a href="#not50b">50</a> A estrofe canta o final da Segunda Guerra mundial e, no Brasil, o fim da ditadura do Estado Novo em 1945, assim como a grande popularidade alcançada, neste ano, pelo PCB e por Luiz Carlos Prestes, libertado da prisão. </p> <p><a id="not51a"></a><a href="#not51b">51</a> <i> Quinze cadeiras</i>. Referência ao número de cadeiras (14 deputados e um senador) conquistadas pelo PCB na Assembléia Nacional Constituinte de 1946. </p> <p><a id="not52a"></a><a href="#not52b">52</a> Todo o Canto I de "As fúrias e a carta" refere-se, de forma crítica, à aliança entre o imperialismo e a burguesia nacional, que é a narradora deste canto. O PCB, a partir do chamado "Manifesto de Agosto", de 1950, radicalizou posições, pregando o final da política de alianças com outros setores e a luta armada contra o latifúndio e o capital estrangeiro.</p> <p><a id="not53a"></a><a href="#not53b">53</a> Os dois cantos de "As fúrias e a carta" foram publicados pela primeira vez no jornal <i>O Momento</i>, Salvador, 17 de dezembro de 1949, p. 5 e 6. O segundo canto exalta greves e movimentos populares da época.</p> <p><a id="not54a"></a><a href="#not54b">54</a> O coral celebra o trabalho desenvolvido pelo PCB à época, sobretudo na área rural. </p> <p><a id="not55a"></a><a href="#not55b">55</a> Este poema, em versão ligeiramente diferente, foi lido por Jacinta na sessão de encerramento do III Congresso Brasileiro de Escritores, em Salvador, 1950. Cf. suplemento <i>Congresso Brasileiro de Escritores</i>, s.d.</p> <p><a id="not56a"></a><a href="#not56b">56</a> <i> Olga</i>. Olga Benario (1908-1942), alemã e judia, desde muito cedo ligada aos comunistas. Muito jovem, fugiu com o namorado e líder comunista Otto Braun da Alemanha para a URSS, onde recebeu treinamento militar. Em 1934, foi encarregada de acompanhar Luiz Carlos Prestes, foragido na União Soviética, de volta ao Brasil, e de protegê-lo. Durante a viagem de navio, os dois se apaixonaram. Viveram clandestinamente no país, mas, após a derrota da Revolta de 1935, liderada pelos comunistas, Prestes foi preso, e Olga, grávida, foi deportada por Getúlio Vargas para a Alemanha. Lá, na prisão, deu à luz, em 1936, à filha, Anita Leocádia, entregue à avó paterna. Transferida em 1938 para um campo de concentração nazista, Olga Benário foi executada numa câmara de gás.</p> <p><a id="not57a"></a><a href="#not57b">57</a> <i> Zélia</i>. Zélia Magalhães, militante comunista. Durante violenta repressão do governo Dutra a um comício organizado pelos comunistas na Esplanada do Castelo, centro do Rio, em novembro de 1949, Zélia, que estava grávida, foi morta por um tiro da polícia. </p> <p><a id="not58a"></a><a href="#not58b">58</a> <i>Dade</i>. Empregada doméstica na residência da família Passos, Dade é citada também no poema "Canção da partida", do livro homônimo: <i>Dade na fonte,/ Dade na lenha,/ dez filhos deu a mundo,/ está plantando roça,/está na casa da farinha,/criou cinco filhos brancos/e depois morreu sozinha.</i>/ Neste "Elegia das quatro mortas", Jacinta traz a figura anônima de Dade para junto de três mulheres que, à época, eram heroínas da esquerda brasileira. </p> <p><a id="not59a"></a><a href="#not59b">59</a> <i> Angelina</i>. Angelina Gonçalves, tecelã, morta a tiros pela polícia em 1º de maio de 1950, na cidade de Rio Grande, RS, durante comício organizado pelo PCB. Angelina retomara a bandeira do Brasil que a polícia arrancara dos manifestantes. Tinha 30 anos.</p> <p><a id="not60a"></a><a href="#not60b">60</a> Fragmento deste poema foi publicado na revista <i>Violão de rua</i>, edição extra, s.d., p. 89-90. </p> <p><a id="not61a"></a><a href="#not61b">61</a> Estranhamente, o poema parece prenunciar o afastamento entre Jacinta e sua filha Janaína, a Jana, que efeteivamente aconteceu, a partir do final de 1951. Cf. biografia de Jacinta Passos, neste volume.</p> <p><a id="not62a"></a><a href="#not62b">62</a> Completam <i>Poemas políticos </i>os seguintes poemas, republicados dos livros anteriores: Canção da partida p. 85, Três canções de amor p. 96, Pânico no planeta Marte (com o título Pânico burguês) p. 99, Cantiga de ninar p. 111, Diálogo na sombra p. 112, Chiquinha p. 115, Canção da liberdade p. 121, Cantiga das mães p. 75 e Canção simples p. 66.</p> <p><a id="not63a"></a><a href="#not63b">63</a> <i> Coluna de fogo. </i>Para explicitação dessa imagem, cf. o ensaio "A coluna de fogo", de Ildásio Tavares, nesta edição. </p> <p><a id="not64a"></a><a href="#not64b">64</a> <i> Santo Ângelo de onde vim</i>. Referência à cidade de Santo Ângelo, na região das antigas Missões jesuíticas, oeste do Rio Grande do Sul, onde em 1924 eclodiu o primeiro levante gaúcho contra o governo federal, liderado por Luiz Carlos Prestes, que também era gaúcho. </p> <p><a id="not65a"></a><a href="#not65b">65</a> Referências críticas da autora às autoridades que, nos locais por onde passava a Coluna, em geral lhe davam combate: autoridades judiciais (juiz, escrivão), políticas (intendente, ou seja, prefeito, e "coronel", chefe político municipal) e religiosas (padre), além de seus "cães de fila", isto é, homens armados – jagunços – que combatiam sob as ordens dos coronéis e políticos locais. </p> <p><a id="not66a"></a><a href="#not66b">66</a> Nascido em 1898 em Porto Alegre, engenheiro militar formado no Rio de Janeiro, o jovem Luiz Carlos Prestes dera apoio ao movimento paulista de 1924, de oposição ao governo federal. Em 1925, liderou rebeliões militares no Rio Grande do Sul contra o governo de Arthur Bernardes e a República Velha, indo depois unir-se no Paraná às forças remanescentes da revolta paulista de 1924, para formar o que ficou conhecido na história como "Coluna Prestes". A participação na Coluna tornou Prestes figura muito conhecida em todo o Brasil. Apenas em 1934, quando já morava na URSS, ele ingressaria no Partido Comunista Brasileiro.</p> <p><a id="not67a"></a><a href="#not67b">67</a> Após vencer muitos combates no Rio Grande do Sul, sob o comando geral de Isidoro Dias Lopes e de homens como Juarez Távora, Siqueira Campos, João Alberto e Luiz Carlos Prestes, os rebelados rumaram do Rio Grande do Sul para o Paraná, para ali se unir aos revoltosos paulistas, chefiados por Miguel Costa.</p> <p><a id="not68a"></a><a href="#not68b">68</a> Os combates em Santa Catarina foram renhidos. Na localidade de Maria Preta, as forças legalistas se confudiram, atacando-se mutuamente, no chamado "fogo amigo".</p> <p><a id="not69a"></a><a href="#not69b">69</a> O militar Miguel Crispim da Costa Rodrigues participara do levante paulista que, em 1924, sob o comando do general Isidoro Dias Lopes, insurgira-se contra o governo do presidente Arthur Bernardes. Após tomarem S.Paulo por algumas semanas, três mil rebeldes paulistas foram obrigados a se retirar para o Paraná, onde, em 1925, receberam reforço de tropas insurgentes do Rio Grande do Sul. No encontro do Paraná, Prestes foi feito chefe do estado-maior da Coluna; os quatro destacamentos eram chefiados por João Alberto, Siqueira Campos, Djalma Dutra e Cordeiro de Farias. </p> <p><a id="not70a"></a><a href="#not70b">70</a> Do Paraná, a Coluna entrou no Paraguai, rumo a Mato Grosso. No total, percorreu 13 estados brasileiros.</p> <p><a id="not71a"></a><a href="#not71b">71</a> O general Isidoro Dias Lopes rumou sozinho para a Argentina.</p> <p><a id="not72a"></a><a href="#not72b">72</a> O 1º Batalhão Ferroviário, situado em Santo Ângelo, oeste do Rio Grande do Sul, foi o primeiro a insurgir-se no Estado, seu comando passando então ao rebelde Luiz Carlos Prestes. Após vários combates no sul, os destacamentos rebeldes gaúchos seguiram para Foz do Iguaçu, para ali se encontrar com os insurgentes paulistas. Percebe-se que a ordem seguida por Jacinta na disposição dos cantos é a poética, não a cronológica.</p> <p><a id="not73a"></a><a href="#not73b">73</a> O combate em Teresina, assim como outros ocorridos no Piauí, foi dos mais difíceis para os rebeldes.</p> <p><a id="not74a"></a><a href="#not74b">74</a> Trata-se do padre Aristides Ferreira da Cruz, chefe político tradicional de Piancó, Paraíba, que, auxiliado por forças armadas privadas, opôs forte resistência à Coluna Prestes e acabou sendo morto. </p> <p><a id="not75a"></a><a href="#not75b">75</a> Após atravessar o rio São Francisco, em Pernambuco, próximo à cachoeira de Paulo Afonso, a Coluna entrou no sertão da Bahia.</p> <p><a id="not76a"></a><a href="#not76b">76</a> Horácio de Matos, poderoso coronel de origem goiana fixado no sertão da Bahia, organizou um batalhão de 600 homens para perseguir os revoltosos da Coluna.</p> <p><a id="not77a"></a><a href="#not77b">77</a> No original, esta e as demais estrofes da canção de ninar estão entre aspas. </p> <p><a id="not78a"></a><a href="#not78b">78</a> No original, a primeira e a última estrofes estão entre parêntesis, provavelmente por invocarem quadrinha popular.</p> <p><a id="not79a"></a><a href="#not79b">79</a> <i>Potreadas. </i>Investidas feitas por alguns membros da Coluna, que se afastavam dos outros para saquear e arrebanhar animais, a fim de alimentar e transportar os rebeldes. </p> <p><a id="not80a"></a><a href="#not80b">80</a> Com homens cansados, sedentos e famintos, e já sem perspectiva de vitória contra o governo federal, os chefes da Coluna optaram por ingressar em território estrangeiro e aí dispersar-se; parte entrou na Bolívia, parte no Paraguai.</p> <p><a id="not81a"></a><a href="#not81b">81</a> Após atravessar o Mato Grosso pela segunda vez é que a Coluna optou pelo ingresso em território estrangeiro.</p> <p><a id="not82a"></a><a href="#not82b">82</a> La Gaiba foi o local boliviano onde Prestes e mais duzentos homens se exilaram. </p> <p><a id="not83a"></a><a href="#not83b">83</a> O constante emprego da tática de guerrilhas foi um dos maiores trunfos militares da Coluna.</p> </div> </div> </body> </html>