Poemas esparsos
SÃO POEMAS de Jacinta Passos não publicados em livros, mas em jornais e revistas, onde foram pesquisados. É bastante provável que novas pesquisas revelem a existência de mais poemas e textos em prosa da autora, dispersos por publicações de caráter literário ou político, algumas provavelmente de circulação regional, restrita e inconstante. A inclusão nesta edição dos poemas esparsos visa servir como subsídio ao estudo do conjunto da produção literária de Jacinta Passos.
Meu sonho
O meu sonho
mais risonho,
é suave e pequenino,
resumindo, entretanto, o meu destino.
É de cor azul-escuro
como o mar que longe chora.
É cor de infinito e de ânsia,
cor de céu, cor de mar, cor de distância.
Tem a leve suavidade
da saudade,
e a cantante doçura
de um regato que murmura.
Macio e encantador,
é carícia de pluma e perfume de flor.
O meu sonho
mais risonho
é para mim, cada momento,
o motivo maior de doce encantamento.1
Sacerdócio
Para D. Beda O.S.B.2
Fora do espaço e do tempo,
vejo todos os seres integrados no Ser infinito.
Vejo a realidade eterna da vida divina
na Trindade Santíssima
- o Pai exprimindo, sem início e sem fim,
a plenitude absoluta do Ser
no Verbo incriado,
imagem perfeita da suma perfeição,
e o Filho se entregando inteiramente ao Pai,
no espírito do amor.
Vejo a comunicação da vida infinita.
- O Verbo feito carne.
O homem, concentrando toda a criação
e o Filho do Homem continuando o sacerdócio eterno.
Vejo os sacerdotes marcados com o sinal sagrado,
consagrando a oferta de todos os homens,
oferecendo ao Pai o dom absoluto do Filho Encarnado,
integrando todos os seres na vida infinita
de Deus.3
Canção para Maria
Por que estás triste, Maria,
como noite sem espera,
por que estás triste, Maria,
que eu vi no porto de Santos
e nos campos da Bahia?
Tua fala me responde:
sete e sete são quatorze,
caranguejo peixe é,
como custa ai! como custa
de remar contra a maré.
Vamos, Maria, vamos,
o mundo é céu, terra e mar.
Não tenho pena e consolo,
nem fuga para te dar.
Tua sorte será feita
com o poder de tua mão,
se vence fera e doença,
também fome e solidão,
se vence até a loucura
com o poder de tua mão.
Amanhã vamos à lua
diz a ciência: por que não?
se vence governo e polícia,
ó Maria,
com o poder de tua mão.
Vamos, Maria, vamos,
o mundo é céu, terra e mar.
Eu já vejo amanhecendo
tão belo, no seu olhar.
Tão real como teres pés
é a fala do velho Stalin,
é o novo mundo chinês.
Tão certo como um provérbio
que a boca do povo fez.
A paz não chega de graça
como chuva cai do céu.
Quanto suor, pensamento,
quanta bravura escondida,
Maria, neste momento.
Tua sorte é de teu povo,
ninguém pode separar.
Sou povo, não sou cativo,
Quitéria pegou nas armas,
Zumbi foi um negro altivo,
pelas mãos deste pracinha
foi Hitler queimado vivo,
ó senhor americano,
sou povo, não sou cativo:
teu poder? Era uma vez
histórias da carochinha
e jugo do português.
Verdade tão verdadeira
nem precisa se enfeitar.
Vamos, Maria, vamos,
o mundo é céu, terra e mar.4