Elaps ezequieli e Rhinostoma bimaculatum, cobras novas do estado de Minas Gerais*
Entre as cobras do posto ofídico do Instituto Oswaldo Cruz, em Belo Horizonte, foram descobertas pelo Dr. Oswaldo de Mello quatro espécies novas, duas das quais já foram descritas na Folha Médica, n.13, p.117, do corrente ano; as outras fazem o assunto desta comunicação:
Elaps ezequieli n. sp.
Desta espécie temos apenas um exemplar, mandado em 1919 de Caxambu, na Serra da Mantiqueira, estado de Minas Gerais. Parece tratar-se de uma fêmea.
Na chave de Boulenger, esse exemplar entra no grupo III, divisão B, parágrafo c, com E. mipartitus e fraseri, dos quais se distingue facilmente. Pelo desenho se aproxima mais de Marcgravi, mas falta o temporal anterior e são mais numerosos os grupos de anéis.
Boulenger, depois da publicação de seu Catalogue of Snakes, descreveu E. rosenbergi (Equador), simonsi (Argentina) e omissus (Venezuela), e Amaral descreveu E. fischeri (estado de São Paulo, Serra da Bocaina). Há ainda algumas formas duvidosas da América Central.
Apenas fischeri e simonsi se aproximam de ezequieli. Todavia são separados por caracteres anatômicos: presença de temporal anterior e sinfisial em contato com os mentais anteriores. Para uma apreciação das outras diferenças e semelhanças compare-se a descrição mais minuciosa da nova espécie, que damos em seguida:
Comprimento do olho cerca da metade de sua distância da fenda bucal. Rostral mais alto do que largo, sua porção visível de cima pouco mais longa que a metade de sua distância do frontal. Internasais pouco mais largos do que compridos, tão longos quanto os pré-frontais. Frontal mais comprido do que largo, mais curto que os parietais, que são menos compridos do que a sua distância da extremidade do focinho. Pré-ocular 1, em contato com o nasal posterior, pós-oculares 2, o superior um pouco maior. Temporal anterior ausente, temporal posterior 1. Supralabiais 7; o 3° e o 4° em contato com a órbita, aquele apenas por um ponto e este por todo o bordo superior; o 6° muito maior do que os outros e em contato com o parietal, o 7° bem desenvolvido.
Sinfisial separado dos mentais anteriores. 4 infralabiais em contato com os mentais anteriores, que são mais curtos que os posteriores.
Escamas em 15 séries. Escudos ventrais 226. Escudo anal dividido. Subcaudais 22 pares. Corpo avermelhado, com 15 grupos de anéis pretos, dispostos aos três; o central muito mais largo, separado dos dois marginais por anéis brancos, sem manchas; os anéis vermelhos que separam os grupos são salpicados de negro na face dorsal e imaculados na face ventral. O grupo anterior é constituído somente por dois anéis pretos, faltando o primeiro, que é reduzido a algumas manchas pretas. A face dorsal da cabeça é, na parte anterior, preta luzidia, com faixa branca semilunar, côncava anteriormente, ocupando os pré-frontais, o nasal posterior e o segundo supralabial de cada lado, invadindo, em cima, a margem anterior do frontal e a dos internasais, e, lateralmente, a margem anterior do supraocular, a metade anterior do pré-ocular e a borda anterior do terceiro supralabial. A parte posterior da cabeça é vermelha, com manchinhas negras, das quais duas maiores no ápice dos parietais. Embaixo, a cabeça é vermelha, salpicada de negro, o sinfisial e o primeiro infralabial tingidos de preto. Um colar estreito, de branco puro, separa a cabeça do corpo. A cauda apresenta a mesma cor que o corpo, com o ápice negro.
Comprimento total 670, comprimento da cauda 40 mm.
Esta espécie é dedicada ao saudoso Dr. Ezequiel Dias, fundador e ex-diretor da Filial de Belo Horizonte, onde organizou o serviço de defesa ofídica do estado de Minas Gerais.
Rhinostoma bimaculatum n. sp.
Dentes maxilares sub-iguais, 10 + 2. Dentes mandibulares sub-iguais. Olho pequeno. Pupila vertical, elíptica.
Focinho curto, de contorno anterior parabólico, obliquamente virado para cima. Face inferior do rostral mais extensa do que a dorsal, que possui uma carena longitudinal obtusa. Internasais mais largos do que compridos e mais curtos do que os pré-frontais. Comprimento frontal maior do que a sua largura, igual à sua distância da extremidade do focinho e ao comprimento dos parietais. Frenal ausente. Pré-ocular 1, muito menor do que o supraocular, que é muito estreito e tem um comprimento igual à metade do frontal. Pós-oculares 2. Temporais 2+2. Supralabiais 8, o 3°, o 4° e o 5° em contato com a órbita, o 2° e o 3° com o pré-frontal; 4 infralabiais em contato com os mentais anteriores, que são tão longos quanto os posteriores. Escamas lisas, com fossetas apicais, em 19 séries longitudinais. Ventrais 164. Anal inteiro. Subcaudais 40 pares (os últimos indistintos). Cauda afilada.
Corpo avermelhado em cima, atrás do pescoço há 2 manchas de 5 mm de largura por 10 mm de comprimento, formadas por 4-5 séries de escamas enegrecidas e separadas pela série mediana dorsal de escamas.
Escamas do dorso com ápice enfuscado. Ventre, partes laterais (3-4 séries de escamas) e supralabiais de um branco puro. Cauda da mesma cor que o corpo.
Comprimento total 510 mm. Comprimento da cauda 75 mm.
Procedência: Pirapora. Pertence à Filial Belo Horizonte.
Esta espécie se distingue facilmente de R. guianense e vittatum pela ausência de frenal. É muito próxima de R. iglesiasi, da qual se separa por ter 3 supraoculares em contato com a órbita e 2 temporais anteriores.
Damos em seguida um quadro dos caracteres diferenciais das quatro espécies do gênero Rhinostoma.
Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1922.
Explicação das figuras
Fig. 1-4 – Elaps ezequieli.
Fig. 1 – Aspecto dorsal.
Fig. 2 – Aspecto lateral.
Fig. 3 – Aspecto ventral.
Fig. 4 – Cauda, aspecto ventral.
Fig. 5-7 – Rhinostoma bimaculatum.
Fig. 5 – Aspecto dorsal.
Fig. 6 – Aspecto ventral.
Fig. 7 – Aspecto lateral.
Bibliografia
1) BOULENGER, 1896. Catalogue of Snakes of the British Museum.
2) BOULENGER, 1898. Elaps Rosenbergi, em Proc. Zool. Soc., London, p.117.
3) BOULENGER, 1902. Elaps Simonsi, em Ann. Mg. Nat. Hist., s.7, v.9, p.338.
4) BOULENGER, 1920. Elaps. omissus, em Ann. Mg. Nat. Hist. s.9, v.6, p.198.
5) AMARAL, 1921. Elaps Fischeri, em Anexos Mem. Butantan, v.1, f.I, p.15. RR.
6) GUENTHER, 1902. Biologia Centrali-Americana.
7) GOMES, Florêncio, 1915. Rhinostoma Iglesiasi, em Coletâneas dos Trabalhos de Butantan, de 1901-1917, p.270.