Notas sobre espécies brasileiras do gênero Bufo*

Os sapos verdadeiros do gênero Bufo são quase cosmopolitas e representados no Brasil por oito ou mais espécies já descritas, entre os quais há uma das maiores. Conhecem-se facilmente pela pele seca e áspera, cheia de verrugas, as extremidades curtas, que não permitem saltos grandes, os hábitos terrestres e as cores pouco vivas. Caracteres adicionais e mais seguros são a ausência completa de dentes, língua livre posteriormente em grande extensão, tímpano distinto, glândula parótida quase sempre fácil de ver-se e freqüentemente muito grande, dedos sem discos, membranas interdigitais plantares moderadamente desenvolvidas. Muitas espécies são caracterizadas por cristas ósseas na face superior da cabeça, que ajudam a distinguir as espécies.

Ao contrário das rãs verdadeiras, os sapos têm a pele seca. No dorso as glândulas mucosas parecem menos importantes do que as glândulas granulosas. A epiderme tende à cornificação e certamente não perde muita água, o que explica por que os sapos podem viver tanto tempo sem estar em contato com ela. Os dedos das mãos e pés podem ter as pontas pretas e córneas, as palmas e as plantas freqüentemente mostram um induto igual; além disso, há também grande número de papilas córneas que podem aparecer em ambos os sexos em forma de pontos pretos.

A maioria das espécies mostra inclinação para variar e seus dois sexos podem diferir completamente, observando-se também formas melânicas. Além disso, cada indivíduo pode mostrar mudanças temporárias de coloração, o que dificulta a determinação.

Os sapos de gênero Bufo são bastante protegidos pelas glândulas de veneno, a vida escondida e a coloração geral. A cor do lado dorsal lembra areia, argila ou terra. É verdade que pode haver, de preferência nas fêmeas, manchas claras que podem chamar atenção. As manchas pretas, bastante espalhadas, são muito menos conspícuas e as colorações decorativas, bastante raras, como em outros batráquios são localizadas de modo a ser escondidas no animal sentado. Que essas proteções nem sempre são suficientes mostra a observação de que um macho de Bufo marinus de 13 cm de comprimento e cor bastante escura foi encontrado no estômago de uma cobra (Xenodon merremii).

As espécies brasileiras já têm sido descritas várias vezes mais ou menos minuciosamente, sem todavia indicar-se especialmente os caracteres pelos quais se reconhecem mais seguramente e se distinguem uma das outras. Estes procurarei indicar, e discutir também duas espécies menos conhecidas. Convém indicar como se distinguem os dois sexos na coloração e nos desenhos de pele. Falarei somente de indivíduos quase ou completamente adultos, que freqüentemente mostram escovas nupciais no lado interno dos dois ou três primeiros dedos da mão dos machos. Conhecendo-se as espécies adultas que prevalecem nos mesmos lugares, os indivíduos menores serão facilmente reconhecidos, a menos que sejam completamente novos.

No gênero Bufo, como em outros batráquios, aparecem ocasionalmente indivíduos que excedem muito as medidas dos adultos aptos à procriação. Isso mostra que nos animais citados o crescimento não pára com a maturidade sexual, e que a duração da vida pode exceder muito a medida comum.

O nome Bufo compreende todos os sapos indígenas. Para algumas espécies foram estabelecidos outros nomes genéricos, que não eram bastante motivados e por isso não se conservaram.

Literatura

Parece supérfluo enumerar todas as publicações que citam sapos brasileiros. Limito-me à literatura mais importante desde o princípio do século XIX, que cita também publicações anteriores, difíceis de obter.

Dos autores que colecionaram no Brasil, menciono primeiro o príncipe de Wied (números 1 e 2 da Bibliografia); as descrições de Wied são referidas nas obras de conjunto. A grande obra de Spix contém estampas em cores, acompanhadas de curtas descrições latinas das supostas espécies por ele observadas que na realidade muitas vezes representam vários estados de idade e de sexo. Os desenhos são sofríveis, tanto que o permitiu o estado de conservação do material, mas as qualidades e os contornos das cores absolutamente não merecem confiança. A indicação do habitat ainda hoje é de grande importância para facilitar a determinação das espécies. O material original de Spix foi examinado, determinado e discutido depois de quase sessenta anos por Peters, o que aumenta consideravelmente o valor da obra de Spix. É claro que o material, embora bem guardado, ainda deve ter sofrido depois, mesmo que não tenha sido alterado já antes da publicação de Spix, o que é bastante provável. As determinações de Peters podem ser consideradas como correspondentes à orientação atual; contudo, podem ficar algumas dúvidas em relação a espécies ainda não bastante conhecidas naquele tempo.

O que chama muito a atenção nos desenhos de Spix é que alguns deles mostram um tamanho imprevisto, como por exemplo o de Bufo agua, Phyllomedusa bicolor e Bufo stellatus; também o de Rana gigas (Leptodactylus ocellatus) deve ter sido um indivíduo gigantesco, porque nem o autor, nem Peters falam em aumento dos animais representados.

De obras de conjunto tenho de relevar especialmente as seguintes: Duméril & Bibron, Guenther, Boulenger e Nieden. De diferentes sapos brasileiros trataram vários autores cujas publicações eu enumero em ordem cronológica. Aqueles que dão bibliografias detalhadas são marcados com um asterisco. Baseadas em observações próprias de animais vivos foram as comunicações de Hensel, Berg e Kati Fernandez; também Lutz, Miranda Ribeiro e Lorenz Mueller fizeram uso parcial de material vivo. Os outros autores basearam-se em material conservado.

Bibliografia1

1820. Wied, Maximilian. Reise nach Brasilien (1815-17).

1825-33. Wied, Maximilian. Beiträge zur Naturgeschichte von Brasilien.

1824. Spix, J. B. Animalia nova sive Species novae Testudinum et Ranarum, quas in Itinere per Brasiliam Annis 1817-20.

1834-54. Duméril & Bibron. Erpét. générale ou histoire naturelle complète des Reptiles, tome 9 et Atlas, Paris.

1858. Guenther, Albert. Cat. of the Batrachia slienta in the collection of the British Museum, London.

1861. Reinhardt, J. & Luetken, Ch. Bidrag til kundskab om Brasiliens Pader og Krybdyr in: Vidensk. Meddel, naturh. For., Kjöbenhavn.

1867. Hensel, Dr. Reinh. Archiv. für Naturgeschichte, Bd. I., Berlin.

1873. Peters. Ueber die von Spix in Brasilien gesammelten Batrachier, Berlin. Monatsber. der Koenigl. Preuss – Akad. d. Wiss. 1872.

*1882. Boulenger, G. A. Cat. of the batrachia salientia in the Collection of the British Museum, 2.ed., by George Albert Boulenger, London.

*1896. Berg, Carlos. Batrachios Argentinos. In: An. Mus. Buenos Aires, v.5, Juan & Alsino, Buenos Aires.

1917. Wandollek, Dr. B. Einige neue und weniger bekannte Batrachier von Brasilien (Leipzig).

1912. Baumann, Dr. R. Brasilianische batrachier des Berner Naturhistorischen Museums. Zool. Jahrb. Abt., f. Systematik, Jena.

1927. Mueller, Lorenz. Amph. U. Rept. D. Ausb. Prof. Bresslau's in Brasilien 191314. Sonderabdr. Aus den Abhandlungen der Senckenbergischen Naturforschenden Ges., Bd. 40, Heft 3.

1923. Nieden, Dr. Fr. Anura I. Das Tierreich, Bd. 46.

1926. Lutz, Dr. Adolpho. New species of Brazilian Batrachians. Preliminary note. Trabalhos do Instituto Oswaldo Cruz, Manguinhos, Rio de Janeiro.

1926. Miranda Ribeiro, Alipio. Notas sobre Gymnobatrachios (Anura), Rio de Janeiro.

1926. Fernandez, Kati. Sobre la Biologia y Reprodución de Batracios Argentinos (Segunda Parte). Del Boletin de la Academia Nacional de Ciencias en Córdoba, tomo XXIX, p.271-328.

Lutz, Dr. Adolpho. Notas sobre Batráquios da Venezuela e da Ilha de Trinidad, tomo XX, Fasc. (Gefolgt vom englischen Text, beide Texte auch separat).

Bufo marinus, paracnemis e arenarius

As três espécies que discutirei em primeiro lugar são B. paracnemis Lutz, B. marinus Schneider, e B. arenarius Hensel. Foram ocasionalmente confundidos, mas podem ser facilmente distinguidos. B. arenarius tem as parótidas pouco largas, mas muito compridas, sendo a extremidade inferior separada em várias partes alongadas ou redondas. Isso basta para distingui-lo do B. marinus; além disso, o B. arenarius tem as cristas cefálicas diferentes.

Tanto B. paracnemis como B. marinus têm as parótidas grandes e salientes, cuja metade anterior se alarga consideravelmente e mostra numerosos poros bem visíveis. Em B. paracnemis há também um complexo glandular no lado interno das pernas, que consiste em duas séries longitudinais de glândulas redondas, facilmente palpáveis; contêm uma secreção com a mesma toxicidade e com o mesmo aspecto de sebo, como a parótida, que pode facilmente ser expelida por pressão. A pele que cobre a paracnemis é geralmente uniformemente escura.

A glândula [da] paracnemis, a meu saber, não se encontra em outros batráquios; apenas no Bufo calamila da Europa observam-se complexos glandulares nas extremidades, mas neste caso a localização existe também nos antebraços.

Considerações sobre os sapos classificados sob o nome B. marinus (Schneider)

A literatura sobre os sapos registrados sob o nome Bufo marinus, com os sinônimos Bufo agua, Bufo ictericus e muitos outros, começou há perto de dois séculos e atualmente é tão vasta e difícil de obter como o exame dos tipos que serviram para as descrições. É pouco provável que esse trabalho viesse a dar um resultado adequado.

Na literatura mais moderna os autores concordam em aplicar o mesmo nome aos sapos procedentes da América do Sul (excluindo a Patagônia e os países transandinos), da América Central e também das Antilhas. Já na Erpétologie de Dumeril e Bibron tentou-se uma subdivisão considerando a variabilidade na forma das parótidas, mas a conclusão foi que esta, no presente caso, não tinha valor específico. Todavia os autores certamente reuniram mais de uma espécie.

Na Biologia Centrali-americana Guenther registra que os exemplares da América Central não atingem o tamanho enorme atribuído a outros exemplares, por exemplo, da Guiana.

Há mais de quarenta anos, nos bairros mais baixos da cidade de São Paulo, um dos sapos, classificados geralmente como Bufo agua ou marinus, era tão abundante que, depois de escurecer, podia ser apanhado em grande número debaixo das lanternas de gás, onde esperava os coleópteros lamelicórneos que procuravam a luz.

Estudando o Cystodiscus immersus que descobri na vesícula biliar destes sapos, e outros parasitos como o Echinorhynchus lutzii v. Linstow, observei talvez uma centena desses sapos, cujo tipo me ficou completamente familiar. Não se deve ter modificado nos últimos anos, porém em conseqüência de drenagem e outras alterações do terreno, os sapos tornaram-se muitos raros. Vi, todavia, o mesmo tipo em outros lugares, por exemplo em Pindamonhangaba, onde também apareceu em grande número debaixo das lanternas públicas. A mesma forma foi notada no estado do Rio Grande do Sul por Hensel, que salientou o dicroísmo sexual, aliás já notado por Duméril e Bibron, sem conhecimento de sua natureza. Prevalece ao sul da cidade do Rio de Janeiro, mas é também encontrado mais para o norte.

Em 1911 apanhei uma fêmea típica em Independência, estado de Paraíba, junto com Leptodactylus vastus Lutz. Numerosos sapos que tinha ocasião de examinar em Trinidad não se distinguiam absolutamente dos B. marinus do Sul do Brasil. Ao contrário do B. crucifer nunca vi o marinus nos jardins da capital, mas aparece já a poucas léguas de distância, por exemplo em Bangu.

Lorenz Mueller descreveu maior número de Bufo marinus, colhidos por Bresslau em vários lugares, mas todos pequenos ou meio crescidos. O que ele chama de Bufo marinus não está bastante definido. Prefiro chamar a forma, encontrada de preferência ao Sul do Trópico do Capricórnio, forma de Hensel. O seu comprimento pouco excede 12-13 cm.

Nesses últimos seis anos recebi pelo obséquio do Dr. Otávio Magalhães, diretor do Instituto Ezequiel Dias, em Belo Horizonte, maior número de sapos procedentes do estado de Minas Gerais. Pertenciam a duas espécies aparentemente novas, das quais em 1926 dei uma descrição preliminar, chamando-os B. paracnemis e B. rubescens. Notava-se uma ausência completa da forma de Hensel, geralmente abundante lá onde ocorre. B. paracnemis é muito maior, sendo o comprimento dos exemplares maiores de 18-19 cm contra 12-13 cm no marinus. As manchas escuras do paracnemis são geralmente mais numerosas, de modo a tornar a face dorsal mais uniforme.

Os machos, que seguiam geralmente o mesmo tipo, alcançavam pouco mais de 2/3 do comprimento das fêmeas. Os dois sexos mostravam na face dorsilateral interna da tíbia uma glândula longitudinal composta que chamo paracnemis, em analogia com a glândula parótida. A designação parotóide é um solecismo, já introduzido há tempo e copiado por muitos autores, mas que não deve ser conservado. As paracnemis que já se observam em exemplares novos, embora menos desenvolvidos, são características da espécie. As parótidas variam um pouco em tamanho e forma, mas são geralmente relativamente menores que no Bufo marinus. Em ambos têm uma forma ovalar especialmente larga e têm o eixo longitudinal oblíquo, principalmente em paracnemis.

Em 1928 tive a surpresa de constatar em Natal a existência de um Bufo paracnemis típico, e ultimamente o Dr. Afranio do Amaral me disse ter recebido do noroeste de São Paulo uns sapos que se pareciam com minha descrição do B. paracnemis. Teve a bondade de mandar-me em outubro e novembro de 1932 um material abundante de sapos vivos, procedente de muitos lugares do noroeste de São Paulo, também um de Minas e outros do oeste de Mato Grosso. De informações orais concluí que a espécie se estendia também ao Chaco, o que fica corroborado por um exemplar do Chaco, citado por Berg, que tinha o comprimento enorme de 19 cm. Este pode ser considerado extraordinário, mesmo para uma fêmea de paracnemis. Berg, talvez por causa do desenho e da cor considerou o exemplar como macho de marinus, o que deve ser um engano, porque o Bufo marinus nunca atinge esse tamanho. Ultimamente recebi do professor Salvador Mazza vários exemplares do norte da Argentina, região de Jujuy. Pedi ao professor Barbour, do Museu do Zoologia Comparativa em Boston, informações sobre os exemplares ali existentes de Bufo paracnemis. Reconheceu que lá havia as duas espécies mencionadas.

As informações de Benjamin B. Leavitt indicam que o Museu de Boston contém exemplares de Bufo paracnemis com os rótulos seguintes:

Ceará, Brasil;

Rio Poti, Brasil (Rio Grande do Norte);

São Gonçalo, Brasil (Rio Grande do Norte);

Januária, Brasil (Minas Gerais);

Minas Gerais, Brasil.

Ultimamente recebi de Dom Pedro Pickel material vivo do estado de Pernambuco, a saber, uma fêmea adulta de 700 gramas de peso e 17 cm de comprimento, colhida em Olinda, e alguns indivíduos meio crescidos de Tapera. Todos pertenciam individualmente a B. paracnemis.

Tudo leva a acreditar que o Bufo paracnemis ocupa uma zona transversal que passa do Ceará a Natal e Pernambuco sobre o norte da Bahia, Minas Gerais e noroeste de São Paulo até o Chaco e a província de Jujuy. Faltam informações sobre a ocorrência do paracnemis mais para o Norte da América Meridional, como também na América Central e nas Antilhas. Apenas da Guiana foram citados exemplares que pelo tamanho deviam pertencer antes ao B. paracnemis do que ao marinus. Também a figura, fornecida por Spix, de um Bufo agua do Rio Negro que atinge a largura extraordinária de 23 cm, pode referir-se a B. paracnemis. O mesmo vale para os exemplares grandes procedentes do Pará, citados por Baumann.

Os machos adultos podem ser diferenciados das fêmeas por vários caracteres: em primeiro lugar pela vesícula vocal mediana bastante larga, que se faz aparecer titilando a barriga, o que induz o macho em tempo de cio a cantar num tremolo baixo. A região gular é densamente pontilhada de escuro, chegando a ser negra. As verrugas glandulares, às vezes também seus intervalos, pelo menos no cio, são coroadas com pontas córneas negras em toda a face ventral, incluindo as extremidades, ficando a pele muito áspera ao contato. As manchas pretas são menores e menos intensas nas costas, mas a vermiculação negra da barriga é mais acusada.

Quase todos os machos são marmoreados como as fêmeas. Apenas de Santo Anastasio recebi dois machos que eram da cor mais uniforme pardo-olivácea, como é a regra para o Bufo marinus. Distinguiam-se, todavia, pela paracnemis bem destacada, e eram acompanhados por uma fêmea típica. Não estavam em tempo de cio e um deles não completamente adulto. O maior macho vivo tinha 14 cm de comprimento. As paracnemis eram muito grandes.

Além do tamanho e da paracnemis há outras distinções entre o Bufo paracnemis e o marinus do Sul. O primeiro parece relativamente mais largo, e o eixo longitudinal das parótidas é mais oblíquo, sendo o ângulo de divergência com o eixo do corpo maior. A cor tanto das manchas escuras como das claras é mais forte, e as dimensões são menores do que o comprimento da paracnemis. No B. paracnemis o número das manchas escuras é maior, e o tamanho é menor do que em marinus. Em ambas as espécies as cristas supra-orbitais não formam ângulo.

A paracnemis é geralmente fácil de verificar em indivíduos adultos, quando as glândulas componentes são cheias e deixam exprimir a secreção por pressão. Parece-se completamente com aquela da parótida. Em animais menores a paracnemis não é tão distinta, mas geralmente se pode verificar o conteúdo. Em outras espécies a pele da mesma região pode ser espessada, mas a pressão não fornece secreção.

Em princípio de outubro recebi do Dr. Nelson Davis um sapo de Pirajá (Bahia), cujo comprimento era de 162 mm, e o peso de 350 gramas. Tem a paracnemis bem acentuada. O dorso, a princípio quase uniformemente negro, depois mostrou manchas pretas bem largas sobre fundo claro (branco amarelado sujo ou esverdeado). Toda a face ventral do tronco, incluindo as extremidades, era coberta de vermiculações pretas e largas, lembrando exemplares de Leptodactylus pentadactylus. O tímpano, com o campo retrotimpânico, era preto. A crista parietal está excepcionalmente bem desenvolvida, e as pontas parecem ligadas para uma crista mais arredondada. O exemplar da Bahia, como também o de Olinda, mostra as manchas pretas muito maiores do que os indivíduos do estado de São Paulo. Assim se parecem mais com marinus, mas a sua determinação é garantida pela paracnemis bem acusada.

Variações e diferenças sexuais do Bufo marinus

Na maioria das fêmeas a face superior mostra grandes manchas pardacentas, separadas por uma faixa vertebral mais clara, e zonas transversais semelhantes; o lado ventral mostra apenas uma fraca vermiculação escura. Em zonas mais elevadas, como Teresópolis, Itaipava e Nova Friburgo (no estado do Rio de Janeiro) e São João (no estado de Santa Catarina) podem aparecer exemplares um tanto melânicos, em que as grandes manchas dorsais tornam-se pretas e em parte confluentes. Podem também ficar menores e mais numerosas, lembrando os do Bufo paracnemis. O desenho dorsal pode estender-se às margens do ventre e ao lado inferior das pernas, que então parecem variegados de preto. O dorso das extremidades posteriores pode mostrar faixas transversais escuras que aparecem também numa parte dos exemplares mais normais.

Os dois sexos de marinus e paracnemis podem ser cobertos de verrugas glandulares que são mais escuras do que o resto da pele. Em tempo de cio aparecem também muitas pontas pretas córneas sobre e entre as verrugas. As palmas e plantas tornam-se pretas por um inducto córneo, e nos machos aparecem escovas de copulação ao longo dos dois primeiros dedos. Essa pigmentação e transformação córnea é mais acusada nos machos dos sapos grandes; a vermiculação da face ventral é mais acusada e a gula parece distintamente enegrecida.

Bufo marinus ocupa um território muito mais vasto, que se estende das margens do Rio da Prata para o Rio Grande do Sul. Hensel observou o marinus no Rio Grande do Sul e deu uma boa descrição que corresponde ao tipo comum. Existem variedades, mas não são tão pronunciadas como a diferença entre os dois sexos. O macho, caracterizado pelo saco vocal, tem o dorso unicolor, acinzentado ou pardo-esverdeado.

A fêmea sempre tem nas costas grandes manchas escuras, separadas por espaços mais claros, e geralmente uma faixa clara vertebral. Tudo isso aparece nas ilustrações e dispensa uma nova descrição dessa espécie tão comum e geralmente tão abundante e apanhada facilmente ao anoitecer. As fêmeas produzem um número enorme de ovos pequenos, dos quais nascem girinos miúdos que se transformam logo, de modo que a forma perfeita é extraordinariamente pequena, contrastando com o tamanho dos adultos.

Uma distinção principal entre paracnemis e marinus é o fato de que no primeiro a coloração dos dois sexos pouco se distingue, enquanto no marinus são completamente diferentes, porque as manchas maiores se observam apenas nas fêmeas, sendo os machos unicolores, ou pardo-oliváceos. No paracnemis os machos parecem variegados com manchas menores que das fêmeas.

Bufo arenarius Hensel

As indicações na bibliografia desta espécie nem sempre são acertadas, e os exemplares originais de Hensel não eram muito mais do que meio crescidos. As cristas cefálicas não distinguem a espécie, e a mancha preta do peito, indicada por Hensel, falta em todos os meus exemplares, procedentes de vários lugares. A coloração e o desenho são muito variáveis e podem aproximar-se ora aos de marinus, ora aos de paracnemis. Felizmente o exame das parótidas não deixa dúvida sobre a classificação da espécie, o que é tanto mais importante porque marinus e arenarius não se distinguem claramente pelas dimensões, como constatei em indivíduos vivos e mortos. Além disso, podem ser encontrados no mesmo lugar.

B. arenarius prevalece nas repúblicas platinas e se estende também sobre o estado brasileiro do Rio Grande do Sul, onde coexiste com B. marinus. Com este tem sido confundido ocasionalmente; outras vezes considerado apenas como variedade separada (Duméril & Bibron, Espada).

Possuo exemplares de Montevidéu e Buenos Aires, e alguns mais jovens da região montanhosa do Rio Grande do Sul. São geralmente um tanto menores do que B. marinus, mas podem ser bastante parecidos com ele, mostrando diferenças sexuais correspondentes. Tenho uma aquarela de um macho unicolor de Montevidéu, mostrando distintamente uma cor olivácea clara do fundo. Esta espécie, onde ocorre, é geralmente muito abundante. Distingue-se claramente de marinus pelas parótidas estreitas e alongadas. Na parte posterior dissolvem-se em verrugas glandulares redondas ou alongadas. Freqüentemente se distingue por uma cor mais clara.

Na parte superior, a parótida pode ser um tanto alargada e pode mostrar poros, mas sempre se distingue facilmente das parótidas excessivamente largas das outras espécies. O desenho das fêmeas aproxima-se da espécie marinus, sendo geralmente menos acusado. Algumas fêmeas são quase unicolores. A pigmentação da gula dos machos é menos constante que nas espécies já citadas. De outro lado há machos cujos desenhos seguem o tipo feminino. Estes são facilmente reconhecidos porque geralmente basta segurá-los para que produzam os sons característicos e uma dilatação ligeira do saco gular.

O meu material anterior procedia de Montevidéu e do estado do Rio Grande do Sul. Ultimamente recebi do professor Houssay, de Buenos Aires, exemplares mortos e vivos dessa localidade, que me familiarizaram mais com os caracteres desta espécie. Havia entre eles uma fêmea de 14 cm de comprimento com 320 gramas de peso, e alguns machos mostrando em parte manchas claras arredondadas, como estas prevalecem nas fêmeas. Em ambos os sexos as manchas claras podem tornar-se indistintas ou desaparecer de todo. Machos e fêmeas podem mostrar um tom ligeiramente esverdeado ou azulado, principalmente nas manchas claras.

Hibridismo

Considerando as afinidades grandes das três espécies, impõe-se naturalmente a questão se não existem híbridos. Até hoje não há indicações neste sentido. Geralmente numa dada região só existe uma das três espécies mencionadas. Apenas no Sul do Brasil e nos Estados Platinos os territórios de Bufo marinus e arenarius confluem, pelo menos em parte. Todavia, as parótidas dos exemplares examinados não mostram transição entre os dois tipos.

Não é muito raro que vários tipos da mesma procedência mostrem particularidade de desenho e coloração que lembra os tipos de outras espécies, não existentes nesta região.

Tendo em vista a enorme fecundidade das espécies de Bufo, é permitido supor que tais exemplares sejam descendentes dos mesmos pais.

Bufo rufus Garman

O nome Bufo rufus, estabelecido por Garman, não aparece na monografia de Nieden, nem foi mencionado na literatura, com exceção de uma nota de Barbour e Loveridge, indicando a existência de alguns exemplares, já bastante descorados, no Museu de Zoologia Comparativa.

Não pode haver dúvida de que a espécie de Garman seja idêntica àquela que descrevi cinqüenta anos depois, sob o nome B. rubescens. Os primeiros exemplares conhecidos procediam de Goiás, enquanto os meus vinham do estado de Minas Gerais. Isto não tem maior importância, visto que os dois são limítrofes em grande extensão.

A extensão da cor vermelha ou avermelhada é variável, mas nunca parece faltar completamente em indivíduos adultos. Assim, estes não podem ser confundidos com outras espécies sul-americanas nas quais essa cor sempre falta, apenas com exceção de certas variedades de B. crucifer.

As membranas natatórias às vezes são de um vermelho vivo, pelo resto as dimensões indicadas bastam para evitar a confusão dos adultos com B. crucifer do mesmo sexo. Também há diferenças bem acusadas nas cristas da cabeça.

A crista parietal é curta e não diverge para dentro. No B. rufus uma crista occipício-parietal falta completamente, a parótida é alongada e toca diretamente a crista occipício-timpanal alargada, como o faz também o tímpano. Assim, a espécie se distingue claramente de B. crucifer. Miranda Ribeiro dá uma figura colorida de uma variedade que ele chama roseanus, que talvez possa referir-se a um exemplar menor de B. rufus; infelizmente falta indicação de procedência. Ultimamente examinei duas fêmeas típicas procedentes de Arantes, no estado de Minas Gerais, e pertencentes ao Dr. Afranio do Amaral. Uma delas mostra bem distintamente cintas transversais escuras sobre o dorso das extremidades, manchas escuras menos distintas sobre o dorso, e também os flancos e todo o lado interior das pernas muito variegado por manchas claras ou escuras.

B. rufus, de que examinei cerca de quinze exemplares, alcança um comprimento e uma largura maior do que os maiores exemplares do mesmo sexo de B. crucifer. Os machos atingem um comprimento de 8-9 cm, as fêmeas, 13 cm. O primeiro dedo é claramente mais comprido do que o segundo, e tem a base um tanto espessada. A membrana natatória entre o terceiro, o quarto e o quinto dedos do pé é bem desenvolvida e alcança a metade da altura do dedo menor. Os calos metatársicos são ambos conspícuos. Os lados do tronco e, principalmente, o lado interior das pernas é finamente marmoreado. O ventre é completamente branco ou apenas salpicado de preto em pequena extensão. As verrugas da pele podem ser bem desenvolvidas, mas não há paracnemis. Em seguida apresento uma cópia da descrição original de B. rufus de Garman e a minha descrição independente feita do meu B. rubescens, em 1925.

Descrições/Descriptions

Bufo rufus

From near Goiás, on the highlands of East-Brazil, we have two specimens of a toad agreeing with this in size and outline which has been named Bufo rufus on account of the red color on the hinder half of the body. It differs principally in the small points or granulations which cover the ventral surface, in the paratoids which taper less and are more widened posteriorly, and in the coloration, which is a light rusty brown with indistinct spots of darker on the back, narrow transverse bands of the same on the legs, from the knee to the toes, and with the hinder parts, in life, tinted with red. The differences are certainly sufficient to mark these specimens as belonging to a distinct variety, and most probably other, collections from this region will establish them as of specific value.

Bufo rubescens

Length of male 8-9, of female up to 13 cm. Both sexes covored with lenticular warts with corneous points in the male, which may show black nuptial brushes on the three first fingers. Upper side brown or olivaceous while the underside is white, very slightly mottled with black. The sides are more or less mottled. Sometimes dark cross bars appear on the limbs. Most peculiar is the brickred colour of the cephalic crests and the limbs which may also appear like a rash on the ventral side and on the and narrow parotids. The supra and retroocular crests join without forming an angle. Tympanum constantly oval.

(I have observed more than fifteen individuals sent from the Institute in Belo Horizonte through the director Dr. Octavio Magalhães).

Bufo d'orbignyi

Duméril e Bibron descreveram um exemplar de 7 cm de comprimento, colhido por d'Orbigny em Montevidéu. Como outros sapos, também esta espécie é muito variável; o seu comprimento não parece exceder 7 cm. Uma estria dorsal clara (que alguns autores descreveram como amarela) é muito freqüente. A cor do fundo dorsal nos exemplares conservados varia de ocráceo para pardo ou negro. Duméril e Bibron chamam o colorido oliváceo e notam uma estria dorsal amarela e o lado ventral branco. Mertens, que observou dois exemplares vivos mandados de Porto Alegre, não menciona uma cor verde, que talvez seja um fenômeno nupcial. O dorso pode mostrar manchas escuras, análogas às observadas em outros sapos. As extremidades também podem mostrar faixas dorsais escuras, às vezes abreviadas. As regiões laterais podem ser salpicadas de preto e branco.

Esta espécie é distribuída sobre o Uruguai, Argentina e Paraguai, mas também sobre o estado do Rio Grande do Sul. Muitas vezes citada, mas raras vezes descrita minuciosamente até há pouco, parece ter sido figurada apenas por d'Orbigny.

De Montevidéu, onde observei a espécie viva há já muitos anos, tenho apenas exemplares conservados, pequenos, mas que correspondem às descrições. O exemplar que serviu para ilustração na Estampa 23 procede de São Francisco de Paula, onde foi apanhado pelo Dr. Pinto.

Trata-se de um macho adulto com comprimento de 6,3 mm, e difere um pouco na forma das cristas córneas, mostrando certo grau de melanismo, aparecendo principalmente no desenho pigmentado do lado ventral. Também o tamanho do tímpano e suas relações com as partes vizinhas são um tanto diferentes, como mostra a figura na Estampa XXIII. Não se deve concluir tratar-se de espécie nova, mas sim de uma variação que mostra também que estes caracteres são sujeitos a variações.

Hensel viu numerosos exemplares de Porto Alegre, cujo maior media 66 mm. Berg, cujos exemplares não passavam 60 mm, fornece uma bibliografia detalhada até 1896.

Os meus exemplares do Rio Grande do Sul são escuros, com desenho que pouco se distingue. Diferem do B. arenarius pela crista parietal dirigida para dentro e pelas parótidas muito mais curtas; a cabeça é curta, com focinho obtuso e arredondado. A margem do queixo superior é um tanto alargada, principalmente da parte posterior, e aparentemente revirada para cima. Kati Fernandez discute detalhadamente o Bufo d'orbignyi de La Plata e seu desenvolvimento, menciona uma coloração verde escura sobre fundo escuro e dá o comprimento de 60 mm; acompanha a descrição com algumas fotografias pequenas, mostrando principalmente as verrugas. A face ventral mostra geralmente grandes brancos sobre o fundo cinzento ou vermiculações escuras bem distintas, como no exemplar figurado por mim.

Exemplares vivos de B. d'orbignyi, mandadas de Porto Alegre, têm vindo para a Alemanha nos últimos dez anos e ocasionaram publicações no popular jornal Zeitschrift für Aquarien- und Terrarienkunde,” [Jahrgang 35, 1924, Seite 192 (Fritz Molle), Jahrg. 37, 1926, n.3, Seite 5 (Robert Mertens)]. Foram acompanhados de desenhos simples. Das observações, feitas neles, convém relevar que a cor verde foi observada num animal vivo por Molle.

Bufo globulosus (granulosus) Spix

Esta espécie se caracteriza por tamanho menor (comprimento 5-5,5 mm), uma cor geral de ardósia composta de manchinhas claras e escuras e integumento finamente granuloso que torna as cristas ósseas da cabeça e as parótidas alongadas menos distintas. O focinho, um pouco saliente entre as narinas, é truncado na extremidade. A cabeça em conjunto, vista de cima, forma um triângulo com ângulo anterior, ligeiramente agudo. Em perfil, retrocede para a fenda bucal; é achatada entre as cristas cantais supra-orbitais; as margens laterais do tronco alargam-se pouco a pouco, de modo que, visto de cima e de baixo, o contorno do animal parece piriforme.

Toda a face ventral tem o fundo cinzento claro com grânulos brancos; uma faixa vertebral dorsal falta ou pouco aparece, manchas escuras são freqüentes no dorso, mas pouco distintas. As mudanças de cor são pouco apreciáveis. Dos meus exemplares um de Campos indica o limite meridional, e outros de Maracay, Venezuela, a zona mais setentrional observada. Na Bahia e no Rio Grande do Norte aparecem freqüentemente; ocorrem também no Paraguai e no norte da Argentina. O meu trabalho sobre os “Batráquios de Venezuela e Trinidad” (1927) contém uns bons desenhos do aspecto dorsal e ventral, tirados por P. Sandig de um macho da Venezuela; estas foram aproveitadas para a Estampa XXV.

Faixas transversais escuras podem também aparecer no dorso das extremidades. A gula do macho aparece amarelada ou enegrecida.

Apenas em tempo bem chuvoso ouve-se a voz característica desses sapos. Parece-se com o ruído que se produz agitando ervilhas secas, num saquinho, e os sapos mesmo deixam os seus esconderijos.

O nome Bufo glogulosus Spix, como revelou Berg, tem prioridade sobre granulosus; foi ignorado pela maioria dos autores, talvez porque designou um exemplar deteriorado e que por isso deixa de ser característico. A meu ver não existe perigo de confundir este sapo com outros das mesmas regiões.

Bufo crucifer Wied

O Bufo hoje geralmente registrado sob esse nome aparece em variações diversas, que se podia facilmente considerar como espécies diferentes, se procedem de lugares afastados. Isto também se deu com bastante freqüência e causou uma sinonímia ampla, registrada detalhadamente nas publicações de Berg e Nieden. Wied indicou o nome crucifer, mas considerou a espécie idêntica a Bufo margaritifer Laurenti. Contudo, ele se referia à descrição de Daudin. O nome sempre foi usado para designar o Bufo typhonius. Wied forneceu descrições mais detalhadas sob os nomes B. ornatus Spix e cinctus Wied (1825). As gravuras do cinctus (1831) são distintas. Não parece ter mantido o seu nome crucifer, mas usou o nome de ornatus Spix.

Spix indicou cinco nomes para cinco espécies brasileiras que ele considerou diversas, mas Peters, que examinou os tipos em 1872, os colocou todos em crucifer.

É muito difícil apresentar uma descrição do Bufo crucifer porque todos os caracteres indicados para as diferentes formas ou não têm valor ou são inconstantes, e com poucas modificações se encontram nos vários tipos.

Bufo crucifer é uma espécie comum que em variações diversas se estende sobre a maior parte do Brasil. Difere muito em tamanho e coloração, mas é na média menos volumoso e mais esbelto que paracnemis, marinus e arenarius. As cristas ósseas da cabeça são bem desenvolvidas, mas sem ter nada de bem característico.

A crista parietal pode ser apenas indicada ou excepcionalmente bem desenvolvida. A margem da maxila superior é distintamente alargada, principalmente para trás, e de cor mais clara. As parótidas variam em sua forma, mas são sempre curtas e geralmente estreitas, com exceção da parte anterior; também não são muito salientes. As verrugas do lado dorsal são freqüentemente muito abundantes, mas a cornificação é geralmente menos acusada que nas espécies já citadas. O lado ventral é sempre densamente coberto de grânulos finos.

Parece-me conveniente começar a descrição da espécie com enumeração e discussão das variações que conduziram aos diferentes nomes. Estes podem ser juntados ao nome crucifer para designar os diferentes tipos. Contudo, é preciso lembrar que esses tipos se podem confundir. O primeiro tipo, que chamo Bufo crucifer inornatus, não é raro no Rio de Janeiro e na vizinhança do Instituto. No mês de agosto examinei um grande número de exemplares, pela maior parte machos adultos, e todos pertenciam a este tipo; também os exemplares conservados de tempos anteriores mostravam agora claramente o mesmo tipo. O comprimento desses sapos alcançava 9-10 cm; as fêmeas são geralmente maiores, excepcionalmente há indivíduos que chegam até 13 cm em comprimento. A cor da face dorsal é muito variável e pode ser considerada geralmente como protetora, imitando a coloração de várias espécies de solo, areia, argila de várias qualidades, terra de jardim ou folhas secas. Todo o lado superior tem essa cor, e apenas as extremidades mostram indicações de faixas transversais mais escuras. As faces laterais do tronco e o lado interior das coxas não mostram desenho decorativo, mas pode haver algumas manchas escuras. A face ventral é sempre mais clara, cinzenta ou branca, mostrando poucas manchas indistintas mais escuras; uma estria dorsal clara, tão comum em outras formas, pode faltar completamente ou ser apenas ligeiramente indicada.

Também o tímpano com a região vizinha pode mostrar a mesma cor térrea, mas freqüentemente mostra uma pigmentação mais forte que pode se tornar muito intensa e extremamente característica. Deu ocasião para o nome melanotis, que seria muito significativo se fosse constante; consiste em uma pigmentação não somente do tímpano, mas também do campo vizinho, tanto em frente como ainda mais largamente atrás; pode ser apenas um vermelho pardo-cinzento escuro; para melanotis também é citada uma estria dorsal clara. A este tipo correspondem muitos exemplares do Rio, contudo ele se combina com outros tipos descritos sob nomes diversos. O campo timpanal preto freqüentemente se alonga para trás, seja apenas em forma de estrias ou manchas ou como faixa larga completamente preta até a extremidade posterior do tronco. O último caso é dado como caráter principal do B. cinctus de Wied. Mas aqui acedem caracteres novos, entre os quais convém salientar principalmente manchas amareladas nas ilhargas e no lado interior das coxas.

Wied dá uma descrição detalhada, acompanhada de estampa colorida de um macho e de uma fêmea. Encontrava o B. cinctus principalmente no Espírito Santo, especialmente na região de Vitória. Não tenho material de lá, mas recebi por gentileza do Dr. Nelson Davis em fim de agosto e em princípio de setembro 45 exemplares de um Bufo da Bahia, que sem a menor dúvida representa o mesmo tipo chamado cinctus por Wied. É constante a cor variegada de amarelo nos lugares comuns (ilhargas e face interna das coxas), e freqüentemente as manchas amarelas são encontradas em extensão ainda maior. A coloração dorsal desta forma era de preferência cor terracota clara, mas se modifica freqüentemente durante a observação. A cor amarela aparece geralmente em manchas arredondadas ou alongadas, que não são muito brilhantes, sendo de cor de enxofre. As faixas transversais escuras eram muitas vezes bem distintas. A estria dorsal branca ou terminando em amarelo era geralmente larga e às vezes tarjada de preto. A cabeça, incluindo as pálpebras superiores e as parótidas, como também as partes marginais do dorso, muitas vezes eram distintamente mais claras. A face dorsal das coxas freqüentemente era enegrecida em grande extensão, e nos lados da superfície ventral havia vermiculações escuras. Os exemplares, durante uma observação prolongada, podem mudar bastante de cor, e seria impossível dar uma idéia clara dessa forma descrevendo apenas indivíduos isolados com todas as minúcias. Meus exemplares do Rio de Janeiro não mostravam a cor amarela que correspondia àquela do cinctus, excetuando uma fêmea, na qual apareciam manchas amarelas distintas durante o tempo de observação.

Bufo crucifer var. stellata (Bufo stellatus Spix)

Esta forma foi recebida em um exemplar grande e em dois pequenos procedentes de Caruaru (estado de Pernambuco), colecionados por Dom Pedro Pickel. O exemplar grande é macho e alcança o comprimento de 8,5 cm. Combina com o crucifer comum nas cristas cefálicas e no campo preto, incluindo o tímpano. Lado dorsal pardo-claro com numerosas verrugas pontuadas e faixa vertebral pouco distinta. Carótidas da forma e do tamanho de caroços de amêndoas. Ilhargas e lado interno das coxas adornados com manchas cor de enxofre pálida. As manchas nas coxas são mais irregulares e em parte têm a forma de riscos; lado ventral claro; primeiro dedo mais comprido que o segundo, ambos com escovas de copulação pretas. Terceiro e quarto unidos por membranas na base; nos pés há uma membrana interdigital basal. Tubérculos metacárpicos e metatársicos distintos, os interiores mais compridos e menos obtusos; margens maxilares de cima alargadas e salientes, principalmente na porção posterior.

Os exemplares pequenos e menos bem conservados mostram também vestígios de coloração decorativa.

A forma de Hensel do Rio Grande do Sul mostra caracteres de ornatus Spix e melanotis de Duméril e Bibron; aproxima-se ainda mais de cinctus, do qual não se pode separar seguramente. Cito aqui as formas deste tipo e apresento uma estampa.

Bufo crucifer var. henseli

Aproveito um exemplar de São Bento, Estado de Santa Catarina, aquarelado em estado fresco em 1923. Distingue-se claramente de stellata; é menor e mais esbelto, com um comprimento de 7,5 mm. A cabeça perto dos ângulos da boca tem a largura de 27 mm e aparece bastante saliente; o dorso, principalmente na parte central, cor de cobre bastante carregada; a pele é quase lisa, uma faixa branca mediana principiando na região inter-orbital estende-se à região coccígea. O resto do lado dorsal é cinzento claro, pendendo um pouco para o lilás; as extremidades mostram algumas faixas transversais bastante largas e afastadas entre si. Flancos claros com desenho variegado de claro e escuro, ao lado interno da coxa, com duas séries de manchas amareladas de gomagota,2 em parte falciformes com concavidade anterior. O lado ventral é granuloso, um tanto acinzentado e com manchas mais escuras, mal determinadas, na garganta, nos lados do tronco e nas pernas. Os tubérculos metatársicos e metacárpicos são claramente alongados e de cor mais clara. Trata-se provavelmente de uma fêmea que acabou de desovar.

À mesma espécie provavelmente pertence um macho menos bem conservado, apanhado em Gramado (estado do Rio Grande do Sul) em 22.1.1931, pelo Dr. Cesar Pinto, de quem o recebemos. Este mostra parótidas alongadas e estreitas, de cor mais clara. O comprimento alcança 5 cm, a largura pouco menos de 2 cm. As extremidades são delgadas, mas os antebraços distintamente espessados. Não se vêem as escovas copulatórias dos primeiros dedos. O corpo é densamente coberto de verrugas pequenas e achatadas. As faixas transversais nas pernas são visíveis, embora menos acusadas. A estria vertebral difere do outro exemplar. Trata-se de um macho com testículos alongados de cor clara.

Hensel descreveu um sapo das matas virgens de estado do Rio Grande do Sul, que sou inclinado a pôr em relação com as formas acima descritas por motivos ecológicos. É verdade que eles mostram mais amarelo, mas, tendo sido apanhados em cópula, talvez se trate de um colorido nupcial.

Bufo scaber Spix foi nomeado um exemplar de 66 cm de comprimento que na estampa é de cor de argila cinzenta, que Spix no texto chama olivaceobrunneus, com que não concorda. Podia-se considerar como crucifer inornatus, se não fossem as manchas amarelas no lado interno da coxa. Faltam os caracteres de melanotis. Assim, forma transição de ornatus para o cinctus. Tenho um indivíduo semelhante do Rio de Janeiro. Em Minas Gerais esta forma parece comum.

Bufo dorsalis é um exemplar semelhante, porém menor (“Bufo scabro et ornato affinis”). Todos os cinco exemplares do tipo de dorsalis procediam da província do Rio de Janeiro.

Bufo semilineatus é um exemplar novinho (1 ¾”) no qual a estria dorsal se acentua posteriormente, um caráter sem a menor importância. O exemplar provinha do rio Itapicuru (Bahia). O nome não merece ser mantido.

Bufo ornatus Spix

Em tempos passados costumava encontrar no Rio de Janeiro sapos menores que correspondiam à descrição e figura de Spix na Reise nach Brasilien (v.II, p.132). Também Hensel viu um exemplar parecido colhido na mesma região. Nesses indivíduos o dorso apresenta uma cor ocráceo-avermelhada, que pode tornar-se cor de tijolo ou cobre. A listra dorsal é bem acusada e bem clara; nesta se assentam manchas pretas bastante separadas que se alongam em sentido lateral, de modo a formar uma cruz quádrupla, geralmente mal definida, que causou o nome crucifer, estabelecido por Wied. Tais exemplares são geralmente menores, muitas vezes apenas meio crescidos. Um exemplar dessa ordem foi figurado por Spix, que lhe deu o nome ornatus, indicando como procedência a província do Rio de Janeiro. A cor dorsal desse batráquio é, contudo, bastante mais clara do que se costuma observar. Em meu material da Bahia havia um exemplar de 5½ cm de comprimento que mostrava claramente o desenho dorsal característico de Bufo ornatus, em combinação com as manchas amarelas que são indicadas como característicos de B. cinctus. A faixa preta nos lados era presente, mas muito estreita. O tímpano pardo-cinzento é limitado adiante por uma mancha semilunar de cor preta. A cor vermelha de cobre no dorso tornou-se cinzento sujo pela conservação em álcool. Tratava-se de um indivíduo novo, antes da maturidade sexual.

Uma coloração que corresponde ao B. ornatus não se encontra em indivíduos grandes e por isso pode ser considerada como coloração de animais novos. Manchas dorsais pretas podem algumas vezes ser achadas em exemplares maiores, mas geralmente distantes da estria mediana e lembrando mais as manchas pretas observadas, às vezes, em outras espécies de Bufo.

O resultado de todas as minhas investigações é que se podem distinguir certas formas, mas que elas mostram transições e que existem muitos tipos de mistura.

Miranda Ribeiro apresenta uma estampa de um tipo que chamou de var. pfrimeri, sem mencionar a procedência. Distingue-se pelo lado dorsal escuro e pela extensa pigmentação do lado ventral, que mostra apenas manchas brancas redondas e separadas. Pode ser considerado como variação altamente melânica. Nos meus numerosos exemplares não existe nenhum bem parecido, porém alguns mostram um grau inferior de melanismo, que se caracteriza no lado ventral por vermi-culações enegrecidas.

A forma figurada com o nome B. crucifer var. roseana (também sem procedência), como já observei, não é seguramente distinta do B. rufus. Se não pertencer a este, trata-se de uma variação pouco espalhada e antes individual.

Bufo typhonius Schneider (L., 1875) (= margaritifer Laurenti, 1788)

Esta espécie, conhecida há muito tempo, foi descrita repetidas vezes, mais minuciosamente por Duméril e Bibron, sob o nome de Laurenti, referindo-se aos exemplares de Caiena e do Brasil. Contudo, não se obtém uma idéia bem clara deste sapo, porque a maioria dos caracteres citados não são constantes ou não são específicos. A espécie evidentemente é muito variável e difere nos vários estados de idade. As primeiras descrições dos exemplares brasileiros foram dadas por Spix, mas são quase sem valor, como também as gravuras que as acompanham. Estas representam exemplares novos com três ou quatro nomes diferentes.

Esta espécie ocorre em todo o norte da América do Sul, incluindo o Equador. Na Amazônia parece pouco rara, porém o meu material se limita a cinco indivíduos conservados regulamente bem, embora bastante antigos, da Guiana Inglesa e de Barro Colorado (Zona do Canal do Panamá). Mostram a forma especial da maxila superior, mas as verrugas cônicas do dorso anterior que ocasionaram o nome margaritifer faltam completamente; também a cabeça não é muito pontuada. O alargamento da maxila superior e a sua saliência lateral são bem evidentes e aparecem mesmo nos exemplares novos de Barro Colorado, nos quais as cristas cefálicas não são ainda bem marcadas. Também a frouxidão da pele do corpo posterior, relevada por Duméril e Bibron, não é bem clara; apenas as regiões laterais do tronco e das coxas são ligadas por uma dobra cutânea laxa. A estria dorsal, de cor clara, bem freqüente em várias outras espécies, é pouco visível nos meus exemplares.

Boulenger apresenta um desenho do lado superior da cabeça, e Baumann, outros de typhonius em diferentes idades. De outras gravuras representando o animal inteiro, conheço apenas aquelas de Spix e de Miranda Ribeiro. O primeiro autor acompanha os seus desenhos com três ou quatro exemplares novos, com descrições curtas e que não têm valor para o conhecimento da espécie. De outro lado, Miranda Ribeiro fornece desenhos em cores bastante vivas que representam um macho adulto, talvez em fase nupcial. O desenho do lado dorsal é bom, a vista lateral parece menos natural, mas mostra bem as verrugas margaritadas3 que aparecem em perfil. Seu exemplar foi colhido em Aripuanã.

No desenho de Miranda Ribeiro reconhecem-se imediatamente manchas dorsais, que também são freqüentes em outras espécies, e além disso quatro manchas brancas; o fundo do dorso parece avermelhado. Contudo, esses caracteres não são constantes e os exemplares conservados têm uma cor suja, amarela ou pardacenta, correspondendo a várias qualidades de terra, que pode ser considerada protetora. No dorso das extremidades pode haver faixas transversais, mais ou menos distintas. O lado ventral é sempre mais claro e finamente granulado, branco-amarelado ou acinzentado, com pontilhado escuro pouco acentuado. Em geral pode-se dizer que o colorido e o desenho do B. typhonius correspondem aos vários tipos de B. crucifer, ao qual também se assemelha em outros caracteres. A formação singular da maxila superior, já um pouco indicada em B. crucifer, ainda permanece o caráter mais seguro e constante. A crista parietal não é sempre tão clara como é representada no desenho do Boulenger, e pode haver uma indicação da mesma em crucifer. Quanto ao tamanho, há poucos dados. Os exemplares mencionados alcançavam um comprimento de 6 cm ou pouco mais, mas o desenho de Boulenger permite concluir a referência a um exemplar bastante maior.

Para esta espécie Cuvier indicou o nome genérico Otilophus, ignorado com razão pela maioria dos autores. Outros nomes genéricos que se referem aos desenhos de Spix permanecem esquecidos.

Explicação das Estampas XIII-XXVII

Estampa XIII

Em cima, da esquerda para a direita: Bufo marinus, dois machos e duas fêmeas de Pindamonhangaba. Tamanho 1/3.

Embaixo, da esquerda para a direita: Bufo paracnemis, macho e fêmea, de Penápolis, estado de São Paulo. Tamanho 1/3.

Estampa XIV

Aspecto ventral dos mesmos; tamanho 1/3.

Estampa XV

Bufo paracnemis, macho, aspecto dorsal.

Estampa XVI

Bufo paracnemis, macho, aspecto ventral, prov. Nova Europa, comprimento 9 cm; notam-se escovas nupciais nos primeiros dedos.

Estampa XVII

Bufo paracnemis, de Olinda (Pernambuco), fêmea adulta com manchas dorsais grandes, 2/3 do tamanho natural.

Estampa XVIII

Bufo paracnemis, de Pirajá (Bahia), com verniculações largas na face inferior. Fêmea adulta em metade do tamanho natural.

Estampa XIX

Bufo marinus, em cima, macho no centro, duas fêmeas, uma de cada lado; embaixo, aspecto ventral, procedência Nova Friburgo, formas melanísticas. Tamanho 1/3.

Estampa XX

Bufo arenarius, em cima, da esquerda para a direita, fêmea e macho, com desenho semelhante ao de fêmea; embaixo, fêmea com manchas e macho sem manchas. Tamanho 1/3.

Estampa XXI

Em cima: Bufo rufus Garman (rubescens Lutz). Macho do estado de Minas Gerais, ¾ de tamanho natural; embaixo: Bufo d'orbignyi fêmea, proc. São Francisco de Paula, Rio Grande do Sul. Desenhos de P. Sandig (1) e A. Pugas (2).

Estampa XXII

Fig 1. Bufo crucifer, fêmea, Rio de Janeiro, tamanho natural.

Fig. 2. Bufo crucifer, var. stellata, macho de Caruaru (Pernambuco), comprimento ¾ do natural.

Estampa XXIII

Bufo crucifer, var. Henseli ♂, proc. São Bento, E. de Santa Catarina, tamanho natural. A parte central do dorso cor de cobre. Desenhos de P. Sandig.

Estampa XXIV

Fig. 1. Bufo crucifer, da Bahia, com os caracteres de cinctus Wied. e aproximações ao ornatus Spix. Tamanho natural.

Fig. 2. Bufo crucifer Wied. da Bahia, exemplar novo, correspondendo ao ornatus Spix, mas com as manchas amarelas de cinctus Wied. Tamanho natural.

Estampa XXV

Bufo globulosus, macho de Maracay (Venezuela). Tamanho natural. Em cima: face dorsal; embaixo: face ventral.

Estampa XXVI – Cristas da cabeça (Tamanho natural)

Fig. 1. Bufo paracnemis, fêmea de Pindamonhangaba (São Paulo).

Fig. 2. Bufo marinus, fêmea de Nova Friburgo (estado do Rio de Janeiro).

Fig. 3. Bufo arenarius, fêmea de Buenos Aires. Tudo em tamanho natural. Desenhos de A. Pugas.

Estampa XXVIICristas da cabeça (Tamanho natural)

Fig. 1. Bufo d'orbignyi, fêmea de São Francisco de Paula, Rio Grande do Sul.

Fig. 1a. Bufo d'orbignyi, macho de Buenos Aires.

Fig. 2. Bufo crucifer, var. Henseli, fêmea de Gramado, Rio Grande do Sul.

Fig. 3. Bufo crucifer, Rio de Janeiro.

Fig. 4. Bufo rufus, estado de Minas Gerais.

Fig. 5. Bufo crucifer, var. stellata de Spix, Caruaru, estado de Pernambuco

Fig. 6. Bufo globulosus Spix, Natal, Rio Grande do Norte.

Fig. 7. Bufo typhonius, Kataarbo, Guiana Inglesa.

Fig. 8. Cabeça de um Bufo com cristas ósseas salientes: c, crista cantal, ot, crista orbitotimpanal, p. crista parietal, pro, crista preorbital, pto. crista pós-orbital, spo. crista supraorbital. Cópia de um desenho meio esquemático de Nieden.