7
Relatividade
Paxton lentamente abriu os olhos, o que exigiu esforço. Seus cílios pareciam grudados.
Ela se apoiou nos cotovelos, um pequeno movimento que dava a impressão de que estava sendo jogada contra a parede. Ela gemeu, mas fez força para aguentar firme e sentou-se.
Olhou ao redor. Estava numa casa pequena, cheia de móveis antigos, exceto por um sofá cinza incrivelmente macio, onde ela estava deitada. Havia uma janela panorâmica em frente e um pássaro preto e amarelo, sentado no parapeito, olhando para dentro. Ela olhou-o, confusa e estranhamente fascinada. Um canto agudo subitamente a fez dar um pulo e, assustado por seus movimentos, o pássaro saiu voando.
Ela levou as mãos à cabeça. Meu bom Deus, o que foi esse barulho?
Ela ouviu passos e se virou para ver Willa Jackson entrar cambaleante na sala, de short de algodão e uma camiseta amassada de dormir. Seus cabelos curtos estavam armados, como uma nuvem ao redor de seu rosto.
Paxton sempre pensava que tudo que Willa precisava era de uma camisola branca de musselina, um laçarote nos cabelos e uma boneca de porcelana junto ao peito para ficar exatamente igual àquelas crianças enérgicas, de olhos claros, de fotos bem antigas. Paxton nunca se sentira à vontade perto dela.
— Achei que tivesse desligado seu telefone ontem à noite, quando não parava de tocar. Ele é possuído? — disse Willa, esticando a mão para pegar o celular, que só agora Paxton percebia estar na beirada da mesa, ao seu lado.
Willa abriu o aparelho e disse:
— Alô? — ela parou. — É a Willa. Quem é? — A mão de Willa, que estava sobre seus olhos, como se para bloquear a luz da janela, subitamente baixou. — Ah — ela entregou o telefone a Paxton. — É pra você.
Paxton pegou o aparelho, tentando não fazer movimentos bruscos, temendo que a cabeça pudesse cair.
— Claro que é pra mim, é meu telefone.
Willa franziu o rosto e se virou, deixando a sala. Alguém não tinha bom humor matinal.
— Alô? — disse Paxton ao telefone.
— Estou na casa da piscina e você não. Onde você está? — era o Colin.
Ela olhou em volta.
— Não tenho certeza. Acho que estou na casa da Willa Jackson.
— Isso explica o fato de ela ter atendido o seu telefone. O que está fazendo aí? — perguntou Colin.
Agora ela estava se lembrando de tudo. E não ia contar a ele, nem a ninguém. Deus, se esse papel de tola que ela fez se espalhasse...
— Você passou a noite toda aí?
— Acho que sim — disse ela.
Colin parou de falar e deu para notar as conclusões que ele estava tirando.
— Você está bêbada? Tem uma garrafa de uísque vazia na sua sala.
— Não, não estou mais. E saia da minha casa.
Ele riu.
— O que aconteceu?
— Até parece que eu vou contar.
— Você sabe que eu vou descobrir, cedo ou tarde.
— Por cima do meu cadáver — ela rosnou.
— Está bem, certo. Ouça, o motivo de eu ter ligado é que não pareço ter muita autoridade quando se trata da Blue Ridge Madam. As pessoas querem falar com você, não comigo. Encontre-me na delegacia de polícia. Preciso de algumas respostas para a liberação do local e a remoção daquela árvore, e preciso disso agora.
— Certo — disse Paxton, tentando se reanimar. — Em uma hora.
Ela desligou, depois ficou ali sentada com a cabeça nas mãos. Até seus cabelos doíam. Ela não sabia quanto tempo tinha se passado até que Willa voltou e disse.
— Você está bem?
Paxton ergueu os olhos para Willa. Ela estava segurando uma caneca de café e um frasco de Advil. Entregou ambos a Paxton.
— Você me salvou ontem à noite — disse Paxton. Ela jamais esqueceria a luz dos faróis do jipe quando ele parou, e a visão de Willa descendo, vindo salvá-la. Ela nunca ficara tão contente em ver alguém em toda a sua vida.
Willa sacudiu os ombros.
— Você estava fora da sua área.
— Não posso acreditar que você tenha feito aquilo por mim. Por quê?
Willa fez uma expressão de quem achou a pergunta estranha.
— Quando alguém precisa de ajuda, você ajuda. Certo? Achei que esse fosse o princípio do Clube Social Feminino... “Suas brilhantes boas ações” — disse ela, citando o que Paxton tinha colocado nos convites do baile de gala.
Paxton não tinha certeza do que mais a incomodava, se o fato de Willa enxergá-la como alguém digno de pena ou jamais imaginar uma de suas amigas do clube vindo socorrê-la daquele jeito. O Clube Social Feminino tinha a ver com ajudar as pessoas da forma mais distante possível, dando dinheiro, para depois se arrumar e comemorar. O fundo beneficente da família Osgood, que Paxton administrava, fazia trabalhos de verdade e não pedia para ser parabenizado. Então, por que motivo ela continuava com o clube? Pela história, ela imaginava. Legado. Isso era importante para ela.
Paxton engoliu alguns comprimidos com o café forte, depois colocou o café e o frasco de Advil em cima da mesinha de centro à sua frente, sentindo tudo se agitar em seu estômago.
— Obrigada. Por tudo. Preciso ir. Onde está minha bolsa? — ela subitamente entrou em pânico. — Onde está o meu carro?
Houve uma batida na porta.
— Não sei onde está sua bolsa, mas seu carro ainda está na loja de conveniência. Não se preocupe, eu cuidei disso — disse Willa, dirigindo-se para a porta.
Só faltava essa, o Sebastian. Ele deu uma olhada para Willa, com seu trajezinho de dormir, e disse:
— Meu Deus, no fim das contas tem uma mulher por baixo daqueles jeans e daquelas camisetas.
Willa revirou os olhos, mas sorriu.
O sol matinal batia em seus cabelos claros e o fazia parecer angelical. Ele deveria ser uma visão bem-vinda, mas era a última pessoa que Paxton queria ver naquele momento. Ela se levantou para se esconder, mas imediatamente se arrependeu do gesto. Sua cabeça parecia cheia e apertada, o que a deixou ligeiramente nauseada.
— O que ele está fazendo aqui? — ela perguntou a Willa.
Willa fechou a porta atrás de Sebastian e a luz parou de refletir sobre ele, tornando-o novamente humano.
— Ele ficou ligando para o seu celular ontem à noite. Eu tive de me levantar para atender. Ele estava preocupado com você. Eu disse a ele que você estava bem, dormindo aqui.
Sebastian caminhou até Paxton e afastou dos olhos um pouco de seus cabelos soltos. Com apenas um olhar, ele conseguiu trazer de volta tudo o que tinha acontecido entre eles na noite anterior. Tudo o que ela queria. Tudo o que ele não podia dar.
— Ela se esqueceu de mencionar que, em algum momento, uma quantidade significativa de álcool obviamente estava envolvida — disse ele. — Querida, se seus olhos estivessem mais vermelhos, você teria visão de raio X.
Paxton deu um passo atrás, evitando seus olhos.
— Estou bem. É só o spray de pimenta.
— O quê?
Paxton olhou para Willa, que sacudiu a cabeça. Ela não tinha contado.
— Nada.
Sebastian lançou um olhar de avaliação.
— Eu disse a Willa que viria buscá-la esta manhã e levá-la até seu carro, mas não tenho certeza se você está apta para dirigir.
— Claro que estou — disse ela. — Estou bem, de verdade. Não se preocupe comigo. Eu só preciso usar o banheiro primeiro.
— Fica depois da cozinha, nos fundos da casa — Willa apontou e Paxton seguiu, grata e cambaleante, naquela direção. Ela passou pela bela cozinha amarela e encontrou o lavabo. Fechou a porta, pôs as mãos na pia, respirando fundo para afastar o enjoo. Ela não podia acreditar que Sebastian a vira desse jeito, digna de pena, de ressaca, obviamente afogando as mágoas, como se não conseguisse lidar com seu estresse, como se não conseguisse lidar com sua rejeição.
Por que a Willa deixou que ele viesse até ali? Ela se lembrava de ter dito a Willa que estava apaixonada por ele, a única coisa que jurou jamais dizer em voz alta. Ela deveria saber. Segredos sempre acham um meio de vazar.
Ela jogou água fria no rosto e conseguiu tirar o rímel do contorno dos olhos. Tinha passado rímel? Ela se olhou direito. Vestido vermelho e saltos altos. Tudo isso para ir até a loja de conveniência comprar vinho. O que ela estava pensando? Essa era a questão, imaginou ela. Ela não estava pensando. Prendeu os cabelos para trás e suspirou. Não ajudou muito. Ela decidiu acabar logo com aquilo e caminhou de volta até a sala.
Sebastian e Willa conversavam calmamente. Os dois se calaram quando ela entrou, o notório elefante branco.
Sebastian se virou.
— Vamos?
— Sim, eu sei que você quer chegar àquela clínica comunitária onde você atende nos fins de semana — disse Paxton, ao caminhar para a porta. — Obrigada novamente, Willa.
— Imagine — disse Willa. — Estou às ordens.
Quando já estavam lá fora, Sebastian abriu a porta de seu Audi e Paxton entrou. Ele sentou-se atrás do volante e deixou o bairro silenciosamente.
— Você quer falar sobre o que aconteceu ontem à noite? — ele finalmente perguntou.
— Não.
— Eu sei que você não quer falar sobre o que aconteceu entre nós — ele disse baixinho. — Eu estava me referindo ao que aconteceu com você e Willa.
— É assunto de garotas — disse Paxton, olhando pela janela. Ela sorriu levemente. — Bem, acho que você é uma das garotas.
— Não sou uma garota, Paxton — disse Sebastian, e a frieza em sua voz a fez se virar para ele.
— Eu não quis dizer que era. Não literalmente. Eu só quis dizer...
— Onde está seu carro? — ele perguntou, interrompendo-a.
— Na loja de conveniência na State Boulevard.
— O que está fazendo lá? Enguiçou?
— Não.
— Então o que você estava fazendo lá?
Ela se virou para a janela.
— Não tem importância.
Sebastian entrou no estacionamento da loja de conveniência e o lugar estava movimentado, com os clientes matinais fazendo uma parada entre uma cidade e outra. Ele estacionou ao lado do BMW que, milagrosamente, estava intacto. Ela não tinha ideia de como explicaria a Sebastian, ou à sua família, se aqueles cretinos tivessem arruinado seu carro por vingança.
— Você por acaso teria um colírio? — perguntou ela. — Minha mãe vai detestar me encontrar assim.
— Eu tenho em casa — disse ele. — Quer que eu a leve até lá?
— Não, obrigada. — Ela tinha trinta anos de idade. Não deveria ter de entrar em casa escondida depois de passar a noite fora. Isso seria bem mais fácil se ela não tivesse de ir até sua casa para se trocar.
— Traga algumas roupas e deixe na minha casa. Se você precisar delas, estarão lá. — Ela se virou para Sebastian, surpresa pela intimidade da oferta, principalmente depois da noite passada. — Por que não me ligou, Pax? — perguntou Sebastian, e ela percebeu que, incrivelmente, ele estava magoado. — Se não queria ir para casa, poderia ter ficado comigo.
— Willa se ofereceu para me deixar na sua casa, mas eu disse não — disse ela.
— Por quê?
— Porque eu estava bêbada. E nós dois sabemos que quando estou fora de controle não é nada bonito.
— Eu sempre a acho bonita.
Ela não conseguia lidar com isso. Não agora. Ela abriu a porta.
— Vejo você em breve. Obrigada pela carona.
Ele esticou o braço e pegou a mão dela, impedindo que Paxton saísse.
— Quero ajudá-la, Pax.
— Eu sei que quer. Por isso não vou pedir novamente.
Quando Paxton voltou à Cabana da Nogueira, ela pegou sua grande bolsa, que obviamente tinha deixado no carro e ficou muito aliviada em encontrar, e entrou em casa o mais silenciosamente possível. Sua mãe dormia até tarde, mas o pai acordava cedo quando o clima estava bom para jogar golfe. Havia uma boa chance de ela conseguir entrar sorrateiramente sem ser vista.
Uma vez que Paxton entrou na cozinha, ela achou que estaria livre. Ela sorriu para Nola, uma mulher mais velha, com os cabelos começando a ficar grisalhos e tantas sardas que parecia ter sido respingada por um pincel. Ela estava sovando massa no balcão central da cozinha. Havia nuvens de farinha de trigo flutuando ao seu redor, fazendo com que ela parecesse estar dentro de um globo de neve.
O sorriso de Paxton desapareceu quando ela percebeu que tinha mais alguém na cozinha.
— Mamãe! — disse Paxton. — O que está fazendo acordada tão cedo?
Sophia estava sentada junto à mesa da cozinha, com uma xícara de chá à sua frente. Ele estava com seu conjunto longo de camisola e robe brancos, com os cabelos puxados para trás, presos por uma larga faixa. Ela dormia com seus brincos de diamante toda noite. Mesmo que não os tivesse usado naquele dia, ela os colocava ao se deitar.
— Ouvi quando você saiu ontem à noite — disse Sophia.
— Sim — disse Paxton. — Não consegui dormir.
— Você quer me dizer onde esteve? — perguntou Sophia. — Estava com aquela pessoa, o Sebastian? Não pude acreditar quando ele passou aqui ontem à noite. Eu... Eu não sei como agir perto dele — ela puxou a gola do robe.
— Não, mamãe. Eu não estava com Sebastian ontem à noite.
— Bem, eu não quero você chegando a essa hora, principalmente com tanta coisa acontecendo na Madam. Onde está com a cabeça? Honestamente, Paxton, o que deu em você?
— Eu não sei — ela respondeu.
Paxton teve um bom relacionamento com a mãe ao longo da infância, principalmente porque a menina sentia não ter escolha. Sua mãe planejava fanaticamente momentos de entrosamento. Quando Paxton era adolescente, suas amigas chegavam a invejar seu relacionamento com a mãe. Todos sabiam que nem Paxton nem Sophia marcavam nada nas tardes de domingo porque era hora da manicure, quando mãe e filha se sentavam na sala de estar, assistiam a comédias e experimentavam novos produtos de beleza. E Paxton se lembrava da mãe carregando para seu quarto os vestidos que encomendara, quase invisível por trás da montanha de tafetá, enquanto elas planejavam bailes elegantes. Sophia adorava ajudar Paxton a escolher o que vestir. E tinha extremo bom gosto. Paxton ainda se lembrava dos vestidos que a mãe vestiu há mais de vinte e cinco anos. Gravados em sua memória estavam os azuis brilhantes, os brancos cintilantes, os finos rosados. Ela se lembrava de ver seus pais dançando em eventos e festas beneficentes. Desde muito cedo ela soube que queria aquilo para si, não os vestidos, embora, por um tempo, ela achasse que apenas isso era necessário, mas o sonho de dançar com o homem que amava, ser abraçada por ele, como se jamais quisesse soltá-la.
Foi só naquele último ano que as coisas ficaram tensas com sua mãe, e ela começava a entender o motivo. Ela e a mãe nunca haviam tido um relacionamento adulto. E conseguir isso era como caminhar pela lama espessa, dando um passo torturante de cada vez.
Paxton seguiu na direção das portas duplas.
— Se me der licença, eu preciso trocar de roupa para sair novamente. Colin me ligou hoje de manhã. Vou encontrá-lo na delegacia de polícia para ver o que podemos fazer com relação à liberação do plantio da árvore na Madam.
Isso fez Sophia sorrir.
— Colin e suas árvores.
Isso também fez Paxton sorrir. Colin sempre tivera ligação com árvores. Ele passara toda a infância no bosque de nogueiras da propriedade, ficava ali, deitado, olhando para cima, vendo os galhos, como se a história do mundo pudesse ser encontrada ali.
O sorriso de Sophia subitamente desapareceu.
— Só porque ele passou a noite toda fora logo que chegou não significa que você também pode fazê-lo.
Era uma regalia de seu irmão à qual Paxton já estava acostumada a essa altura. Sophia tinha dedicado todas as suas forças para moldar Paxton em quem ela queria que fosse, mas só tivera um efeito leve em Colin, a quem todos presumiam estar sendo moldado pelo pai no campo de golfe de alguma maneira masculina misteriosa. Mas Colin tinha se afastado de quaisquer expectativas que o pai tivera e agora era tarde demais para Sophia mudar isso.
Sophia se levantou, depois suspirou. Ela olhou ao redor da cozinha, de um jeito sonolento e desanimado.
— Vou me deitar até o café da manhã. Nola, me acorde se eu pegar no sono.
Nola e Paxton observaram Sophia sair como personagem de um filme antigo.
— Você vai ficar para o café? — perguntou Nola quando Sophia saiu.
Paxton engoliu.
— Não. Acho que não consigo encarar comida agora.
Nola sorriu quando Paxton saiu.
— Já não era sem tempo — disse ela.
Por motivos que ela não entendia e sua avó provavelmente chamaria de sinais, os Osgood estavam saindo de todos os buracos e invadindo a vida perfeita de Willa, afetando seu equilíbrio.
Mas, ainda bem, Willa imaginava que não veria Colin ou Paxton tão frequentemente com todo aquele rebuliço acontecendo na Madam.
Durante o fim de semana, uma equipe de reportagem veio de Asheville para cobrir a história sobre o esqueleto encontrado na Blue Ridge Madam e relatou que a causa não confirmada da morte poderia ter sido homicídio, pois alguém notou um trauma no crânio. A equipe de notícias também descobrira o nome Tucker Devlin através de uma fonte não identificada, alguém que obviamente teria visto o álbum de recortes e o diploma de ensino médio, e eles tinham encontrado um homem com o mesmo nome, que havia sido fichado em Asheville por ter roubado o dinheiro de várias pessoas em janeiro de 1936. Ele era um mascate.
Um mascate? Um possível assassinato? Isso corria de boca em boca e Willa estava tão curiosa quanto o vizinho, de uma forma distante. O que se passava na Madam não tinha nada a ver com ela e provavelmente nunca teria. Os fantasmas lá de cima não eram da sua conta.
Pelo menos, era o que ela achava, até que a polícia veio vê-la no domingo.
— Viu aquele homem? — Rachel perguntou do balcão do café depois que o último cliente saiu na tarde de domingo. Willa tinha acabado de tirar o dinheiro do caixa e olhou para cima, vendo Rachel escrever em seu caderno. — Ele estava pedindo carona há uma semana e finalmente vai para casa hoje. Sabe o que ele pediu? Um café gelado. Essa é a bebida de gente que está pronta para o conforto. Estou lhe dizendo, isso é uma ciência — ela terminou e mostrou o caderno para Willa.
Hoje o cabelo curtíssimo de Rachel estava todo espetado e ela usava um de seus tops de natação, vendidos na loja, com uma minissaia xadrez. O traje era tão incompatível, tão Rachel, que isso fez Willa sorrir.
— O quê? — perguntou Rachel, quando viu que Willa a encarava.
Willa sacudiu a cabeça, pensando em como estava contente por Rachel ter entrado em sua loja, um ano e meio antes.
— Nada.
— Rápido, me diga, que tipo de café você quer agora?
— Não quero café nenhum agora — disse Willa.
— Se quisesse, qual seria?
— Eu não sei. Algo gelado e doce. Chocolate e caramelo.
— Rá! — disse Rachel. — Isso significa que você estava pensando em alguma coisa que a deixa feliz.
— Bem, agora você me pegou. Eu estava mesmo.
O sino acima da porta tocou e as duas se viraram para ver quem era.
Mas não tinha ninguém ali.
— É a segunda vez que isso acontece — disse Rachel, franzindo o rosto. — Quando é que você vai consertar essa campainha? Isso me dá arrepios.
— Achei que você tivesse dito que não acredita em fantasmas — Willa provocou enquanto fechava o saco com o dinheiro do caixa e seguia até a sala de estoque para guardá-lo no cofre.
A campainha tocou novamente enquanto ela estava lá dentro.
— Willa? — Rachel chamou.
Willa saiu dizendo:
— Tudo bem, eu prometo que vou consertar.
— Tem alguém aqui para vê-la.
Ela sentiu um pequeno aperto no peito, porque, por algum motivo, achou que Colin estivesse ali novamente para vê-la. Não teve muito tempo para processar por que isso a deixaria feliz, principalmente estando convencida de que ele era pura encrenca, pois ao se virar para o homem na porta viu que não era Colin. Era Woody Olsen, um detetive da Delegacia de Polícia de Walls of Water.
O pai de Willa tinha sido professor de Woody no ensino médio, e Woody sempre o respeitara. Foi Woody quem ligara para Willa, em Nashville, avisando que seu pai tinha sido atropelado na rodovia interestadual e falecera. Ela era muito jovem e estava meio perdida e extremamente triste na época em que Woody a ajudara a arranjar tudo, organizando até o tributo no funeral. Todo ano, em vez de agradecer pessoalmente, ela mandava um cesto de frutas natalinas. Simplesmente não suportaria encontrá-lo. Mesmo agora ela ainda se retraía ao vê-lo, pois sempre o ligaria ao fato de ser portador de más notícias. Não era justo, mas ela não conseguia evitar. Sua mente instantaneamente imaginou o que poderia ter acontecido, que más notícias ele estaria trazendo agora.
— Oi, Willa — disse Woody. Seus olhos eram grandes e eternamente lacrimejantes, o que tornava difícil saber se realmente havia algo errado. — Preciso lhe fazer algumas perguntas sobre sua avó. Você tem alguns minutos?
— Minha avó?
— Não há nada de errado, juro — ele sorriu e gesticulou lentamente indicando o café, como se ela fosse ficar mais calma com seus movimentos mais vagarosos. — Vamos nos sentar — disse ele.
Confusa, Willa caminhou até o café e sentou-se. Woody se acomodou na cadeira de frente para ela. Era um homem magrinho, mas tinha um barrigão. Sua gravata ficava pousada sobre a barriga, como um bicho de estimação.
— Do que se trata, Woody? — perguntou ela.
— Sua avó não consegue mais se comunicar, então, como sua única parente viva, nós tivemos de vir até você. Só isso.
— Mas o que você quer saber sobre ela?
Woody pegou um bloquinho de anotações do bolso interno do casaco.
— Quando foi que a família de sua avó se mudou da Blue Ridge Madam?
— Não sei a data exata, acho que 1936 — ela sacudiu a cabeça. — Por quê?
— Ela mencionou alguma vez algo sobre alguém estar enterrado na Madam?
Isso tinha a ver com o esqueleto. Os ombros dela se descontraíram de alívio.
— Ah, é isso. Não. Ela nunca falou sobre sua época na Madam. Lamento.
Woody olhou as páginas de seu bloco, sem olhá-la nos olhos.
— Pelo que sei, ela estava grávida quando a família perdeu a casa.
Willa hesitou.
— Sim.
— Ela alguma vez disse quem era o pai?
— Não. Era adolescente e solteira, o que obviamente foi um escândalo na época. Ela não gostava de falar a respeito.
— Seu pai sabia?
— Talvez soubesse. Ele sempre disse que isso era particular. Eu não fazia muitas perguntas naquela época. Deveria ter feito — ela inclinou a cabeça, tentando cruzar com o olhar de Woody. — Isso é ridículo, Woody. O homem enterrado lá não é o pai do filho de Georgie. Não há ligação.
Ele finalmente ergueu os olhos.
— Colin Osgood me disse que você deu uma olhada nas coisas que estavam enterradas com o esqueleto.
— Sim — disse ela. — Quero dizer, isso foi antes de sabermos que havia um esqueleto enterrado ali. Ele me pediu para olhar as coisas e ver se eu reconhecia algo.
— Então você viu o álbum de recortes.
Ela olhou-o, inexpressiva.
— Sim.
— Não reconheceu nada?
— Não. Você reconheceu?
Woody guardou novamente o bloquinho no casaco.
— Obrigada por seu tempo, Willa. É só isso.
Ele se levantou para sair, e uma ideia terrível passou pela cabeça de Willa.
— Woody.
Ele se virou ao chegar à porta.
— Você não acha que minha avó tem algo a ver com aquele esqueleto enterrado lá, acha?
Ele hesitou.
— Independentemente do que aconteceu, foi há muito tempo. Duvido que algum dia venhamos a saber a história toda.
— Isso não responde à minha pergunta.
— Se surgir mais alguma coisa, eu aviso. Não se preocupe. Provavelmente, não vai surgir— ele abriu a porta depois deu um breve sorriso. — Obrigado pelas cestas de frutas. Eu gosto muito.
Willa se virou para Rachel, que tinha ouvido tudo.
— Eu preciso... — disse Willa, levantando-se. Ela não conseguiu terminar a frase. Não sabia exatamente o que precisava fazer.
Rachel assentiu.
— Vá — disse ela.
Willa foi diretamente para a casa de repouso, algo que ela raramente fazia tão tarde, pois a avó tendia a ficar inquieta ao anoitecer. Mas seu instinto protetor levou-a para lá.
Georgie já tinha jantado e havia sido medicada, então Willa sentou-se junto à sua cabeceira e tentou assimilar o que estava acontecendo. Willa sabia que não havia nada nos itens encontrados no túmulo que ligassem sua avó ao tal de Tucker Devlin. Ela não fazia ideia do motivo que levou Woody a pensar nisso.
Ela se lembrou de que o jornal encontrado na maleta estava datado de agosto de 1936 e desejou saber exatamente quando a avó tinha se mudado. Se tivesse sido antes disso, não haveria nada com que se preocupar.
Claro que a história toda era absurda. Sua avó sempre fora uma pessoa decente, era uma mulher linda e livre que passou por uma série de dificuldades, mas tinha uma ética profissional incrível, com a qual sustentou a si e o amado filho. Jamais machucaria ninguém.
Willa se levantou e beijou a testa da avó, desejando ter algum meio mágico de trazê-la de volta num estalar de dedos do lugar distante para onde ela havia flutuado.
Foi até a enfermaria e pediu que eles entrassem em contato com ela caso alguém viesse ver sua avó. Não mencionou a polícia especificamente, mas era nisso que estava pensando.
Enquanto conversava com a enfermeira, ela viu alguém virando no corredor, depois da enfermaria. Era Paxton Osgood, que obviamente estava ali para visitar sua própria avó. Ela aparentava estar consideravelmente melhor que na última vez que Willa a vira. Ou seja, ela mostrava uma aparência perfeita.
Se Willa gritasse olá, ela estava bem certa de que Paxton agiria como se a noite de sexta nunca tivesse acontecido. E, se ela fizesse isso, era porque elas não tinham nenhuma ligação, nenhum motivo para trocar gentilezas. Então, Willa apenas daria meia-volta e iria embora.
Foi quando algo subitamente lhe ocorreu.
Agatha. É claro.
Willa nunca tivera muito contato com Agatha Osgood, mas ela passara tempo suficiente na casa de repouso para saber quanto ela era ruidosa, teimosa e, às vezes, simplesmente má. Mas Agatha e Georgie tinham sido boas amigas quando jovens. Depois que Georgie teve seu filho, Agatha até ajudou a criá-lo durante os primeiros anos, enquanto Georgie trabalhava para a família Osgood. Elas chegaram a viver juntas na Cabana da Nogueira até Ham completar seis anos. Então Agatha se casou. O pai de Willa disse uma vez que sua mãe não achava certo continuar vivendo ali depois daquilo. As duas se separaram, aparentemente não por um motivo específico. Mas o pai de Willa uma vez disse que Georgie não se considerava mais parte do grupo.
Willa seguiu Paxton pelo corredor da direita e observou-a entrar num quarto. Quando Willa chegou ao quarto, ela olhou lá dentro surpresa. As dependências de Agatha eram como um belo salão de visitas de uma dama do Sul dos Estados Unidos. Havia lindas telas a óleo na parede, um conjunto de móveis combinando, e até uma pequena geladeira. Parecia que, a qualquer momento, uma empregada de uniforme branco entraria para servir chá de morangos e petits-fours.
Paxton estava em pé, de costas para Willa. Willa limpou a garganta e disse da porta:
— Paxton?
Paxton se virou e, depois de um instante de surpresa, pareceu até aliviada.
— Olhe, Nana — disse Paxton. — Você tem visita. Não é bacana?
Agatha estava sentada em seu sofá de dois lugares, em frente à janela, com o corpo rigidamente curvado, o que fez Willa pensar numa concha. Mas seus movimentos eram surpreendentemente rápidos, sua cabeça girou na direção da voz de Willa, na porta.
— Quem é? Quem está aí? — perguntou ela.
— É Willa Jackson, Sra. Osgood — disse Willa.
Agatha imediatamente tentou se levantar.
— O que é? Há algo errado com Georgie?
— Não, senhora — Willa apressou-se em dizer. — Ela está dormindo agora.
Agatha sentou-se novamente.
— Então, o que você quer? — perguntou ela.
Tanto Agatha como Paxton ficaram olhando para ela. Willa ficou impressionada pela semelhança dos olhares. Paxton certamente tinha puxado a avó.
— Eu estava imaginando se a senhora poderia falar sobre minha avó. Eu posso voltar depois, se agora for uma hora ruim.
— Claro que não é uma hora ruim — disse Paxton, acenando para que Willa entrasse. — Não seria agradável, Nana? Conversar sobre os velhos tempos?
— Deixe de ser tola, Paxton. Você não é assim — disse Agatha, depois se virou para Willa. — O que você quer saber?
Willa deu alguns passos.
— Eu... É difícil dizer. Vocês eram amigas.
— Nós somos amigas — Agatha estrilou. — Ela ainda está aqui. Eu ainda estou aqui. E enquanto estivermos vivas, sempre seremos amigas.
— A senhora a conhecia no ano em que ela se mudou da Madam? — perguntou Willa.
— Sim, é claro. Ela foi morar comigo depois disso.
— Lembra-se de alguém que tenha morrido na Madam naquele ano? E de depois ter sido enterrado sob o pessegueiro? A polícia esteve me fazendo perguntas sobre a vovó Georgie esta tarde. Insinuaram que ela tem algo a ver com isso. Que ela teve algo a ver com ele, o homem que está enterrado lá. Mas isso é absurdo. A senhora a conhecia naquela época. Ela jamais faria algo assim. — Era tarde demais quando ela percebeu Paxton gesticulando freneticamente. Xiii. Obviamente isso significava que estavam escondendo algo de Agatha.
A mudança em Agatha foi notável. Ela chegou a tomar um susto e arregalar os olhos, que ficaram parecidos com duas imensas bolas de gude marrons, apertadas na terra.
— O quê? Que história é essa, Paxton?
— Está tudo bem, Nana — disse Paxton, caminhando até ela e afagando-lhe o braço, mas Agatha se afastou bruscamente. — Nós derrubamos a velha árvore na Madam e havia um esqueleto enterrado ali. Nada com que se preocupar. Agora está tudo bem. Na verdade, estamos trazendo uma bela árvore para substituí-la.
— No instante em que você me disse que tinha comprado a Madam, eu sabia que isso ia acontecer. Você o encontrou — disse Agatha. — Você encontrou Tucker Devlin.
Willa e Paxton trocaram olhares. O clima no quarto ficou tenso. Uma brisa fresca, cheirando a pêssego, flutuou sinistramente.
— Como sabe o nome dele? — Paxton perguntou, cautelosamente.
— Qualquer um que o conheceu jamais esqueceu seu nome.
Apesar de saber que Paxton estava aborrecida por ela tocar no assunto, Willa se viu seguindo em frente.
— A senhora o conheceu?
— Ele se intitulava caixeiro-viajante. Na verdade, era um trapaceiro. Mas nem isso lhe fazia justiça. Ele era... mágico — Agatha sussurrou a última palavra como se tivesse poder. Sem perceber, Paxton e Willa se aproximaram uma da outra, um gesto que ambas teriam dificuldade para explicar. — Eu nunca me esquecerei do dia em que o vi pela primeira vez. Georgie e eu estávamos sentadas no gramado da Madam, fazendo coroas de flores de trevo. Naquele dia, ventava muito e eu lembro que nossos vestidos estavam tremulando em volta de nossas pernas. Meus cabelos ficavam cobrindo a minha visão quando caíam sobre meus olhos, então Georgie riu e me fez virar a cabeça para fazer uma trança, e foi quando o vimos subindo a colina, com sua maleta empoeirada. Tínhamos ouvido falar dele, é claro. Ele já estava na cidade fazia um tempo, vendendo cosméticos para as moças, e a mulheres mais velhas o acobertavam. Mas ele estava a fim de coisas maiores e melhores naquele dia. Chegou à porta da Madam, parou e depois se virou para nós. Quando ele viu o que Georgie estava fazendo, percebeu que eu segurava meu vestido para não levantar e sorriu; sorriu como um deus olhando para seus filhos. Ele assoviou algumas notas estranhas, e o vento parou. Simplesmente assim — Agatha parou de falar. — O homem sabia assoviar e fazer o vento parar.
Quando os braços de Willa e Paxton se tocaram, elas deram um pulo se afastando, o que fez surgir um espaço entre ambas.
— Não se preocupe, Willa. Sua avó não o matou — disse Agatha. — E disso eu sei com certeza.
Willa sorriu.
— Bem, é um alívio ouvir alguém dizer isso.
— Porque eu o matei — Agatha concluiu.