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13

A Piadista, o Homem-Vareta,
a Princesa e o Excêntrico

Eles seguiram de carro até a National Street e estacionaram na antiga estação ferroviária, que fora a veia principal de Walls of Water há mais de um século, quando essa era uma cidade movimentada pela madeira. Mas quando o governo comprou a floresta montanhosa ao redor e transformou-a em parque nacional, o trem parou de vir, e tudo teve de mudar. A estação se transformou em restaurante e centro turístico. As lojas passaram a se concentrar nos turistas. E ao longo da National Street foram colocadas dúzias de esculturas ao ar livre, todas representando as cachoeiras do parque. Você não daria mais de dez passos nessa rua sem encontrar um lembrete de que aquele era o caminho para as cachoeiras. Por ali fica a estrada de tijolos amarelos.

O restaurante Depot ficava localizado no que um dia fora o pátio das locomotivas da antiga ferrovia. Naquele dia, estava cheio de gente das trilhas, com suas mochilas encostadas às cadeiras. Willa, Colin, Paxton e Sebastian entraram, um quarteto certamente interessante: Willa e Colin com suas roupas amassadas e cabelos despenteados, e Paxton e Sebastian em roupas sociais que combinavam lindamente entre si.

Eles foram avisados de que haveria espera por uma mesa, mas poderiam comer no bar se quisessem. Concluíram que era uma ótima ideia, principalmente porque Paxton e Sebastian já tinham comido e só queriam drinques.

Paxton e seu irmão sentaram-se um ao lado outro, com Willa e Sebastian nas pontas. Willa gostava de ver os irmãos interagirem. Ela sabia que eles eram gêmeos, mas eram tão diferentes que ela realmente não notara suas semelhanças até vê-los juntos: os olhos escuros, os sorrisos bondosos, a forma pela qual provocavam um ao outro, o jeito de se sentarem com a postura perfeita.

Depois de fazerem o pedido, Colin, Sebastian e Paxton comentaram como era bonito o local. Eles nunca tinham estado ali.

Isso fez Willa rir.

— Vocês são tão urbanos.

— E você não? — perguntou Paxton, sorrindo.

— Eu expandi minhas fronteiras.

Quando as bebidas chegaram, Colin se virou para Sebastian e perguntou:

— Há quanto tempo você está de volta a Walls of Water?

— Só um ano — disse Sebastian. — E você? Planos de se mudar de vez?

Colin evitou cuidadosamente os olhares de Willa e Paxton ao dizer:

— Não.

— Eu não entendo — disse Paxton, erguendo sua margarita e tomando um gole. — O que há de tão errado com Walls of Water? É seu lar. Nós nascemos e fomos criados aqui. Nossa história está aqui. Por que você ia querer estar em qualquer outro lugar? Esse lugar nos define.

— Você acertou na mosca, Pax — disse Colin. Ela e Willa se viraram para ele, com expressões semelhantes de desespero.

— Você não gosta do fato de que esse lugar o define? — perguntou Paxton.

Colin deu de ombros.

— Não sou mais o Homem-Vareta.

— E, no entanto, você ainda quer acreditar que eu sou a Piadista — disse Willa.

— A Piadista estava saindo de sua casca. Você provou para muita gente que era bem mais do que imaginavam. Foi uma boa coisa. — Ele brindou com seu copo.

— Não era questão só de provar que eu era mais do que imaginavam. Ser a Piadista foi uma manifestação de muitos problemas familiares não resolvidos.

Sebastian fungou e todos se viraram para ele. Ele estava casualmente recostado no balcão do bar.

— Para vocês dois foi moleza. Experimentem ser o Excêntrico qualquer hora dessas.

— Acho que você é a única que não mudou, Pax — disse Colin. — E eu acho que foi por compreender a si mesma muito antes de qualquer um de nós.

Aquilo pareceu magoar Paxton, e Willa teve vontade de dar um soco no braço de Colin.

— Acho que sou simplesmente a Princesa do grupo, não sou?

— Eu disse isso como um elogio.

— Não, não disse — disse Paxton. — Vocês querem saber qual é a diferença entre mim e todos vocês? Não deixo de amar nenhum de vocês por não serem exatamente como eu gostaria.

— Não, você reserva essa crítica só para si mesma — disse Sebastian, baixinho.

Silêncio.

— Sou eu ou essa conversa de repente ficou séria demais? — disse Willa.

Eles tentaram rir e logo os sanduíches de Willa e Colin chegaram. Enquanto eles comiam, Paxton falou sobre a comida mágica no almoço, e Sebastian contou algumas histórias engraçadas sobre as damas da sociedade. Colin, que era obviamente um comilão voraz, com um metabolismo invejável, rapidamente terminou seu Reuben.

Paxton estava girando seu copo no balcão do bar e, quando notou que o prato dele estava vazio, disse:

— Posso voltar para a Cabana da Nogueira com você?

Colin limpou a boca com o guardanapo.

— Primeiro preciso levar Willa de volta até o jipe dela.

— Está logo ali na rua, em frente à minha loja — disse Willa, baixando o sanduíche. — Eu posso ir andando.

— Paxton, eu posso levá-la para casa — disse Sebastian. — A Willa não terminou.

— Não. Acho que terminei — disse Willa, sem ter certeza do motivo. Todos subitamente pareciam tão ansiosos para ir embora que ela também se sentiu assim. Foi como ver uma multidão fugindo de alguma coisa. Você não fica esperando para ver o que é. Você também corre.

Paxton se levantou e Colin a seguiu.

— Eu a vejo amanhã? — Sebastian perguntou a Paxton.

— Não. Eu ia lhe dizer isso. Você vai ganhar um alívio dominical. Willa e eu vamos conversar com a Nana Osgood amanhã.

— Vão? — disse Colin. — Por quê?

Paxton suspirou.

— Talvez um dia, Colin, quando você finalmente se interessar por essa família, eu conte — disse ela ao sair andando.

— Bem, essa será uma viagem divertida para casa — disse Colin, ao deixar no balcão o dinheiro da conta.

— Obrigada pela trilha — disse Willa.

— Lamento tê-la feito ir.

— Eu não lamento. — Ele olhou em seus olhos, por um instante a mais do que o necessário, depois saiu.

Sebastian se aproximou, sentando-se ao lado dela.

— Se isso era o que estávamos dizendo, imagine o que não dissemos. — Ele apontou para o sanduíche. — Termine. Eu vou levá-la até seu jipe.

— Tudo bem, eu vou a pé.

— Então eu vou a pé com você — disse ele.

Willa olhou para o sanduíche. Ela não estava mais com fome.

— Então vamos — disse ela, descendo da banqueta. — Eu terminei.

Acabara de anoitecer quando eles saíram, e o céu tinha um tom rosado. Sua avó dizia que um céu assim significava que alguém a distância tinha acabado de se apaixonar — um raro momento de capricho, de uma mulher que tinha medo de tudo. Enquanto caminhavam pela calçada, perceberam que a National Street ainda estava movimentada e muitas lojas permaneciam abertas. Sebastian tinha um jeito tranquilo. Era uma pessoa que não se importava com o silêncio.

— Há quanto tempo você e Paxton são... próximos? — Willa finalmente perguntou.

— Desde que voltei para a cidade. Nós nos demos bem instantaneamente. — Sebastian não parecia o tipo que magoaria alguém propositadamente. Será que sabia que Paxton estava apaixonada por ele? Willa não tinha noção do motivo para cogitar se envolver. Não gostava da ideia de Paxton ser magoada por alguém que ainda não tinha entendido totalmente a si mesmo. Ligeiramente parecido com Colin, pensou ela. Não que Willa estivesse magoada. Realmente, não. Seus sentimentos por ele eram culpa sua. Ela sempre soube que ele iria embora.

— Você e Paxton parecem estar se conhecendo melhor — Sebastian comentou, depois de outro período de silêncio.

— Não sei. Provavelmente, entender é uma palavra mais apropriada. Estamos nos entendendo. Nossas avós tiveram uma ligação há muito tempo. Estamos meio que descobrindo os detalhes.

— Para o baile de gala? — perguntou ele.

— Não somente por isso.

Eles finalmente chegaram à loja de Willa. Estava tudo apagado lá dentro e Rachel já tinha ido embora.

— Obrigada pela companhia. Este é meu jipe — disse Willa, abrindo o zíper do bolso do short e tirando a chave.

— Sabe, Colin estava certo sobre uma coisa — disse Sebastian. — Sendo a Piadista, você provou, sim, a muita gente que era bem mais do que imaginavam. E você nem pode dizer que essa não foi sua intenção, pois fez questão de que todos nós soubéssemos, com aquele cartaz, que era você.

Willa sorriu, timidamente.

— Bem, eu achei que nunca mais fosse voltar para Walls of Water depois da faculdade. Eu queria que a lenda tivesse um nome.

— Você me inspirou um pouquinho.

— É?

— Naquela época, eu também precisava me libertar de algumas coisas. Eu tinha de deixar de ser o que todos achavam que eu era. Mas sempre haverá um pouquinho do Excêntrico em mim. É parte de quem sou.

Ela sempre achara Sebastian o mestre da reinvenção. Mas agora ela percebia que ele não tinha se reinventado. Ele se tornara ele mesmo.

— Como você compreendeu isso?

— Nós somos quem somos. É surpreendente como influímos pouco nisso. Uma vez que você aceita isso, o resto é fácil. — Ele se inclinou para a frente e beijou-a no rosto. — Boa noite, querida.

— Boa noite — disse ela, enquanto o observava ir embora.

Willa já tinha tomado banho e estava com seu short de algodão e sua camiseta regata de dormir quando ouviu uma batida à porta. Ela vestiu um robe curto, desceu a escada e acendeu a luz que já tinha apagado.

Quando abriu a porta, seu insone predileto estava ali, parecendo totalmente infeliz.

— Desculpe — disse Colin. — Peço desculpas por ter insinuado que sua vida é menos do que precisa ser para você e sua família. Eu fiz tudo isso por mim.

— É, eu finalmente concluí isso. — Willa deu um passo para trás e o deixou entrar. Colin trouxe aquele aroma de torta de limão que ela já sentira. Arrependimento.

— Não sei por que esse lugar me afeta tanto, como se eu não conseguisse ser eu mesmo aqui, embora eu sempre seja. Faço questão disso. Talvez eu só esteja reclamando demais. Talvez ache que, se voltar, não consiga ser um Osgood tão bom quanto o restante de minha família. Esse sempre foi meu grande medo. Mas, nossa, eu fico tenso só de pensar. Não quero isso. Não quero festas da sociedade e dias passados no campo de golfe. — Ele passou as duas mãos nos cabelos. Ainda estavam úmidos, como se ele também tivesse acabado de tomar banho.

Willa cruzou os braços.

— Por acaso alguém o obrigou a fazer algo que você não queria durante suas visitas?

Ele franziu o rosto.

— Bem, não.

— Então você só está criando um conflito que não existe. — Ela riu. — Sabe da maior, Colin? Ainda tem um pouco do Homem-Vareta em você. Acostume-se a isso, pois não vai passar.

Ele foi até o sofá e desmoronou.

— Estou constrangido. E muito cansado. Por que nunca posso dormir aqui?

— Talvez você só esteja com medo de relaxar e deixar que algumas coisas simplesmente aconteçam.

— Você está certa. Eu me apaixonar por você simplesmente aconteceu. — Ele riu e recostou a cabeça nas almofadas. — E isso foi a melhor coisa que aconteceu quando voltei para casa.

Os braços de Willa caíram de surpresa.

— Eu já disse, pare de vir aqui quando estiver cansado. Você diz coisas que não deveria.

Ele ergueu a cabeça e olhou-a seriamente.

— Por que eu não deveria dizer isso?

— Porque não estou totalmente certa se você sabe quem sou — respondeu ela honestamente. Como ele poderia? Se ela mesma só conseguira começar a entender recentemente?

— Ao contrário. Eu tenho prestado muita atenção.

Ela sacudiu a cabeça.

— Diga isso de manhã, e eu talvez acredite.

— Está bem. — Ele esfregou as mãos no sofá. — Posso dormir novamente no seu sofá? Aquela foi a única boa noite de sono que eu tive desde que voltei.

— Tudo bem — disse Willa, e suspirou. — Deixe-me pegar um travesseiro.

— Não, nada de travesseiro — disse ele, se esticou, depois abriu espaço para ela. — Só você.

Todo tipo de coisa passava pela cabeça de Willa, dentre as quais a mais surpreendente era o sim! instantâneo que ela ouvia. Mas ela vinha negando esses impulsos havia tempo demais para segui-los sem antes pensar.

— Colin...

— Só quero que você fique aqui comigo até que eu adormeça, está bem?

Ela apagou novamente a luz, depois caminhou até ele. Colin era tão alto que ela facilmente se encaixava ao seu lado. Ele passou o braço ao redor dela, que pousou a cabeça em seu peito. Isso parecia certo.

Mas improvável.

— Não tenho certeza se consigo viver aqui — disse ele, na escuridão, como se lesse os pensamentos dela. Willa podia ouvir a voz de Colin, no fundo do peito.

— Não tenho certeza se consigo ir embora — ela respondeu.

Eles ficaram quietos por um tempo. O coração dele foi desacelerando, entrando num ritmo calmo.

— Mas acho que posso tentar viver aqui — Colin sussurrou.

— Acho que posso tentar ir embora — Willa sussurrou de volta.

— Ainda não há chance de transformá-la numa garota da natureza?

Ela riu e se aconchegou mais perto dele.

— Durma, Colin.

E ele finalmente dormiu.

Na manhã seguinte, Willa estava em pé numa cadeira em seu closet, esticando o braço para pegar uma caixa de sapatos cheia de recordações do ensino médio, quando Colin apareceu atrás dela.

— O que está fazendo?

— Mas que engraçado, eu estava torcendo para que um homem alto subitamente aparecesse para me ajudar — disse ela, pulando da cadeira. — Você poderia pegar aquela caixa na prateleira para mim?

Ele se exibiu ao pegar com facilidade.

— O que é isso? — perguntou Colin, ao entregar-lhe a caixa.

— É só uma coisa que quero devolver a Paxton quando a encontrar hoje — disse Willa, pousando a caixa em cima da cômoda. Ela já estava acordada havia um tempo, mas ainda não tinha mudado de roupa. Colin ainda estava dormindo quando Willa se levantou, então ela não quis fazer muito barulho.

— Então este é o seu quarto — disse ele, olhando em volta. A cama de ferro fundido era a mesma em que ela dormira a maior parte de sua vida, mas as luminárias nas mesinhas de cabeceira eram peças de cristal pouco convencionais que Rachel lhe dera de aniversário. Seus móveis eram antigos, mas algumas peças eram pintadas à mão, com desenhos de arlequim feitos por uma de suas amigas artistas da National Street.

— Sim, este é o meu quarto.

Ele estava todo descabelado, com a camisa para fora das calças e os pés descalços e, por alguma razão, ela achou encantador. Ele se virou para Willa e disse:

— Eu dormi.

— Eu sei. — Ela não ia contar que não dormira. Estava acostumada a dormir de barriga para cima e, isso só seria possível ela se esparramasse por cima dele no sofá.

Colin caminhou até ela e passou os braços ao redor de sua cintura.

— Obrigado.

— Eu não fiz nada.

— Fez sim. E sabe o que isso significa? — ele se abaixou e disse no ouvido dela: — Significa que teremos de fazer isso novamente.

Willa riu.

— Está bem, mas não no sofá. Estou acostumada demais com a minha cama.

Ele olhou por cima do ombro.

— É uma bela cama.

Ela pegou a mão de Colin e o levou até a cama.

— É muito confortável — disse Willa, sentando-se. — E cabem dois.

Colin se inclinou por cima dela, fazendo-a se deitar. Ainda erguido, mas com uma das mãos em cada lado dela, ele olhou-a de cima a baixo e disse:

— Willa?

— Sim?

— É de manhã.

— Eu sei.

— E eu ainda estou apaixonado por você.