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15

Arriscar-se

Na segunda-feira, Paxton trabalhou durante o almoço para poder tirar o restante da tarde de folga. A papelada que exigia sua assinatura se empilhava no centro de apoio social, e havia um milhão de detalhes para cuidar antes do baile de gala na noite de sexta-feira, mas havia algumas coisas que simplesmente eram mais importantes.

Ela foi de carro até a Imobiliária Harris & Associates, que ficava ao lado do mercado orgânico, e estacionou seu carro. Quando entrou, ela viu Kirsty Lemon ao telefone, em sua mesa. Assim que Kirsty desligou, Paxton caminhou até ela.

— Paxton — disse Kirsty, surpresa. — O que está fazendo aqui?

— Eu notei que o sobrado da Teal Street ainda está à venda.

— Sim, está — disse Kirsty, cautelosa.

— Eu quero comprá-lo.

Kirsty parecia prudente, desconfiada, o que Paxton não estava esperando.

— Você tem certeza desta vez?

— Sim.

Kirsty suspirou e pegou sua chave.

— Bem, vamos dar uma olhada — disse ela, com o entusiasmo de alguém que vai fazer uma colonoscopia.

As duas entraram na minivan de Kirsty. Paxton não conseguia se lembrar da última vez em que elas tinham andado no mesmo carro. Talvez tivesse sido no ensino médio, quando Kirsty pegava o Range Rover pré-histórico do pai e elas iam para Asheville aos sábados. Ela sentia falta disso, de andar de carro com Kirsty, falar sobre tudo. Antes de ficarem adultas. Antes de haver tantas coisas que elas não quisessem que a outra soubesse.

O sobrado era num bairro chamado Waterview, um local cheio de verde, com uma área comum que tinha um mirante e uma fonte. As casas eram de tijolinhos e lindas. O sobrado que Paxton tinha adorado, desde o instante em que Kirsty lhe mostrara no ano anterior, ficava numa rua sem saída. Havia trepadeiras ao redor da porta e Paxton se lembrava de ter pensado como seria maravilhoso entrar em casa durante a primavera, quando as plantas estariam florindo. Seria como atravessar um arco nupcial todos os dias.

Kirsty destrancou a trava de segurança. O teto era alto, como de catedral, e o piso era de tábuas corridas. Na parte de cima havia três quartos. Esse tinha sido um dos pontos de discussão com sua mãe, quando Paxton quis se mudar no ano anterior, antes de completar trinta anos. Sua mãe insistira que Paxton não precisava de tanto espaço.

Ela pensou no que Sebastian lhe disse sobre toda vida precisar de um pouquinho de espaço e como isso abre lugar para que coisas boas entrem.

Ela gostaria de ter pensado nisso para dizer à mãe naquela ocasião.

Paxton caminhou pelo espaço aberto. A cozinha de chef, anexa à sala de estar, era separada por uma bancada. Ela pensou em como seria legal convidar amigos para jantar, idealizando as coisas, é claro, porque as participantes do clube eram casadas e esse tipo de programa só de garotas parecia não existir mais entre elas. Ou, se existia, Paxton não estava incluída. Se ela tivesse feito isso logo depois de sair da faculdade, talvez as coisas pudessem ter sido diferentes, antes que as vidas de todas se complicassem tanto.

— É tão lindo quanto eu me lembrava — disse Paxton.

Kirsty estava em pé, perto da porta.

— Eu estava contando com a comissão da venda desta casa no ano passado. Quando você desistiu de comprá-la, no último minuto, eu fiquei muito chateada com você.

Surpresa, Paxton se virou para Kirsty.

— Por que você não disse nada?

Kirsty deu de ombros.

— Eu lamento. Nós costumávamos poder dizer qualquer coisa uma à outra. Quando foi que isso mudou?

— Eu não sei. — Kirsty se aproximou. — Quando você é adolescente, seus amigos são sua vida. Quando você cresce, as amizades ficam cada vez mais distantes, até parecer um luxo, uma frivolidade, como um banho de espuma.

— Você é importante para mim, Kirsty — disse Paxton. — Sempre foi. Por algum motivo, eu só parei de dizer, ou de demonstrar.

— Nossa, Pax, esse é um lado seu que eu não vejo há tempo. O que trouxe isso à tona?

— Com a proximidade do baile de gala, eu tenho pensado em nossas avós, na forma que o relacionamento delas durou por toda a vida. Eu sempre achei que seria assim conosco.

Kirsty pareceu um pouco triste.

— Eu também.

E era isso, Paxton imaginou. O reconhecimento de que as coisas haviam mudado, mas ninguém estava disposto a fazer nada a respeito.

— Certo. Eu quero esta casa — disse Paxton. — O mais rápido possível. Estou fazendo uma oferta hoje.

— Paxton, venha aqui — sua mãe chamou da sala, assim que Paxton pisou em casa.

Quando Paxton entrou, a mãe e o pai estavam sentados no sofá, assistindo ao noticiário noturno.

— Seu vestido foi entregue hoje — disse Sophia, apontando uma grande caixa branca na poltrona do canto. — Não deixe de experimentar, para ter certeza de que não vai precisar ser ajustado no último minuto. Acho que você, eu e seu pai devemos ir juntos, principalmente se você não tem um acompanhante.

Paxton caminhou até a caixa e a abriu, ainda sentindo um pouquinho daquela emoção que costumava sentir ao pensar em vestidos de festa, a fantasia daquilo tudo. Ela sorriu quando viu o material rosado brilhante, a pedraria ao redor da gola.

— Eu preciso chegar lá cedo, então vou com meu carro. — Ela recolocou a tampa na caixa. — Mamãe, quando você se mudou da casa de seus pais?

Sophia desviou o olhar da televisão.

— Depois da faculdade. Eu fui morar com algumas amigas. Fiquei com elas por aproximadamente dois anos, até começar a namorar seu pai. Foi uma das melhores épocas da minha vida. Quando Donald me pediu em casamento, eu fiquei empolgada, é claro, mas um pouquinho triste também. Aquilo significava que eu estava deixando minhas amigas para trás.

Paxton viu o pai virar a cabeça para olhar Sophia quando ela disse isso.

— Por quê? — perguntou Paxton. — Vocês não poderiam ter continuado a ser amigas?

— Você certamente sabe disso, Paxton. Você faz uma escolha. Você não é tão próxima de suas amigas casadas como já foi, é?

— Não — disse ela. — Mas acho que isso é como dizer que lamenta por ter deixado a torneira aberta na casa inundada. Em determinado momento, você poderia ter desligado. Não é algo que precisava ter acontecido.

Sophia subitamente franziu o rosto.

— Por que você está perguntando essas coisas?

Paxton pegou a caixa do vestido e caminhou até sua mãe.

— Porque eu estou me mudando.

Sophia abanou a mão.

— Ora, Paxton, nós já falamos sobre isso no ano passado. Você está muito melhor aqui. Não precisa de um lugar só seu, a Cabana da Nogueira tem bastante espaço.

— Eu esperei tempo demais. Adiei demais. Você se mudou logo após a faculdade. Todas as minhas amigas também. Preciso fazer isso. — Ela respirou fundo. — Fiz uma oferta para a compra de um sobrado esta tarde.

Quando finalmente assimilou que Paxton estava falando sério, Sophia disse:

— Paxton! Você não fez isso!

— Sim, eu fiz. Você pode me visitar quando quiser. E eu venho visitá-la. Mas vou decorar a casa como eu quiser. E não vou lhe dar uma chave. Tenho trinta anos de idade, mamãe. Acho que você se esqueceu disso.

— Donald! — gritou Sophia. — Diga algo.

Seu pai virou-se para ela com uma centelha no olhar que havia muito tempo Paxton não via.

— Você gostaria que eu lhe desse o valor da entrada como presente para a casa nova?

Isso fez Paxton sorrir.

— Não, obrigada, papai.

— Donald!

— Ela está indo embora, Sophia. Talvez seja hora de tentarmos nos virar, somente nós dois, por um tempo.

Enquanto Paxton saía, Sophia olhava o marido como se ele tivesse acabado de voltar de uma viagem muito, muito longa, e ela não tivesse certeza se estava ou não contente em vê-lo.

Quando Paxton chegou à casa da piscina, ela pegou o telefone e ligou para Willa. Não tinha certeza do motivo.

— Alô?

Paxton hesitou por um momento.

— Oi. É a Paxton.

— É sua irmã — disse Willa.

— O Colin está aí?

— Sim. Quer falar com ele? — Willa estava de bom humor. Paxton pôde perceber isso em sua voz.

— Não, eu quero falar com você. Mas ligo depois, quando você não estiver ocupada — Paxton se apressou em dizer.

— Não seja tola. — Paxton ouviu o ranger de uma porta de tela, depois o barulho da porta sendo fechada. — Agora estou do lado de fora — disse Willa. — Seu irmão está tentando descobrir como fazer a cafeteira funcionar. Ele disse que ela deveria estar num museu.

Paxton pegou a caixa do vestido que tinha deixado no sofá e foi para o seu quarto.

— Ele ingere cafeína demais.

— Eu sei. Comprei café descafeinado para ele.

— Hoje eu percebi que você ainda não confirmou sua presença no baile de gala. Você vai? Por favor? Não obrigarei você a receber nada em nome de sua avó. Eu só gostaria que você estivesse lá. E se o Colin ainda não a convidou, prepare-se, pois ele está prestes a fazê-lo. — Paxton tirou o vestido rosa forrado da caixa e colocou num cabide acolchoado, depois pendurou na porta do closet. — Acho que até consegui convencer a Nana Osgood a ir. Depois de tudo que ela nos contou, acho que ela vai só para ver o deboche que essa geração faz do clube.

— O que há de errado, Pax? — perguntou Willa, e Paxton percebeu que era a primeira vez que ela usava seu apelido. — Você parece melancólica.

— Melancólica, não. Conflitante, eu acho. — Paxton se sentou na beirada da cama, olhando o vestido. — Hoje eu resolvi comprar uma casa. Vou me mudar da Cabana da Nogueira.

— Isso é ótimo! Precisa de ajuda com a mudança?

— Na verdade, eu não tenho muito o que levar. Terei de comprar uma porção de coisas. Nem tenho uma cama que seja minha. Preciso arranjar um tempo para tirar as medidas amanhã. — Ela parou. — Você gostaria de ver a casa?

— Eu adoraria — Willa disse imediatamente.

— Não conte ao Colin ainda. Vou dar a notícia quando ele chegar aqui. Ele vai ficar triunfante. — Paxton inclinou-se para a frente com um cotovelo no joelho e a cabeça pousada na mão. — Estou com um pouquinho de medo, Willa — disse ela, baixinho, como se tivesse medo até de revelar aquilo.

Ela ouviu outro rangido, como se Willa tivesse acabado de se sentar.

— A felicidade é um risco. Se você não sentir um pouquinho de medo, não está fazendo a coisa certa.

Paxton ficou em silêncio, assimilando aquilo.

— Você vai à festa de gala com Sebastian? — Willa finalmente perguntou.

— Ele não tocou mais no assunto. Acho que vou sozinha. Mas tudo bem. Vou ficar bem.

— Você tem certeza?

— Não parece ser mais a mesma coisa com ele. Não parece mais igual sem ele. Nada chegou a ser rompido, então não é como se eu pudesse consertar. Simplesmente terei de continuar tentando encontrar o que estou procurando.

— Você vai encontrar — disse Willa.

— Eu espero que sim.

— Estou aqui, se você precisar de mim.

Na verdade, tinha sido esse o motivo do telefonema. Paxton precisava ouvir aquilo.

— Obrigada, Willa.