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Sussurros

Paxton Osgood tinha ficado até mais tarde para terminar a papelada no centro de apoio social, portanto já estava escurecendo quando ela foi embora. Ela foi para casa dirigindo, seguindo as luzes tremulantes dos postes que começavam a se acender como vaga-lumes mostrando o caminho. Ela estacionou na frente da casa dos pais e desceu do carro pensando que se cronometrasse direito o tempo poderia dar uma rápida nadada antes de mudar de roupa e seguir para a reunião noturna do Clube Social Feminino.

Esse plano foi cuidadosamente articulado por Paxton, de modo a não ter de se deparar com seus pais. Ela tinha passado semanas adaptando sua agenda para não ter de parar e contar sobre seu dia no instante em que entrasse em casa. Essa impaciência, esse comportamento esquivo era algo relativamente novo e ela não tinha certeza do que fazer quanto a isso. Até agora, Paxton realmente não se incomodara de morar com os pais. Uma vez, a cada temporada, quando ela ia visitar a fraternidade de irmãs Tulane, em Nova Orleans, elas admiravam o fato de Paxton ainda viver na casa dos pais. Não entendiam por que ela havia voltado a morar com eles depois de se formar, já que tinha dinheiro para fazer o que quisesse. Era difícil explicar. Ela adorava Walls of Water. Adorava fazer parte de sua história, de levá-la em frente. Isso a tocava profundamente. Ali era seu lugar. E como o emprego de Colin, irmão de Paxton, o levava para todos os cantos do país e, às vezes, até do exterior, Paxton achava justo que seus pais tivessem ao menos um filho por perto.

Mas, no ano anterior, como o trigésimo aniversário pairava sobre sua cabeça como uma nuvem sombria, Paxton finalmente tomara a decisão de se mudar, não para outro estado, nem para o outro lado da cidade, mas para um sobrado que sua amiga e corretora Kirsty Lemon estava tentando vender, a apenas dez quilômetros da Cabana da Nogueira. Ela tinha medido o percurso no marcador de quilometragem de seu carro e mencionou isso aos pais, como um ponto positivo. Mas sua mãe ficara tão aborrecida com sua partida, com o rompimento da união feliz e disfuncional, que Paxton foi forçada a recuar. No entanto, ela se mudou da casa principal para a casinha junto à piscina, um passo pequeno, porém necessário. Isso simplesmente levaria tempo.

A casa da piscina provia alguma privacidade, mas, infelizmente, não havia meio de entrar ali sem passar pela principal, portanto seus pais sempre sabiam quando ela chegava e partia. Ela não podia sequer trazer suas sacolas de mercado sem algum comentário da mãe. Era com isso que ela ficava sonhando acordada. Ela fantasiava em manter uma caixa de donuts no balcão da cozinha sem que ninguém comentasse a respeito.

Ela subiu os degraus da vasta casa dos pais, chamada Cabana da Nogueira, por conta do grande número de nogueiras no estado. No outono, todo o quintal dos fundos se transformava numa massa de folhagem amarela tão radiante que iluminava a noite como se fosse de dia. Os passarinhos que faziam ninhos nas árvores ficavam confusos, pois não sabiam que horas eram, e permaneciam acordados durante dias até caírem dos galhos, exaustos.

Ela abriu a porta da frente silenciosamente, depois fechou-a devagarzinho, sabendo que os pais estariam assistindo à CNN na sala de TV. Ela simplesmente iria pé ante pé, até a cozinha, e sairia pelas portas duplas sem que eles notassem.

Paxton virou-se e imediatamente caiu por cima de uma mala.

Aterrissou sobre as mãos, no chão de mármore do hall, com as palmas formigando.

— Meu Deus, o que foi isso? — Paxton ouviu a mãe dizer. Então houve um ruído de passos apressados vindo da sala de TV.

Paxton se sentou e viu que o conteúdo de sua bolsa tinha caído e se espalhado pelo chão durante a queda. Todas as suas listas estavam esparramadas ao redor, o que instantaneamente a deixou em pânico. Elas eram particulares. Paxton nunca deixava ninguém ver. Rapidamente pegou os papéis e os enfiou de volta na bolsa, bem na hora em que três pessoas apareceram no hall.

— Paxton! Você está bem? — perguntou sua mãe, conforme Paxton se levantava, alisando a roupa. — Colin, faça algo com essas malas, pelo amor de Deus.

— Eu ia levá-las para a casa da piscina, mas isso foi antes de descobrir que Paxton tinha se mudado para lá — disse Colin.

Ao som da voz do irmão, Paxton se virou, ficando de frente para ele. Ela saiu correndo para os seus braços.

— Não era para você chegar antes de sexta! — ela disse, ao apertá--lo com força, de olhos fechados, respirando aquele ar de calmaria que ele sempre trazia. Ela achou que fosse chorar de tanta felicidade por vê-lo. Depois ficou tão zangada que teve vontade de bater no irmão. Lidar com seus pais seria muito mais fácil se ele simplesmente parasse de ficar perambulando por aí e voltasse para casa de vez.

— As pendências do meu último projeto terminaram antes do que eu imaginava — disse ele, recuando e olhando para Paxton. — Você está ótima, Pax. Por que não se muda, ou se casa de uma vez?

— Não, não diga a ela para se casar! — disse Sophia, mãe deles. — Sabe com quem ela está saindo, agora? Sebastian Rogers.

— Não estou saindo com ele, mamãe. Somos apenas amigos.

— Sebastian Rogers — repetiu Colin, ao olhar para Paxton. — Não estudamos com ele? O garoto afeminado que usava o sobretudo roxo?

— Sim, é ele — disse a mãe, como se Colin tivesse concordado com ela a respeito de algo.

Paxton sentiu seu maxilar se retrair.

— Ele não usa mais sobretudo roxo. Ele é dentista.

Colin hesitou alguns segundos antes de mudar de assunto.

— Então, acho que vou colocar minhas malas na suíte de hóspedes, lá em cima.

— Bobagem. Você vai colocá-las em seu antigo quarto. Tudo está do mesmo jeito que você deixou — disse Sophia, pegando o braço do marido. — Donald, nossos dois bebês estão aqui! Não é maravilhoso? Pegue um champanhe.

Ele assentiu e se virou, deixando o hall.

Ao longo dos anos, o pai de Paxton foi lentamente permitindo que a esposa assumisse tudo, a ponto de agora não dar uma palavra, deixando todas as decisões por conta dela e passando a maior parte de seu tempo no campo de golfe. Por mais que Paxton entendesse o ímpeto da mãe, vendo quanto era mais fácil fazer as coisas por conta própria, em vez de deixar que os outros fizessem, ela frequentemente se perguntava por que a mãe não se ressentia da ausência do marido. Não era esse o objetivo principal do casamento? Ter um parceiro, alguém em quem confiar, para ajudar com decisões importantes?

— Só posso ficar para um drinque — disse Paxton. — Desculpe, Colin. Tenho uma reunião no clube.

Ele sacudiu a cabeça.

— Não se preocupe. Mais tarde a gente põe o papo em dia. Eu também preciso sair por um tempo esta noite.

Sophia esticou o braço e alisou os cabelos rebeldes do filho, afastando-os da testa.

— Sua primeira noite aqui e você vai sair?

Colin sorriu para ela.

— E você não pode mais me deixar de castigo. Isso a deixa doida, não é?

— Ai, você — disse ela, caminhando em direção à cozinha, gesticulando para que eles a seguissem, acenando com a mão de unhas impecáveis. A luz refletiu em sua pulseira de brilhantes, que cintilou como se ela estivesse tentando hipnotizá-los para fazer o que ela dizia.

Assim que Sophia se distanciou a ponto de não poder ouvir, Paxton suspirou e disse:

— Graças a Deus que você está aqui. Por favor, volte para casa de uma vez.

— Ainda não terminei de curtir as loucuras da juventude — ele sacudiu os ombros magros. Toda a família era alta, porém, com um metro e noventa, Colin era de longe o mais alto. No ensino médio, seus amigos o chamavam de Homem-Vareta. Seus cabelos eram mais escuros que os dela, que eram loiros com luzes mantidas meticulosamente, mas eles tinham os mesmos olhos escuros dos Osgood.

— Você usa terno para trabalhar — ela frisou. — Isso não é loucura da juventude.

Ele sacudiu novamente os ombros.

— Você está bem? — perguntou ela.

— Estou acordado há dois dias. Preciso dormir. Então, o que está rolando entre você e esse tal de Sebastian?

Paxton desviou o olhar e ajustou a bolsa no ombro.

— Somos só amigos. A mamãe não aprova.

— E ela aprova alguém? Aliás, a Blue Ridge Madam está fantástica. Melhor do que nas fotos que você me mandou por e-mail. Fui até lá esta tarde. Preciso fazer algumas mudanças no paisagismo, agora que vi pessoalmente, mas, fora isso, parece que tudo está nos trilhos.

— Você tem certeza de que vai ficar pronto antes da festa de gala no mês que vem?

Ele esticou o braço e apertou a mão de Paxton, quase fazendo que ela chorasse outra vez.

— Prometo.

— Champanhe! — o pai deles gritou, conforme subia os degraus do porão. Colin e Paxton suspiraram ao mesmo tempo, depois foram se juntar aos pais.

A reunião do Clube Social Feminino daquela noite seria realizada na casa de Kirsty Lemon, a Cabana do Limoeiro. Quando Paxton chegou lá, a casa ostentava tudo em limão. As luminárias de papel perfiladas na entrada da frente da casa tinham desenhos de fatias de limão. As plantas ornamentais junto à porta tinham limões de mentira. A própria porta estava forrada com papel amarelo brilhante. De alguma forma, ao longo dos anos, essas reuniões tinham se tornando menos sobre as instituições de caridade que o clube apoiava e mais sobre a tentativa de superar umas às outras na apresentação.

Paxton foi até a porta e bateu. Após os drinques com a família, ela tirara a roupa de trabalho e pusera um vestido branco e saltos altos, depois saiu com o irmão. Os pais chegaram a se despedir dos filhos da porta.

Kirsty abriu a porta. Com seus curtos cabelos castanhos e suas mãos miúdas, ela era uma mulher de ilusão de óptica, que misteriosamente fazia todos ao seu redor parecerem maiores do que realmente eram. Paxton tinha um metro e setenta e sete, pelo menos vinte centímetros e vinte e cinco quilos a mais que Kirsty, e detestava ser tão mais alta, mas nunca demonstrava, nunca se curvava, nem usava sapatilhas perto de Kirsty. Isso seria deslocar o equilíbrio da força.

— Oi, Pax. você está um pouquinho atrasada.

— Eu sei. Desculpe. Colin chegou em casa mais cedo. Estávamos pondo o papo em dia — disse ela, ao entrar, seguindo Kirsty até a sala. — Como vai você?

Kirsty ficou falando sobre seu marido perfeito, seus adoráveis meninos rebeldes e seu emprego fabuloso, de meio período, como corretora imobiliária.

As vinte e quatro participantes estavam sentadas em cadeiras dobráveis enfileiradas na sala. Algumas tinham pratos de petiscos no colo, com porções de salada de frango com limão, miniquiches de brócolis com limão e tortinhas de merengue de limão, da mesa do bufê. Havia uma mesinha no fundo da sala, onde três garotas adolescentes, com roupa de festa, sussurravam entre elas. Eram chamadas de flores em botão. Eram as filhas de membros do clube e estavam sendo moldadas para assumir o lugar de suas mães quando chegasse a hora. O clube era para mulheres jovens. Depois de certa idade, ficava entendido que você já não era mais bem-vinda e era esperado que sua filha assumisse seu lugar. Como regra, as mulheres sulistas ricas não gostavam de ser superadas, em necessidade ou beleza. A exceção era com suas filhas. As filhas do Sul eram, para suas mães, o que os afluentes são para os rios onde desembocam: fonte eterna de força inabalável.

Paxton sorriu para as meninas ao caminhar em sua direção para lhes oferecer saquinhos de chocolate. Como presidente, ela sempre presenteava as meninas nas reuniões, para que se sentissem incluídas. Todas foram abraçá-la e ela retribuiu. Paxton tinha imaginado que nessa idade estaria casada, com filhos e preparando as próprias filhas para isso, como suas amigas estavam fazendo. Queria tanto isso que até sonhava, de vez em quando, depois acordava com a pele avermelhada nos punhos e no pescoço, por conta da renda áspera do vestido de noiva que vestia no sonho. Mas nunca sentiu nada pelos homens que namorou, nada além de seu próprio desespero. E seu desejo de se casar não era forte o bastante, jamais seria forte o bastante para permitir que ela se casasse com um homem que não amasse.

Ela dispensou a comida, como sempre fazia, por conta dos olhares que suas amigas lhe lançavam, atentas ao seu quadril largo, e seguiu para a frente da sala, cumprimentando todas as mulheres presentes. Uma brisa estranha passou por ela, parecendo sussurros de segredos. Ela se desvencilhou daquilo, distraidamente.

Pegou seus cadernos no púlpito e disse:

— Muito bem, pessoal, vamos manter a ordem. Temos muito a discutir. As confirmações para a festa de gala estão chegando sem parar. E Moira tem uma solicitação para que a Madam abra mais cedo, para as convidadas que vão pernoitar, de modo que as participantes idosas de fora da cidade possam ficar lá na noite de gala. Mas, primeiro, vamos à leitura das atas da última reunião. Stacey?

Stacey Herbst se levantou e folheou seu caderno. Recentemente ela tinha começado a tingir o cabelo de ruivo e, embora todos lhe dissessem que sentiam falta do cabelo castanho, a verdade era que ela ficava melhor ruiva. Mas ela provavelmente voltaria ao castanho em breve. O que as pessoas pensavam significava muito para ela.

Stacey abriu a boca para ler as atas, mas, surpreendentemente, o que saiu foi:

— Eu roubo batom toda vez que vou à farmácia. Não consigo evitar. Simplesmente coloco um tubinho dentro da bolsa e vou embora. Adoro o fato de que nenhuma de vocês sabe disso, é um segredo que escondo de todos.

Ela pôs a mão na boca.

Paxton levantou as sobrancelhas. Mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, Honor Redford, que tinha sido presidente do clube antes de Paxton, disparou:

— Desde que meu marido perdeu o emprego, eu tenho medo de não conseguir pagar as taxas do clube e que nenhuma de vocês goste mais de mim.

Moira Kinley se virou para a mulher ao seu lado e disse:

— Sabe por que eu gosto de ir a lugares públicos com você? Porque sou mais bonita e você me faz sentir melhor comigo mesma.

— Eu fiz aquela reforma na casa só porque sabia que você ficaria com inveja.

— Fiz, realmente, plástica nos seios.

— Eu sei que seu problema é incontinência urinária, mas digo a todo mundo que o motivo de você ir tanto ao banheiro é bulimia.

Agora estavam todas falando ao mesmo tempo e cada coisa que diziam era mais absurda que a outra. Paxton assistia impaciente. A princípio, ela achou que elas estivessem fazendo uma brincadeira, porque algumas achavam engraçado irritá-la, já que ela era notoriamente inabalável. Mas depois ela percebeu que todas estavam em pânico, com uma expressão nos olhos que lembrava um cavalo assustado em disparada. Era como se, de repente, tudo que elas pensavam secretamente tivesse criado voz, e elas fossem incapazes de impedi-lo.

— Ordem — disse Paxton. — Todas, em ordem. — Isso não teve qualquer efeito. O estardalhaço aumentava. Paxton subiu em uma cadeira e bateu palmas ruidosamente, depois gritou: — Em ordem! O que há com vocês?

O barulho se dissipou, conforme todas olharam para Paxton. Ela desceu. Agora sentia uma inquietação passar por sua pele. Ela piscou algumas vezes, porque as coisas subitamente pareciam distorcidas, como olhar seu reflexo numa colher. Precisou se conter para não tagarelar que estava apaixonada por alguém que não deveria, algo que ela jamais admitira a alguém. Mas agora Paxton estava aflita para dizer. Deus, ela tinha a sensação de que ia morrer, de que engasgaria com aquilo se não pusesse para fora.

Ela engoliu e, em vez daquilo, conseguiu dizer:

— Kirsty, acho que talvez haja algo errado com seu ar-condicionado. Acho que estamos sendo afetadas pelos gases.

— Pelo menos eu tenho minha própria casa — Kirsty murmurou, ao se levantar e atravessar a sala, em direção ao termostato. — Ao menos não moro na casa da piscina dos meus pais.

— Perdão? — disse Paxton.

— Eu quis dizer que... — Kirsty gaguejou. — Não tive a intenção de dizer isso em voz alta.

Paxton reuniu todas as mulheres e as fez abrir todas as janelas e respirar fundo. O calor úmido de julho rapidamente entrou e fez todo mundo suar as suas maquiagens leves de verão. A reunião estava oficialmente aberta e a lista de coisas que precisavam ser abordadas foi verificada, mas Paxton podia ver que algumas mulheres simplesmente não estavam ouvindo. Eram quase dez horas quando a reunião finalmente acabou. Todas trocaram beijos no rosto e se apressaram às suas respectivas casas, para se assegurarem de que estava tudo bem, que a casa não tinha pegado fogo, que seus maridos não tinham ido embora e seus melhores vestidos ainda serviam.

Paxton ficou sentada em seu carro, na entrada da garagem de Kirsty, vendo os carros partirem, pensando consigo mesma: Que diabo acabou de acontecer aqui?

Em vez de ir para casa, Paxton seguiu até a casa de Sebastian Rogers. Ela viu que as luzes ainda estavam acesas, então estacionou na entrada da garagem.

Quando Sebastian voltou para Walls of Water no ano anterior, a fim de assumir o antigo consultório odontológico do Dr. Kostovo, ele também comprou a casa do velho dentista, porque o Dr. K estava se aposentando e mudando para Nevada, para se afastar da umidade de Walls of Water, que incomodava sua artrite. Era uma casa de pedras escuras, com uma torre decorativa. Chamava-se Cabana da Árvore Frondosa, e Sebastian uma vez lhe dissera que gostava do ar dramático do local, gostava de fingir que estava morando num episódio de Sombras da noite.

Ela bateu à porta. Instantes depois, Sebastian abriu.

— Olá, linda — disse ele, se afastando para que ela entrasse. — Eu não esperava vê-la esta noite.

— Eu só quis dar um oi — disse ela, ao entrar, e as palavras soaram bregas até para ela, como se tivesse de haver uma desculpa, mesmo sabendo que Sebastian não se importaria se ela desse uma passada.

Ela entrou na sala e sentou-se no sofá, onde ele obviamente estava assistindo à televisão. A julgar pelo aspecto externo da casa, era de esperar espadas, escudos e brasões nas paredes internas, mas Sebastian optara por um interior leve e confortável. Ele tinha se mudado pouco depois de Paxton desistir de comprar o sobrado, e ela se divertira assistindo esse lugar se transformar no espaço dele. De vez em quando, ela até invejava em segredo sua independência. Paxton tirou as sandálias e dobrou as pernas, sentando-se sobre os pés, enquanto Sebastian se acomodou ao seu lado, cruzando as pernas. Ele estava com calças de amarrar e camiseta. Estava descalço e suas unhas dos pés estavam caprichosamente aparadas. Todos achavam que ele era gay, mas ninguém sabia com certeza. Ele não confirmava nem negava, nem no ensino médio nem agora. Paxton tinha quase certeza, embora ela fosse a única pessoa dali que já tinha visto uma prova. No ensino médio ele era magro e pálido, usava delineador e casacos compridos, e carregava um saco de lona enquanto todos usavam mochila. Era difícil não notá-lo. Foi por isso que Sebastian chamou a sua atenção no shopping de Asheville quando eles estavam no último ano. Asheville ficava a uma hora de Walls of Water e Paxton ia até lá com as amigas quase todo sábado. Sebastian estava na praça de alimentação com pelo menos uma dúzia de outros garotos adolescentes extravagantes. Garotos que não eram de Walls of Water. Era um pessoal diferente, que não se via em cidades pequenas. Paxton e suas amigas estavam passando quando ela o avistou. De repente, um dos garotos exóticos, de cabelos pretos espetados e luvas sem dedos que iam até os cotovelos, inclinou-se por cima da mesa e beijou Sebastian em cheio, na boca, profundamente. Em determinado momento, durante o beijo, Sebastian abriu os olhos e a viu. Ainda beijando o menino, seus olhos a seguiram, conforme ela se afastava. Ela não conseguia se lembrar de algo tão ousado e sedutor.

Pensando naquele beijo, isso parecia algo tão improvável para ele agora. Ultimamente, Sebastian andava tão controlado, quase assexuado, com os ternos bem cortados que usava para trabalhar e as gravatas de seda tão macias que chegavam a refletir a luz.

— Como foi o seu dia? — perguntou ele, apoiando o cotovelo no encosto do sofá, tão perto que quase encostou nela.

— Tudo bem, eu acho — ela esticou o braço e ergueu a taça de vinho dele, pela metade, que estava na mesinha de centro.

Ele inclinou a cabeça.

— Só tudo bem?

— O ponto alto foi Colin ter chegado antes do esperado. Agora, o paisagismo da Madam vai ficar pronto a tempo, com certeza. Mas a reunião do clube desta noite foi tão estranha. Nunca vi nada parecido. Ainda há tanto a fazer para o baile de gala e subitamente todas parecem distraídas.

— Como?

Ela parou, pensando a respeito.

— Sempre que eu bancava a enxerida, quando era criança, minha avó dizia: “Quando você fica sabendo o segredo de alguém, seus próprios segredos já não estão mais seguros. Ao desencavar um, todos vêm à tona”. A reunião foi assim. Todas admitindo coisas, coisas secretas. E depois que começaram, era como se não conseguissem parar.

Ele sorriu.

— Estou confuso. As reuniões não são para isso? Fofocar?

— Não dessa forma — disse ela. — Acredite.

— Então, conte — disse ele, erguendo as sobrancelhas. — Que segredos as damas da sociedade vêm escondendo? Qual é o seu segredo?

Paxton tentou rir, mas isso fez seu coração doer. Ela esfregou a testa.

— Não tenho segredos.

Sebastian continuou com as sobrancelhas erguidas.

Paxton tinha de confessar algo agora. Mas decididamente não o que ela quase admitiu na reunião.

— Estou morrendo de medo de contar à minha avó sobre o baile de gala. Prometi à minha mãe que faria isso amanhã de manhã, mas não quero. Eu não quero, não mesmo. E me sinto terrível por isso. Nana Osgood ajudou a fundar o clube. Foi errado esconder isso dela por tanto tempo. Mas ela é tão...

Sebastian assentiu. Ele sabia.

— Quer que eu vá com você?

— Não. Ela o trata de forma horrível. — Desde que ela e Sebastian começaram a passar os domingos juntos, algo por que ela esperava a semana toda como a contagem regressiva para o Natal, Sebastian passara a acompanhá-la nas visitas semanais à avó nas noites de domingo. Ela não o faria acompanhá-la durante a semana também. Isso era pedir demais a qualquer pessoa.

— Ela trata todos de forma horrível, querida — ele esticou o braço e pegou a taça de vinho da mão dela, pousou-a e segurou-lhe a mão. — Livre-se dessa marcação cerrada. Você não precisa fazer tudo sozinha — ele olhou nos olhos de Paxton e disse: — Vou com você visitar sua avó amanhã.

— É mesmo?

— Você sabe que eu faço qualquer coisa por você.

Paxton levou a mão dele ao rosto e fechou os olhos. A pele de Sebastian era fresca e macia. Uma vez, ele sugerira que Paxton lavasse as mãos tantas vezes por dia, como ele, e que se tornasse melhor amiga do creme hidratante.

Ela percebeu o que estava fazendo e subitamente abriu os olhos. Soltou a mão de Sebastian e se levantou, procurando as sandálias.

— Eu preciso ir — disse ela, enquanto tentava encaixar os pés nas sandálias de tiras. — Obrigada por me deixar desabafar.

— Você é um poço de energia. Você dorme?

Ela deu um sorriso fraco.

— De vez em quando.

Ele lentamente descruzou as pernas, olhando-a, pensativo, enquanto se levantava. Quando Sebastian voltou à cidade, no ano anterior, no instante em que eles casualmente se reencontraram depois de uma reunião do clube de leitura no salão de chá Hartley’s, Paxton sentiu uma pontada para a qual não estava preparada, como um choque elétrico. A princípio ela não o reconhecera, só sabia que ele era estranhamente bonito, quase uma beleza sobrenatural, e ficou imaginando o que Sebastian estaria fazendo em Walls of Water. Enquanto destrancava o carro, ela resolveu fazer umas ligações e descobrir quem ele era, ao mesmo tempo que o observava seguir para o carro, estacionado numa vaga adiante. Ele abriu a porta e arremessou o saco que carregava, da livraria Slightly Foxed, depois se virou e viu que ela o estava observando. Ele olhou também, depois sorriu ligeiramente e disse:

— Olá, Paxton — o que a deixou em pedaços. Ele precisou lembrá-la de que eles tinham estudado juntos. Acabaram indo parar no salão de chá Hartley’s e conversaram durante horas. Quando finalmente seguiram caminhos diferentes naquela tarde, ela estava envolvida. E constatar isso ainda a pegava desprevenida. Independentemente de quantas vezes ela dissesse a si mesma que nada bom poderia resultar disso, que estava armando uma cilada para si mesma, Paxton não conseguia evitar seus sentimentos por ele.

— Boa noite, linda — disse Sebastian, esticando o braço e afagando-lhe os cabelos, quase como se estivesse se desculpando. E foi quando ela percebeu, como uma paulada, a ponto de fazer seu peito doer. Ele sabia.

Intimidada, ela se virou para a porta. Havia quanto tempo ele sabia? Ele sempre soube? Ou ela teria feito algo, recentemente, que o fizera suspeitar? Meu Deus, como aquela noite acabou sendo terrível. Parecia que o universo estava lhe pregando peças.

— Pax? O que há de errado? — perguntou ele, seguindo-a.

— Nada. Estou bem. Eu o vejo amanhã de manhã — ela tentou dizer com animação enquanto saía, vestindo uma escura capa de chuva.

E ela podia jurar que ouviu o sussurro do riso de alguém.