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Listas de desejos

Colin estava sentado no canto da Au Naturel Artigos Esportivos e Café curtindo seu cappuccino e olhando pelo janelão da loja, vendo os carros passarem. Como a loja ficava na rua que conduzia à entrada da Floresta Nacional das Cataratas, havia muito tráfego. Aquele lado da cidade tinha um astral totalmente diferente, caótico e ligeiramente superficial. Fazia muito tempo que ele não ia até ali, mas nada tinha mudado muito, como o fato de que os moradores raramente iam à National Street, porque eles a consideravam um lugar para turistas. As longas fileiras de prédios de tijolinhos eram antigas, mas as lojas que eles abrigavam eram estilosas e novas, e a maioria pertencia à gente de fora que se mudara para a cidade.

Por mais que detestasse reconhecer, ele ainda estava ligado a esse lugar, mesmo que só pela lembrança. Ele vira muito do mundo através de seu trabalho. Paisagismo urbano não tinha a ver com homogeneizar as cidades, mas lançar mão das heranças dos lugares, e ele era um dos melhores arquitetos paisagistas no mercado. Aprender novas culturas, viajar a novos lugares, não ficar muito tempo num só lugar, isso era exatamente o que ele queria fazer. Mas depois ele voltava para casa, geralmente só quando era forçado por sua mãe, por meio da culpa, ou, nesse caso, por um pedido de ajuda de sua irmã, que nunca fazia isso, e ele era tomado por uma estranha sensação, como se seus pés estivessem pesando. E ele não queria mais ser aquele Colin enraizado ali, podado segundo o padrão que todos esperavam que ele seguisse.

Ele ouviu a campainha acima da porta e se virou.

Willa Jackson tinha acabado de entrar. Ela estava de jeans, botas pretas de caubói e uma camisa preta, cruzada sobre os ombros nus. Seus cabelos castanho-claros eram ondulados de um jeito que não encaracolavam, mas tinham volume. Eram bem mais compridos no ensino médio, e ela sempre usava uma trança bagunçada. Na verdade, ele realmente não sabia se Willa sempre usara o cabelo assim, era apenas o jeito que ele se lembrava de tê-la visto pela última vez na escola.

Agora seus cabelos iam até pouco abaixo das orelhas e ela os dividia do lado, prendendo com uma fivela brilhante junto a uma das têmporas. Colin gostava, porque era impetuoso e combinava com a imagem do que ele achava que ela tinha se tornado. Ele não tinha percebido quanto se enganara. Certamente, Colin não poderia ter se iludido tanto. Porque se estivesse errado sobre Willa, sua inspiração, então talvez ele também estivesse errado sobre suas próprias decisões.

A garota que lhe fizera o cappuccino pediu licença na conversa com um cliente e caminhou até Willa. Ele pôde ouvi-la dizer:

— Tem uma pessoa esperando por você.

— Quem? — perguntou Willa.

— Não sei. Ele chegou há uma hora e perguntou por você. Eu disse que você estaria aqui em breve, e ele está sentado no café, esperando. Cappuccino com uma pedrinha de açúcar — disse ela num tom de voz mais baixo, recitando o pedido dele como se fosse informação confidencial, algum segredo que ela estivesse revelando sobre ele.

Willa se virou para ir até o café, mas parou quando o viu. Ela rapidamente deu meia-volta, o que o fez sorrir.

— O que foi? — perguntou a garota de cabelos escuros. — Quem é ele?

— Colin Osgood — disse Willa.

— Parente de Paxton?

— Irmão dela.

— Você também o detesta? — perguntou a garota.

— Pare com isso. Eu não os detesto — Willa murmurou, antes de se desvirar e caminhar na direção de Colin. Ela parou junto à sua mesa e deu um sorriso educado. — Estou vendo que você chegou vivo em casa.

— Sim. E quero me desculpar por ontem à noite. Faz muito tempo que não fico tão cansado — ele esfregou os olhos com uma das mãos. Sentia-se uma sombra do seu antigo eu, como se alguém pudesse esticar a mão em sua direção e pegar somente o ar. — Eu provavelmente poderia dormir por mais alguns dias.

— Então o que está fazendo aqui?

— Parada nos boxes para seguir adiante — ele ergueu o copo tampado de cappuccino, que por sinal estava muito bom.

— Já está indo embora? — A ideia pareceu melhorar o seu humor.

— Não. Ficarei por aproximadamente um mês. Estou a caminho de Asheville, para passar a tarde.

Ela começou a recuar.

— Então não vou atrasá-lo.

— Não está atrasando — ele gesticulou para a cadeira do outro lado da mesa e Willa ficou olhando para ele, seus lindos olhos acinzentados se estreitaram ligeiramente, antes que ela puxasse a cadeira para se sentar. — Então, você é dona desta loja?

— Sim — disse ela, lentamente, como se pudesse ser uma pegadinha. — Mencionei isso ontem à noite. E, sem dúvida, foi assim que você me encontrou.

Ele tirou os olhos dela por um momento e olhou em volta. Tinha contado outras duas lojas esportivas na National Street, mas Willa parecia ter encontrado um diferencial ao se especializar em roupas e equipamentos ecológicos, com um café na loja, que deixava o local com perfume de grãos escuros torrados.

— Você deve fazer muitas trilhas e acampamentar bastante.

— Não. A última vez em que estive nas cataratas foi durante uma excursão, na terceira série. Peguei uma urticária venenosa.

— Então você deve adorar café.

— Não mais que o habitual — Willa assentiu na direção da balconista. — Esse é o território da minha amiga Rachel.

Ele ficou confuso.

— Então por que você é dona de uma loja de artigos esportivos e um café?

Ela sacudiu os ombros.

— Alguns anos atrás, conheci uma pessoa que queria vender este lugar e eu precisava de alguma coisa para fazer.

— E foi isso que escolheu.

— Sim.

Ele se inclinou e apoiou os cotovelos na mesa. Por que será que isso o incomodou tanto? Quando a reconheceu no dia anterior, em Jackson Hill, sentada em cima do jipe, ele sentiu uma verdadeira onda de felicidade, como se visse um mentor. Era Willa Jackson, autora de trotes tão épicos que, nas raras ocasiões em que ele se encontrava com os antigos colegas de turma, isso ainda era uma das primeiras coisas de que eles falavam. O esmero, o cuidado e o tempo investidos em alguns deles era algo incrível, como o último, em que ela acionou o alarme de incêndio e, quando todos os alunos estavam lá fora, um cartaz gigante foi desenrolado do telhado da escola, dizendo WILLA JACKSON É A PIADISTA DA ESCOLA WALLS OF WATER.

— Eu fiquei olhando, naquele dia em que a polícia a levou da escola, e você não pareceu constrangida. Você parecia aliviada. Como se finalmente pudesse parar de fingir. Achei que você fosse embora daqui sem sequer olhar para trás.

Ela lhe lançou um olhar aflito. Ele não podia condená-la. Ele devia calar a boca. Nada disso era de sua conta.

Não, havia mais uma coisa que Colin precisava dizer.

— Você é o motivo de eu ter decidido seguir meu próprio caminho, em vez de voltar para cá e fazer o que todos queriam que eu fizesse — disse ele, o que fez Willa erguer as sobrancelhas. — Ninguém achava que você pudesse causar todo aquele caos, e você mostrou a eles que não deviam subestimá-la. Se você pôde ser tão corajosa, achava que eu também poderia ser. Eu lhe devo isso. Devo isso à piadista.

Ela sacudiu a cabeça.

— Aquela coragem, como você diz, resultou num delito de segunda categoria, quando acionei o alarme de incêndio. Eu fui formalmente acusada, quase expulsa, e não tive permissão para ir à formatura. E meu pai foi despedido por minha causa, porque eu peguei suas chaves e suas senhas de computador para passar meus trotes. Não exalte isso, Colin. Fico contente que você tenha encontrado seu caminho e estou feliz por isso ter algo a ver comigo. Mas eu também encontrei o meu caminho, mesmo não sendo o que você esperava.

Willa achava que seu pai tinha sido despedido? Colin sabia que ele, na verdade, pedira demissão. Colin estava lá quando isso aconteceu. Por que será que o pai dela não lhe contou?

Willa aproveitou o silêncio de Colin e se levantou.

— Eu preciso trabalhar — disse ela. — Obrigada por devolver o convite ontem à noite.

— Você não vai mesmo? — ele perguntou, enquanto também se levantava.

— Não. E antes que você volte a perguntar, eu não estou planejando nenhum grande trote.

— Que pena. Aquele grupo bem que merecia uma sacudida.

Willa evitou os olhos de Colin e passou direto.

— Não sou a garota para fazer isso.

Ele a observou se afastando. Ela tinha um aroma de algo fresco e doce, como limões.

— Quer sair uma hora dessas? — Colin disse atrás dela porque, de alguma forma, sabia que se arrependeria se não o fizesse.

Willa parou bruscamente. A balconista ergueu os olhos do balcão de café e sorriu. Willa se virou e caminhou de volta até Colin.

— Não acho que seja uma boa ideia — disse ela, baixinho.

— Eu perguntei se você queria, não se era uma boa ideia.

— Acha que são coisas diferentes?

— Com você, Willa, acho que decididamente são duas coisas diferentes — disse Colin, dando um gole no cappuccino sem tirar os olhos dela.

— Você só vai ficar aqui um mês. Acho que é arbitrário, sem mencionar completamente ridículo, pensar que você pode me fazer ver meus erros nesse curto período de tempo. — Ela tinha boa intuição. Sabia exatamente o que ele estava tentando fazer.

— Isso é um desafio?

Não.

Colin caminhou até a porta, sorrindo.

— Eu a vejo por aí, Willa.

— Não se eu o vir primeiro, Colin.

Ah, sim, isso decididamente era um desafio.

Ora, ora. A antiga Willa ainda estava ali dentro no fim das contas.

— Onde você esteve ontem à noite? A mamãe teve um chilique — disse Paxton quando Colin chegou em casa naquela noite. Ela acabara de chegar do trabalho, no centro de apoio social, onde tinha um escritório e supervisionava as ações beneficentes da família Osgood. Eles por acaso se encontraram na entrada da garagem, uma sincronia que sempre tiveram, um vínculo de gêmeos de que ele às vezes sentia falta.

— Lamento — disse Colin, passando o braço ao redor de Paxton enquanto eles entravam. — Não tive a intenção de deixar ninguém preocupado. Peguei no sono no sofá de uma pessoa.

— De uma pessoa? Que vago — disse Paxton enquanto eles seguiam até a cozinha. A empregada, Nola, estava preparando o jantar. Nola fazia parte da Cabana da Nogueira havia anos. Várias gerações de sua família tinham trabalhado ali. Ela era persistente com relação a boas maneiras e respeito, e Paxton e Colin sempre lhe deram isso. Em retribuição, ela lhes dava petiscos secretos. Colin parou para pegar alguma coisa na geladeira. Nola estalou a língua e lhe deu um dos pãezinhos que acabara de fazer, depois enxotou ambos.

Colin seguiu Paxton ao pátio, onde ela parou e se virou para o irmão.

— Pode ir falando. No sofá de quem você dormiu?

Ele deu uma mordida no pãozinho e sorriu para ela, o que costumava resultar num sorriso de retribuição. Não dessa vez.

Ontem, no hall, fora a primeira vez em quase um ano que ele pusera os olhos na irmã, desde que ela tinha voado até Nova York para passar uma semana com ele e comemorar o aniversário de trinta anos dos dois. Paxton parecia muito empolgada com a possibilidade de finalmente se mudar da Cabana da Nogueira, mas esses planos falharam, algo que tinha o dedo de Sophia, e a diferença entre quando ele a vira pela última vez e agora era estarrecedora. A infelicidade irradiava de Paxton como calor. Ela era linda e sempre se cuidou, mas estava há tempo demais naquela casa, com os pais deles, assumindo absolutamente tudo o que significava ser um Osgood. E isso, em parte, era culpa dele. Colin a deixara sozinha para lidar com isso. Ele sabia o que era esperado dele, assim como Paxton. Mas ela abraçara aquilo. Colin quis estabelecer algo que fosse só dele, provar que ele realmente poderia existir fora de Walls of Water. Para Paxton, nada existia além de Walls of Water.

— Ora, vamos — disse Paxton. — Conte, por favor.

Ele finalmente sacudiu os ombros e disse.

— Foi no sofá de Willa Jackson.

Paxton pareceu surpresa.

— Eu não fazia ideia de que você era amigo de Willa.

— Não sou — disse ele, terminando o pãozinho com mais duas mordidas. — Quando saí, ontem, vi que ela deixou cair uma coisa, mas não consegui alcançá-la, então passei por lá para devolver. Eu não tinha ideia do quanto estava cansado. Acho que a deixei constrangida.

Isso fez Paxton rir. Ela não fazia isso com muita frequência.

— Então, conte sobre Willa — disse ele, cruzando os braços e recostando-se na balaustrada de concreto.

Paxton arrumou a bolsa grande, eternamente em seu ombro.

— O que quer saber?

— Ela parece ter uma vida bem reservada.

— Sim — Paxton inclinou a cabeça. — Por que você está tão surpreso? A família dela sempre foi reservada.

— Mas Willa era a Piadista da Escola — disse ele.

— É?

Paxton não entendeu o comentário do irmão. Nem ele, exatamente.

— Só achei que ela fosse mais... extrovertida.

— Ela cresceu, Colin. Todos nós crescemos.

Ele coçou a lateral do rosto.

— Por que ela não quer ir ao baile de gala? A avó dela ajudou a fundar o Clube Social Feminino.

— Eu não sei. Quando mandei o convite, escrevi um bilhete pessoal sobre querer homenagear a avó dela. Mas ela me ignorou.

— Ela não quis participar da restauração?

Paxton pareceu confusa com a pergunta.

— Eu não a convidei.

— Você não perguntou se ela tinha fotos ou jornais antigos? Se Willa não queria ver o que estava acontecendo ali dentro enquanto a casa era restaurada? Nada?

— Tinha fotos suficientes. Colin, honestamente, essa restauração exigiu lidar com construtores e designers e percorrer leilões de arte e vendas estaduais em busca de peças de época. Isso não tem nada a ver com Willa. Com o que ela poderia ter contribuído?

Ele deu de ombros, olhando além do pátio, vendo a piscina, a casa da piscina, a paisagem da montanha, e além. A cadeia montanhosa parecia crianças brincando embaixo de um imenso cobertor verde. Ele tinha de admitir que não havia lugar no mundo como aquele. Parte de seu coração ainda estava ali em algum lugar. Ele só gostaria de saber onde, para que pudesse pegá-lo de volta.

— Acho que simplesmente teria sido algo legal a fazer.

— Fiz o melhor que pude — ela estrilou. — E onde estava você enquanto tudo isso estava acontecendo? Você coordenou todo o paisagismo por telefone e e-mail. Nem isso você fez pessoalmente.

— Eu não sabia que você me queria aqui o tempo todo — ele parou, franzindo o rosto diante da reação da irmã. — Ninguém pediu que você assumisse esse projeto sozinha, Paxton — Colin ficou surpreso pelo telefonema de Paxton, no ano anterior, pedindo que ele fizesse o paisagismo, e ele não pôde dizer não. Paxton queria uma árvore grande na propriedade e, depois de contatar várias pessoas, Colin descobriu uma que estava ameaçada por uma incorporadora. Mas transplantar uma árvore tão pesada e antiga era algo que tinha de ser cuidadosamente articulado. Tudo tinha de ser planejado nos mínimos detalhes. Durante todo o ano ele estivera em contato semanal com os botânicos que eles haviam contratado. E Colin tinha tirado um mês para supervisionar tudo, até a grande inauguração da Madam, o que ele considerava um grande sacrifício, pois não passava tanto tempo em casa havia mais de uma década.

Paxton jogou as mãos para o ar.

— A Blue Ridge Madam é a primeira coisa avistada quando se chega de carro à cidade. Era uma coisa horrível. Ou demolíamos, ou restaurávamos. Aquela casa faz parte da história de nossa cidade. Eu fiz algo bom, embora não tenha pedido a Willa Jackson para ajudar.

— Calma, Pax. O que há de errado?

Ela fechou os olhos e suspirou.

— Não há nada de errado. Eu simplesmente nunca pareço fazer o bastante.

— Bastante para quem? Nossa mãe e nosso pai? Você tem de superar isso. Você nunca será feliz até viver sua própria vida.

— A família é importante, Colin. Mas não é algo que eu espere que você entenda — ela se virou para sair. — Pode me dar uma cobertura no jantar? Diga à mamãe e ao papai que eu tive de terminar um trabalho no centro de apoio social.

— Por quê?

Ela se virou para o irmão e disse:

— Você não pode fazer isso por mim? Até parece que esteve por aqui para me ajudar nos últimos dez anos.

Ela estava certa.

— É para lá mesmo que você está indo? — ele perguntou enquanto a irmã dava um passo atrás e entrava na cozinha.

— Não.

Paxton foi de carro até a frente da casa de Sebastian e parou. O carro dele não estava lá. Então ela se lembrou de que Sebastian ficava até mais tarde no consultório às quintas, motivo pelo qual ele tivera tempo para acompanhá-la na visita à sua avó naquela manhã. Agora ela precisava vê-lo duas vezes para conseguir enfrentar o dia? Paxton ficou imaginando como sobreviveu antes que ele voltasse à cidade. Basicamente, ela guardava o estresse dentro de si mesma, sufocando-o com alcaçuz e tentando aliviá-lo através de suas intermináveis listas particulares.

Paxton desceu os vidros do carro e desligou o motor. Sentia-se melhor só de ficar ali sentada, olhando a Cabana da Árvore Frondosa. Ela esticou o braço até sua bolsa e pegou um caderninho entre as dúzias que carregava. Às vezes, Paxton usava o que tivesse à mão, um guardanapo de papel ou um envelope. Tudo ia parar em sua bolsa. A maioria de suas listas era sobre controle, sobre fracionar sua vida em partes administráveis. Mas algumas listas eram simplesmente desejos. Não há nada mais satisfatório do que colocar no papel o que você mais quer. Isso dá substância a algo que antes era tão abstrato quanto o ar. Isso é um passo a mais para o seu desejo se tornar real.

Paxton folheou o caderno até uma página em branco e começou uma lista sobre Sebastian. Tinha muitas listas sobre ele. “As coisas prediletas de Sebastian.” “Se Sebastian e eu tirássemos férias juntos, para onde iríamos?”

Naquele dia, ela começou:

motivos por que sebastian me faz sentir melhor

— Você faz isso com frequência quando não estou aqui? Fica aqui fora sentada trabalhando em suas listas?

Paxton tomou um susto e se virou para ver Sebastian com as mãos em cima do capô de seu carro, olhando para baixo, para dentro da janela. O sol realçava a brancura de sua pele sem poros e deixava cristalinos seus olhos azuis. Ela não ouvira quando Sebastian se aproximou, mas agora via que ele tinha estacionado atrás de seu carro, na entrada da garagem.

Ela sorriu e rapidamente guardou o caderno.

— Não, eu só estava esperando você.

Sebastian abriu a porta do carro e ajudou Paxton a descer.

— Está quente demais para ficar sentada no carro. Seu cabelo está molhado — ele colocou a mão fresca na base do pescoço de Paxton, o que a fez estremecer. Foi uma reação primitiva, vinda de dentro dela, uma fonte de anseios profundos e sonhos fáceis. Ela não conseguia saciar essa fonte, não podia contê-la, por mais que tentasse. Mas, em nome da amizade que tinham, Paxton fazia tudo para não demonstrar.

Ela sorriu.

— Você nunca transpira. É realmente humano?

— Eu gosto demais de ar-condicionado para passar muito tempo sem ele. Vamos. — Eles caminharam até a porta, Sebastian destrancou e gesticulou para que Paxton entrasse primeiro. Ele colocou as chaves na mesinha junto à entrada. Ela viu o próprio reflexo no espelho dourado em forma de estrela e logo soltou a bolsa, usando as duas mãos para ajeitar os cabelos para trás, prendendo todas as mechas soltas no coque que fizera pela manhã.

— Você já jantou? — perguntou ele.

Paxton baixou as mãos.

— Não.

— Então me acompanhe. Vou preparar um salmão grelhado. Ainda bem que vim para casa primeiro.

— Primeiro?

— Às vezes vou àquele restaurante na estrada.

— O Happy Daze? — perguntou Paxton, incrédula. O lugar não combinava em nada com ele. Houve uma época em que era um restaurante de família, mas agora era um pé-sujo engordurado, que continuava aberto por conta do pessoal idoso que relembrava seus tempos áureos e continuava a frequentar o local.

Ele sorriu diante da reação de Paxton.

— Acredite ou não, eu tenho boas lembranças do lugar. Minha tia-avó costumava me levar lá quando eu era garoto — Sebastian desatou o nó da gravata. — Então, como foi seu dia?

— A mesma coisa de sempre. Até que cheguei em casa à noite — Paxton hesitou. — Acho que meu irmão está interessado em Willa Jackson.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— E você não aprova? — A gravata fez um chiado no momento em que ele a puxou. Talvez fosse pelo fato de já estar nervosa, mas Paxton achou o som sedutor. Fez sua pele pinicar.

— Não, não é isso. Eu a adoraria eternamente se ela o fizesse ficar.

— Então qual é o problema? — perguntou ele.

Ela hesitou, ainda contrariada.

— Parece que Colin acha que eu deveria tê-la convidado para participar da restauração da Blue Ridge Madam.

— E por que você não a convidou?

— Isso não me ocorreu — disse ela. — Você acha que eu deveria ter convidado?

Ele sacudiu os ombros.

— Teria sido uma coisa legal a fazer.

— Foi isso que o Colin disse. Não tive a intenção de desprezá-la.

— Eu sei que não. Você gosta de estar no controle. Nunca lhe ocorre pedir ajuda — Sebastian sorriu e colocou a mão no rosto dela. — Mas para algumas coisas vale a pena pedir, querida.

— Para você é fácil falar — disse ela, infeliz.

— Não, na verdade não é — ele respondeu. — Eu vou me trocar. Você não foi lá em cima desde que eu redecorei meu quarto, foi?

— Não.

— Então venha.

Ela sabia onde ficavam todos os cômodos — o quarto de hóspedes, o cômodo com o equipamento caro de exercícios, o vazio, que ele dizia ter planos remotos de transformar num escritório, e sua suíte master. Ele mencionou ter mandado pintar seu quarto no mês anterior, mas ela não estava preparada para a megarrenovação que ele tinha feito. As paredes cinzentas tinham um verniz metálico e agora todos os móveis eram de laca preta. Logo que se mudou para aquela casa, ele passou a maior parte do tempo redecorando o andar de baixo, livrando-se da decoração medieval deixada pelo proprietário anterior. Ela adorou observar a transformação, ver como o lugar ficou mais parecido com Sebastian. Porém, a nova decoração do quarto não tinha nada a ver com o que ela esperava. Escuro, temperamental, severo, masculino.

Paxton ia sair para que Sebastian pudesse mudar de roupa, mas ele lhe disse para ficar e sumiu no closet.

— Por que você escolheu uma casa tão grande, se vive sozinho? — ela gritou enquanto andava pelo quarto. A cama era king size. Havia espaço para mais uma pessoa; ele só não parecia ter interesse em convidar ninguém, embora houvesse interesse de sobra, tanto de homens quanto de mulheres.

— Toda vida precisa de um pouquinho de espaço. Isso deixa lugar para que coisas boas entrem.

— Nossa, Sebastian. Que profundo.

Ela o ouviu rir.

Paxton passou pela cama, correndo os dedos pela colcha preta de seda. Parou para olhar uma pintura acima da cômoda. Ela nunca tinha visto. Estava rachada e era escura, obviamente antiga. Parecia com algo que deveria estar num museu de arte folclórica. Trazia a imagem de um pote vermelho cheio de frutas vermelhas maduras. Um pássaro preto e amarelo estava empoleirado na borda do pote, olhando zangado, como se desafiasse alguém a tirar-lhe um frutinho. A ponta de seu bico estava vermelha do suco da fruta, ou talvez fosse sangue. Era ligeiramente perturbador.

— Isso pertenceu à minha tia-avó — disse Sebastian. Ela pôde sentir o peito dele roçar na parte posterior de seu braço quando Sebastian parou atrás dela. — Ela adorava esse quadro. Ficava pendurado em sua sala de estar, ao lado de seu fogão a lenha. Aliás, é tudo que tenho de herança de família. Ficou guardado durante anos.

— Por que você só expôs agora? — perguntou ela, ainda olhando a pintura.

— Eu não tinha certeza se ficaria.

— Nessa casa?

— Não, em Walls of Water. Eu não sabia se as coisas dariam certo — ele parou. — Mas deram.

Ela estremeceu, como se tivesse acabado de escapar de uma colisão. Paxton não sabia que quase o perdera. O que havia de tão errado com esse lugar para que todos quisessem partir? O que havia de tão errado com o lar, a história e a família, mesmo que tudo isso lhe desse nos nervos? Ela ainda estava de costas para ele, e disse:

— Você já mencionou sua tia-avó duas vezes esta noite. Acho que nunca tinha falado dela.

— Era a única pessoa da minha família que eu sei que me amava sem reservas. Mas ela faleceu quando eu tinha dez anos.

Sebastian não falava muito da família, mas pelo pouco que ele lhe contara, Paxton sabia que seu pai era verbalmente agressivo e que Sebastian tinha um irmão bem mais velho, que morava na Virgínia do Oeste. Eles tinham morado num parque de trailers, perto da divisa do município. Ela imaginava ter respondido à própria pergunta. Talvez simplesmente houvesse coisas das quais você precisasse se afastar. Paxton podia entender os motivos de Sebastian. Mas não entendia os de seu irmão. Para mudar de assunto, ela sorriu, se virou e disse:

— Jantar?

Ela não tinha percebido quão perto ele estava.

— A menos que haja outra coisa que você queira fazer aqui em cima — disse Sebastian.

Ela não tocaria no assunto. Não podia.

— Você está querendo dizer que devo usar sua sala de exercícios? — Paxton brincou.

Ele baixou os olhos e desviou o olhar.

— Jamais, querida. Eu a amo do jeito que você é.