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5

Desenterrado

Era difícil acreditar num dia como aquele, quando Willa e Rachel ficavam tão ocupadas que o almoço delas seria só donuts de cappuccino e um café gelado, mas o movimento da National Street tinha caído vertiginosamente depois do Dia de Ação de Graças. Durante o inverno cinzento, elas chegavam a passar dias, às vezes toda uma semana, sem um único cliente. Dava uma ligeira melhorada em fevereiro, mês mais frio do ano, quando as pessoas de fora gostavam de fazer trilhas pelo parque nacional para ver as famosas cataratas congeladas, parecendo véus de noivas, em contraste com as montanhas. Mas, principalmente, de dezembro a abril, aqueles que ganhavam a vida com os turistas simplesmente sofriam sonhando com meses mais quentes, com um céu azulado repleto de alcedinídeos, com folhas tão verdes que pareciam recém-pintadas, como se a cor pudesse borrar se você as tocasse.

Era nesses meses parados que muitos moradores vindos de outros lugares se inquietavam e decidiam partir. Willa tinha visto isso acontecer repetidamente. Rachel tinha durado ali mais de um ano, mas Willa podia ver quão difíceis eram os meses frios para alguém tão ativo quanto ela. Willa estava apavorada com o inverno que chegava. Ela temia perder Rachel. E Rachel, seu café e seu chocolate eram as únicas coisas que tornavam a vida suportável ali, que realmente a deixavam animada agora que a restauração da Madam estava quase concluída e ela não tinha desculpa para ir de carro até Jackson Hill diariamente, para ver como estavam as obras.

— Willa, olhe — disse Rachel por volta de quatro da tarde, quando elas finalmente tiveram um momento de calma na loja. Willa se virou e viu que Rachel tinha parado de reabastecer a vitrine de petiscos do balcão do café e estava olhando pela janela. — Alto e moreno vindo para cá.

Willa ergueu os olhos e viu Colin Osgood passando pela vitrine da loja, seguindo até a porta.

— Ai, droga. Diga a ele que não estou aqui — disse ela, dirigindo-se para a sala de estoque atrás do balcão.

— O que há com você? — gritou Rachel.

Willa desapareceu, fechando a porta atrás de si, bem na hora em que ouviu a campainha tocar.

O que havia de errado com ela? Essa era uma boa pergunta. Mas era difícil explicar, principalmente para alguém como Rachel. Os invernos eram duros para Willa também, talvez até mais, porque ela sabia que não podia ir embora. Essa era a grande diferença entre Willa e Rachel, entre Willa e todos os moradores vindos de fora. Sua avó estava ali. A casa de seu pai era ali. Sua história estava ali. Às vezes, ela se debruçava no balcão da frente com o queixo apoiado na mão e ficava olhando a neve, desejando algo diferente, algo diferente de sua vida, e isso lhe dava um nó no estômago, do jeito que se sentia na escola quando as semanas se passavam depois que ela prometia a si mesma que não voltaria a fazer tolices. A sensação ia piorando cada vez mais até que ela se via pendurando uma corda feita de colants no janelão da torre da sala de dança, às duas da manhã, para que todos que chegassem à escola pensassem que as dançarinas tivessem ficado presas ali e sido obrigadas a amarrar as roupas e sair nuas.

Por isso ela queria ficar distante, longe de Colin Osgood. Ninguém, ninguém lhe dissera que ela era uma inspiração. Ninguém jamais lhe dissera admirá-la pelo que ela tinha feito. Isso ia de encontro a tudo que lhe haviam dito, tudo que qualquer um que sofreu ao longo do ensino médio queria acreditar, que se você simplesmente se esforçasse o bastante poderia se afastar de seu antigo eu. Contudo, não pela primeira vez, ela se viu imaginando: e se quem ela era antes fosse seu verdadeiro eu?

Ela ouvia vozes no lado de fora. O timbre baixo da voz de Colin, o riso de Rachel.

Então, subitamente, a maçaneta da sala de estoque estava girando. Ela estava de costas para a porta, então instintivamente a empurrou para trás. Mas Colin tinha a vantagem de ser mais forte e da cinética, portanto foi uma batalha perdida. Ela desistiu e saiu do caminho, deixando que a porta fosse escancarada.

Colin esticou o braço e pegou a porta antes que ela batesse na parede, depois olhou para Willa estranhamente. Havia sido um dia longo, e ela tinha a sensação de que seu cabelo estava com dois palmos de volume. Em determinado momento, ela tinha pegado um lenço do estoque e usara para tirar os cabelos do rosto. Completando o adorável traje do dia, vinham os jeans, os tênis de plataforma e uma camiseta que dizia: Vá, Au Naturel! Au Naturel Produtos Esportivos e Café, Walls of Water, Carolina do Norte. Claro que estava manchada de café.

— Por que você estava encostada na porta? — perguntou ele.

— Eu disse que você não me veria se eu o visse primeiro.

— Não achei que isso significasse que você literalmente se esconderia de mim.

— Não estou em um dos meus melhores momentos — ela admitiu.

Ele estava de calças cáqui e mocassins. Seus óculos de aviador estavam pendurados na gola da camiseta azul-clara. Ele parecia tão bem-composto e controlado. Aparentemente, esse era um poder de todos os Osgood, a habilidade que tinham de fazê-la se sentir ligeiramente fora de controle.

— O que você quer, Colin?

— Quero que você venha até a Madam comigo — disse ele. — Há algo que eu quero lhe mostrar.

Certo, isso chamou a sua atenção, mas Colin também devia ter imaginado que chamaria.

— Não posso, estou trabalhando — disse ela. Para provar, Willa pegou uma caixa de copos de papel e se espremeu, passando por ele e pela porta.

— Não vai demorar — disse ele, seguindo-a ao outro lado da loja, até o balcão do café. — Nós encontramos algo na propriedade hoje, e talvez você possa nos ajudar a descobrir a quem pertencia.

— Eu duvido. Não conheço nada daquela casa — disse ela. E era verdade, infelizmente. Sua avó nunca falava de sua vida ali. Willa entregou os copos a Rachel, que estava fazendo uma expressão juvenil de quem diz: “Você está falando com um rapaz”. Ela se virou e achou Colin mais perto do que esperava. — O que você encontrou?

Ele se inclinou para a frente, alto e à vontade, e sorriu para ela.

— Venha comigo e você vai descobrir — disse ele, sedutor. Colin estava com um cheiro intrigante, diferente do sândalo e do patchouli aos quais ela estava acostumada; o cenário da National Street era notoriamente boêmio. O aroma de Colin era agudo e fresco, tão desconhecido quanto estranhamente familiar. Verde, caro.

Ela deu um passo atrás.

— Não posso.

— Você está me dizendo que não está nem um pouco curiosa?

— Ah, ela está curiosa — disse Rachel.

Willa desviou os olhos para ela.

— Então, venha comigo — disse Colin. — Não vai demorar.

Era demais para resistir. Ela vinha querendo ver a casa há mais de um ano, e agora tinha a desculpa perfeita, uma desculpa que não envolvia vestidos de noite, conversa fiada ou Paxton Osgood. No entanto, envolvia Colin Osgood, seus motivos confusos e decididamente uma tensão sexual. Mas ele estaria partindo em um mês, portanto não era como se ela tivesse de se esconder dele para sempre.

— Rachel, segure as pontas — disse Willa. — Volto já.

— Vá tranquila — disse Rachel, com um sorriso malicioso. — Estou formulando algumas teorias sobre cappuccino com uma pedra de açúcar.

Sim, Willa apostava que sim.

— Ela se lembrou do meu pedido — disse Colin enquanto saía na frente de Willa para abrir a porta para ela.

— Ela faz isso. Vou segui-lo em meu jipe — disse ela ao se virar para onde tinha estacionado, mais adiante, na calçada.

Ele a pegou pelo cotovelo.

— Tudo bem, vamos juntos no meu carro — ele apontou para o Mercedes preto na frente deles. Apertou o chaveiro, os faróis piscaram e as portas se destravaram. Ela reconheceu o carro. Era difícil deixar de notar. Pertencera ao pai dele.

Ele desceu do meio-fio e abriu a porta do carro para Willa. Ela suspirou, concluindo que discutir só tomaria mais tempo, e entrou. Quase foi engolida pelos imensos bancos de couro. Depois que Colin sentou-se atrás do enorme volante — havia algo excessivamente compensador no carro — , ele colocou os óculos de aviador e engatou a ré. Manobrou o carro suavemente, entrando no tráfego da National Street, com uma das mãos no volante e a outra no joelho.

Depois de alguns minutos de silêncio, ela se virou para ele e disse:

— Por que você vai ficar aqui um mês?

O canto de seus lábios se ergueu diante da insinuação de Willa, pelo que pareceu uma eternidade.

— Eu tirei uma licença para ajudar a Paxton, na Madam. E para ir ao baile de gala.

— Onde você mora agora?

— Nova York. Mas viajo muito.

Nesse momento, eles viraram a esquina para subir o caminho íngreme rumo à Madam, e ela parou de tentar puxar conversa. Willa nunca tinha passado daquele ponto. Desviou a atenção de Colin e ficou observando a casa enquanto se aproximava. Uma alegria pareceu entranhar em sua pele, todo o seu ser parecia estar se abrindo num sorriso. Isso será algo importante, pensou ela. Nada de fantasmas. Isso vai ser como voltar para casa.

Quando Colin parou o carro, diante da casa, ela mal podia esperar para descer. Mas estava faltando alguma coisa. Willa não conseguia identificar o quê. O vento passou por ela numa forte rajada, soando como vozes em seus ouvidos. Ela se virou na direção do vento e seus sussurros. Na margem do platô, havia uma escavadeira trabalhando e, em volta, alguns homens de capacete.

— A árvore sumiu — disse ela, percebendo o que estava faltando.

Colin caminhou até Willa.

— O pessegueiro, sim.

— Era um pessegueiro? — a descoberta a surpreendeu. — Eu não sabia que pessegueiros cresciam nesse tipo de terreno.

— Conseguem crescer, só não dão frutos. As primaveras são muito frias aqui. Matam os botões — ele se recostou no carro, ao lado dela.

— Então, por que plantar um pessegueiro aqui?

Ele deu de ombros.

— Seu palpite é tão bom quanto o meu. Paxton disse que a árvore não estava em nenhuma das fotos antigas do local, então só pode ter crescido depois que a sua família se mudou. Como não era histórica e não dava frutos, Paxton decidiu que podia ser removida.

— Como soube que era um pessegueiro se nunca deu frutos? Acho que ninguém sabia que era um pessegueiro.

— Sou arquiteto paisagista — disse ele.

Tudo começava a fazer sentido.

— Ah. Você está fazendo o paisagismo. Por isso está aqui.

— Sim. Eu fiz o projeto, depois contratei os trabalhadores antes da minha chegada. Minha maior contribuição foi encontrar um carvalho vivo para plantar na propriedade. Encontrei um de cento e cinquenta anos no condado de Buncombe. Estava sendo ameaçado por uma incorporadora e o empreiteiro não queria se envolver com os ambientalistas, então concordou em dividir o custo conosco para podermos transplantar a árvore para cá. Já faz quase um ano que estamos cuidando dos preparativos, deixando a árvore pronta. A estrada terá de ser fechada na terça-feira, só para trazê-la para cá — ele se virou para Willa e sorriu. — Você deveria vir assistir.

— Assistir você plantando uma árvore? Nossa, você sabe mesmo entreter uma garota.

Isso o fez sorrir.

— É muito mais que isso. Acredite. Como você pode ser dona de uma loja de artigos esportivos e não gostar da natureza?

Antes que ela pudesse responder, um dos homens que estava no local da escavação gritou:

— Ei, Homem-Vareta!

Colin virou a cabeça, mas não se mexeu de sua posição confortável, recostado no carro. Ela, porém, sentiu uma onda de tensão passar por Colin e percebeu que o fato de ele ter encarado o homem que gritou era uma atitude deliberada, para deixar claro que ele não iria gritar de volta.

O homem suspirou e caminhou do local da escavação até o carro. Ao chegar mais perto, Willa reconheceu Dave Jeffries. Todos eles tinham estudado juntos no ensino médio. Ele fora do time de futebol e ainda tinha o peito largo, embora estivesse menos musculoso agora.

— O que está rolando, Dave? — perguntou Colin assim que Dave parou à sua frente.

— Logo depois que você saiu, nós desencavamos outra coisa — ele segurava uma frigideira de ferro, ainda coberta de terra.

Colin pegou-a de sua mão e inspecionou.

— Uma frigideira?

— A-hã.

— Isso está ficando mais interessante.

Dave sorriu ao ver Willa.

— Willa Jackson — disse ele, empurrando o capacete para trás. — Eu quase nunca a vejo. Lembra aquela vez em que você programou a campainha do recreio para tocar a cada cinco minutos? Aquilo foi demais. A gente ficava saindo no corredor a cada cinco minutos, e os professores ficavam tentando nos pôr de volta nas salas de aula — ele deu uma olhada nela, depois balançou o dedo entre Willa e Colin. — Você e o Homem-Vareta não estão juntos, né? Porque você podia dar uma chance ao velho Dave, se estiver solitária.

— Oferta tentadora, Dave — disse Willa. — Mas, não, obrigada.

Dave riu e deu um soco no braço de Colin com uma força que pareceu excessiva. Mas o que ela sabia? Talvez fosse coisa de homem.

— Boa sorte — ele disse a Colin.

Assim que Dave se afastou, Willa se virou para Colin e disse:

— Homem-Vareta?

— Era assim que eles me chamavam no ensino médio. Graças ao Dave.

— Porque você era muito alto?

— Isso é o que todo mundo achava.

Ela aguardou um pouco, depois disse:

— Você não vai me contar?

Ele suspirou.

— Dave me chamava de Homem-Vareta porque ele dizia que eu era todo empinado, parecia ter uma vareta espetada na bunda.

Willa ficou tão surpresa que riu sem ter a intenção de fazê-lo. Ela pôs a mão na boca e disse:

— Desculpe.

— Bem, para ser honesto, era verdade. Eu era meio austero. Era como agiam os homens que eu conhecia, então achei que também devia agir daquela forma. Caras como Dave adoravam debochar de caras como eu, que pareciam não saber o que era diversão. Eu nem posso lhe dizer como foi bom no último ano, quando todos achavam que eu era o Piadista. Eles me olhavam e pensavam: Nossa, eu não sabia que ele tinha esse lado.

— Eu me lembro dessa sensação — disse ela. Antes que eles pudessem entrar em outra discussão sobre valentia, ou a falta dela, Willa perguntou: — Então, o que você queria me mostrar aqui?

Ele tirou os óculos de sol e pendurou-os na gola da camisa, depois gesticulou para que Willa o seguisse, subindo os degraus do pórtico da frente. O local era imenso, bem maior do que ela imaginara a distância. Aquilo a arrebatou. Ela tinha passado tanto tempo observando esse lugar de longe que parecia ligeiramente surreal estar realmente subindo os degraus, tocando as colunas.

— Hoje, enquanto escavávamos o caule do pessegueiro, nós encontramos um tesouro enterrado. Uma maleta e um chapéu Fedora. E, aparentemente, uma frigideira — ele acrescentou, dando uma girada no objeto enferrujado que tinha na mão. — Quando eles me mostraram o chapéu, senti um arrepio, porque todos os garotos que invadiram a Madam ao longo dos últimos quarenta anos afirmaram ter visto um chapéu Fedora flutuando pela casa. Minha avó costumava nos assustar contando histórias sobre o fantasma que morava aqui.

— Você o viu alguma vez? — perguntou ela.

— Fiquei de olhos fechados na única vez que invadi com meus amigos — disse Colin. — E eu vou negar isso se você contar a outra pessoa.

Ela lhe lançou um olhar de interrogação. Para quem ela contaria?

— E você? — perguntou ele. — Você já o viu?

— Eu nunca invadi — disse ela.

— Está brincando? Depois de tantas proezas, você nunca entrou na Madam?

— Nunca estive assim tão perto — ela chegou a esticar a mão e tocar a lateral da casa, como se para ter certeza de que era real.

— Por que não?

Ela baixou a mão, receando parecer tola.

— Pelo mesmo motivo que todo mundo entrou. Fantasmas. Minha avó também me contava essas histórias.

Você tem medo de fantasmas? — perguntou ele.

— Apenas acho que as coisas que são postas em descanso devem permanecer assim — disse Willa, percebendo que soava muito como a avó. Ela passou por cima da maleta que estava na beirada do pórtico. Era de um gasto couro preto e estava coberta de terra, mas ainda permanecia surpreendentemente intacta. O conteúdo da maleta tinha sido removido e estava caprichosamente perfilado junto ao chapéu Fedora.

Ela se agachou e olhou tudo, embora não tivesse certeza do motivo. Não que ela fosse reconhecer alguma coisa da época em que sua avó tinha morado ali. No que dizia respeito a Georgie, a vida da avó tinha começado depois que ela deixara aquele lugar.

Os itens da maleta eram peças de roupas masculinas de época, de algodão e linho. Mas também havia um jornal desintegrando e um álbum de recortes. Ela cuidadosamente ergueu as páginas do álbum e foi olhando. Estava abarrotado de recortes, as páginas amareladas e frágeis, com resíduos de cola. Quem quer que tivesse sido o dono gostava de acompanhar o que os astros de cinema estavam fazendo na década de 1930. Essa parecia ser a finalidade do álbum. Contudo, de vez em quando, surgiam fotos reais. Eram bem antigas, de gente embaçada, num pomar de algum tipo.

— Essas árvores, ao fundo, se parecem com o pessegueiro que estava plantado aqui? — ela perguntou e Colin olhou por cima de seu ombro. Ele estava bem mais próximo do que Willa achava que ele precisava estar e, sem dúvida, estava fazendo isso de propósito.

— Sim, parecem. Observação interessante.

Enquanto Willa olhava o restante do álbum, ela encontrou um diploma de ensino médio da Escola do Orfanato de Meninos de Upton, no Texas, em nome de alguém chamado Tucker Devlin.

— Alguma coisa disso lhe parece familiar? — Colin perguntou, ainda se curvando acima dela como uma onda.

— Na verdade, não, só... — Willa parou quando chegou à última página. Havia uma única foto, de um belo homem de terno leve, usando um chapéu Fedora, talvez o mesmo que estava enterrado com a maleta. Ele parecia saber que era bonito. Ele parecia capaz de conseguir o que quisesse.

— O quê? — perguntou Colin.

— Eu não sei. Há algo familiar sobre ele — Willa fechou o álbum de recortes sem conseguir entendê-lo.

— Aquele jornal de Asheville que estava na maleta está datado de agosto de 1936, ano em que sua família se mudou — disse Colin, dando um passo atrás.

— Foi o mês e o ano em que o Clube Social Feminino foi fundado, segundo os convites que sua irmã enviou — Willa acrescentou ao se levantar. — Não sei nada sobre isso. Desculpe. Algumas coisas da minha avó estão guardadas no meu sótão. Talvez haja alguma pista desse tal Tucker Devlin. Eu poderia dar uma olhada.

— Isso seria ótimo — ele sorriu. — Você gostaria de ver o interior da casa?

Willa teve de se segurar para não gritar: “Sim, por favor!”.

Colin foi até a imensa porta de oito folhas com vidros redondos feitos à mão. Havia uma placa de cobre ao lado, que dizia A HISTÓRICA HOSPEDARIA BLUE RIDGE MADAM. A porta parecia pesada, mas ele a abriu facilmente.

Suas mãos estavam tremendo quando ela entrou, ingressando num sopro fresco do passado. A primeira coisa que Willa viu foi a nobre escadaria junto à parede, formando uma longa inclinação curva. No alto da escada havia uma pintura de uma mulher com cabelos escuros e olhos cinzentos, com um deslumbrante vestido azul-marinho. Willa olhou para o lobby com uma expressão saudosa.

Era uma sensação esmagadora pensar que sua avó tinha vivido ali, daquela forma. Era difícil conciliar a avó que ela conhecia com a que vagava por aqueles cômodos adoráveis e opulentos. Ela desejava desesperadamente se sentir ligada ao lugar, sentir... algo. Contudo, ao olhar em volta, Willa não conseguia sentir coisa alguma.

Nada.

O foyer tinha sido transformado em lobby e havia uma escrivaninha escura de cerejeira na lateral. Uma mulher de jeans e camiseta estava ao telefone. Quando viu Colin, ela acenou.

Colin acenou de volta, enquanto conduzia Willa à direita, passando por um arco que levava ao salão de jantar. Dúzias de mesas redondas ocupavam o espaço iluminado por janelas que iam até o teto. Em uma das paredes havia uma imensa lareira revestida em lambri, ladeada por poltronas épicas.

— Paxton disse que encontrou um chef cinco estrelas. O Restaurante Rebecca será aberto ao público, mas, aparentemente, eles estão com reservas até o ano que vem.

— Por que Rebecca? — perguntou ela.

— Era o nome da esposa de seu tataravô. Ele construiu a Madam para ela.

— Ah — disse Willa, constrangida por não saber.

Colin a conduziu à saída do salão de jantar, pelo arco oposto, do outro lado do lobby.

— Aqui ficava a biblioteca — disse Colin. — Agora é uma sala de estar onde será servido o chá da tarde aos hóspedes.

Ali havia um lambri de madeira escura, como na maior parte do andar de baixo. Havia uma lareira igual à do restaurante, mas ladeada por prateleiras repletas de livros. Sofás e poltronas de estofamento ornamentado estavam espalhados pelo cômodo.

A mulher que falava ao telefone entrou na sala nesse momento.

— Desculpe, Colin. Sempre há algo a fazer. Ainda estou tentando encontrar um serviço de lavanderia. Paxton me deu uma tarefa ardilosa ao me perguntar se a Madam poderia estar pronta para o pernoite dos convidados na noite do baile de gala.

Colin fez as apresentações.

— Willa, essa é Maria, a gerente. Paxton a roubou do Grand Devereaux Inn, em Charleston. Ela é a melhor do ramo. Maria, você está olhando para uma herdeira direta da Blue Ridge Madam. Essa é Willa Jackson. Seus antepassados construíram este lugar.

— É uma honra — disse Maria. — Bem-vinda, Willa.

— Obrigada — disse Willa. Ela estava começando a se sentir profundamente desconfortável, e o calor estava subindo por seu pescoço. Aquele não era seu lugar. Teoricamente, ela sempre soube disso. A casa não pertencia à sua família havia décadas. Por isso ela se manteve distante. Mas sempre cultivou a esperança, desde a infância, de que de alguma forma mágica um dia alguém percebesse que houvera um engano e a propriedade realmente pertencia a Willa.

— Maria pode me respaldar — disse Colin. — Você viu o Fedora, não viu?

Maria riu.

— Tenho certeza de que foi minha imaginação. Depois que você ouve que um lugar é assombrado, todo rangido se transforma em fantasma.

— Vou mostrar a parte de cima a Willa — disse Colin. — Os quartos de hóspedes continuam destrancados?

— Sim — disse Maria. — Fiquem à vontade.

Eles caminharam de volta ao foyer.

— Depois do balcão da recepção fica o salão de banquete. É ali que será realizado o baile de gala do Clube Social Feminino — disse Colin, enquanto ele e Willa subiam a escada. Ao chegarem lá em cima, Colin parou diante do retrato da dama de azul. — Esta é sua tataravó, Rebecca Jackson. A pintura foi encontrada num armário, embrulhada em cobertores. É um milagre que tenha resistido a todos esses anos de pilhagem.

Willa ficou olhando para ela. Então esta era a avó de sua avó. Será que a vovó Georgie a conhecera? Willa não tinha ideia.

— Eu tenho os olhos dela — disse Willa a si mesma.

— Eu sei.

— Esta é a primeira vez que eu a vejo.

Colin sacudiu a cabeça.

— A Paxton deveria tê-la deixado participar disso tudo. Não sei por que ela não deixou.

— Eu não teria sido muito útil — disse Willa. — Ela fez um ótimo trabalho sozinha.

— Os quartos de hóspedes são por aqui.

Willa o deteve antes que seguisse pelo corredor.

— Não. Eu já vi o bastante.

— O que há de errado?

— Nada. É um lugar deslumbrante. Obrigada por me mostrar, mas eu realmente tenho de voltar. Desculpe por não poder ajudar mais com o tesouro enterrado — Willa achou que tivesse superado tudo aquilo. Não fazia ideia de que fosse afetá-la daquela forma.

Willa se virava para partir quando a terra tremeu.

Ela parou, deparando-se com os olhos escuros de Colin. Ele pareceu tão confuso quanto ela.

— Você sentiu isso? — perguntou ela.

— Sim — disse Colin, sério. — E não gostei.

— Isso não é... o fantasma, é?

Por um instante Colin sorriu para Willa, como se ela tivesse dito algo bonitinho.

Depois ele disparou escada abaixo. Willa o seguiu lá para fora e sentiu que o tremor era ainda mais forte a céu aberto. O chão estava tremendo, fazendo balançar o imenso lustre da varanda.

Colin olhou para o local onde alguns homens arrancavam as raízes do pessegueiro, o que criara um buraco e tanto.

— Se eu não soubesse, diria que eles atingiram uma tubulação de gás. Mas não há dutos de gás por aqui. E temos todas as tubulações subterrâneas mapeadas.

O estrondo parecia ficar mais ruidoso, fazendo vibrar o ar ao redor deles, em ondas que faziam os ouvidos de Willa martelar.

— Seja o que for, vai explodir. Vá lá para dentro com a Maria — disse Colin, correndo pela beirada do pórtico e balançando os braços, tentando chamar a atenção dos homens que estavam no local da escavação. — Afastem-se — ele gritou. — Afastem-se, agora!

Os homens olharam para ele e não hesitaram. Eles correram a toda a velocidade, afastando-se do buraco.

Colin se virou quando o tremor aumentou. Willa não tinha entrado. Ela estava bem ali, com uma das mãos na parede, para manter o equilíbrio. Ele a surpreendeu ao agarrá-la e encostá-la na lateral da casa. Alguns segundos se passaram e o tremor aumentou, até que Willa teve certeza de que algo aconteceria. Alguma coisa ia explodir. Rachar. Cair. Vir à luz. Ela fechou os olhos e mergulhou o rosto no peito de Colin, segurando a camisa dele com os punhos fechados. Mas quando chegou ao máximo, o ruído cessou bruscamente e tudo ficou assustadoramente silencioso, com exceção do lustre, que lentamente rangia enquanto balançava.

Colin recuou e ele e Willa ficaram se olhando por um longo e apreensivo instante. Eles olharam simultaneamente na direção da escavadeira. Um punhado de pássaros amarelos e pretos tinha pousado na máquina e olhava o buraco. Um dos homens se aproximou cautelosamente. Quando ele olhou lá dentro, a expressão em seu rosto era de absoluto choque.

— O que é? — gritou Colin.

Ele empurrou seu capacete para trás.

— Você tem de ver isso.

— Você está bem? — perguntou Colin, voltando-se para Willa. Ele segurou a lateral da cabeça dela com uma das mãos.

Willa assentiu, soltando lentamente a camisa dele. Colin se afastou, depois pulou do pórtico e caminhou em direção ao buraco. Depois de respirar fundo, Willa o seguiu.

Colin chegou primeiro e olhou.

Jesus Cristo.

— O que é? — perguntou ela.

— Acho que acabamos de encontrar o dono da maleta — disse Colin.

Willa olhou dentro do buraco. Foi preciso um instante para perceber que o que ela pensou ser um pedregulho não era pedra nenhuma.

Era um crânio humano.