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6

O conto de fadas

Paxton subiu à superfície da água e nadou até ficar com os braços dormentes. Seu ritmo era frenético, como se ela estivesse tentando nadar para fugir de algo e como se, se forçasse um pouco mais, se livraria daquilo. Quando não conseguiu mais se forçar, ela ficou boiando por um tempo. Estava escuro, mas as luzes da piscina eram tão fortes que ela não conseguia ver as estrelas. Ela queria ficar ali para sempre, com a água abafando todos os sons, desligando-a de tudo.

Paxton finalmente ficou de pé, pois nadar não era a solução e, de qualquer forma, sua mãe logo viria lhe dizer que ela tinha passado tempo demais na água. Ela afastou os cabelos molhados do rosto e deixou as mãos descansarem sobre a cabeça enquanto respirava fundo e dizia a si mesma que poderia consertar isso. Ela poderia consertar qualquer coisa, se condicionasse a mente para isso.

Paxton não sabia exatamente quando percebeu que havia alguém com ela ali fora. Foi uma percepção gradual, como quando lentamente despertamos ao som da chuva à noite. Ela se virou na água e viu Sebastian sentado numa das espreguiçadeiras. Ele tinha tirado o paletó do terno e jogado na espreguiçadeira ao lado. Observava com seus olhos caídos. Se havia algo que ela aprendera sobre Sebastian era que ele guardava seus sentimentos para si mesmo. Se ele não queria que Paxton soubesse como ele se sentia, não demonstrava absolutamente nada.

— Sebastian. O que está fazendo aqui? — ele nunca estivera em sua casa. Paxton deslizou pela água até os degraus e saiu, pegando uma toalha que tinha deixado na beirada da piscina. Secou-se enquanto caminhava até Sebastian, sentindo-se constrangida, porque ele nunca a vira de maiô. Não que isso tivesse importância. Bem, para ele não.

À medida que ela se aproximava, ele se levantou, pegando o paletó do terno e o jogando por cima do ombro.

— Ouvi falar do esqueleto encontrado hoje na Blue Ridge Madam. Queria ver se você estava bem. Você não atendeu às minhas ligações.

— Está tudo bem. Tudo ficará bem — disse ela, que vinha repetindo isso a tarde toda. Se dissesse o bastante, talvez se tornasse realidade.

— Mas como está você?

— Também estou bem — ela enrolou a toalha bem apertada ao seu redor, segurando junto ao peito com uma das mãos. Olhou para a casa principal, imaginando o que sua mãe acharia de Sebastian estar ali. — Não posso acreditar que você tenha enfrentado meus pais só para ver se eu estava bem. Espero que eles tenham sido agradáveis com você.

Ele não respondeu de imediato.

— Estou acostumado com os olhares. Foi assim a vida toda. O importante é que sua mãe me deixou entrar. Isso não teria acontecido quinze anos atrás. Não se preocupe comigo. Consigo sobreviver a praticamente qualquer coisa.

Por algum motivo, Paxton sentiu uma pontada. Ela não fazia ideia do motivo.

— Você acha que eu não consigo?

Ele ficou olhando para Paxton sem dizer uma palavra. Ela realmente nunca fora independente. Ainda vivia com os pais. Entendia por que Sebastian pensava isso.

— Vamos entrar — disse ela enquanto o conduzia até a casa da piscina. Paxton olhou para trás, para a casa principal, mais uma vez. Das portas duplas, sua mãe agora observava os dois. — Há quanto tempo você estava aqui fora?

— Um tempo. Você tem uma bela braçada de costas.

Paxton abriu a porta e ele a seguiu. Ela rapidamente pegou na mesinha de centro algumas anotações que estava fazendo e enfiou em sua bolsa gigante.

— Gostaria de algo para beber? Acho que só tenho uísque — sua mãe tinha abastecido o armário de bebidas da casa da piscina quando o redecorou no ano anterior. Mas só tinha sobrado uísque, pois Paxton não gostava da bebida. Ela se pegou pensando que deveria reabastecer seu estoque. Sebastian sempre mantinha um bar cheio. Mas reabastecer significava entrar na Cabana da Nogueira e enfrentar as inevitáveis insinuações da mãe de que ela talvez estivesse bebendo demais. Não importaria que Paxton quase nunca bebesse e levara todo um ano para consumir o pouco que havia no armário de bebidas.

— Não, obrigado — disse ele, olhando em volta. A mãe dela mandara redecorar o lugar como um agradecimento louco e disfuncional por Paxton não ter se mudado de vez. O lugar tinha a intenção de ter um astral de casa de férias, ou uma casa de praia. As cores eram branco e areia com dourado. Todos os móveis eram quadrados e macios e o carpete era texturizado. Não haviam sido escolhas de Paxton. Nada no lugar fazia seu estilo, como na casa de Sebastian. Sempre que ela sonhava em estar em casa, nunca era ali. Às vezes era o sobrado que ela quase comprara no ano anterior. Às vezes era um lugar onde ela nunca tinha estado. Mas Paxton sempre sabia que era seu. Esse lugar cheirava a limões. Sempre. E ela nunca conseguia fazer o cheiro passar. A casa com que ela sonhava cheirava a grama fresca e a donuts.

— Então você está bem — disse Sebastian ao sentar-se no sofá. Ele não estava interessado nos detalhes do esqueleto encontrado na Madam. Estava preocupado com ela. Ninguém mais ao seu redor reagira às notícias dessa forma.

— Sim — disse Paxton, tentando rir. — É claro.

Sebastian não parecia acreditar nela. Às vezes, Paxton não achava justo que ele a conhecesse tão bem.

— Bem, na verdade — disse ela —, estou sentindo um pouco de falta de ar.

— Quer se sentar?

— Não. Não consigo respirar. Eu queria, mas não consigo. Fica tudo acumulado aqui e eu não consigo soltar — ela deu um tapinha no peito com a mão que também segurava a toalha. — O Colin está ficando maluco, tentando bolar um plano reserva, porque aquele carvalho de cento e cinquenta anos está programado para ser entregue na terça-feira e terá de ser plantado imediatamente, ou iremos perdê-lo. Sem mencionar as centenas de milhares de dólares para que ele fosse arrancado e trazido para cá. Mas não sabemos se a polícia irá liberar o local e nos deixar plantá-lo. E sabe por que eu desliguei meu telefone? — ela não esperou que Sebastian respondesse. — Porque as integrantes do Clube Social Feminino não param de ligar, preocupadas se poderemos manter o baile de gala na Madam. Várias delas queriam que a festa fosse transferida para o clube de campo, de qualquer forma, mas perderam na votação. Elas já até ligaram para o clube, queriam que o baile fosse lá desde o começo. Parecem querer acreditar que isso fará todo o esforço e o trabalho duro empregados na restauração terem sido em vão. A gerente da Madam até disse que algumas pessoas ligaram preocupadas com suas reservas, mesmo sabendo que abriremos a hospedaria para os hóspedes somente em setembro — a voz dela ficava mais alta e ela parou e respirou fundo.

Sebastian se levantou e se aproximou de Paxton. Ele a pegou pelos braços, olhou calmamente em seus olhos e disse:

— Você não pode controlar tudo, Pax. Estou sempre tentando lhe dizer isso. Você tem uma resistência impressionante em deixar que algumas coisas simplesmente aconteçam. Se você der um passo atrás, verá que, quando tudo isso passar, ninguém irá questionar o fato de o baile de gala ocorrer na Madam. Nesse momento, todos estão bebendo vinho ruim, feito de uvas azedas e histeria. Deixe que tomem e deixe que se arrependam amanhã. E para cada pessoa que cancelar sua reserva alguém fará outra, exatamente por conta disso. Há muita gente por aí que gosta do sabor do macabro.

— Mas a intenção disso não é ser macabro! — disse ela. — Isso deveria ser perfeito.

— Nada é perfeito, jamais. Não importa quanto você deseje isso.

Ela sacudiu a cabeça. Sabia disso. Só não sabia viver de outra forma. Fora assim sua vida toda, chorava se o rabo de cavalo ficasse torto ou se não fosse a melhor em sua aula de dança. Paxton não sabia como mudar com isso, por mais que quisesse.

— Apenas deixe para lá, querida — disse Sebastian, passando os braços ao redor dela, sem ligar para o fato de que Paxton estava molhada. Isso, isso era o motivo para ela amá-lo tanto. — Faça o que for preciso, mas deixe para lá — com a mão ainda segurando a toalha, ela não podia retribuir o abraço e continuar coberta, mas Paxton percebeu que gostava de se aninhar a ele dessa forma. Ela gostava de se sentir pequena. Pousou a cabeça no ombro de Sebastian e pôde senti-lo respirando junto ao seu pescoço.

Seu coração se acelerou e ela tinha certeza de que ele podia ouvir.

À medida que os segundos se passavam, ela podia quase sentir uma corda ao redor deles, como a força do desespero e o desejo que a traziam para mais perto de Sebastian. Paxton lentamente deixou a toalha cair e ergueu os braços em volta do pescoço dele, roçando seu peito no de Sebastian. Ela ergueu a cabeça de seu ombro e encostou o rosto ao dele, roçando levemente. Podia sentir sua barba por fazer, mas seus pelos eram tão finos que ela nunca os tinha notado.

Ela sentia-se oprimida. Essa era a única razão que poderia justificar seus atos, sua fraqueza. Paxton virou a cabeça num movimento terrivelmente lento, e seus lábios encontraram os de Sebastian. Suas mãos foram parar nos cabelos dele e ela abriu os lábios. Ele não ofereceu resistência. Isso foi o que mais a surpreendeu. Depois de um momento de surpresa, Sebastian chegou a retribuir o beijo. Seu coração cantava. Antes que pudesse se dar conta, ela estava indo em direção ao sofá e o empurrava para que se sentasse. Paxton sentou-se em cima dele, tentando beijar e ultrapassar o resto de suas barreiras, levá-lo àquele ponto sedutor em que os olhos deles haviam se encontrado, tantos anos antes, quando Sebastian estava beijando outra pessoa. Se ela apenas se esforçasse o suficiente, poderia fazer isso acontecer. Ela podia fazer Sebastian amá-la, como ele amara aquele garoto.

— Paxton... — Sebastian finalmente disse, entre seus beijos. — Pense bem nisso. Será que realmente é uma boa ideia?

Ela abriu os olhos e lentamente se afastou. Os dois respiravam ofegantes. Sebastian estava bem corado, o que o deixava ainda mais bonito, com aquele tom rosado no rosto. As mãos dele seguravam firmemente as nádegas de Paxton.

O que ela estava fazendo? Ele lhe dissera para deixar para lá, mas Paxton tinha certeza de que não era com relação a isso. No entanto, ele ia deixá-la fazer. Ai, Deus. Ela não era patética?

Ela rapidamente recuou e encontrou a toalha, enrolando-a novamente ao seu redor.

Ele se inclinou para a frente, pousando os cotovelos sobre os joelhos. Ficou assim, curvado, com as mãos enlaçadas à frente, com a respiração ainda acelerada. Sebastian olhava para o chão, parecendo organizar os pensamentos.

Ele finalmente se levantou:

— Acho melhor eu ir — disse Sebastian.

Paxton tentou sorrir, assentindo para mostrar que compreendia.

Ele saiu sem dizer mais nada.

Ela queria se mudar, mas não queria decepcionar os pais. Queria ajuda com tudo que precisava fazer, mas era orgulhosa demais para pedir. O projeto da Blue Ridge Madam deveria solidificar a reputação de sua família, mas agora havia um esqueleto lançando uma névoa sobre o projeto. O baile de gala em comemoração aos setenta e cinco anos do Clube Social Feminino deveria ser o evento para coroar sua presidência, mas estava sendo ameaçado pela mudança de última hora de local. E ela queria tanto que Sebastian fosse algo que ele não era que, em questão de minutos, ela podia muito bem ter arruinado a melhor coisa que já lhe acontecera.

Como poderia alguém, com uma vida dessas, sentir-se tão vazia?

Ela foi até o armário de bebidas, pegou a abominável garrafa de uísque e serviu um copo. Respirando fundo e fazendo uma careta, Paxton forçou-se a engolir.

Tentando se manter acordada depois de um dia muito longo, Willa deixou que o ar úmido soprasse em seu rosto, enquanto dirigia de volta para casa, vindo da festa de Rachel. Ela não tivera a intenção de ir à noitada culinária na casa de Rachel. Na verdade, ela geralmente dizia não. As noites de sexta-feira eram para passar aspirador. Às vezes, para dar uma corrida, se ela sentisse que tinha comido biscoitos demais na loja. Coisas selvagens e malucas. Mas a visão de um crânio na Blue Ridge Madam, mais cedo, a fez desejar ficar perto de outras pessoas naquela noite. Colin a levara de volta até a loja após a descoberta do esqueleto, depois pediu desculpas e voltou correndo para a Madam. Desde então, ela não tivera mais notícias dele.

Willa deixou a loja com Rachel e foi direto para a casa dela. Isso fora sete horas antes. Willa ficou até muito tarde. Tarde demais para ela. A festa culinária ainda estava embalada quando ela saiu. Rachel não era uma garota típica de vinte e dois anos, exceto quando estava perto de outras da mesma idade, só então Willa percebia quanta diferença oito anos podem fazer numa vida. Ela não sentia falta especificamente daquela idade — tinha abandonado a faculdade e bebia demais, saía em embalos excessivos —, mas sentia falta daquela impressão de viver o momento, de viver só para sentir.

Depois de se despedir, ela seguiu de volta para a longa estrada que levava a Walls of Water. Rachel e o namorado alugavam uma casinha de campo perto da divisa do município. Depois de dirigir alguns quilômetros, ela passou por uma loja de conveniência chamada Gas Me Up, um lugar frequentado por universitários durante o verão, porque vendia cerveja barata e nem sempre exigia documento. Havia alguns carros no estacionamento e, quando Willa bocejou, ela achou que seus olhos estavam lhe pregando uma peça ao imaginar ter reconhecido um dos carros.

Não, certamente não era.

Ela desacelerou para ter certeza.

Sim, com certeza era o BMW branco conversível de Paxton Osgood.

E aquela certamente era Paxton, saindo da loja.

Mas que diabos ela estaria fazendo ali? Willa achava que Paxton nem conhecia esse lado da meia-noite, muito menos esse lado da cidade.

Willa reduziu tanto a velocidade que o carro de trás buzinou. Ela parou no acostamento da estrada e o carro passou como uma bala.

Nesse momento ela viu o antigo colega de turma Robbie Roberts saindo da loja, atrás de Paxton.

Ele tinha crescido e ficado bonito, de um jeito meio pálido. Era metido e podia ser charmoso quando queria. Mas se embebedava com muita frequência, só trabalhava o suficiente para receber o seguro-desemprego e toda semana era supostamente expulso de casa pela esposa.

Robbie era problema, mas era um problema leve. Um amante, não um brigão.

Mas seus dois amigos, os homens que estavam perambulando do lado de fora da loja, eram decididamente barra-pesada.

De todas as coisas que Willa pensava saber a respeito de Paxton Osgood, a de que tinha mais certeza era que ela sabia lidar com qualquer situação. Paxton não precisava de ninguém para protegê-la. Ela tinha um ar que fazia as pessoas prestarem atenção. Tinha um jeito de falar que fazia que os outros ouvissem. E o fato de ficar com provavelmente um metro e oitenta de saltos altos não fazia mal nenhum. Ela não era o tipo de pessoa a ser enfrentada facilmente.

Mas à medida que Willa observava o que estava acontecendo, ela percebia que Paxton estava, possivelmente pela primeira vez na vida, totalmente fora de seu contexto. Era quase uma hora da madrugada, numa loja de conveniência aberta vinte e quatro horas, numa parte da cidade que não costumava ver gente como ela, de vestidinho vermelho de verão e sandálias de amarrar de saltos altos, enfeitadas com rosas vermelhas. Ela agora estava do lado de fora da porta e tinha sido abordada pelos homens, enquanto trazia os braços abarrotados de sacos pesados que pareciam conter garrafas de vinho e batata frita. Vinho barato e batata frita? Não era a dela. Seus cabelos, geralmente presos num coque benfeito, só estavam presos pela metade. O restante estava caindo em volta de seu belo rosto largo. Ela parecia estranhamente confusa e hesitante.

Ela estava bêbada.

Willa teria achado engraçado, teria se divertido assistindo ao espetáculo da bebedeira de alguém que tinha um compromisso de vida com a perfeição, cuja simples existência deixava todas as outras mulheres se sentido menores de alguma forma, teria gostado de vê-la cair de cara no chão... se não fosse pelos homens ao seu redor.

Havia uma compreensão estranha, mas universal, entre as mulheres. Em certo nível, todas as mulheres sabiam, todas compreendiam do medo de estar em minoria, de estar impotente. Aquilo latejava no peito quando elas pensavam nas vezes em que saíram de uma loja e foram seguidas. As batidas na janela do carro, enquanto estavam paradas sozinhas num sinal vermelho, estranhos pedindo carona. Beber demais e perder a capacidade de dizer não. Sorrir para homens que vinham dar em cima, sem querer magoá-los, sem querer fazer uma cena. Todas as mulheres se lembravam dessas coisas, mesmo que nunca tivessem lhes acontecido pessoalmente. Faziam parte do inconsciente coletivo.

Willa não podia simplesmente ficar ali, no acostamento da estrada, sem ajudar. Ela precisava fazer alguma coisa. Só não tinha certeza do quê. Mas ela engatou o jipe, atravessou a estrada e entrou no estacionamento da loja de conveniência, achando que nada desse dia tinha sido normal, nada tinha sido tedioso.

E Willa nunca, jamais, admitiria, nem para si mesma, que ela gostara.

Parou diante do grupo, com os faróis altos do jipe acesos. Viu Paxton Osgood dar um solavanco, afastando o braço de um dos homens que tentavam tocá-la, depois andar adiante, sendo novamente interceptada por outro homem.

Willa enfiou a mão na bolsa, à procura de seu spray de pimenta, e abriu a porta.

— Oi, Paxton — disse ela. Seu coração estava disparado e ela podia sentir a onda de adrenalina. — O que você está fazendo aqui?

Os homens se viraram para Willa. Paxton ergueu a cabeça num tranco, e Willa viu seu medo evidente. Era uma presa fácil cercada por predadores. Socorro.

— Olhem só, uma pequenininha. Agora temos o bastante para uma festa de verdade — disse o homem que segurava o braço de Paxton. Ele trazia estampada a palavra abuso. Isso tinha acontecido com ele. Fazia parte de sua psique, de forma que ele não conseguia olhar para outra pessoa sem imaginar como ela ficaria com seus hematomas. Willa sentiu isso pela forma que ele olhava para seu pescoço e a pele fina das maçãs de seu rosto.

— Por que você não solta o braço dela? Tenho quase certeza de que ela quer ir embora — disse Willa. Sua mão já estava latejando de apertar a lata de spray de pimenta. Ela estava superalerta a tudo em volta, a cada pequeno som, a cada mudança no ar.

Robbie riu debochado. Ele sempre fora o garoto que andava com o bando de arruaceiros na escola, não chegara a ser um deles, mas sempre esteve bem perto disso. E, como a maioria das pessoas, ele achava que estar perto era melhor do que não se encaixar de jeito nenhum.

— Ora, vamos, Willa, com que frequência temos a rainha da formatura bêbada por aqui? E ela me mandou uma carta de amor no ensino médio. Ela negou e fez todos rirem de mim, mas me mandou. Admita, Paxton.

— Robbie, pelo amor de Deus, fui eu quem mandou aquela carta — disse Willa. — Eu era a Piadista. Esse era o tipo de imbecilidade que eu fazia naquela época. Paxton não teve nada a ver com aquilo.

Ele lhe lançou um olhar confuso.

Willa os deixou e marchou até a porta da loja de conveniência e gritou lá para dentro:

— Chame a polícia.

O balconista ergueu os olhos da revista, depois retomou sua leitura, ignorando Willa.

— Aquele é o meu irmão — disse o segundo homem. — Ele não vai chamar ninguém.

Willa lentamente recuou. Ela sabia que podia correr até o jipe, ligar para a polícia e esperar com as portas trancadas. Mas isso deixaria Paxton por conta própria e a última coisa que qualquer mulher desejaria nesse tipo de situação era olhar em volta e ver todas as pessoas que podiam ajudá-la não fazerem nada. Paxton parecia saber o que Willa estava pensando. Ela tentava olhar em seus olhos, tentava evitar que Willa fosse embora. Não me deixe.

— Paxton, solte as suas sacolas — Willa finalmente disse.

— Mas...

— Apenas faça isso. Vamos para o meu jipe, está bem?

— Estou com meu carro.

— Eu sei. Mas vamos para o meu jipe — ela fez um pequeno gesto com a mão, e os olhos de Paxton avistaram a lata de spray de pimenta. Paxton soltou os sacos e as garrafas de vinho se quebraram ao cair no concreto.

— Ela não vai a lugar nenhum — disse o homem que estava segurando seu braço. — Só se for lá atrás do prédio, para uma pequena diversão.

Willa respirou fundo, depois ergueu a lata e mirou. Essa foi sua última ação, mas ela não hesitou. Além de tudo, tinha borrifado coisas suficientes em sua juventude desperdiçada para ter uma boa mira. Ela acertou o primeiro homem no rosto. O segundo se moveu, e Willa teve de persegui-lo até a porta, antes de acertá-lo. Ao fazê-lo, ela agarrou o braço de Paxton, deixando a lata cair.

Elas estavam quase no jipe quando Robbie apareceu na frente delas. O primeiro homem estava tossindo e esfregando os olhos, fazendo a irritação piorar, ficando com mais raiva. Ele gritava para que Robbie pegasse as piranhas. O segundo homem correu para dentro da loja a fim de buscar o balconista, que já estava vindo em direção às portas. Agora, Willa não tinha nada para se defender deles.

— A carta realmente foi uma piada? — perguntou Robbie.

Sim — disse Willa.

— Ah, desculpe, Paxton.

Paxton agora segurava Willa com uma força que deixaria marcas.

Robbie caiu de joelhos e cobriu o rosto, gritando, como se ele também tivesse sido borrifado. Willa não tinha ideia do que ele estava fazendo até que ele parou com a encenação e disse:

— Vão logo, porra.

E foi exatamente o que elas fizeram.

Willa pulou atrás do volante e Paxton despencou no banco do passageiro. Willa estava tremendo tanto que teve dificuldade de engrenar a ré do jipe. Ela se lembrava de, depois de passar um trote grande na escola, algo que às vezes levava a noite toda, ir para cama tremendo desse jeito. Não era uma sensação ruim, era mais como se desmanchar. Quando ela finalmente engatou a marcha no jipe, Paxton quase caiu para fora, por conta da velocidade com que Willa deu ré para sair do estacionamento. Ela teve de agarrar o vestido de Paxton para mantê-la dentro do carro.

Quando já estava na estrada, numa reta comprida paralela à rodovia, Paxton finalmente conseguiu se sentar ereta. O vento da capota aberta do jipe deixou seus cabelos esvoaçantes, e o único som era do farfalhar da roupa das duas, como lençóis no varal. Willa ficou verificando o espelho retrovisor e só relaxou depois de alguns quilômetros, quando percebeu que elas não estavam sendo seguidas.

Nenhuma delas disse nada por um bom tempo.

Finalmente, Paxton perguntou:

— Você tem lenço de papel?

Willa se virou para ela. As lágrimas rolavam por seu rosto e seu nariz estava escorrendo.

— Tenho alguns guardanapos no porta-luvas.

Paxton remexeu até encontrá-los.

— Eu não estou chorando — disse ela.

— Tudo bem.

— Não, sério, não estou. Fui atingida por um pouco do spray de pimenta.

— Ah — disse Willa. — Desculpe. Achei que minha pontaria fosse melhor.

Paxton fungou, o que fez Willa sorrir.

— Para onde vamos? — perguntou Paxton, assoando o nariz, no momento em que chegaram à cidade.

— Para sua casa.

Isso gerou uma reação imediata.

— Não, não me leve para casa! — disse Paxton, bem alto. — Quero descer agora mesmo — ela começou a mexer na maçaneta da porta.

Willa teve de encostar, porque ficou com medo de que Paxton tentasse pular do jipe ainda em movimento. Agora que a adrenalina havia passado, ela finalmente podia ver o problema em suas mãos. Estava com Paxton Osgood bêbada em seu carro e não tinha a menor ideia do que fazer com ela.

— Então, para onde quer que eu a leve? — perguntou ela. Elas estavam na frente de uma casa estilo Tudor, no bairro de Paxton. Um cachorro latiu em algum lugar lá dentro. — Para a casa de Kirsty Lemon?

Paxton recostou a cabeça no banco.

— Deus, não. Ela adoraria isso.

— Achei que vocês fossem amigas.

— Seja lá o que isso significa — disse Paxton, o que surpreendeu Willa. As damas da sociedade pareciam ser tão cúmplices, olhando umas para as outras de forma que só elas podiam interpretar, compartilhando segredos.

— Para a casa de Sebastian?

Paxton pareceu pensar nisso. Ela finalmente disse baixinho:

— Não.

Tinha sobrado somente um lugar. Que ótimo. Willa engatou a marcha do jipe e fez o retorno.

— De qualquer maneira, o que você estava fazendo na Gas Me Up a essa hora? — perguntou Willa enquanto dirigia.

— Era o único lugar onde eu podia comprar bebida a essa hora da noite sem que ninguém me visse — disse Paxton, esfregando os olhos. — Deus, aquele spray era forte e olha que eu só fui borrifada com um pouquinho. Espero que eles sintam os efeitos durante dias.

— Ninguém em sã consciência vai lá depois de escurecer, nem os garotos da faculdade.

— Bem, eu não sabia disso — disse Paxton, na defensiva. — Foi a primeira vez que fui até lá.

— Por que esta noite?

— Porque minha vida está uma droga e eu precisava de bebida.

A vida de Paxton Osgood estava uma droga. Certo.

— Não tinha nenhuma bebida na sua casa?

— Eu bebi tudo — disse ela.

— Numa casa do tamanho da Cabana da Nogueira?

— Tomei toda a bebida que tinha na minha casa. Na casa da piscina. E não tinha como ir à casa dos meus pais para pegar mais. Minha mãe iria me infernizar. Ela sempre me inferniza. Sabe quem mais me inferniza? O Clube Social Feminino. Um esqueleto encontrado na Madam e subitamente elas acham que o projeto inteiro é um desperdício. Como se elas não tivessem toneladas de esqueletos dentro de seus armários. Se você ao menos soubesse — Paxton se virou em seu banco, e Willa sentiu que ela a encarava. — E você também me infernizou no ensino médio.

— Só uma vez — frisou Willa.

— Não posso acreditar que foi você quem escreveu aquela carta para o Robbie Roberts.

— Eu lamento — Willa encostou junto ao meio-fio e desligou o motor. — Realmente lamento.

— Eu me lembro de quando vi aquele bilhete. Você copiou a minha letra tão bem que, no começo, eu pensei que tinha mesmo escrito. Você daria uma ótima falsificadora.

Willa desceu e disse:

— Sim, isso teria deixado meu pai muito orgulhoso.

Paxton olhou em volta, finalmente percebendo que elas tinham parado.

— Onde estamos?

— Esta é minha casa. Venha.

— Você vai me deixar ficar na sua casa?

— O Ritz fica muito longe para eu dirigir até lá.

Paxton estava meio cambaleante, então Willa segurou seu cotovelo e guiou-a para subir os degraus. Ela destrancou a porta e levou Paxton até o sofá, depois deixou a sala e voltou com um travesseiro e um cobertor.

Paxton tirou as sandálias e pôs o travesseiro no sofá.

— Este sofá é ótimo.

— Estou pensando em chamá-lo de Sofá Monumento Osgood. Seu irmão também dormiu aí. — Willa saiu de novo, dessa vez foi até a cozinha, onde molhou um pano com água fria. Ela voltou e o entregou a Paxton.

— Meu irmão gosta de você, sabe? — disse Paxton, deitando-se e colocando o pano fresco sobre os olhos inchados. — Faça-o ficar.

Willa abriu o cobertor e cobriu Paxton.

— Não tenho nada com seu irmão.

— Mas vai ter. Sabe por quê? Porque isso é o que deve acontecer. É o conto de fadas. Vocês se encontram, se apaixonam, se beijam e nenhum de vocês fica revoltado por isso. Vocês se casam e vivem felizes para sempre.

— A parte de não ficar revoltado foi um belo toque — disse Willa.

— Aprendi isso por experiência própria. Sou apaixonada por Sebastian Rogers. Mas ele não é apaixonado por mim.

Willa deveria estar surpresa, mas não estava. Ela trancou a porta e apagou a luz. Mesmo depois de tudo ficar escuro, ela continuou ali por um momento.

— Sua vida não chega nem perto de ser glamourosa como eu pensei — disse Willa na escuridão.

— O que a fez suspeitar? Minha ida bêbada ao Gas Me Up ou minha confissão de estar apaixonada por um homem que talvez seja gay?

Apesar do tom, Willa teve a sensação de que isso era mais sério do que Paxton estava querendo demonstrar.

— É um misto dos dois — disse Willa, o que fez Paxton rir um pouquinho. Willa percebeu que ela também estava acostumada às pessoas que a julgavam.

Então, algo que Willa jamais imaginou que aconteceria subitamente aconteceu.

Ela realmente sentiu pena de Paxton Osgood.

Isso era revelação suficiente para uma noite. Exausta, Willa deixou a sala e seguiu lá para cima, para o seu quarto.

— Obrigada, Willa — Paxton disse.

— De nada, Paxton.