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A estrada 267 está coberta de neve, e atrás do carro vai-se formando uma nuvem branca. Joona ultrapassa um velho Volvo, e as rodas atravessam suavemente o pequeno talude de neve que se formou entre as faixas de rodagem. Liga os máximos, e a estrada vazia transforma-se num túnel, com uma abóbada negra sobre um chão branco. Primeiro passa uma paisagem de campos de cultivo, onde a neve adquiriu um tom azulado na escuridão que se adensa, e em seguida a estrada entra na floresta, até que surgem finalmente diante dele as luzes de Stäket, e a paisagem abre-se sobre o lago Mälaren.
Que aconteceu à família da psiquiatra?
Joona abranda, vira à direita e entra num bairro de moradias, com árvores de fruto cobertas de neve nos jardins e gaiolas de coelhos nos relvados.
O tempo piorou, e a neve intensa cai obliquamente, batida pelo vento vindo da direção do lago.
O número 23 de Biskop Nils Väg é uma das últimas casas do bairro. Para lá dela só há floresta e os prados comunais.
A casa de Susanne Hjälm é uma grande moradia branca, com persianas azul-claras e telhado vermelho.
Não há luz nas janelas, e a entrada para o carro está coberta de neve intacta.
Joona para um pouco adiante e mal acaba de puxar o travão de mão quando surge o carro da Polícia local, que estaciona mais à frente.
Joona sai, tira o sobretudo e o cachecol do banco traseiro e aproxima-se dos colegas de uniforme enquanto abotoa o casaco.
– Joona Linna, da Criminal – diz ele, estendendo a mão.
– Eliot Sörenstam.
Eliot tem a cabeça rapada, um fio vertical de barba no queixo e uns olhos castanhos melancólicos.
É acompanhado por uma agente que dá um aperto de mão firme a Joona e se apresenta como Marie Franzén. Tem um rosto alegre, com sardas e sobrancelhas louras, e um rabo de cavalo alto.
– Muito gosto em conhecê-lo pessoalmente – diz ela, sorrindo.
– Foi bom terem vindo tão depressa – diz Joona.
– É que eu tenho pressa de ir para casa fazer trancinhas à Elsa – responde ela simpaticamente. – Amanhã quer aparecer com o cabelo aos caracóis no infantário.
– Então temos de nos despachar – diz Joona, dirigindo-se para o jardim da casa.
– Estava a brincar, não há pressa… De qualquer modo, tenho um ferro de frisar.
– A Marie vive sozinha com a filha há cinco anos – explica Eliot. – Mas nunca meteu baixa nem pediu para sair mais cedo.
– Isso foi bonito… vindo de um Capricórnio – acrescenta ela, com ternura na voz.
O arvoredo por trás da casa detém parcialmente o vento que sopra do lago. A neve parece rolar sobre as copas das árvores e ir depois pousar lentamente no pequeno bairro. Quase todas as casas da rua têm as janelas iluminadas, mas o número 23 está ominosamente escuro.
– Há uma boa explicação, com certeza – diz Joona aos dois agentes –, mas tanto o pai como a mãe estão ausentes dos empregos há uns meses, e as crianças não têm ido à escola.
A sebe baixa que separa o jardim da rua está coberta de neve, e a caixa de correio em plástico verde, junto à caixa de eletricidade exterior, está a transbordar de cartas e publicidade.
– A segurança social foi avisada? – pergunta Marie com gravidade.
– Vieram cá, mas dizem que a família está fora – responde Joona. – Tocamos à campainha, mas o mais certo é termos de ir bater à porta dos vizinhos para fazer perguntas.
– Há suspeita de crime? – pergunta Eliot, contemplando a neve lisa na entrada para carros.
Joona não consegue impedir-se de pensar em Samuel Mendel. Toda a família dele desapareceu. Levados pelo Homem da Areia, precisamente como Jurek Walter anunciara. Ao mesmo tempo, não faz sentido. Foi Susanne Hjälm que comunicou à escola que as filhas estavam doentes e que assinou o atestado médico.