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Os farrapos de neve esvoaçam sobre a estrada. No pequeno restaurante, as janelas abanam quando carros e camiões passam ruidosamente lá fora. O café na chávena de Joona treme com a vibração.
Joona observa os homens sentados à mesa, os seus rostos tranquilos e cansados. Tiraram-lhe o telemóvel, o passaporte e a carteira, e parecem estar apenas à espera de instruções. Aqui dentro cheira a trigo e a toucinho frito.
Joona olha para o relógio e constata que o seu avião parte de Moscovo dali a nove minutos.
A vida de Felicia encurta-se com os minutos que passam.
Um dos homens tenta resolver um sudoku, e o outro lê um artigo num jornal diário sobre as corridas de cavalos na modalidade de trote atrelado.
Joona olha para a mulher que está atrás do balcão e pensa na conversa com Nikita Karpin.
Karpin procedeu sempre como se tivessem todo o tempo do mundo até ao momento em que foram interrompidos. Sorrindo tranquilamente para si próprio, enquanto limpava o vidro embaciado do jarro de sumo com o polegar, afirmara que Jurek e o irmão gémeo tinham ficado apenas dois anos na Suécia.
– Porquê? – perguntou Joona.
– Não é por acaso que uma pessoa se torna assassina em série.
– Sabes o que aconteceu?
– Sei.
O velho deslizara um dedo sobre a pasta vermelha e recomeçara a falar. Segundo ele, Levanov, um engenheiro altamente qualificado, estaria disposto a vender os seus conhecimentos.
– Mas a Comissão de Estrangeiros da Suécia só estava interessada no Levanov como mão de obra não qualificada. Não percebiam nada… Mandaram um engenheiro de nível internacional, especializado em exploração espacial, trabalhar para uma pedreira.
– Talvez ele soubesse que vocês o vigiavam e tivesse tido a sensatez de não falar dos seus conhecimentos – aventou Joona.
– Sensatez teria sido deixar-se ficar em Leninsk. Talvez tivesse apanhado dez anos de trabalhos forçados, mas…
– Ele tinha de pensar nos filhos.
– Então devia ter ficado – disse Nikita, olhando Joona. – Os filhos foram expulsos da Suécia, e ele perdeu-lhes o rasto. Contactou todas as pessoas que conhecia, mas era impossível. Não podia fazer grande coisa. Sabia que, se voltasse à Rússia, seria apanhado e nunca mais veria os filhos. Não podia fazer mais nada e por isso optou por ficar à espera deles… Pensou com certeza que, se os filhos tentassem encontrá-lo, iriam procurá-lo no último sítio onde tinham estado juntos.
– Que sítio era? – perguntou Joona, ao mesmo tempo que avistou um automóvel preto a aproximar-se da propriedade.
– O complexo para alojamento dos trabalhadores imigrantes, habitação número 4 – respondeu Nikita Karpin. – Foi aí que ele mais tarde se suicidou.
Antes que Joona tivesse tempo de perguntar o nome da saibreira onde o pai de Jurek trabalhara, chegaram as visitas de Nikita Karpin. Um Chrysler preto, a brilhar, entrou no caminho de acesso e parou no terreiro em frente à porta, e a conversa terminou ali. Sem pressa visível, o velho Karpin trocou todo o material sobre o pai de Jurek que estava em cima da mesa por documentos do caso Alexander Pitjusjkin, o chamado «assassino do xadrez», um assassino em série para cuja captura Joona tinha contribuído.
Os quatro homens entraram, aproximaram-se calmamente de Joona e Nikita, cumprimentaram-nos delicadamente com um aperto de mão, falaram em russo durante um momento, e em seguida dois deles conduziram Joona ao automóvel preto, enquanto os outros dois ficavam junto de Nikita.
Joona foi colocado no assento traseiro. O homem de pescoço taurino e olhos pretos pediu afavelmente para ver o passaporte dele e depois pediu-lhe o telemóvel. Revistaram-lhe a carteira e telefonaram para o hotel e a agência de aluguer de automóveis. Asseguraram-lhe que o conduziriam ao aeroporto, mas ainda não.
Estão agora sentados a uma mesa de um café de estrada, à espera.
Joona bebe meio gole do café frio.
Se tivesse o telemóvel, podia telefonar a Anja e pedir-lhe para fazer uma pesquisa sobre o pai de Jurek Walter. Devia existir alguma coisa sobre os filhos, sobre o local onde viviam. Joona reprime o impulso de virar a mesa, correr para o carro e seguir para o aeroporto. Eles têm o passaporte, a carteira e o telemóvel dele.
O homem do pescoço taurino tamborila levemente na mesa e canta baixinho. O outro, de cabelo grisalho cortado à escovinha, parou de ler e está a mandar mensagens pelo seu telemóvel.
Ouve-se um estrondo vindo da cozinha.
O telefone toca e o homem de cabelo grisalho levanta-se e afasta-se um pouco antes de atender.
Passado um momento, desliga e anuncia que são horas de se porem a caminho.