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Saga passeia na cela, sentindo balançar no bolso o pacotinho que tirou do lavatório de Bernie. Por fim, ouve atrás de si o zumbido e o estalido da tranca elétrica. Pensa que quer lavar a cara, mas não tem forças. Vai à porta que dá para o corredor e tenta ver para fora, através do vidro. Depois encosta a testa à superfície fresca e fecha os olhos.
Se a Felicia estiver na casa atrás da fábrica de argamassa, amanhã estarei lá fora, em liberdade. Se não estiver, ainda terei um ou dois dias antes de isto se tornar insustentável, antes de eu ter de impedir a fuga, pensa ela.
Doem-lhe os músculos do rosto, do esforço para não perder o controlo.
Não deixou entrar a dor, só pensou em cumprir a sua missão.
A respiração de Saga torna-se mais rápida, e ela bate levemente com a testa no vidro.
Sou eu que controlo a situação, pensa. O Jurek julga que me controla, mas eu consegui que ele falasse. Ele precisa dos comprimidos para fugir, mas fui eu que entrei na cela do Bernie e encontrei o embrulho. Vou guardá-lo e dizer que não havia lá nada.
Sorri ansiosamente. Tem as palmas das mãos húmidas de suor.
Enquanto o Jurek pensar que me manipula, vai revelando coisas aos poucos.
Saga tem a certeza de que ele descreverá o seu plano de fuga amanhã.
Só preciso de mais uns dias e tenho de conservar a calma, não o deixar entrar novamente na minha cabeça.
Não percebe como aquilo aconteceu.
Foi terrivelmente cruel da parte dele dizer que ela tinha matado a mãe de propósito, que queria matá-la.
Saga sente uma torrente de lágrimas a formar-se dentro de si. A garganta contrai-se e está dorida. Engole várias vezes em seco e sente o suor escorrer-lhe nas costas.
Bate com as mãos na porta.
A mãe terá pensado que…
Saga volta-se, pega na cadeira de plástico e bate com ela no lavatório. A cadeira solta-se-lhe da mão e dá uma volta no ar, mas ela agarra-a novamente e bate com ela na parede e no lavatório.
Arquejando, senta-se na cama.
– Vou conseguir – sussurra para si própria.
Sente que está a perder o controlo da situação. Não consegue deixar de pensar. Vem-lhe constantemente à memória a imagem das franjas do tapete de pelo comprido, os pequenos comprimidos, os olhos molhados da mãe, as lágrimas a correrem-lhe pelas faces e os dentes no rebordo do copo quando ela toma os remédios.
Recorda-se de a mãe lhe ter ralhado quando ela disse que o pai não podia vir, de a ter obrigado a telefonar ao pai apesar de ela não querer.
Talvez eu estivesse zangada, pensa ela. Farta da minha mãe.
Saga levanta-se, esforça-se por se acalmar. Repete a si própria que foi simplesmente enganada.
Vai ao lavatório lavar a cara, refrescando cautelosamente os olhos doridos.
Tem de reencontrar o caminho para si própria, reentrar em si própria. Parece que saiu do seu corpo e não consegue voltar a habitá-lo.
Talvez seja a injeção de neurolépticos que a ajuda a não ceder à vontade de chorar.
Saga deita-se na cama. Decide esconder o embrulhinho de Bernie e dizer a Jurek que não encontrou nada. Assim não tem de pedir ao médico que lhe dê comprimidos para dormir e pode dar a Jurek os que encontrou no quarto de Bernie.
Um de cada vez, um por noite.
Vira-se de lado, com as costas para a câmara de vigilância no teto e, a coberto do próprio corpo, retira o pacotinho. Cautelosamente, desenrola o papel higiénico, volta após volta, até constatar que o conteúdo é constituídos por três pedaços de pastilha elástica.
Pastilha elástica.
Saga obriga-se a respirar calmamente, desliza o olhar pelos riscos de sujidade nas paredes e reconhece, com uma estranha e oca clarividência, que fez exatamente aquilo para que Joona a tinha alertado.
Deixei o Jurek entrar na minha cabeça e agora tudo mudou.
Como poderei suportar-me a mim mesma?
É errado pensar assim, sei que fui enganada, mas é isto que eu sinto.
O seu estômago aperta-se de angústia quando pensa no corpo frio da mãe de manhã. Um rosto triste e imóvel, com espuma nos cantos da boca.
Saga sente-se como se fosse cair.
Não posso perder o controlo, pensa ela, tentando apaziguar a respiração e arranjar uma estratégia que funcione.
Não estou doente, recorda a si própria. Estou aqui apenas por uma razão, e é a única coisa em que tenho de pensar. A minha missão é descobrir onde está a Felicia. Não sou eu que estou em causa, não me interessa a minha pessoa. Levo a cabo a missão, sigo o plano, arranjo os soporíferos, finjo acompanhá-lo na fuga e falo o mais possível em vias de fuga e em esconderijos. Cumpro a missão até onde for possível. Se morrer, não faz mal, pensa ela, com um súbito alívio.