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Reidar Frost vestiu umas calças com galão duplo nos lados e uma camisa aberta. Tem o cabelo ainda húmido na nuca e segura uma garrafa de Château Mouton Rothschild em cada mão.

De manhã, foi ao quarto lá em cima para tirar a corda da trave, mas quando chegou à porta foi dominado por um desejo premente. Ficou parado, com a mão no puxador, até que se obrigou a voltar para trás, descer a escada e ir acordar os amigos. Deitaram aguardente condimentada em copos estreitos e foram buscar ovos cozidos e caviar russo.

Reidar percorre agora, descalço, o corredor com os retratos emoldurados a preto.

A neve que cai lá fora cria uma luz indireta, uma escuridão pálida.

Na sala de leitura, com sofás de couro brilhante, fica a olhar pela enorme janela. A vista é fabulosa. Como se o Rei Inverno tivesse soprado neve por cima da terra, com as suas cerejeiras e terrenos de cultivo.

Subitamente, aparece uma luz trémula na comprida alameda que liga os portões exteriores ao terreiro da entrada principal. Os ramos das árvores parecem renda delicada sob a luz fraca. É um automóvel que se aproxima. As luzes traseiras tingem de vermelho os flocos de neve que dançam no ar.

Reidar não se lembra de ter convidado mais alguém.

Está a pensar que vai encarregar Veronica de receber os novos visitantes quando percebe que se trata de um carro-patrulha.

Reidar hesita, pousa as garrafas em cima de uma cómoda, desce a escada e calça as botas forradas de feltro que estão junto à porta. Depois sai para o ar frio e vai ao encontro do carro no terreiro de cascalho.

– Reidar Frost? – pergunta uma mulher vestida à civil que saiu do carro.

– Sim – responde ele.

– Podemos entrar?

– Podemos falar aqui – diz ele.

– Não quer entrar no carro?

– Que é que acha?

– Encontrámos o seu filho – diz a mulher, aproximando-se um pouco dele.

– Compreendo – suspira Reidar, erguendo uma mão a pedir-lhe silêncio.

Reidar inspira, sente o cheiro da neve, da água que gelou em cristais estrelados lá em cima, no céu. Recompõe-se e baixa distraidamente a mão.

– Onde estava o Mikael? – pergunta, numa voz estranhamente calma.

– Apareceu a andar numa ponte…

– Que é que disse?! – exclama ele.

A mulher desvia-se um passo. É alta e tem um rabo de cavalo espesso que lhe cai pelas costas.

– Estou a tentar dizer-lhe que ele está vivo – diz ela.

– O que é isto? – pergunta Reidar, com uma expressão de incompreensão.

– Está no Hospital de Söder, em observação.

– Não é o meu filho, ele morreu há muitos…

– Não temos qualquer dúvida de que é o seu filho.

Reidar olha-a fixamente. Os olhos dele tornaram-se negros.

– O Mikael está vivo?

– Apareceu.

– O meu filho?

– Percebo que é estranho, mas…

– Pensei…

Com o queixo a tremer, Reidar ouve a mulher explicar-lhe que o teste de ADN deu uma correspondência de cem por cento. O chão parece subitamente mole sob os seus pés, ergue-se como uma vaga, e ele agita as mãos no ar, procurando apoiar-se.

– Meu Deus do Céu, obrigado, meu Deus… – sussurra.

Com um sorriso aberto e um aspeto desnorteado, olha para cima, para a neve que cai. As pernas dobram-se. A mulher procura agarrá-lo, mas ele cai com um joelho no chão, tombando para o lado e tentando amparar-se com uma mão.

A agente ajuda-o a levantar-se, e ele apoia-se no braço dela. Veronica desce os degraus da entrada a correr, descalça e com o sobretudo de Reidar pelos ombros.

– Tem a certeza de que é ele? – pergunta Reidar numa voz sumida, olhando a agente da Polícia nos olhos.

Ela faz um aceno de assentimento.

– Acabam de nos comunicar uma correspondência de cem por cento – repete ela. – É o Mikael Kohler-Frost e está vivo.

Veronica chegou junto dele e ajuda-o a caminhar até ao carro-patrulha.

– Que é que se passa, Reidar? – pergunta, assustada.

Ele olha-a. Tem uma expressão confusa e parece, de repente, muito mais velho.

– O meu filho… – diz ele.