— DIGA QUE NÃO É ISSO O QUE VAI VESTIR — disse Tully, quando Marah apareceu na sala de estar na noite de quarta-feira, vestindo uma calça jeans velha e uma blusa cinza grande demais.
— Hã? É terapia de grupo para jovens de luto — disse Marah. — Vamos encarar os fatos: se você foi convidado, a moda não é o maior dos seus problemas.
— Você se veste como uma mendiga desde que chegou aqui. Não quer causar uma boa impressão?
— Em adolescentes deprimidos? Não.
Tully se levantou e cruzou a sala para ficar diante de Marah. Ela levantou as mãos lentamente, pousando-as no rosto da menina.
— Tenho várias qualidades ótimas. Tenho alguns defeitos, admito, furos no tecido, mas em geral sou uma pessoa incrível. Não julgo as pessoas por nada além de suas ações, nem mesmo quando elas fazem coisas ruins; sei que é difícil ser humano. A questão é que amo você e não sou sua mãe nem seu pai. Não é meu trabalho cuidar para que você cresça e se torne uma adulta inteligente, bem-sucedida e ajustada. Meu trabalho é lhe contar histórias sobre a sua mãe quando você estiver preparada e amar você incondicionalmente. Eu devo lhe dizer o que sua mãe lhe diria, quando puder adivinhar o que ela diria. Geralmente fico encalhada nisso, mas desta vez é fácil. — Ela sorriu ternamente. — Você está se escondendo, menininha. Por trás dos cabelos sujos e das roupas largas. Mas eu vejo você e está na hora de voltar para nós.
Tully não deu a Marah tempo de responder. Em vez disso, pegou Marah pelas mãos e a levou pelo corredor até a suíte máster e para o enorme armário embutido de Tully (que era um quarto — para se ter uma ideia do tamanho). Lá, Tully escolheu uma blusa justa branca com um decote e rendas ao redor do colarinho.
— Você vai vestir isto.
— Quem se importa?
Tully ignorou o comentário e tirou a blusinha do cabide.
— O triste é que eu achava que estava gorda quando vesti esta blusa. Agora não consigo abotoá-la. Aqui.
Marah pegou a blusa de Tully e entrou no banheiro. Ela não queria que Tully visse as cicatrizes. Uma coisa era ouvir que Marah se cortava, outra era ver as cicatrizes na sua pele. O tecido branco era enganoso; ele parecia transparente, mas havia um forro cor de pele sob ele. Ao caminhar para o espelho, Marah mal se reconheceu. Sua magreza era acentuada pela blusa justa; ela a fazia parecer frágil e feminina. A calça jeans pendia de seus quadris magros. Ela se sentiu estranhamente nervosa ao voltar para o quarto. Tully tinha razão: Marah estava se escondendo, apesar de não saber disso. Agora ela se sentia exposta.
Tully tirou o elástico dos cabelos pretos de Marah, deixando-os caírem livres.
— Você está maravilhosa. Todo menino na reunião vai ficar louco por você. Confie em mim.
— Obrigada.
— Não que nos importemos com o que os meninos da terapia pensam. Só estou dizendo.
— Sou uma menina em terapia — disse ela baixinho. — Louca.
— Você está triste, não louca. A tristeza faz sentido. Vamos, está na hora.
Marah seguiu Tully para fora do apartamento e para a recepção. Juntas, elas andaram pela First Street até a parte mais velha da cidade. Pioneer Square. Tully parou diante de um prédio de tijolinhos à vista que datava de antes do Grande Incêndio de Seattle.
— Quer que eu acompanhe você?
— Ah, meu Deus. Não. Aquele cara com delineador já acha que eu sou a Miss Suburbia. Tudo o que não preciso é de uma acompanhante.
— O cara da sala de espera? O Edward Mãos de Tesoura? E por que me importo com o que ele pensa?
— Só estou dizendo que seria vergonhoso. Tenho dezoito anos.
— Entendi. Certo. Talvez ele seja como o Johnny Depp sob toda aquela maquiagem. — Tully se virou para ela. — Então, você sabe como voltar ao meu apartamento? São oito quarteirões pela First. O nome do porteiro é Stanley.
Marah fez que sim. Sua mãe jamais a deixaria sozinha nesta parte da cidade depois do escurecer.
Passando a bolsa com franjas de couro pelo ombro, Marah se afastou. O prédio diante dela era como muitas das estruturas antigas da Pioneer Square; o interior era escuro e o corredor era estreito e sem janelas. Uma única lâmpada pendia no alto, emanando uma luz escassa. Na recepção, um quadro estava cheio de pedaços de papel e aviso de reuniões do AA, cães perdidos, carros à venda e coisas do gênero.
Marah seguiu as escadas até um porão que cheirava vagamente a mofo.
Na porta fechada, na qual havia os dizeres GRUPO DE LUTO ADOLESCENTE, ela parou e quase deu meia-volta. Quem queria fazer parte deste grupo?
Ela abriu a porta e entrou.
Era uma sala enorme, bem iluminada por lâmpadas fluorescentes, com uma mesa numa das extremidades com cafeteira, xícaras e o que pareciam barraquinhas de comida de quermesse. Várias cadeiras de metal formavam um círculo no centro da sala. Uma caixa de lenços de papel ficava no chão, ao lado de cada cadeira.
Maravilha.
Já havia quatro pessoas ali, sentadas nas cadeiras. Marah olhou para os outros — pacientes? participantes? loucos? — em meio aos cabelos que caíam sobre seus olhos. Havia uma menina grande com a pele cheia de espinhas e cabelos oleosos que roía seu dedo com tanta força que parecia estar tentando abrir uma ostra. Ao lado dela estava uma menina tão magra que, se virasse de lado, desapareceria. Ela tinha um trecho careca na lateral da cabeça. Ao lado dela estava uma menina vestida toda de preto, com cabelos cor-de-rosa e piercings faciais o suficiente para jogar o jogo da velha. Ela se afastava de um menino com óculos de chifre ao lado dela, que estava brincando com seu telefone.
A Dra. Bloom estava sentada no círculo também, usando calça azul-escura e uma blusa com gola rulê cinza. Neutra como a Suíça. Marah não se deixava enganar: não havia nada de casual no modo como a Dra. Bloom a olhava.
— Estamos felizes que você pôde se juntar a nós, Marah. Não estamos, grupo? — disse a Dra. Bloom.
Algumas das pessoas deram de ombros. A maioria nem se deu ao trabalho de olhar.
Ela se sentou ao lado da gordinha. Marah mal havia ocupado seu lugar quando a porta se abriu e Paxton entrou. Como antes, ele estava vestido como um gótico, com calça jeans preta, botas desamarradas e uma camiseta preta que mal se ajustava a seu corpo. Havia palavras tatuadas em sua clavícula e dando a volta por sua garganta. Marah desviou o olhar rapidamente.
Ele se sentou diante de Marah, perto da menina com cabelos cor-de-rosa.
Marah esperou contar até cinquenta para olhar para ele novamente.
Ele a estava encarando, sorrindo como se pensasse que Marah estava a fim dele. Ela revirou os olhos e desviou o olhar.
— Bom, são sete horas, então podemos começar — disse a Dra. Bloom. — Como vocês veem, temos um novo membro, Marah. Quem gostaria de fazer as apresentações?
Todos desviaram o olhar e roeram as unhas e deram de ombros. Por fim, a Menina dos Cabelos Cor-de-Rosa disse:
— Ah, que droga. Sou Ricki. Mãe morta. A gorda é a Denise. A avó dela tem doença de Parkinson. O Todd não fala há quatro meses, então não sabemos qual é o problema dele. A Elisa parou de comer depois que o pai dela se matou. E o Pax está aqui por ordem judicial. Irmã morta. — Ela olhou para Marah. Qual é a sua história?
Marah sentiu todos olhando para ela.
— Eu... Eu...
— O Sr. Jogador de Futebol não convidou você para o baile de formatura — disse a gorda, rindo da própria piada.
Alguns outros também riram.
— Não estamos aqui para julgarmos uns aos outros — disse a Dra. Bloom. — Vocês todos sabem como isso dói, não é?
Isso os calou.
— Cortadora — disse Pax. Ele se sentava largado na cadeira, um dos braços apoiado na cadeira da Menina de Cabelos Cor-de-Rosa e uma perna cruzada sobre a outra. — Mas por quê?
Marah levantou os olhos, raivosa.
— Paxton — disse a Dra. Bloom. — Este é um grupo de apoio. A vida é difícil. Todos aprendemos isso cedo demais. Cada um de nós vivenciou uma perda profunda e sabe como pode ser difícil continuar quando um ente querido morreu ou alguém encarregado de cuidar de você traiu a confiança sagrada.
— Minha mãe morreu — acabou dizendo ela.
— Quer falar sobre ela? — perguntou a Dra. Bloom.
Marah não conseguia desviar o olhar de Paxton. Seu olhar dourado a deixava perplexa.
— Não.
— Quem iria querer? — disse ele.
— Que tal você, Paxton? — perguntou a Dra. Bloom. — Tem algo que você queira compartilhar com o grupo?
— Não sofrer nunca seria nunca ser abençoado — disse ele, dando de ombros.
— Ora, Paxton — disse a Dra. Bloom —, já conversamos sobre se esconder sob as palavras de outras pessoas. Você tem quase vinte e dois anos. É hora de encontrar sua própria voz.
Vinte e dois.
— Você não quer ouvir o que tenho a dizer — disse Paxton. Apesar de desleixado e de parecer desinteressado quanto a todos ao seu redor, seus olhos continham uma intensidade que era dissonante e quase assustadora.
Ordem judicial.
Por que o tribunal obrigaria alguém a uma terapia de grupo?
— Ao contrário, Paxton — disse a Dra. Bloom. — Você vem aqui há meses e não falou sobre sua irmã uma só vez.
— E nem vou falar — disse ele, olhando para suas unhas pretas.
— O tribunal...
— Pode me obrigar a vir, mas não pode me fazer falar.
A Dra. Bloom calou-se, em desaprovação. Ela encarou Paxton por um longo momento e depois sorriu de novo, voltando ligeiramente sua atenção para a Menina Graveto.
— Elisa, talvez você queira nos falar mais sobre como comeu nesta semana...
Uma hora mais tarde, como que ao soar de um alarme secreto, os meninos levantaram-se de seus assentos e saíram correndo da sala. Marah não estava preparada. Ao se inclinar para pegar a bolsa do chão e se levantar, apenas a Dra. Bloom ainda estava lá.
— Espero que não tenha doído tanto — disse a terapeuta, aproximando-se dela. — Começos são difíceis.
Marah olhou para a porta aberta.
— Não. Tudo bem. Quero dizer, sim. Obrigada. Foi ótimo.
Marah mal podia esperar para sair daquela sala que cheirava a biscoitos velhos e café queimado. Ela correu para fora e de repente parou. As ruas estavam cheias. Nesta noite de quarta-feira de junho, a Pioneer Square estava cheia de turistas e nativos. A música tocava em tavernas e bares.
Paxton surgiu do escuro ao lado dela; ela o ouviu respirar numa fração de segundo antes de vê-lo.
— Você estava esperando por mim — disse ele.
Ela riu.
— Claro, porque caras maquiados me deixam louca.
Marah se virou para encará-lo.
— Você é que estava esperando por mim.
— E se estivesse?
— Por quê?
— Você teria que vir comigo para descobrir. — Ele estendeu sua mão.
Na luz amarelada do poste, ela viu sua mão pálida e os dedos longos... e cicatrizes que corriam como um sinal de igual em seu pulso.
Marcas de cortes.
— Agora você está com medo — disse ele.
Ela fez que não.
— Mas você é uma menininha boazinha dos subúrbios.
— Eu costumava ser. — Ao dizer estas palavras, ela sentiu a pressão sobre seu peito se aliviar um pouco. Talvez pudesse mudar, se tornar uma versão diferente de si mesma; e, talvez, se o fizesse, não doesse tanto olhar no espelho e ver o sorriso da sua mãe.
— Marah? Paxton? — A Dra. Bloom apareceu na calçada ao lado deles. Marah sentiu uma estranha tristeza, como se uma bela oportunidade se perdesse.
Marah sorriu para a terapeuta. Quando se virou, Paxton havia desaparecido.
— Tome cuidado — disse a Dra. Bloom, acompanhando o olhar de Marah pela rua, para onde Paxton estava, nas sombras entre dois prédios, fumando um cigarro.
— Ele é perigoso?
Demorou um tempo antes de a Dra. Bloom se manifestar.
— Não posso responder a isso, Marah. Assim como não responderia a uma pergunta semelhante sobre você. Mas vou lhe perguntar uma coisa: você está olhando para ele porque acha que ele é perigoso? Esse tipo de comportamento pode ser arriscado para uma menina numa situação vulnerável.
— Não estava olhando para ele — disse Marah.
— Não — disse a Dra. Bloom. — Claro que não.
Com isso, Marah recolocou a bolsa sobre o ombro e rumou para casa. No caminho de volta para o apartamento de Tully ela achou ter ouvido passos atrás de si, mas todas as vezes que se virava a calçada estava vazia.
A caminho da cobertura, Marah encarou seu reflexo nas paredes espelhadas do elevador. Durante toda a sua vida lhe disseram que ela era bonita e, na maior parte da sua adolescência, fora isso o que ela quisera ouvir. Nos anos AC — antes do câncer — ela passava horas estudando seu rosto, maquiando-se e arrumando seus cabelos para que garotos como Tyler Britt a notassem. Mas, DC, tudo mudara. Agora tudo o que ela via era o sorriso da sua mãe e os olhos de seu pai, e isso transformava cada olhar no espelho em algo doloroso.
Agora, porém, ela via como tinha ficado magra e pálida nos vinte meses que seguiram desde a morte de sua mãe. A expressão melancólica em seu olhar a deprimia. Se bem que tudo a deixava deprimida ultimamente.
No último andar, ela saiu do elevador e foi para o apartamento de Tully. Destrancando a porta, Marah entrou na sala de estar.
Tully estava lá, andando de um lado para o outro diante da parede de vidro que dava para a cidade à noite. Ela tinha uma taça de vinho na mão e falava ao telefone, gritando, na verdade, dizendo:
— Celebrity Apprentice? Está brincando comigo? Não posso ter chegado tão fundo. — Ela se virou, viu Marah e sorriu. — Ah, Marah. — Ela riu e disse: — Tenho que ir, George — e desligou o telefone. Jogando-o no sofá, ela recebeu Marah com os braços abertos e a abraçou forte.
— Bom, como foi? — disse, finalmente, recuando.
Marah sabia o que se esperava dela. Ela deveria dizer: Foi ótimo, maravilhoso, perfeito. Me sinto bem agora, mas não conseguia. Marah abriu a boca, mas nada saiu.
O olhar de Tully se estreitou, transformando-se naquela expressão de jornalista-diante-de-uma-história que Marah já vira antes.
— Chocolate quente — disse ela, levando Marah para a cozinha.
Tully preparou duas xícaras de chocolate quente com creme e levou-as para o quarto de hóspedes. Assim como fazia quando era pequena, Marah subiu na cama. Tully fez o mesmo. Elas se deitaram contra a cabeceira de seda cinza. Uma enorme janela emoldurava a paisagem de Seattle, que brilhava em vibrantes tons de néon contra o céu estrelado.
— Então, me conte tudo — disse Tully.
Marah deu de ombros.
— Os garotos do grupo são bem confusos.
— Acha que vai ajudar você?
— Não. Nem quero me consultar com a Dra. Bloom de novo. Podemos cancelar a consulta de amanhã? Quero dizer, qual é o sentido?
Tully bebericou o chocolate quente e depois colocou a xícara na mesinha de cabeceira.
— Não vou mentir para você, Marah — disse ela, finalmente. — Conselhos de relacionamento no mundo real nunca foram o meu forte, mas talvez se eu tivesse aprendido a lidar com as coisas na sua idade não seria tão confusa como sou agora.
— Você realmente acha que conversar com uma estranha e me sentar com um bando de loucos num porão mofado vai me ajudar? — Assim que disse “loucos”, ela pensou no cara, Paxton, e na forma como ele a olhava.
— Talvez.
Marah olhou para Tully.
— Mas é terapia, Tully. Terapia. E eu... não consigo falar sobre ela.
— Pois é — disse Tully. — Eis a questão, mocinha. Sua mãe me pediu para cuidar de você e é o que vou fazer. Fui a melhor amiga dela desde a época de David Cassidy até os anos do segundo George Bush. Ela é a voz na minha mente. E sei o que ela diria agora.
— O quê?
— Não desista, menininha.
Marah ouviu a voz de sua mãe naquelas palavras. Ela sabia que Tully tinha razão — era o que sua mãe diria agora —, mas ela não tinha forças o bastante para tentar. E se tentasse e fracassasse? O que aconteceria, então?
No dia seguinte, seu pai chegaria. Marah não parava de andar de um lado para o outro. Ela roeu suas unhas até tirar sangue. E, então, finalmente, lá estava ele, entrando no belo apartamento de Tully, lançando um sorriso hesitante para Marah.
— Oi, papai. — Ela deveria se sentir feliz, mas vê-lo a fazia pensar na sua mãe e em tudo o que perderam. Não era de admirar que ela estivesse infeliz havia tanto tempo.
— Como você está? — perguntou ele, aproximando-se devagar, até abraçá-la.
O que ela deveria dizer? Ele queria uma mentira. Estou bem. Marah olhou para Tully, que estava estranhamente quieta.
— Melhor — disse ela finalmente.
— Encontrei alguém em Los Angeles, um médico especializado em adolescentes com problemas — disse o pai. — Ele pode ver você na segunda-feira.
— Mas tenho minha segunda consulta com a Dra. Bloom hoje — disse Marah.
— Eu sei, estou feliz que ela tenha podido ajudar, mas você precisa ver alguém regularmente — disse ele. — Em casa.
Marah sorriu tremulamente. Se ele soubesse como ela se sentia vulnerável, isso apenas o magoaria mais. Mas de uma coisa Marah tinha certeza: ela não voltaria para Los Angeles com ele.
— Gosto da Dra. Bloom — disse ela. — E o grupo é meio caído, mas não me importo.
O papai franziu a testa.
— Mas ela está em Seattle. Este médico em LA...
— Quero ficar aqui durante o verão, papai. Morar com a Tully. Gosto da Dra. Bloom. — Ela olhou para Tully, que parecia aturdida. — Posso passar o verão aqui? Vou continuar me consultando com a Dra. Bloom duas vezes por semana. Talvez isso ajude.
— Está brincando comigo — disse o pai. — A Tully não é sua dama de companhia.
Marah insistia. De repente, ela estava certa: era isso o que queria.
— Não tenho mais onze aninhos, papai. Tenho dezoito anos e vou começar na UW em setembro, de qualquer forma. Assim, vou ser capaz de fazer novos amigos e de ver minhas velhas amigas. — Ela se aproximou dele. — Por favor.
— Eu acho... — disse Tully
— Sei o que você acha — atacou o pai. — Foi você quem achou que era perfeitamente normal que ela fosse a um show do Nine Inch Nails quando ela tinha quatorze anos. Você também aconselhou que ela trabalhasse como modelo em Nova York quando ela estava na oitava série.
Marah levantou os olhos para ele.
— Preciso de um pouco de distância, papai.
Ela percebeu a guerra se deflagrando dentro dele — ele não estava preparado para deixá-la, mas via que ela queria isso. Talvez fosse disso que ela precisava.
— Esta é uma má ideia — disse ele para Tully. — Você não consegue nem mesmo manter as plantas vivas. E não sabe nada sobre crianças.
— Ela é adulta — disse Tully.
— Por favor, papai? Por favor.
Ele suspirou.
— Droga.
Foi então que ela soube. Estava feito. O pai olhou para ela.
— Pedi demissão em LA. Vamos voltar para a casa em Bainbridge Island em setembro. Era uma surpresa. Queremos viver aqui enquanto você estiver na UW.
— Isto é ótimo — disse ela, sem se importar de verdade.
Ele olhou para Tully.
— É melhor você tomar conta da minha filhinha, Tully.
— Como se fosse minha própria filha, Johnny — disse Tully solenemente.
Estava feito.
Uma hora mais tarde, Marah se sentava na poltrona no consultório da Dra. Bloom. Ela ficou olhando para o ficus no canto por pelo menos dez minutos, enquanto a Dra. Bloom escrevia algo num papel.
— O que você está escrevendo? Lista de compras? — perguntou Marah, olhando suas mãos.
— Não é uma lista de compras. O que você acha que estou escrevendo?
— Não sei. Mas, se não vamos conversar, por que estou aqui?
— Sua voz é o que importa aqui, Marah. E você sabe que pode muito bem ir embora.
— A Tully e meu pai estão lá fora.
— E você não quer que eles saibam que você não está comprometida com a terapia. Por quê?
— Você só faz perguntas?
— Faço muitas perguntas. Pode ajudar a guiar seus pensamentos. Você está deprimida, Marah. Você é inteligente o bastante para saber disso e está se cortando. Não acho que seja má ideia você pensar no porquê disso.
Marah levantou os olhos.
O olhar da Dra. Bloom era fixo.
— Realmente gostaria de ajudar, se você me deixar. — Ela fez uma pausa. — Você quer ser feliz novamente?
Marah queria tanto que se sentiu enjoada. Ela queria ser a menina que costumava ser.
— Me deixe ajudar.
Marah pensou nas redes de cicatrizes em suas coxas e braços, em como aquilo a fascinava, e na beleza vermelha do seu sangue.
Não desista, menininha.
— É — disse ela. Assim que a palavra foi dita, ela sentiu uma pontada de ansiedade no estômago.
— É um começo — disse a Dra. Bloom. — E agora seu horário acabou.
Marah se levantou e seguiu a Dra. Bloom para fora do consultório. Na sala de espera, viu primeiro seu pai. Ele estava sentado no sofá ao lado de Tully, folheando uma revista sem olhar as páginas. Ao vê-la, ele se levantou.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, foi a Dra. Bloom que disse:
— Podemos conversar, Sr. Ryan? No meu consultório?
— Vou também — disse Tully. E assim, num piscar de olhos, eles se foram e Marah ficou sozinha na sala de espera. Ela olhou de volta para a porta fechada. O que a terapeuta estava lhes dizendo? A Dra. Bloom prometera a Marah que suas sessões seriam privadas. Você tem dezoito anos, dissera ela, uma adulta. Nossas sessões são somente nossas.
— Ora, ora, ora.
Ela se virou lentamente.
Paxton estava apoiado contra a parede, de braços cruzados. Ele estava todo de preto novamente, e um colete vintage pendia sobre seu peito pálido, a gola revelando uma tatuagem que dava a volta em sua clavícula e pescoço. Ela dizia: Você não vai se juntar a mim em minha lenta descida até a loucura? Ela ficou olhando para as palavras enigmáticas enquanto ele se aproximava.
— Andei pensando em você. — Ele tocou de leve sua mão, uma carícia. — Você sabe como se divertir, menina dos subúrbios?
— Como o quê? Sacrifícios de animais?
O sorriso dele era lento e sedutor. Ninguém a olhara com tanta intensidade, como se ela fosse saboreada.
— Me encontre amanhã à noite, à meia-noite.
— Meia-noite?
— A hora das bruxas. Aposto como você só se encontrava com meninos bonzinhos em matinês e festas à beira da piscina.
— Você não sabe nada a meu respeito.
Ele sorriu lentamente, encarando-a. Ela podia sentir como ele estava seguro de si e dela.
— Me encontre.
— Não.
— Toque de recolher, hein? Pobre menina rica. Tudo bem, então. Vou esperar você nas colunas da Pioneer Square.
As colunas da Pioneer Square? Onde os mendigos dormiam à noite e pediam cigarros para os turistas?
Ela ouviu a porta se abrindo atrás de si. Seu pai estava dizendo:
— Obrigado, Dra. Bloom.
Marah se afastou de Paxton. Ele riu baixinho, com um pouco de crueldade, de seu movimento, por isso ela ficou imóvel.
— Marah — disse seu pai rispidamente. Ela sabia o que ele estava vendo: filha antes perfeita e bela conversando com um jovem usando maquiagem e correntes. As mechas do cabelo de Paxton eram quase néon sob a luz forte do consultório.
— Este é o Paxton — disse Marah para seu pai. — Ele está na minha terapia de grupo.
O pai mal olhou para Paxton.
— Vamos — disse ele, pegando-a pela mão e levando-a para fora do consultório.