KOWALSKI APAIXONADO
JAMES ROLLINS
Ele não era grande coisa de se ver… mesmo pendurado de cabeça para baixo numa armadilha para javali. De nariz achatado, o cabelo enlameado e cortado rente ao crânio, um pedaço de carne com um metro e oitenta e dois pendurado e nu, com exceção de uns boxers cinzentos molhados. O peito estava marcado por velhas cicatrizes e um corte irregular e ensanguentado da clavícula à virilha. Os seus olhos arregalados brilhavam com ferocidade.
E por boas razões.
Dois minutos antes, enquanto soltava o paraquedas na praia próxima, a doutora Shay Rosauro ouvira os seus gritos na floresta e fora investigar. Avançara sub-repticiamente, movendo-se em silêncio, espiando a curta distância, a coberto das sombras e da folhagem.
— Para trás, sacana peludo…!
As imprecações do homem nunca pararam, um fluxo contínuo marcado por um sotaque rosnado do Bronx. Era claramente americano. Tal como ela.
Olhou para o relógio.
Eram 8h33 da manhã.
A ilha ia explodir dentro de vinte e sete minutos.
Aquele homem morreria antes.
A ameaça mais imediata provinha dos outros habitantes da ilha, atraídos pelos gritos do homem. O mandril adulto pesava em média mais de quarenta e cinco quilos, sobretudo em músculo e dentes. Usualmente eram encontrados em África. Nunca numa ilha selvagem ao largo do Brasil. As coleiras rádio amarelas sugeriam que o bando fora outrora parte de um grupo estudado pelo professor Salazar, enviado para aquela ilha remota para as suas experiências. Os Mandrillus sphinx eram considerados frugívoros, o que significava que a sua dieta era composta por frutas e nozes.
Mas nem sempre.
Eram também famosos por serem carnívoros oportunistas.
Um dos babuínos andava em círculos em redor do homem preso na armadilha: um macho de pelo cor de carvão, largo focinho vermelho, delimitado de ambos os lados por riscas azuis. Aquela coloração indicava que estavam perante o macho dominante do grupo. As fêmeas e os machos subordinados, todos eles de um castanho mais baço, tinham-se instalado sobre os quartos traseiros ou pendiam de ramos vizinhos. Um dos espectadores bocejou, expondo um conjunto de caninos com mais de sete centímetros e meio, e um focinho repleto de incisivos cortantes.
O macho farejou o prisioneiro. Um punho enorme moveu-se na direção do babuíno inquisitivo, falhou e silvou através do ar.
O babuíno macho ergueu-se nas patas traseiras e uivou com os lábios arreganhados, expondo todo o comprimento das suas presas amarelas. Uma exibição impressionante e horripilante. Os outros babuínos aproximaram-se mais.
Shay avançou para a clareira, atraindo para si todos os olhos. Ergueu a mão e apertou o botão do seu aparelho sónico, alcunhado guinchador. O som de sirene do aparelho teve o efeito desejado.
Os babuínos fugiram para a floresta. O macho que os liderava saltou, agarrou um ramo baixo e lançou-se para a escuridão protetora da selva.
O homem, que continuava a girar na corda, viu-a.
— Ei… que tal…?
Shay já tinha um machete na outra mão. Saltou para cima de uma pedra e cortou a corta de cânhamo com um golpe da arma.
O homem caiu com força, batendo na lama macia e rolando para o lado. Por entre uma nova torrente de imprecações, lutou com a corda que lhe envolvia o tornozelo. Por fim, libertou-se do nó.
— Malditos macacos!
— Babuínos — corrigiu Shay.
— O quê?
— São babuínos, não macacos. Têm caudas curtas.
— Como queira. Tudo o que vi foi o raio de uns dentes enormes.
Enquanto o homem se erguia e sacudia os joelhos, Shay viu a âncora da marinha dos Estados Unidos tatuada no bíceps direito. Ex-militar? Talvez pudesse vir a ser útil. Shay voltou a verificar as horas.
Eram 8h35 da manhã.
— O que faz aqui? — perguntou.
— O meu barco avariou-se. — O olhar dele deslizou pela forma esguia dela.
Estava habituada a receber tais atenções dos machos da sua própria espécie… mesmo agora, estando vestida de uma forma que não a favorecia em nada, com um camuflado verde e botas resistentes. O cabelo preto, que lhe chegava aos ombros, encontrava-se firmemente preso atrás das orelhas com um lenço preto, e, sob o calor tropical, a pele brilhava num tom de café escuro.
Apanhado a olhar fixamente, o homem desviou os olhos para a praia.
— Nadei até aqui depois de o meu barco afundar.
— O seu barco afundou-se?
— Está bem, explodiu.
Ela fitou-o, aguardando mais explicações.
— Havia uma fuga de combustível. Deixei cair o charuto…
Shay acenou com o machete, mostrando-lhe que não precisava de continuar a falar. A sua boleia estava marcada para daí a menos de meia hora, na península mais a norte. Nesse período, tinha de alcançar o complexo, entrar no cofre e obter os frascos de antídoto. Começou a andar para a selva, apercebendo-se da existência de um trilho. O homem seguiu-a, arrastando-se na sua peugada.
— Uou… para onde vamos?
Ela tirou um poncho para a chuva que trazia enrolado na mochila e passou-lho.
O homem debateu-se para o vestir enquanto avançava.
— Chamo-me Kowalski — disse. Enfiou o poncho ao contrário e lutou para lhe dar a volta. — Tem um barco? Ou uma maneira de sair do raio desta ilha?
Shay não tinha tempo para subtilezas.
— Dentro de vinte e três minutos, a marinha brasileira vai lançar bombas incendiárias sobre este atol.
— Como? — O homem olhou para o seu próprio pulso. Não tinha relógio.
Ela continuou:
— A evacuação está marcada e irá descolar da península mais a norte, às 8h55 da manhã. Mas primeiro tenho de recolher algo que está na ilha.
— Espere. Recue um pouco. Quem é que vai lançar bombas incendiárias sobre este buraco de merda?
— A marinha brasileira. Dentro de vinte e três minutos.
— Claro que vai. — Ele abanou a cabeça. — De todas as malditas ilhas, eu tinha de vir parar à única que vai ser bombardeada.
Shay ignorou a diatribe. Pelo menos ele continuava em movimento. Isso tinha de lhe conceder. Ou era muito corajoso ou era muito burro.
— Oh, olha… uma manga. — Ele estendeu a mão para o fruto amarelo.
— Não toque nisso.
— Mas já não como…
— Toda a vegetação desta ilha foi pulverizada com um rabdovírus transgénico.
Ele baixou a mão.
— Uma vez ingerido, estimula os centros sensoriais do cérebro, realçando os sentidos da vítima. Visão, som, cheiro, paladar e toque.
— E o que há de errado nisso?
— O processo também corrompe o aparelho reticular do córtex cerebral. Desencadeando ataques maníacos.
Um uivo ecoou através da selva atrás deles. Foi respondido por alguns grunhidos roucos e uivos de todos os lados.
— Os macacos…?
— Babuínos. Sim, estão certamente infetados. Sujeitos experimentais.
— Excelente. A Ilha dos Babuínos Raivosos.
Ignorando-o, Shay apontou na direção da fazenda caiada que se espraiava no topo da colina seguinte, visível através de uma abertura na folhagem.
— Precisamos de alcançar aquele complexo.
A estrutura de terracota tinha sido alugada pelo professor Salazar para a sua investigação, financiada por uma sombria organização de células terroristas. Ali, numa ilha isolada, tinha levado a cabo a última fase de aperfeiçoamento da sua arma biológica. Depois, dois dias antes, a Força Sigma — uma equipa científica secreta dos EUA especializada em ameaças globais — capturara o cientista no coração da floresta tropical brasileira, mas não antes de este ter infetado toda uma aldeia indígena às portas de Manaus, incluindo um hospital pediátrico internacional.
A doença estava já nas suas primeiras fases, exigindo a rápida quarentena da aldeia pelo exército brasileiro. A única esperança consistia na obtenção do antídoto do professor Salazar, trancado no cofre do médico.
Bem, pelo menos os frascos podiam lá estar.
Salazar alegava ter destruído todo o stock.
Perante tal afirmação, o governo brasileiro decidira jogar pelo seguro. Esperava-se que a ilha fosse atingida de madrugada por uma tempestade com ventos ciclónicos. Temiam que a tempestade pudesse transportar o vírus da ilha para a floresta tropical costeira do continente. Bastaria uma só folha infetada para comprometer toda a floresta tropical equatorial. Por isso o plano consistia em lançar bombas incendiárias sobre a pequena ilha, de modo a queimar por completo a sua vegetação. O ataque estava programado para as nove horas em ponto. Era impossível convencer o governo de que a possibilidade remota de uma cura valia o risco de um adiamento. O seu plano era a aniquilação total. O que incluía a aldeia brasileira. Perdas aceitáveis.
Shay sentiu a sua raiva aumentar, enquanto imaginava Manuel Garrison, o seu parceiro. Este tentara evacuar o hospital pediátrico, mas ficara encurralado e subsequentemente infetado. Juntamente com todas as crianças.
Perdas aceitáveis não faziam parte do seu vocabulário.
Não hoje.
Por isso Shay avançara com a sua operação a solo. Lançando-se de paraquedas a uma grande altitude. Comunicara os seus planos por rádio enquanto mergulhava em queda livre. O comando da Sigma concordara em enviar um helicóptero para proceder à evacuação de emergência na ponta mais a norte da ilha. Desceria apenas durante um minuto. Ou ela chegava a horas ao helicóptero… ou morria.
Para ela, as parcas hipóteses de sucesso eram irrelevantes.
Mas agora não estava sozinha.
O naco de carne caminhava pesada e ruidosamente atrás dela. Assobiava. Ele estava a assobiar. Virou-se para ele.
— Senhor Kowalski, lembra-se da minha descrição de como o vírus reforça o sentido de audição da sua vítima? — As palavras pronunciadas em tom baixo crepitavam de irritação.
— Desculpe. — Ele olhou de relance para o trilho atrás de si.
— Cuidado com essa armadilha — disse ela, contornando um buraco grosseiramente camuflado.
— O quê…? — Com o pé esquerdo, pisou o alçapão de canas entreligadas. O seu peso destruiu-o por inteiro.
Shay usou o ombro para empurrar o homem para o lado e caiu em cima dele. Foi como se tivesse caído sobre um monte de troncos. Só que os troncos eram mais espertos.
Saiu de cima dele.
— Depois de ter ficado preso numa armadilha, seria de esperar que prestasse mais atenção a onde põe os pés! Toda a ilha parece uma armadilha gigantesca.
Shay levantou-se, endireitou a mochila e contornou o fosso repleto de picos.
— Fique atrás de mim. Pise apenas onde eu pisar.
Na sua raiva, não reparou na corda.
O único aviso foi um breve tuang.
Ela saltou para o lado, mas era demasiado tarde. Um tronco preso a uma corda libertou-se da floresta e bateu-lhe num joelho. Shay ouviu o estalar da tíbia e saiu disparada pelo ar em direção ao buraco aberto da armadilha anterior.
Contorceu-se para evitar os espigões de ferro do fosso. Não havia esperança.
Depois embateu… de novo contra os troncos.
Kowalski mergulhara e bloqueara o buraco com o seu próprio corpo. Shay rolou de cima dele. A agonia incendiava-lhe a perna, subia-lhe pela anca e explodia pelas costas. A sua visão estreitou-se para pouco mais do que a cabeça de um alfinete, mas não o suficiente para que não viesse o ângulo retorcido formado pela perna abaixo do joelho.
Kowalski colocou-se ao seu lado.
— Oh, meu… oh, meu…
— Tenho a perna partida — disse ela, tentando controlar a dor.
— Podemos pôr-lhe uma tala.
Shay olhou para o relógio.
Eram 8h39 da manhã.
Faltavam vinte e um minutos.
Kowalski apercebeu-se do gesto dela.
— Posso levá-la ao colo. Ainda conseguimos chegar ao local da evacuação.
Reequacionou mentalmente o problema. Imaginou o sorriso rasgado de Manuel… e os muitos rostos das crianças. Uma dor pior do que a provocada por um qualquer osso partido trespassou-a. Não podia falhar.
O homem leu a sua intenção.
— Não vai conseguir chegar àquela casa — disse ele.
— Não tenho escolha.
— Então deixe que eu o faça — disse ele de rompante. As palavras pareceram surpreendê-lo tanto quanto a ela, mas não as retirou. — Siga para a praia. Eu vou buscar o que quer que seja que precisa daquela maldita fazenda.
Ela virou-se e fitou o estranho, olhos nos olhos. Procurou neles algo que lhe desse esperança. Uma força escondida, uma qualquer fortaleza subjacente. Não encontrou nada. Mas não tinha escolha.
— Há mais armadilhas.
— Desta vez vou manter os olhos abertos.
— E o cofre do escritório… não conseguirei ensinar-lhe a tempo como abri-lo.
— Tem um rádio extra?
Ela acenou com a cabeça.
— Nesse caso, explica-me quando eu lá chegar.
Shay hesitou, mas não havia tempo sequer para isso. Tirou a mochila das costas.
— Baixe-se.
Levou a mão a um bolso lateral da mochila e retirou do seu interior dois adesivos. Prendeu um atrás da orelha do homem e o outro na sua maçã de Adão.
— Um microrrecetor e um transmissor subvocálico.
Shay testou rapidamente o rádio, enquanto explicava o que estava em jogo.
— E eu que estava a contar com umas férias relaxantes ao sol — balbuciou ele.
— Mais uma coisa — disse ela. Retirou da mochila três secções de uma arma. — Uma espingarda VK. Variable Kinetic. — Montou rapidamente as peças e enfiou um carregador cilíndrico grosso no respetivo encaixe por baixo da arma. Parecia uma espingarda de assalto atarracada, só que o cano era mais largo e espalmado horizontalmente. — A patilha de segurança fica aqui. — Apontou a arma para um arbusto próximo e apertou o gatilho. Tudo o que ouviu foi um leve zumbido. Um projétil emergiu do cano e zumbiu por entre o arbusto, cortando folhas e ramos. — Discos afiados com dois centímetros e meio. Pode regular a arma para um só tiro ou para rajadas automáticas. — Demonstrou. — Duzentos tiros por carregador.
Ele voltou a assobiar e aceitou a arma.
— Talvez devesse ficar com este corta-relva. Com a perna assim, vai ter de se arrastar a passo de caracol. — Apontou para a selva — E os malditos macacos ainda andam por ali.
— São babuínos… e ainda tenho o guinchador portátil. Agora, ponha-se a andar. — Shay olhou para o relógio. Tinha dado a Kowalski um segundo relógio sincronizado com o seu. — Dezanove minutos.
Ele acenou com a cabeça.
— Vemo-nos em breve. — E saiu do trilho desaparecendo quase de imediato na densa folhagem.
— Para onde vai? — gritou-lhe Shay. — O trilho…
— Que se lixe o trilho — respondeu ele através do rádio. — Prefiro procurar a sorte na selva virgem. Há menos armadilhas. Além disso, tenho esta beleza para abrir um caminho a direito até à casa do cientista louco.
Shay esperou que ele tivesse razão. Não havia tempo para recuar ou para segundas oportunidades. Aplicou rapidamente uma dose de morfina com o injetor automático e usou um ramo partido como bengala. Enquanto avançava para a praia, ouviu os ferozes gritos de caça dos babuínos.
Esperava que Kowalski se mostrasse mais esperto do que eles.
Tal pensamento arrancou-lhe um gemido que nada tinha que ver com a perna partida.
Felizmente, Kowalski tinha agora uma faca.
Estava pendurado de cabeça para baixo… pela segunda vez nesse dia. Curvou-se pela cintura, agarrou o tornozelo preso e cortou a corda que o prendia. Esta partiu-se com um pop. Ele caiu, enrolado como uma bola, e chocou contra o chão da floresta com um sonoro uf.
— O que foi isso? — perguntou a doutora Rosauro pelo rádio.
Ele endireitou os membros e deixou-se ficar deitado de costas para recuperar o fôlego.
— Nada — resmungou. — Tropecei numa pedra. — Franziu o sobrolho à corda que se agitava por cima da sua cabeça. Não ia dizer à bela médica que tinha ficado pendurado numa árvore outra vez. Ainda lhe restava algum orgulho.
— Maldita armadilha — balbuciou num sussurro.
— O quê?
— Nada. — Tinha-se esquecido de quão sensível era o transmissor subvocálico.
— Armadilha? Voltou a ficar pendurado, não foi?
Ele manteve-se em silêncio. A mãe tinha-lhe dito certa vez que era melhor manter a boca fechada e deixar que as pessoas o julgassem um tolo do que abri-la e acabar com quaisquer dúvidas.
— Tem de ter atenção ao caminho — censurou a mulher.
Kowalski refreou uma resposta. Ouviu a dor na voz dela… e o medo. Por isso, ergueu-se e recuperou a arma.
— Dezassete minutos — recordou-lhe a doutora Rosauro.
— Estou a chegar ao complexo neste momento.
A fazenda descorada pelo sol parecia um calmo oásis de civilização num mar de crua exuberância da Natureza. Eram linhas direitas e ordem estéril por oposição à proliferação descontrolada e fertilidade desordenada. Três edifícios erguiam-se em quatro hectares de terreno cuidado, separados por passeios e aninhados em redor de um pequeno pátio ajardinado. Uma fonte espanhola de três níveis estava no centro, ornamentada com azulejos azuis e vermelhos. Não havia água nas suas bacias.
Kowalski estudou o complexo, espreguiçando-se para aliviar as costas. O único movimento sobre os terrenos cultivados eram as frondes oscilantes de uns quantos coqueiros. O vento já se fazia sentir com a aproximação da tempestade. As nuvens começavam a acumular-se no horizonte a sul.
— O escritório fica no piso principal, perto dos fundos — disse-lhe Rosauro ao ouvido. — Tenha cuidado com a vedação elétrica do perímetro. É possível que a eletricidade ainda esteja ligada.
Ele estudou a vedação de arame, com quase dois metros e meio de altura, encimada por uma espiral de arame farpado e separada da selva por uma faixa queimada com cerca de nove metros. Terra de ninguém.
Ou antes uma terra sem macacos.
Pegou num ramo caído e aproximou-se da vedação. Encolhendo-se, estendeu uma das pontas na direção dos elos da vedação. Estava consciente dos pés descalços. Deveria ter alguma proteção? Não fazia ideia.
Quando a ponta do pau tocou na vedação, ouviu um som estridente. Saltou para trás, depois apercebeu-se de que o som não vinha da vedação. Erguera-se à sua esquerda, do lado da água.
O guinchador da doutora Rosauro.
— Está tudo bem consigo? — perguntou Kowalski para o transmissor.
O longo silêncio fê-lo suster a respiração — depois as palavras sussurradas alcançaram-no.
— Os babuínos devem ter cheirado o meu ferimento. Estão a convergir para a minha localização. Prossiga.
Kowalski espetou o pau na vedação mais algumas vezes, como uma criança com um rato morto, para garantir que estava realmente morto. Uma vez satisfeito, cortou o arame farpado com o alicate que a doutora Rosauro lhe dera e apressou-se a passar a vedação, certo de que a eletricidade estava prestes a regressar com a sua morte azul-elétrica.
Deixou-se cair com um suspirou de alívio na relva aparada, tão luminosa e perfeita quanto um campo de golfe.
— Não tem muito tempo — pressionou a médica desnecessariamente. — Se tiver sucesso, os jardins das traseiras descem até à praia. Os promontórios a norte estendem-se a partir daí.
Kowalski pôs-se a caminho em direção ao edifício principal. Uma mudança no vento trouxe consigo a humidade da chuva… juntamente com o fedor da morte, a maturação da carne abandonada ao sol. Viu o corpo no lado mais distante da fonte.
Contornou a forma do homem. O rosto tinha sido roído até aos ossos, a roupa esfarrapada, a barriga estraçalhada, os intestinos inchados estavam espalhados pelo chão como serpentinas. Aparentemente os macacos tinham feito a sua própria festa desde a partida do bom doutor.
Enquanto o contornava, apercebeu-se da pistola preta apertada na mão do cadáver. O ferrolho estava aberto. Já não lhe restavam balas. Não tivera poder de fogo suficiente para obrigar todo um bando de carnívoros peludos a recuar. Kowalski ergueu a sua própria arma, levando-a ao ombro. Observou os cantos mergulhados nas sombras em busca de quaisquer macacos escondidos. Não havia sequer corpos. Ou o atirador tinha fraca pontaria, ou os macacos de traseiro vermelho tinham levado os corpos dos seus irmãos caídos, talvez para comer mais tarde, numa espécie de takeout babuíno.
Kowalski realizou um círculo completo. Nada.
Atravessou o edifício principal. Havia algo que o perturbava, mas que se mantinha no limite da sua consciência. Coçou o crânio numa tentativa se livrar daquilo… mas falhou.
Subiu para o alpendre de madeira que corria a todo o comprimento do edifício e tentou o puxador da porta. Fechado mas não trancado. Empurrou violentamente a porta com um pé, de arma em punho, pronto para um ataque frontal dos macacos.
A porta abriu-se por completo, ressaltou e voltou a fechar-se.
Bufando de irritação, agarrou de novo no puxador. Recusou mexer-se. Rodou com mais força.
Trancada.
— Só podem estar a brincar.
A colisão devia ter feito mover a tranca.
— Já está lá dentro? — perguntou Rosauro.
— Quase — resmungou ele.
— Qual é a demora?
— Bem… o que se passa é que… — Tentou a inocência, mas adequava-se tanto a ele como o tosão a um rinoceronte. — Parece que alguém a trancou.
— Tente uma janela.
Kowalski olhou de relance para as grandes janelas que se abriam de ambos os lados da porta trancada. Avançou para a direita e espreitou para o interior. Aí encontrou uma cozinha rústica com mesas de carvalho, um lava-louça de mármore e eletrodomésticos antigos de esmalte. Ainda bem. Talvez tivessem uma garrafa de cerveja no frigorífico. Um homem podia sonhar. Mas primeiro havia trabalho a fazer.
Recuou, apontou a arma e disparou um tiro solitário. O disco prateado e afiado partiu o vidro com a mesma facilidade de uma bala. Estilhaços projetaram-se do buraco.
Sorriu. De novo feliz.
Recuou mais um passo, descendo cuidadosamente do alpendre. Com o polegar ativou o fogo automático e partiu o que restava do vidro.
Passou a cabeça pela abertura.
— Está alguém em casa?
Foi então que viu os fios elétricos expostos que se agitavam e cuspiam fagulhas em redor de um disco prateado embutido na parede de gesso. Tinha cortado os fios elétricos. Os outros discos estavam espalhados pela parede mais distante… incluindo um que tinha perfurado o cano do gás que alimentava o fogão.
Nem se deu ao trabalho de praguejar.
Virou-se e saltou, ao mesmo tempo que uma explosão se dava atrás de si. Uma parede de ar superaquecido empurrou-o para longe do caminho, lançando-lhe o poncho para cima da cabeça. Caiu ao chão a rebolar, ao mesmo tempo que uma bola de fogo deslizava pelo pátio, por cima da sua cabeça. Emaranhado no poncho, cambaleou, caindo mesmo em cima do cadáver eviscerado. Os seus membros debatiam-se, o calor ardia e os dedos que procuravam libertá-lo encontraram apenas a gélida ferida na barriga do homem e coisas que esguichavam.
Sentindo-se prestes a vomitar, Kowalski lutou para se libertar e despiu o poncho. Levantou-se, sacudindo-se como um cão molhado, limpando o sangue e as vísceras dos braços, enojado. Fitou o edifício principal.
As chamas dançavam atrás da janela da cozinha. O fumo escondia a vidraça partida.
— Que aconteceu? — arquejou a médica ao seu ouvido.
Ele limitou-se a abanar a cabeça. As chamas alastravam, emergindo da janela partida e lambendo o alpendre.
— Kowalski?
— Armadilha. Estou bem.
Retirou a arma do poncho que deitara fora. Encostou-a ao ombro, tencionando contornar o edifício. De acordo com a doutora Rosauro, o escritório ficava nas traseiras.
Se trabalhasse rapidamente…
Olhou para o relógio.
Eram 8h45.
Estava na hora de ser um herói.
Dirigiu-se ao lado norte da fazenda. O calcanhar descalço escorregou num pedaço de intestino, escorregadio como uma casca de banana. A perna torceu-se debaixo dele. Caiu para a frente, batendo com força no chão, a arma golpeou a terra compacta, o seu dedo apertou o gatilho.
Os discos prateados saíram disparados e atingiram a figura que se agitava no pátio, com um braço em chamas. Esta uivou — não de agonia, mas de raiva ferina. A figura envergava as vestes rasgadas e brancas de um mordomo. Os olhos estavam brilhantes e febris, mas cobertos por uma matéria viscosa. A espuma cobria a sua boca e pingava dos lábios abertos num esgar. O sangue manchava a parte inferior do rosto e ensopava a camisa outrora branca e imaculada.
De súbito, Kowalski apercebeu-se do que o estava a perturbar antes. A falta de cadáveres de macacos. Presumira que tinham sido canibalizados, mas, se assim fosse, então porque tinham deixado para trás um pedaço de carne em perfeitas condições?
A resposta: os macacos não tinham atacado.
Ao que tudo indicava, os animais selvagens não eram os únicos seres infetados na ilha.
Nem os únicos canibais.
O mordomo, ainda em chamas, lançou-se na direção de Kowalski. O primeiro impacto dos discos prateados atingira-o no ombro e no pescoço. O sangue jorrava. Mas não o suficiente para parar o maníaco determinado.
Kowalski apertou o gatilho, desta feita fazendo pontaria.
Um arco de morte afiada cortou o ar à altura do joelho.
Os tendões estalaram, os ossos estilhaçaram-se. O mordomo desabou e caiu na direção de Kowalski, aterrando quase nariz com nariz com ele. Uma mão com garras agarrou-lhe a garganta, as unhas enterraram-se na sua carne. Kowalski ergueu o cano da espingarda VK.
— Desculpa, amigo.
Kowalski apontou para a boca aberta e puxou o gatilho, fechando os olhos no último segundo.
Um uivo gorgolejante irrompeu… silenciando-se quase de imediato. A pressão na sua garganta cessou.
Kowalski abriu os olhos e viu o mordomo cair de cara no chão.
Morto.
Kowalski rolou para o lado e voltou a pôr-se de pé. Olhou à sua volta em busca de quaisquer outros atacantes, depois correu para as traseiras da fazenda. Olhou de relance para cada janela por onde passava: um balneário, um laboratório com jaulas de aço para animais, uma sala de snooker.
O fogo rugia do outro lado da estrutura, atiçado pelo vento cada vez mais forte. O fumo erguia-se para os céus cada vez mais escuros.
Através da janela seguinte, Kowalski viu uma sala com uma gigantesca secretária de madeira e estantes de livros do chão ao teto.
Tinha de ser o escritório do professor.
— Doutora Rosauro — sussurrou Kowalski.
Nenhuma resposta.
— Doutora Rosauro… — tentou um pouco mais alto.
Agarrou a garganta. O transmissor tinha desaparecido, arrancado no seu confronto com o mordomo. Olhou de relance para o pátio. As chamas lambiam os céus.
Estava por sua conta.
Virou-se de novo para o escritório. Uma porta nas traseiras abria-se para a divisão. Estava entreaberta.
Porque seria que aquilo não lhe parecia nada bem?
Com o tempo a escassear, Kowalski avançou cautelosamente, de arma em punho. Usou a ponta da arma para abrir mais a porta.
Estava pronto para tudo.
Babuínos raivosos, mordomos raivosos.
Mas não para a jovem num fato de mergulho cinzento-escuro justo ao corpo.
Estava agachada em frente de um cofre aberto e levantou-se devagar ao ouvir o gemido da porta, com uma mochila ao ombro. O cabelo solto e molhado era tão negro quanto as asas de um corvo, a pele da cor do mel queimado. Os olhos, do tom esfumado do caramelo escuro, fixaram-se nos dele.
Por cima de uma SIG Sauer de 9 milímetros prateada, que ela segurava numa mão.
Kowalski desviou-se para um dos lados da porta, mantendo a arma apontada para o interior.
— Quem raio é você?
— O meu nome, señor, é Condeza Gabriella Salazar. Está a invadir a propriedade do meu marido.
Kowalski franziu o sobrolho. A esposa do professor. Porque seria que as mulheres mais bonitas ficavam sempre com os tipos inteligentes?
— Que está a fazer aqui? — gritou ele.
— É americano, si? Força Sigma, sem dúvida. — A última parte foi pronunciado com um esgar. — Vim buscar a cura do meu marido. Irei usá-la para negociar a liberdade dele. Não me conseguirá deter.
Uma detonação da arma dela abriu um buraco na porta. As farpas voaram na sua direção.
Havia algo na forma calma como usava a pistola que sugeria mais do que competência. Além disso, se tinha casado com um professor, o mais certo era ter mais alguns pontos de QI do que ele.
Cérebro e um corpo como aquele.
A vida não era justa.
Kowalski recuou, cobrindo o lado da porta. Talvez tivessem de conceder aquela vitória aos maus da fita.
Uma janela estilhaçou-se junto à sua orelha. Uma bala passou de raspão na parte de trás do seu pescoço. Lançou-se ao chão e encostou-se à parede de adobe.
A cabra saíra do escritório e avançava para ele pelo lado de dentro da casa.
Corpo, cérebro e conhecia a disposição do espaço.
Não era de admirar que tivesse conseguido evitar os monstros que ali se encontravam.
Um som distante intrometeu-se nos seus pensamentos. O vump-vump de um helicóptero que se aproximava. Era o helicóptero de evacuação. Olhou de relance para o relógio. Claro que tinha de chegar mais cedo.
— Devia correr para os seus amigos — gritou a mulher do interior. — Enquanto ainda tem tempo!
Kowalski fitou o relvado cuidado que se estendia até à praia. Não havia cobertura. A cabra apanhá-lo-ia passados alguns passos.
Era uma questão de fazer ou morrer.
Retesou os músculos das pernas sob o corpo, inspirou fundo, depois saltou. Lançou-se de costas contra a janela enfraquecida pelas balas. Manteve a arma encostada à barriga. Aterrou com força e rebolou sobre o ombro, ignorando os pedaços de vidro que o cortavam.
Assumiu uma posição agachada, ergueu a arma, girando.
A divisão estava vazia.
Fora-se de novo.
Seria, portanto, um jogo de gato e rato através da casa.
Avançou até à porta que conduzia ao interior da estrutura. O fumo fluía em rios junto ao teto. No interior, a temperatura estava elevada como a de uma fornalha. Recordou a mochila no ombro da mulher. Já esvaziara o cofre. Iria avançar para uma das saídas. Estava sujeita à mesma escassez de tempo.
Avançou para a divisão seguinte.
Um jardim de inverno. Uma parede de janelas abria-se sobre a extensão dos jardins e do relvado. O mobiliário de verga e os biombos ofereciam uma mão-cheia de esconderijos. Teria de a atrair de alguma maneira. De ser mais esperto do que ela.
Pois, certo…
Avançou para a divisão, mantendo-se perto da parede do fundo.
Atravessou a divisão. Não houve qualquer ataque.
Chegou à arcada do lado oposto. Abria-se para um átrio nas traseiras.
E para uma porta aberta.
Kowalski praguejou. Quando ele entrara, ela tinha certamente saído. O mais certo era que já estivesse a meio caminho das Honduras. Correu para a porta e saiu para o alpendre das traseiras. Perscrutou o terreno.
Desaparecera.
E ele que planeara ser mais esperto do que ela.
A pressão do cano quente contra a parte de trás do seu crânio realçou quanto ficava atrás dela em QI. Tal como Kowalski concluíra antes, também ela devia ter-se apercebido de que uma corrida em terreno aberto era demasiado arriscada. Por isso esperara para lhe fazer uma emboscada.
Nem sequer hesitara por um instante para qualquer réplica espirituosa… não que ele tivesse sido um bom parceiro de luta. Só lhe fora oferecida uma palavra de consolo. «Adios.»
A detonação da arma foi abafada pelo som súbito de uma sirene.
Ambos saltaram com o som estridente.
Felizmente, ele saltou para a esquerda, ela para a direita.
A bala rasgou a orelha direita de Kowalski como uma lança de fogo.
Ele virou-se, apertando o gatilho da sua própria arma. Não apontou, limitou-se a apertar o gatilho e esperar pela rajada, com a arma à altura da cintura. Perdeu o equilíbrio no limite do alpendre e caiu para trás.
Uma nova bala cortou o ar passando junto à ponta do seu nariz.
Caiu no caminho empedrado e o seu crânio bateu com um som distinto. A arma foi-lhe arrancada dos dedos.
Tentou levantar-se e viu a mulher aproximar-se da borda do alpendre.
Apontava a SIG Sauer para ele.
A outra mão apertava a barriga, mas foi incapaz de servir de barragem. O conteúdo abdominal caiu da sua barriga aberta, jorrando num fluxo de sangue escuro. Ela ergueu a arma, o braço trémulo, os seus olhos fixaram-se nos dele, estranhamente surpreendidos. Depois a arma deslizou-lhe dos dedos e ela tombou na direção dele.
Kowalski rebolou, conseguindo sair a tempo do caminho.
Ela aterrou sobre o caminho de pedra.
O som do helicóptero fazia-se ouvir mais forte enquanto os ventos mudavam de direção. A tempestade chegava veloz. Ele viu o helicóptero sobrevoar a praia uma vez, como um cão que se instala para dormir, e depois descer em direção a uma extensão rochosa e plana.
Kowalski virou-se para o corpo de Gabriella Salazar e tirou-lhe a mochila. Começou a correr em direção à praia. Depois parou, voltou para trás e recuperou a espingarda VK. Não a ia deixar para trás.
Enquanto corria, apercebeu-se de duas coisas.
Um. A sirene que explodira da selva próxima calara-se. E dois. Não tinha ouvido uma só palavra da doutora Rosauro. Verificou o recetor preso com um adesivo atrás da orelha. Continuava no local.
Porque estava em silêncio?
O helicóptero — um Sikorski S-76 — pousou mesmo à frente dele. A areia redemoinhava no vento provocado pelos rotores. Um artilheiro de uniforme apontou-lhe a espingarda e gritou sobre o rugido das pás.
— Pare! Já!
Kowalski estacou. Baixou a espingarda, mas ergueu a mochila.
— Tenho o maldito antídoto.
Percorreu a praia com os olhos em busca da doutora Rosauro, mas não a viu em parte alguma.
— Sou o marinheiro Joe Kowalski! Marinha dos Estados Unidos! Estou a ajudar a doutora Rosauro!
Passado um momento de consulta com alguém dentro do helicóptero, o artilheiro fez-lhe sinal para que avançasse. Baixando-se sob as pás do rotor, Kowalski entregou a mochila. Uma figura mergulhada nas sombras aceitou-a e vasculhou o seu interior. Algo foi dito através do rádio.
— Onde está a doutora Rosauro? — perguntou o estranho, claramente o responsável pela missão no terreno. Os seus duros olhos azuis estudavam Kowalski.
Este abanou a cabeça.
— Comandante Crowe — disse o piloto. — Temos de ir já. A marinha brasileira acaba de ordenar o bombardeamento.
— Entre — ordenou o homem a Kowalski com um tom inequívoco.
Kowalski avançou para a porta aberta.
Um guincho estridente impediu-o. Um tiro solitário. Vinha de algures para lá da praia.
Da selva.
A doutora Shay Rosauro agarrava-se ao emaranhado de ramos a meio caminho do topo do coqueiro de folhas largas. Os babuínos algaraviavam em baixo. Ela sofrera uma dentada profunda na barriga da perna, perdera o rádio e a mochila.
Minutos antes, depois de ter sido perseguida até à árvore, tinha constatado que a sua posição elevada lhe permitia avistar a fazenda suficientemente bem para ver Kowalski a ser conduzido na ponta de uma arma. Incapaz de ajudar, usara a única coisa que ainda lhe restava: o guinchador sónico.
Infelizmente, o som estridente deixara em pânico os babuínos por baixo dela e a sua fuga súbita sacudiu o ramo. Perdera o equilíbrio… e o guinchador. Quando recuperou o equilíbrio, ouviu os dois tiros.
Sentiu a esperança morrer dentro de si.
Em baixo, um dos babuínos, o macho dominante do bando, tinha recuperado o aparelho sónico e descoberto o botão da sirene. O som estridente dispersou momentaneamente o bando. Mas apenas momentaneamente. O dissuasor estava a tornar-se progressivamente menos eficaz, nada fazendo para além de os enfurecer.
Shay abraçou o tronco da árvore.
Verificou o relógio, depois fechou os olhos.
Imaginou os rostos das crianças… do parceiro…
Um ruído atraiu a sua atenção para cima. O duplo vump de um helicóptero de passagem. As folhas agitavam-se à volta dela. Ergueu um braço… depois baixou-o.
Demasiado tarde.
O helicóptero estava de partida. O ataque brasileiro ia começar numa questão de segundos. Shay deixou o taco, a única arma que lhe restava, cair dos seus dedos. De que servia? Esta tombou no chão, nada mais fazendo além de atrair a atenção dos babuínos. O bando renovou o seu ataque, trepando os ramos mais baixos.
Não podia fazer mais do que olhar.
Depois ouviu uma voz familiar.
— Morram, merda de macacos imundos e raivosos!
Uma figura corpulenta surgiu em baixo, disparando uma VK.
Babuínos gritavam. Pelo voava. Sangue esguichava.
Kowalski avançava para a refrega, uma vez mais envergando apenas os boxers.
E a arma.
Avançava e disparava, girando, rodando, mudando de direção, derrubando.
Os babuínos estavam agora em fuga.
Com exceção do líder. O macho ergueu-se e uivou tão alto quanto Kowalski, expondo as longas presas. Kowalski fitou-o com expressão idêntica, mostrando também os dentes.
— Cala-te!
Kowalski terminou a declaração com uma explosão contínua de poder de fogo, transformando o macaco em papa. Uma vez acabado, colocou a arma ao ombro e avançou. Encostando-se ao tronco, ergueu os olhos.
— Pronta para descer, doutora?
Aliviada, Shay deixou-se cair da árvore. Kowalski apanhou-a.
— O antídoto…? — perguntou.
— Em boas mãos — garantiu-lhe. — A caminho da costa com o comandante Crowe. Ele queria que eu o acompanhasse mas… bem, eu… acho que estava em dívida para consigo.
Kowalski amparou-a. Coxearam rapidamente para o exterior da selva, para a praia aberta.
— Como é que vamos sair…?
— Tenho isso tratado. Parece que uma senhora simpática nos deixou um presente de despedida. — Apontou para junto da linha de água, onde repousava um jet ski. — Para nossa sorte, Gabriella Salazar amava o marido o suficiente para vir até aqui.
Apressaram-se para junto do veículo aquático e, uma vez chegados, ele ajudou-a gentilmente a subir, sentando-se, em seguida, à frente dela.
Shay pôs os braços à volta dele. Apercebeu-se da orelha ensanguentada e das lacerações nas costas. Mais cicatrizes para juntar à coleção. Fechou os olhos e encostou o rosto às costas nuas dele. Grata e exausta.
— E por falar em amor pela vida — disse Kowalski, ligando o motor e acelerando o veículo aquático. Olhou de relance para trás. — Acho que me estou a apaixonar…
Shay ergueu a cabeça, sobressaltada, depois voltou a baixá-la.
Aliviada.
Kowalski estava a olhar para a espingarda que trazia ao ombro.
— Oh, sim — disse ele. — Esta preciosidade não vai mesmo a lado nenhum.