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O cão fitava a janela do terceiro andar com insistência, indiferente ao vento que o açoitava e à força da chuva. As gotas d’água escorriam sobre sua pelagem perfeita sem molhá-lo, como se ao tocá-lo ganhassem vida e, assustando-se, fugissem para procurar abrigo na terra, que as acolhia maternalmente. Os olhos âmbar da fera estavam fixos, impassíveis. Observou uma luz que se acendeu e se apagou. Rosnou, e seu parceiro pôs-se ao seu lado.

«Eu consigo», disse.

«Não precisamos dela», contestou o homem.

«É ela quem precisa de nós», respondeu inesperadamente o animal, apontando o focinho em sua direção com um movimento inquietante, humano na vagarosidade do gesto e quase expressivo na lucidez do olhar.

«Não estamos no mundo para fazer o bem», alterou-se o amigo. A barreira invisível que os impedia de entrar na mansão o incomodava, mas existiam limites, e um deles era a falta de um convite. Avançou um passo em direção ao bosque. No vilarejo, poderiam encontrar aquilo de que necessitavam.

«São os seres humanos que ela não deseja por perto», fê-lo parar o cão, sem mover o olhar da janela, agora com uma luz acesa. O homem encarou o companheiro com os olhos semicerrados, intrigado.

«Fira-me. Fira-me profundamente, para que o jogo possa durar o tempo necessário.» E então o homem compreendeu o plano da fera. Também essa era uma das vantagens de sua raça: a inteligência.