Os macacos de Mussoco

SEMPRE QUE LHE PERGUNTAVAM ALGUMA COISA sobre o seu filho, como o havia conseguido criar sozinho, João Maria, também dito Cacoco em razão do seu coração de penumbras, dava como resposta que não fora ele quem o criara: «Quem o criou», dizia, «foram os macacos da beira do rio.» Verdade? Mentira? Delírios de um bêbado? O que é certo é que Mussoco cresceu brincando com os ditos macacos, e mais depressa aprendeu a comunicar com eles do que a falar connosco.

Por diversas vezes tentou o padre convencer João Maria a lhe confiar a educação do menino. O vedor escusava-se sempre, desconversando, troçando do sacerdote ou argumentando com a maldade dos homens: «Melhor que fique entregue à macacada; ao menos não vai nunca receber traições.» Foi assim até que Mussoco completou os oito anos. Então, vencido pela insistência do padre, ou porque naquela altura já se tivesse perdido de si próprio, João Maria pegou no filho e deixou-o à porta da Igreja Velha, atado de mãos e pés como se fosse um cabrito. Mussoco foi batizado com o nome de Jesus e passou a assistir o padre nos ofícios religiosos. Vestido de anjo, o menino depressa ganhou o pesado odor a incenso e a característica postura de voz de quem todos os dias convive com eclesiásticos. O padre, achando nele uma inteligência superior e um grande interesse pela vida dos santos, decidiu que brevemente o embarcaria com destino a Luanda, para frequentar o seminário. Porém, antes de tal acontecer, João Maria adoeceu com gravidade e mandando chamar o filho pediu-lhe que o acompanhasse nas suas últimas horas. Com o padre não queria nada: «Certa noite», disse, «fui dotado de um sonho fortíssimo e vi um homem cujo nunca conheci e trazia-se o dito vestido de branco resplandecente e a cara lhe brilhava como fora trovoada e nos ombros tinha duas grandes asas, belamente iluminadas. E disse-me este homem que quando chegar o momento de eu deixar este mundo — eu, João Maria Vieira de Carvalho —, em esse exato momento descerá uma preciosa multidão de anjos.»

E tendo dito isto morreu.

Mussoco ficou algum tempo aguardando os anjos. Mas passaram as horas, foram passando lentos os sucessivos dias e eles nunca vieram. No entanto, coisa espantosa, o corpo de João Maria também não dava sinais de corrupção, pelo contrário: a pele foi ficando mais lisa e mais brilhante; um riso nos dentes como que a troçar dos vivos. Os olhos abertos devolvendo intacta a grande luz do céu. Mussoco recusou-se a enterrar o pai. Mesmo quando o pároco apareceu em Calulo à frente de uma delegação de notáveis e primeiro lhe implorou e depois o ameaçou e a seguir, já de cabeça perdida, o tentou afastar para chegar junto do cadáver. Mussoco agarrou-o com os olhos: «Não, padre!», gritou. «Não faça isso!…»

E então o sacerdote viu que o rapaz tinha uma faca entre os dedos e percebeu que ele estava capaz de tudo. Foi-se embora e nunca mais voltou. Com o passar dos anos as pessoas acabaram por esquecer estes casos. Mussoco aparecia de vez em quando na feira, mas de todas elas sempre arredio, brusco de modos. Dizia-se à boca miúda que de tanto privar com os macacos se estava transformando em um deles: «Até cauda lhe nasceu.» Muita gente acreditava nisso.