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ANO DA FRALDA GERIÁTRICA DEPEND

Onde é que estava a mulher que disse que vinha. Ela disse que vinha. Erdedy achava que ela já teria vindo a essa altura. Ele ficou sentado e ficou pensando. Ele estava na sala de estar. Quando ele começou a esperar uma janela estava cheia de uma luz amarela e projetava uma sombra de luz no chão e ele ainda estava esperando quando a sombra começou a sumir e foi cercada por uma mais clara de uma janela de outra parede. Havia um inseto numa das prateleiras de aço que sustentavam o equipamento de áudio dele. O inseto ficava entrando e saindo de um dos buracos dos suportes em que se encaixavam as prateleiras. O inseto era escuro e tinha um invólucro brilhante. Ele ficava olhando para o inseto. Uma ou duas vezes começou a levantar para ir olhar mais de perto, mas teve medo de que se fosse mais perto e visse mais de perto ele fosse matar o inseto, e ele tinha medo de matar o inseto. Ele não usou o telefone para ligar para a mulher que tinha prometido vir porque se deixasse a linha ocupada e por acaso fosse a hora em que talvez ela estivesse tentando ligar para ele ela ia ouvir o sinal de ocupado e achar que ele não estava interessado e ficar brava e talvez levasse o que tinha prometido a ele para algum outro lugar.

Ela tinha prometido conseguir um quinto de um quilograma de maconha, 200 gramas de uma erva excepcionalmente boa, por $1250. Ele já tinha tentado parar de fumar maconha talvez umas 70 ou 80 vezes. Antes dessa mulher o conhecer. Ela não sabia que ele tinha tentado parar. Ele sempre aguentava uma semana ou duas, ou quem sabe dois dias, aí dava uma pensada e decidia comprar mais um pouco pela última vez. Uma última e definitiva vez em que ele ia procurar alguém novo, alguém a quem ainda não tivesse dito que precisava parar de fumar maconha e que por favor de maneira alguma ela devia conseguir mais erva pra ele. Tinha que ser um terceiro, porque ele tinha pedido que todos os traficantes que conhecia o cortassem das listas. E o terceiro tinha que ser alguém novinho em folha, porque toda vez que ele comprava ele sabia que aquela vez tinha que ser a última, portanto dizia isso a eles e lhes pedia, como um favor, que nunca mais lhe arranjassem mais erva, nunca. E ele nunca pedia de novo para uma pessoa depois de dizer isso a ela, porque era orgulhoso, e também era delicado, e não colocaria ninguém numa posição contraditória dessas. E também ele se considerava esquisito no que se referia à erva, e tinha medo de que os outros também vissem que ele era esquisito nesse campo. Ele ficou sentado e ficou pensando e esperando dentro de um X irregular de luz de duas janelas diferentes. Uma ou duas vezes olhou para o telefone. O inseto tinha desaparecido de novo no buraco do suporte de aço em que uma prateleira se encaixava.

Ela tinha prometido vir numa determinada hora, e já tinha passado daquela hora. Finalmente ele desistiu e ligou para o número dela, usando só áudio, e o telefone tocou várias vezes, e ele ficou com medo de quanto tempo estava ocupando a linha e ouviu a secretária eletrônica da mulher, a mensagem tinha um trechinho de música pop irônica e a voz dela e uma voz masculina juntas dizendo a gente já volta, e o “a gente” fazia eles parecerem um casal, o homem era um negro bonitão que estudava direito, ela era cenógrafa, e ele não deixou mensagem porque não queria que ela soubesse quanto ele estava sentindo que precisava daquilo. Ele tinha se mostrado bem nem aí com a coisa toda. Ela disse que conhecia um cara logo do outro lado do rio em Allston que vendia maconha com um alto teor de resina em quantidades medianas, e ele tinha bocejado e dito puxa, de repente, puxa vida, olha só, por que não, está certo, ocasião especial, eu nem lembro mais quanto tempo que eu não compro maconha. Ela disse que o cara morava num trailer e tinha lábio leporino e criava cobras e não tinha telefone, e não era basicamente o que daria para chamar de uma pessoa agradável ou atraente, não mesmo, mas que o cara de Allston vivia vendendo drogas para o pessoal do teatro em Cambridge, e tinha um séquito fiel. Ele disse que estava tentando pelo menos lembrar quando tinha sido a última vez que tinha comprado erva, de tanto tempo que fazia. Ele disse que achava que ia pedir pra ela pegar uma quantidade decente, disse que uns amigos andavam ligando pra ele ultimamente perguntando se ele conseguia alguma coisa pra eles. Às vezes ele tinha essa mania de dizer que estava comprando drogas basicamente para os amigos. Aí se a mulher não estivesse com a erva quando disse que ia estar pra poder passar pra ele e ele ficasse angustiado por causa disso ele podia dizer pra mulher que eram os amigos dele que estavam ficando angustiados, e que ele sentia muito por incomodar a mulher por uma coisa tão assim à toa, mas os amigos dele estavam angustiados e enchendo o saco dele por causa daquilo e ele só queria saber o que é que podia dizer pra eles, se desse. Ele estava entre a cruz e a caldeirinha, era como ele definia as coisas. Ele podia dizer que os amigos dele já tinham dado o dinheiro e que agora estavam ansiosos e fazendo pressão, ligando e enchendo o saco dele. Essa tática não era possível com essa mulher que tinha dito que vinha porque ele ainda não tinha lhe dado os $1250. Ela não deixou. Ela era bem-de-vida. A família dela era bem-de-vida, ela tinha dito isso para explicar como o prédio dela era bacana daquele jeito sendo que ela trabalhava projetando cenários para uma companhia de teatro de Cambridge que aparentemente só montava peças alemãs, uns cenários escuros e encardidos. Ela não dava muita bola pra dinheiro, disse que ia cobrir o custo ela mesma quando fosse até Allston Spur ver se o cara estava em casa no trailer como ela tinha certeza que ele estaria naquela determinada tarde, e ele podia simplesmente reembolsar a quantia quando ela trouxesse tudo para ele. Esse arranjo tão informal o tinha deixado ansioso, então ele tinha se mostrado ainda mais informal e dito claro, beleza, nem esquenta. Lembrando, agora, ele tinha certeza de que tinha dito nem esquenta, o que pensando bem o preocupava porque podia ter dado a impressão de que ele não estava nem ligando, não estava nem aí, tanto que nem ia fazer diferença se ela se esquecesse de ir pegar ou de ligar pra ele, e depois que ele tinha tomado a decisão de ter maconha em casa mais uma vez fazia muita diferença. Fazia muita diferença. Ele tinha sido tranquilo demais com a mulher, devia ter feito ela pegar os $1250 com ele já de cara, dizendo que era por educação, dizendo que não queria criar uma inconveniência financeira pra ela por uma coisinha tão trivial e tão à toa daquela. O dinheiro criava uma sensação de obrigação, e ele devia ter querido que aquela mulher se sentisse obrigada a fazer o que tinha dito, depois que o que ela tinha dito que ia fazer tinha dado partida no motor dele. Depois que o motor dele tinha dado partida, aquilo fazia tanta diferença que ele de alguma maneira tinha medo de mostrar quanta diferença fazia. Depois que ele tinha pedido pra ela ir pegar, ele se obrigava a vários procedimentos. O inseto da prateleira estava de volta. Ele parecia não fazer muita coisa. Só saía do buraco do suporte para a borda da prateleira de aço e ficava lá parado. Depois de um tempo ele desaparecia de novo no buraco do suporte, e ele quase podia apostar que o inseto também não fazia nada lá dentro. Ele se sentia parecido com o inseto dentro do suporte em que se encaixava a sua prateleira, mas não sabia exatamente como. Depois que tinha decidido ter maconha mais uma última vez, ele ia se ver obrigado a vários procedimentos. Precisava contatar a agência via modem e dizer que tinha havido uma emergência e que ele ia deixar um e-note no TP de uma colega pedindo que ela cuidasse das ligações dele o resto da semana porque ele não ia ter como se comunicar por vários dias devido àquela emergência. Ele precisava gravar uma mensagem na sua secretária eletrônica dizendo que a partir daquela tarde ele ia estar fora de circulação por vários dias. Precisava limpar o banheiro, porque depois que estivesse com a erva ele não ia sair do quarto a não ser para ir à geladeira e ao banheiro, e mesmo nesses casos iam ser viagens muito rápidas. Ele precisava jogar fora toda a cerveja e as bebidas da casa, porque se bebia álcool e fumava maconha ao mesmo tempo ele ficava tonto e nauseado, e se tivesse álcool em casa ele não podia confiar que não ia beber depois que começasse a fumar maconha. Precisava fazer compras. Precisava estocar mantimentos. Agora só uma antena do inseto protuberava do buraco no suporte. Ela protuberava, mas não se mexia. Ele precisava comprar refrigerante, bolacha Oreo, pão, presunto, maionese, tomate, M&M’s, biscoito caseiro de supermercado, sorvete, um bolo de chocolate congelado Pepperidge Farm e quatro latas de cobertura de chocolate para ser comida com uma colher grande. Ele precisava fazer um pedido para alugar cartuchos de filmes no entreposto de entretenimento da InterLace. Precisava comprar antiácido para o desconforto que comer tudo que ia comer lhe causaria altas horas da noite. Precisava comprar um bong novo, porque toda vez que acabava com o que simplesmente ia ser a sua última compra grande de maconha, que decidia chega, acabou, que ele nem gostava mais daquilo, acabou, chega de se esconder, chega de abusar dos colegas e de colocar mensagens diferentes na secretária eletrônica, de levar o carro para fora do condomínio e fechar as janelas, as cortinas, as venezianas e viver em vetores velozes entre os filmes do teleputador da InterLace no quarto e a geladeira e o banheiro, ele pegava o bong que tinha usado e jogava fora enrolado em várias sacolas plásticas de compras. A geladeira dele fazia gelo sozinha nuns crescentezinhos nublados que ele adorava, e quando tinha erva em casa ele sempre bebia um monte de refrigerante gelado e de água gelada. A língua dele quase inchava só de pensar. Ele olhou para o telefone e para o relógio. Olhou para as janelas, mas não para as plantas e o asfalto da rua do outro lado das janelas. Ele já tinha passado aspirador nas venezianas e nas cortinas, tudo estava pronto para ser fechado. Depois que a mulher que tinha dito que vinha viesse, ele ia fechar para balanço. Surgiu-lhe a ideia de que ele ia desaparecer no buraco de um suporte dentro dele que sustentava alguma coisa dentro dele. Ele não sabia direito o que era essa coisa dentro dele e não estava preparado para se obrigar aos procedimentos que seriam necessários para explorar a questão. Já passavam quase três horas da hora que a mulher tinha dito que vinha. Um terapeuta, Randi, com i, com um bigode de Polícia Montada, tinha lhe dito no programa ambulatorial que ele tinha frequentado havia dois anos que ele parecia insuficientemente comprometido com os procedimentos que seriam necessários para tirar as drogas do seu estilo de vida. Ele foi obrigado a comprar um bong novo na Bogart’s da Porter Square, em Cambridge, porque toda vez que acabava com toda a erva que tinha à mão ele sempre jogava fora todos os bongs, as maricas, os filtros e tubos, as sedas, Visine, Pepto-Bismol, bolachas e coberturas, para eliminar toda tentação futura. Ele sempre tinha uma sensação de otimismo e de resoluta determinação depois de se livrar dos materiais. Ele tinha comprado o bong novo e comprado mantimentos frescos de manhã, voltando para casa com tudo bem antes de quando a mulher tinha dito que vinha. Ele pensou no bong novo e no pacotinho de filtros redondos de latão na sacola da Bogart’s em cima da mesa da cozinha na cozinha ensolarada e não conseguiu se lembrar de que cor era esse bong novo. O último tinha sido laranja, o anterior era de um rosa meio escuro que ficou lamacento no fundo em meros quatro dias por causa da resina. Ele não se lembrava da cor desse novo e derradeiro bong. Pensou em levantar para ir ver a cor do bong que passaria a usar, mas achou que verificações obsessivas e movimentos convulsos comprometeriam a atmosfera de calma despreocupada que ele precisava manter enquanto esperava, protuberando mas sem se mexer, pela mulher que ele tinha conhecido numa reunião de design para a pequena campanha que a agência dele estava fazendo para o novo festival de Wedekind da pequena companhia de teatro dela, enquanto esperava que aquela mulher, com quem ele tinha feito sexo duas vezes, cumprisse sua promessa informal. Ele tentou definir se a mulher era bonita. Outra coisa que ele tinha estocado quando se comprometeu com a ideia de um último período de férias com maconha era vaselina. Quando fumava ele tendia a se masturbar pacas, houvesse ou não oportunidades para sexo, optando sempre que fumava maconha pela masturbação e não pelo sexo, e a vaselina evitava que ele voltasse às suas funções normais todo machucado e dolorido. Ele também estava hesitando em levantar e ir dar uma olhada na cor do bong porque teria que passar bem na frente do console telefônico para chegar à cozinha, e não queria se ver tentado a ligar de novo para a mulher que tinha dito que vinha porque ia se achar muito esquisito de encher o saco dela por causa de uma coisa que ele tinha dado a impressão de que era supertranquila, e tinha medo de que vários áudios dele desligando na secretária eletrônica da mulher fossem parecer ainda mais esquisitos, e ele ainda ficava meio angustiado com a possibilidade de ocupar a linha bem na hora em que ela ligasse, como certamente ligaria. Ele decidiu acrescentar Chamada em Espera ao seu serviço telefônico de voz por uma taxa extra irrisória, e aí lembrou que como esta era definitivamente a última vez que ele ia ou até podia ceder ao que Randi, com i, tinha chamado de um vício absolutamente tão devastador quanto o alcoolismo puro e simples, não haveria necessidade real de ter Chamada em Espera, já que uma situação como a atual nunca mais ia acontecer de novo. Essa linha de raciocínio quase fez com que ele ficasse com raiva. Para garantir a compostura com que estava sentado esperando sob a luz na sua cadeira ele concentrou seus sentidos no ambiente em torno. Nenhum pedaço do inseto que ele tinha visto estava visível agora. Os cliques do seu relógio portátil na verdade eram compostos de três cliques menores, que significavam pelo que ele podia supor preparação, movimento e reacomodação. Ele começou a sentir repulsa por si próprio por esperar tão angustiado pela prometida chegada de uma coisa que de qualquer maneira já nem era mais legal. Ele nem sabia mais por que gostava de fumar. Aquilo o deixava de boca seca e de olhos secos e vermelhos e fazia a cara dele ficar frouxa, e ele odiava quando ficava com a cara frouxa, era como se toda a integridade de todos os músculos de seu rosto fosse erodida pela maconha, e ele ficava horrendamente consciente do fato de que a sua cara estava ficando frouxa, e já tinha se proibido fazia muito tempo de fumar maconha na frente de qualquer pessoa. Ele nem sabia mais qual era o barato daquilo. Nem podia ficar perto de alguém se tivesse fumado maconha no mesmo dia, de tão obsessivo que ficava. E a erva muitas vezes lhe provocava uma dolorosa crise de pleurisia se ele fumasse pesado mais de dois dias seguidos na frente do monitor da InterLace no quarto. A maconha fazia as suas ideias apontarem em ângulos quebrados e o deixava com um olhar fixo e encantado como uma criança nada inteligente vendo cartuchos de entretenimento — quando ele estocava cartuchos de filmes para umas férias com maconha, dava preferência a cartuchos em que várias coisas explodissem e batessem umas nas outras, o que ele tinha certeza que um especialista em fatos desagradáveis como o Randi apontaria que aquilo implicava coisas que não eram boas. Ele puxou e ajeitou a gravata enquanto reorganizava o intelecto, a disposição, o autoconhecimento e a convicção e determinava que quando essa mais recente mulher viesse como certamente viria, esta seria simplesmente a sua última orgia de maconha. Ele ia simplesmente fumar tanto e tão rápido que ia ser tão desagradável e a lembrança daquilo tudo ia ser tão repulsiva que depois que tivesse consumido aquela quantidade e tirado aquilo tudo da casa e da vida dele o mais rápido possível ele nunca mais ia querer fazer uma coisa daquela de novo. Ele ia fazer questão de criar um péssimo conjunto de associações orgiásticas com a maconha na sua memória. A droga era uma coisa assustadora. Ele tinha medo. Não que tivesse medo da droga, é que fumar deixava ele com medo de tudo. Fazia tempo que aquilo não era mais um relaxamento, ou um alívio, ou uma diversão. Nesta última vez, ele ia fumar todos os 200 gramas — 120 gramas limpos e dechavados — em quatro dias, mais de uma onça por dia, tudo em tapas pesados com um bong virgem de boa qualidade, uma quantidade incrível, insana, por dia, ele ia embarcar numa missão, tratar aquilo como uma penitência e um regime de transformação comportamental ao mesmo tempo, ia queimar trinta gramas de altos teores por dia, começando na hora em que acordasse e usasse água gelada para desgrudar a língua do céu da boca e tomasse um antiácido — e cumprindo uma média de 200 a 300 tapas compridos por dia, uma quantidade insana e deliberadamente desagradável, e ele ia embarcar numa missão de fumar sem parar, ainda que, se a maconha fosse mesmo tão boa quanto a mulher dizia, ele fosse dar cinco tapas e aí não querer se dar ao trabalho de preparar outro por pelo menos uma hora. Mas ele ia se forçar a fumar mesmo assim. Ia fumar até se não quisesse. Até se começasse a ficar tonto e nauseado. Ele ia usar disciplina e persistência e força de vontade e ia transformar aquilo tudo numa coisa tão desagradável, tão degradada e pervertida e desagradável, que o comportamento dele dali em diante se modificaria, ele nunca mais ia querer fazer aquilo de novo porque a lembrança dos quatro dias insanos por vir estaria assim muito firme, terrivelmente gravada na memória dele. Ele ia se curar pelo excesso. Ele previu que a mulher, quando viesse, podia querer fumar um pouco dos 200 gramas com ele, ficar de bobeira, encostar, ouvir um pouco da sua impressionante coleção de gravações de Tito Puente, e provavelmente fazer sexo. Ele nunca, jamais, tinha chegado efetivamente a fazer sexo chapado de maconha. Francamente, a ideia era repulsiva para ele. Duas bocas secas se trombando, tentando um beijo, a neura fazendo as ideias dele se enroscar em si próprias como uma cobra numa vara enquanto ele se remexia e fungava seco em cima dela, com os olhos inchados e vermelhos e a cara tão frouxa que suas dobras moles talvez tocassem, caídas, as dobras do rosto frouxo dela que transbordava pra lá e pra cá no travesseiro dele, com a boca se remexendo seca. A ideia era repulsiva. Ele decidiu que ia fazer ela lhe jogar o que tinha prometido trazer, e aí ia jogar para ela de longe os $1250 em notas grandes e lhe dizer pra não deixar a porta bater na bunda na saída. Ele ia dizer traseiro em vez de bunda. Ele ia ser tão grosso e desagradável com ela que a lembrança da falta de decência básica dele e do rosto dela, tenso e ofendido, seria sempre um desestímulo a mais, no futuro, para ele correr o risco de ligar para ela e repetir os procedimentos a que agora estava obrigado.

Ele nunca tinha ficado tão ansioso pela chegada de uma mulher que não queria ver. Ele lembrava nitidamente da última mulher que tinha envolvido numa tentativa sua de mais umas férias com maconha e cortinas fechadas. A última mulher tinha sido uma coisa chamada artista de apropriação, o que aparentemente significava que ela copiava e enfeitava outras obras de arte e aí vendia através de uma prestigiada galeria da Marlborough Street. Ela escreveu um manifesto artístico que envolvia temas feministas radicais. Ele tinha permitido que ela lhe desse uma das suas pinturas menores, que cobria metade da parede acima da cama dele e era de uma famosa atriz de cinema cujo nome ele sempre penava para lembrar e de um ator de cinema menos famoso, os dois enroscados numa cena de um filme antigo bem conhecido, uma cena romântica, um abraço, copiado de um manual de história do cinema e muito ampliado e entortado, e com palavrões rabiscados por tudo ali com letras vermelho-vivas. A última mulher era sexy mas não bonita, como a mulher que ele não queria ver mas estava esperando ansiosamente era bonita de um jeito chocho e cambridgiano que a fazia parecer bonita mas não sexy. Ele tinha levado a artista de apropriação a acreditar que ele era um ex-viciado em cristal, dependência de cloridrato de metanfetamina1 via endovenosa é o que ele lembra de ter dito a ela, ele chegou até a descrever o gosto horroroso de cloridrato na boca do viciado imediatamente depois do pico, pois tinha pesquisado o assunto com cuidado. E ele ainda tinha levado a artista a acreditar que a maconha evitava que ele usasse a droga com que realmente tinha problemas, e portanto se ele parecia angustiado para conseguir um pouco de erva depois que ela tinha prometido conseguir um pouco de erva para ele era só porque estava heroicamente contendo impulsos químicos mais negros e mais profundos e precisava que ela lhe desse uma mãozinha. Ele não lembrava direito quando ou como ela ficou com todas essas impressões. Ele não tinha sentado e mentido descaradamente na cara dela, tinha sido mais uma impressão que ele tinha passado e alimentado e permitido que ganhasse força e vida próprias. O inseto agora estava inteiramente visível. Ele estava na prateleira que sustentava o seu equalizador digital. Pode até ser que o inseto nunca tenha se recolhido totalmente ao buraco no suporte da prateleira. O que parecia uma reemersão podia ser só uma mudança na atenção dele ou na luz das duas janelas ou no contexto visual circunstante. O suporte protuberava da parede e era um triângulo de aço fosco com buracos em que se encaixavam as prateleiras. As prateleiras de metal que sustentavam o seu equipamento de áudio eram pintadas de um verde-escuro industrial e tinham sido originalmente feitas para abrigar enlatados. Foram planejadas para ser prateleiras adicionais numa cozinha. O inseto estava ali parado dentro do seu invólucro brilhante com uma imobilidade que parecia a de uma força que se acumulava, ele estava ali parado como a carcaça de um veículo cujo motor tivesse sido temporariamente removido. Era escuro e tinha um invólucro brilhante e antenas que protuberavam mas não se mexiam. Ele tinha que usar o banheiro. O seu último contato com a artista de apropriação, com quem ele tinha feito sexo e que durante o sexo tinha espirrado algum tipo de perfume no ar com um borrifador que segurava na mão esquerda enquanto estava deitada embaixo dele fazendo uma ampla gama de sons e borrifando perfume no ar, tanto que ele sentiu aquela névoa fria pousando em suas costas e ombros e ficou gelado e sentiu repulsa, o último contato depois que ele tinha se ocultado com a maconha que ela conseguiu para ele tinha sido um cartão enviado por ela que era uma foto paródica de um capacho de grama plástica verde e tosca com a inscrição BEM-VINDO e ao lado dele uma foto publicitária bem produzida da artista de apropriação, da galeria dela na Back Bay, e entre elas um sinal de diferente, que era um sinal de igual cortado por uma barra diagonal, e ainda um palavrão que ele tinha concluído ser dirigido a ele maiusculado a lápis de cera no pé do cartão, com múltiplos pontos de exclamação. Ela ficou ofendida porque eles tinham se visto todo dia durante dez dias, e aí quando ela finalmente lhe conseguiu 50 gramas de maconha hidropônica geneticamente modificada ele disse que ela tinha salvado a vida dele e que ele agradecia muito e que os amigos para quem ele tinha prometido conseguir erva agradeciam muito e que ela precisava ir embora agora mesmo porque ele tinha um compromisso e precisava se mandar, mas que ele com certeza ligava pra ela mais tarde, e eles trocaram um beijo molhado, e ela disse que podia sentir o coração dele batendo do outro lado do paletó, e ela foi embora com o seu carro enferrujado e sem silencioso e ele foi levar seu próprio carro para um estacionamento subterrâneo a várias quadras dali, e voltou correndo, fechou as persianas e as cortinas, trocou a mensagem da secretária eletrônica por uma que falava de uma viagem de emergência para outra cidade, fechou e travou o blecaute do quarto, tirou seu novo bong cor-de-rosa da sacolinha da Bogart’s, e não foi mais visto por três dias; ignorou mais de vinte mensagens de voz, protocolos e e-notes manifestando preocupação pela viagem de emergência dele, e nunca mais entrou em contato com ela. Ele torceu para que ela deduzisse que ele tinha sucumbido mais uma vez ao cloridrato de metanfetamina e que ela na verdade estava sendo poupada da agonia da queda dele, de volta ao inferno da dependência química. O que de fato aconteceu foi que ele tinha novamente decidido que aqueles cinquenta gramas de erva entupida de resina, que era tão forte que no segundo dia lhe causou um ataque de ansiedade tão paralisante que ele tinha ido ao banheiro num caneco de cerâmica com o símbolo da Universidade Tufts para não ter que sair do quarto, representavam a sua ultimíssima orgia com maconha, e que ele precisava cortar todas as possíveis e futuras fontes de tentação e de fornecimento, e isso certamente incluía a artista de apropriação, que tinha chegado com a erva pontualmente no horário combinado, ele lembrava. Da rua lá fora vinha o som de uma lixeira sendo esvaziada numa carreta da DRE. A vergonha dele pelo que ela por outro lado podia interpretar como uma nojenta atitude falocêntrica com ela também tornava ainda mais fácil para ele evitá-la. Ainda que não fosse bem por vergonha. Era mais por ficar incomodado com a ideia. Ele teve que lavar a roupa de cama duas vezes para tirar o cheiro do perfume. Ele entrou no banheiro para ir ao banheiro, fazendo questão de não olhar nem para o inseto visível na prateleira à esquerda nem para o console telefônico em cima da escrivaninha laqueada à direita. Ele estava decidido a não encostar em nenhum dos dois. Onde é que estava a mulher que tinha dito que vinha. O bong novo na sacolinha da Bogart’s era laranja, o que significava que ele podia ter lembrado errado que o bong anterior era laranja. Era um laranja-escuro e outonal que ficava mais para um laranja-cítrico quando o cilindro plástico era posto contra a luz do fim de tarde da janela acima da pia da cozinha. O metal do gargalo e do bojo era um aço inox grosseiro, do tipo que tem textura, deselegante e totalmente sem frescura. O bong tinha meio metro de altura e uma base com peso, coberta de um veludo falso macio. O plástico laranja era grosso e o carburador do lado oposto ao do gargalo tinha sido cortado meio à faca de modo que lasquinhas ásperas de plástico protuberavam do buraco e podiam muito bem machucar o polegar dele quando fumasse, o que ele decidiu considerar simplesmente uma parte da penitência que começaria a pagar assim que a mulher tivesse chegado e ido embora. Ele deixou a porta do banheiro aberta para não correr o risco de não ouvir o telefone quando ele tocasse ou o interfone da porta da frente do complexo de prédios quando ele tocasse. No banheiro a garganta dele repentinamente fechou e ele chorou forte por dois ou três segundos antes do choro parar de repente e ele não conseguiu fazer começar de novo. Agora já tinham passado quatro horas do horário em que a mulher tinha informalmente se comprometido a vir. Estivesse ele no banheiro ou na cadeira junto da janela e ao lado do console telefônico e do inseto e da janela que tinha deixado entrar uma barra retangular direta de luz quando ele começou a esperar. A luz que entrava pela janela estava ficando num ângulo cada vez mais oblíquo. Sua sombra se tornara um paralelogramo. A luz que entrava pela janela sudoeste era direta e avermelhada. Ele tinha achado que precisava usar o banheiro, mas não conseguiu. Tentou pôr uma pilha inteira de cartuchos de filmes no deck do drive de discos e aí ligar o imenso teleputador do quarto. Ele podia ver a obra de arte apropriativa no espelho acima do TP. Baixou todo o volume e apontou o controle remoto para o TP meio como se fosse uma arma. Sentou na beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e deu uma olhada nos cartuchos da pilha. Cada cartucho no deck caía quando ele mandava e começava a se conectar ao drive com um estalo entomológico e um zumbido, e ele dava uma olhada. Mas não conseguia se distrair com o TP porque não conseguia ficar com nenhum cartucho de entretenimento por mais de alguns segundos. Assim que reconhecia o que havia num cartucho ele tinha uma forte sensação de angústia, de que havia algo mais divertido em outro cartucho e que ele estava potencialmente perdendo aquilo. Percebeu que teria tempo mais que suficiente para curtir todos os cartuchos, e percebeu racionalmente que a sensação de pânico e privação por ter perdido alguma coisa não fazia sentido. O monitor ficava preso à parede e tinha metade do tamanho da obra de arte feminista. Ele ficou um tempo dando uma olhada nos cartuchos. O console telefônico tocou durante esse intervalo de exame ansioso. Ele já estava indo na direção do aparelho antes que o primeiro toque se encerrasse, inundado por uma empolgação ou um alívio, com o controle remoto do TP ainda na mão, mas era só uma pessoa do trabalho que estava ligando, e quando ouviu a voz que não era a mulher que tinha prometido trazer o que ele tinha se decidido a banir para sempre da sua vida nos próximos dias ele quase sentiu náuseas de tão desapontado, com uma grande quantidade de adrenalina desnecessária cintilando e ressoando dentro dele, e desligou tão rápido o telefonema da pessoa do trabalho para liberar a linha e deixá-la livre para a mulher, que teve certeza que a pessoa ficou com a impressão de que ele ou estava furioso ou simplesmente tinha sido grosseiro. Ele ainda se incomodou com a ideia de que ter atendido o telefone assim tão tarde não batia com a mensagem de emergência que falava que ele não ia poder ser encontrado e que estaria na sua secretária eletrônica se a pessoa ligasse de novo depois que a mulher tivesse chegado e ido embora e ele tivesse fechado totalmente a vida para balanço, e ele estava de pé na frente do console telefônico tentando decidir se o risco da pessoa do trabalho ou mais alguém da agência ligar de novo bastava para justificar a troca da mensagem da secretária eletrônica falando de uma partida de emergência hoje à noite em vez de hoje à tarde, mas decidiu que como a mulher tinha dado certeza que viria o fato dele não mudar a mensagem seria um gesto de confiança no comprometimento dela e podia até fortalecer de alguma forma enviesada esse comprometimento. A carreta da DRE estava esvaziando lixeiras por toda a rua. Ele voltou para a cadeira da janela. O drive de discos e o monitor do TP ainda estavam no quarto e ele conseguia ver pelo canto da porta aberta do quarto as luzes da tela de alta definição piscando e mudando de uma cor primária para outra no cômodo escuro, e ficou um tempo matando tempo despreocupadamente tentando imaginar as cenas divertidas no monitor abandonado que as cores e intensidades mutantes podiam representar. A cadeira estava virada para a sala e não para a janela. Ler enquanto esperava a maconha estava fora de cogitação. Ele considerou a ideia de se masturbar, mas não se masturbou. Nem chegou tanto a rejeitar a ideia, foi mais que não reagiu a ela e ficou olhando ela ir embora boiando. Ele pensou muito generalizadamente em desejos e ideias que eram observados, mas que não levavam à ação, pensou em impulsos que morriam de fome por falta de expressão e secavam e saíam boiando secos, e sentiu em algum nível que isso tinha alguma coisa a ver com ele e com as circunstâncias dele e com o quê, se essa esgotante orgia final com que ele estava comprometido de alguma maneira não resolvesse o problema, certamente teria que ser chamado de problema, mas nem começou a tentar ver como a imagem dos impulsos desidratados boiando secos se ligava fosse a ele fosse ao inseto, que tinha se recolhido de novo ao buraco no suporte angulado, porque naquele preciso momento o telefone e o interfone da porta tocaram ao mesmo tempo, ambos alto e tão torturada e abruptamente que soavam como algo puxado violentamente por um buraco muito pequeno para dentro do grande balão de silêncio colorido em que ele estava sentado, esperando, e ele foi primeiro na direção do console telefônico, e aí na direção do módulo do interfone, e aí convulsamente de novo na direção do telefone que tocava, e aí tentou de alguma forma ir na direção dos dois ao mesmo tempo, de modo que ficou ali de pernas escancaradas, braços enlouquecidamente esticados como se alguma coisa tivesse sido arremessada, estatelado, inumado entre os dois sons, sem uma só ideia na cabeça.

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1o DE ABRIL — ANO DO EMPLASTRO MEDICINAL TUCKS

“Só sei que o meu pai falou pra eu vir aqui.”

“Entre. Você vai ver uma cadeira bem à sua esquerda.”

“Aí eu vim.”

“Ótimo. Uma Seven-Up? Quem sabe um refrigerante de limão?”

“Acho que não, obrigado. Eu só vim aqui, só isso, e estou meio que imaginando por que o meu pai me mandou aqui, sabe? Não tem nada ali na sua porta, e eu acabei de ir ao dentista na semana passada, e aí eu estou pensando por que exatamente eu estou aqui, só isso. É por isso que eu ainda não sentei.”

“Você tem que idade, Hal? Catorze?”

“Eu faço onze em junho. Você é dentista? Isso é tipo uma consulta de dentista?”

“Você está aqui para conversar.”

“Conversar?”

“Sim. Perdoe eu insistir nessa questão da idade. Por alguma razão seu pai pôs catorze anos na sua ficha.”

“Conversar tipo com você?”

“Você está aqui para conversar comigo, Hal, isso mesmo. Eu estou quase tendo que implorar que você aceite um refrigerante de limão. A sua boca está fazendo aqueles barulhos secos, grudentos de salivação.”

“O dr. Zegarelli diz que uma das razões dessas cáries todas é eu ter um baixo influxo salivar.”

“Aqueles barulhos dessalivados secos e grudentos que podem ser a morte de uma boa conversa.”

“Mas eu vim de bicicleta até aqui pedalando contra o vento só pra conversar com você? Será que a conversa não devia começar comigo perguntando por quê?”

“Eu vou começar perguntando se você conhece o significado de implorar, Hal.”

“Provavelmente eu vou acabar aceitando uma Seven-Up, então, se você vai implorar.”

“Eu vou lhe perguntar de novo, meu jovem, se o senhor acaso conhece implorar.”

“Senhor?”

“Você está usando essa gravata-borboleta, afinal. Isso não é um belo convite a um senhor?”

“Implorar é um verbo regular, transitivo: invocar, suplicar; pedir instantemente, rogar. Sinônimo fraco: pedir. Sinônimo forte: exorar. Etimologia incontroversa: do latim implorare, onde im significa em, plorare significa, neste contexto, gritar em altos brados. OED condensado, volume seis, página 1387, coluna doze e um tiquinho da treze.”

“Santo Deus, ela não exagerou, não é?”

“Eu tendo a levar umas surras às vezes na academia por essas coisas. Isso tem alguma relação com o motivo de eu estar aqui? O fato de eu ser um tenista júnior continentalmente ranqueado que também sabe recitar grandes trechos do dicionário, verbatim, quando quiser, e que tende a levar surras e usa gravata-borboleta? Você é tipo um especialista em superdotados? Isso quer dizer que eles acham que eu sou superdotado?”

SPFFFT. “Toma. Bebe tudo.”

“Obrigado. CHULGCHULGSPAHHH… Uff. Ah.”

“Você estava com sede mesmo.”

“Mas aí se eu sentar você vai me explicar?”

“… conversador profissional há de entender de mucosas, afinal.”

“Pode ser que eu tenha que arrotar daqui a pouco, por causa do refri. Eu estou avisando antecipadamente.”

“Hal, você está aqui porque eu sou um conversador profissional e seu pai marcou um consulta para você comigo, para conversar.”

MIÂRP. Desculpa.”

Tap tap tap tap.

CHULGSPAHHH.”

Tap tap tap tap.

“Você é um conversador profissional?”

“Sou, eu sou sim, como eu acredito que acabei de dizer, um conversador profissional.”

“Não comece a olhar pro relógio, como se eu estivesse ocupando o seu valioso tempo. Se Sipróprio marcou uma consulta e pagou por ela o tempo devia ser meu, certo? Não seu. E aí, mas o que é que isso quer dizer? ‘Conversador profissional’? Um conversador é alguém que conversa muito. Você cobra mesmo honorários pra conversar muito?”

“Um conversador também é alguém que, eu tenho certeza de que você se recorda, ‘excele na conversação’.”

“Isso é a sétima edição do Webster. Não é o OED.”

Tap tap.

“Eu sou um cara do OED, doutor. Se é isso que você é. Você é doutor? Você tem um doutorado? A maioria das pessoas, pelo que eu percebi, gosta de pendurar os diplomas na parede se tem alguma credencial. E a sétima do Webster não está nem atualizada. A oitava do Webster emenda para ‘quem conversa com muito entusiasmo’.”

“Outra Seven-Up?”

“Será que Sipróprio ainda está tendo aquela alucinação de que eu nunca falo? Foi por isso que ele convenceu a Mães a me mandar de bike até aqui? Sipróprio é o meu pai. A gente chama ele de Sipróprio. Tipo aspas ‘o homem em si próprio’. Tipo assim. A gente chama a minha mãe de Mães. Meu irmão que inventou a palavra. Eu compreendo que isso não é incomum. Eu compreendo que a maioria das famílias mais ou menos normais se refere uns aos outros por meio de hipocorísticos, expressões e apelidos. Nem pense em me perguntar qual é o meu apelidinho familiar.”

Tap tap tap.

“Mas Sipróprio tem umas alucinações às vezes, ultimamente, você deve ficar a par disso, era essa a ideia. Eu fico aqui imaginando por que a Mães deixou ele me mandar pedalando até aqui montanha acima contra o vento se eu tenho um jogo desafio às três pra conversar com um entusiasta com uma porta em branco e sem diplomas onde quer que eu olhe.”

“Eu, no meu modesto ponto de vista, gostaria de pensar que isso tem tanto a ver comigo quanto com você. Que a minha reputação me precedeu.”

“Isso não é normalmente uma expressão pejorativa?”

“É superdivertido conversar comigo. Eu sou um ótimo profissional. As pessoas saem da minha sala extasiadas. Você está aqui. É hora da conversa. Vamos discutir material erótico bizantino?”

“Como é que você sabia que eu estava interessado em material erótico bizantino?”

“Parece que você continua me confundindo com alguém que pendura uma plaquinha com a palavra Conversador, e continua confundindo essa profissão com alguma picaretagem ajambrada com chiclete e barbante. Você acha que eu não tenho assistentes? Pesquisadores sob meu comando? Você acha que não sondamos denodadamente a psique daqueles com quem temos conversas agendadas? Não acha que essa sociedade limitada de excelente reputação teria seus interesses em conseguir dados sobre o que informa e estimula nossos conversantes?”

“Eu só conheço uma pessoa que usaria denodadamente numa conversa informal.”

“Não há nada de informal em um conversador profissional e sua equipe. Nós sondamos. Nós obtemos, e com sobras, meu jovem senhor.”

“Beleza. Alexandrina ou constantiniana?”

“Você acha que não pesquisamos com profundidade sua ligação com toda a atual crise intraprovincial no sul do Québec?”

“Que crise intraprovincial no sul do Québec? Eu achei que você quisesse falar de mosaicos picantes.”

“Nós estamos num bairro de classe alta de uma vital metrópole norte-americana, Hal. Os padrões aqui são de classe alta, elevados. Um conversador profissional abertamente, denodadamente, sonda. Será que você, por um só momento, pensa que um seguidor profissional do ramo da conversação deixaria de verificar minuciosamente a sórdida ligação da sua família com o notório M. DuPlessis, da Resistência pan-canadense e sua malévola mas notoriamente irresistível amanuense-e-cooperadora, Luria P ?”

“Olha, você está bem?”

Pensa?

“Eu tenho dez anos, pelo amor do santo. Eu acho que de repente os quadradinhos da sua agenda de consultas se misturaram. Eu sou o prodígio lexical e tenístico possivelmente superdotado de dez anos cuja mãe é uma agitadora de alto nível do mundo acadêmico da gramática prescritiva e cujo pai é uma figura de grande estatura nos círculos da ótica e do cinema de vanguarda e, sozinho, fundou a Academia de Tênis Enfield, mas bebe uísque tipo às 5:00 da manhã e cai adernado durante os primeiros treinos do dia, nas quadras, às vezes, e às vezes vem com umas ilusões que as bocas das pessoas estão mexendo mas sem sair som nenhum. Eu ainda nem cheguei no J, no OED condensado, que dirá Québec ou Lurias malévolas.”

“… do fato das fotos dos supramencionados… ligação que vazou para o Der Spiegel e resultou nas mortes bizarras de um paparazzo de Ottawa e de um editor internacional bávaro, por um bastão de esqui que atravessou seu abdome e uma cebolinha de coquetel que desceu pelo lado errado, respectivamente?”

“Eu acabei de terminar jew’s-ear. Estou só começando jew’s-harp e a teoria geral dos berimbaus de boca. Eu nunca nem esquiei.”

“Que você ousasse imaginar que nós não chegaríamos, conversacionalmente, a contemplar certos, digamos, encontros… maternais com determinado oboísta bissexual anônimo da unidade de guerrilhas táticas da Guarda Secreta Albertana?”

“Meu Jesus, aquilo que eu estou vendo ali é a saída?”

“… que a sua leviana desatenção com os festins gramaticais da sua própria mãe com não um ou dois, mas mais de trinta adidos médicos do Oriente Médio…?”

“Será que seria muito indelicado eu dizer que o seu bigode está torto?”

“… que o fato dela ter introduzido esteroides mnemônicos esotéricos, nada diferentes estereoquimicamente do suplemento “megavitamínico” hipodérmico do seu próprio pai, derivado de certo composto de regeneração testosterônica orgânica destilado pelos xamãs Jivaros da bacia Sul-Central de L.A. na sua tigela de cereal matinal de aparência inocente…”

“Pra falar a verdade eu vou acabar lhe dizendo que o seu rosto todo meio que está escorrendo, tipo assim, se você quiser saber. O seu nariz está apontando pra virilha.”

“Que a composição dos materiais de fórmulas supersecretas das suas raquetes de tênis grandes Dunlop abre-aspas “de cortesia” fecha-aspas à base de resina de polibutileno de policarbonato reforçado por grafite de alta resistência é organoquimicamente idêntica repito idêntica ao sensor de equilíbrio giroscópico e ao cartão de apropriação de mise-en-scène e ao cartucho de entretenimento-priápico implantados no cerebrum anaplástico do seu próprio pai de grande estatura depois da cruel série de desintoxicações e alisamentos de circunvoluções e gastrectomia e prostatectomia e pancreatectomia e faluctomia por que ele passou…”

Tap tap. “CHULGSPAHH.”

“… teriam a possibilidade de escapar à conjunta atenção investigativa de…?”

“E acaba de me ocorrer que sem dúvida nenhuma eu já vi esse colete de lã xadrez. É o colete de lã xadrez especial para o jantar-celebratório-do-Dia-da-Interdependência de Sipróprio, que ele faz questão de nunca deixar lavarem. Eu conheço essas manchas. Eu estava lá quando essa mancha de vitela ao molho marsala apareceu ali. Essa consulta toda é alguma coisa de datas? É primeiro de abril, Pai, ou eu tenho que chamar a Mães e o C.T.?”

“… que requer apenas provas diárias de que você fala? De que você reconhece o eventual panorama além da ponta carnuda do seu nariz Mondragonoide?”

“Você alugou um escritório inteiro e uma cara inteira pra isso aqui, mas ficou com o seu velho e inconfundível colete? E como foi que você chegou aqui antes de mim, pra começar, se o Mercury está parado quadras lá atrás… você enrolou o C.T. pra ele lhe dar a chave de um carro da academia?”

“Que rezava diariamente para que viesse o dia em que o seu querido e falecido pai sentasse, tossisse, abrisse aquela porra daquele número do Tucson Citizen e não transformasse aquele jornal na quinta parede da sala? E que depois de todo esse estrondo e esse escândalo parece ter gerado o mesmo silêncio?”

“…”

“Que passou toda a porra da modorra da pachorra da sua vida em salas com cinco paredes?”

“Pai, eu tenho um jogo marcado com o Schacht tipo em doze minutos, com ou sem vento nas minhas costas morro abaixo. Tem esse berimbáulogo que vai estar na frente do Brighton Best Savings usando uma gravata pré-combinada às cinco em ponto. Eu vou ter que cuidar do jardim dele por um mês por essa entrevista. Eu não posso ficar aqui sentado olhando você pensar que eu sou mudo enquanto o seu nariz falso aponta pro chão. E você está me ouvindo falar, Pai? A coisa fala. Aceita refrigerante, define implorar e conversa com você.”

“Rezando por uma só conversa, amadora ou não, que não termine aterrorizante? Que não termine como todas as outras: você encarando, eu engolindo em seco?”

“…”

“Filho?”

“…”

Filho?