Eis Hal Incandenza com dezessete anos e sua mariquinha de latão, ficando secretamente chapado na subterrânea Sala da Bomba da Academia de Tênis Enfield e exalando palidamente para um exaustor industrial. É aquele triste intervalinho depois das partidas da tarde e do condicionamento, mas antes do jantar coletivo da Academia. Hal está sozinho aqui e ninguém sabe onde ele está ou o que está fazendo.
Hal gosta de ficar chapado em segredo, mas um segredo maior ainda é que ele é tão ligado no segredo quanto em ficar chapado.
Uma marica como essa, pequena, meio como uma longa piteira à la Roosevelt cuja ponta você entope com uma pitada de erva da boa, fica quente e maltrata a boca — especialmente as de latão —, mas as maricas têm a vantagem da eficiência: cada partícula de maconha queimada é inalada; não existe aquela fumaça incidental meio de segunda mão que vem com um cachimbo grande, comunitário, e Hal pode absorver cada fiapinho bem fundo e segurar a respiração para sempre, de modo que até as suas exalações são pouco mais que pálidas e com um odor doce-enjoado.
Utilização total dos recursos disponíveis = ausência de resíduos publicamente detectáveis.
A Sala da Bomba do Pulmão das quadras de tênis da Academia é subterrânea e acessível somente via túnel. A ATE é abundante e ramificadamente entunelada. É intencional.
Além disso, essas mariquinhas são pequenas, o que é bom, porque, convenhamos, qualquer coisa que você use para fumar maconha com alto teor de resina vai acabar fedendo. Um bong é uma coisa grande, e o fedor vai ser tipo comensuravelmente grande, e além disso você tem que lidar com a água nojenta do bong. Os cachimbos normais são menores e pelo menos são portáteis, mas eles sempre vêm com um fornilho tamanho-família que dispersa a fumaça não utilizada por uma grande área. Uma marica pequena pode ser usada de maneira a não gerar resíduos, depois pode-se deixar que ela esfrie, embrulhar em dois sacos plásticos e aí embrulhar mais uma vez e lacrar num Ziploc, e depois meter dentro de duas meias felpudas numa sacola esportiva junto com o isqueiro, o colírio, as mentinhas e a latinha de filme para a maconha propriamente dita, e é extremamente portátil e sem odores e básica e totalmente malocável.
Até onde Hal sabe, os colegas Michael Pemulis, Jim Struck, Bridget C. Boone, Jim Troeltsch, Ted Schacht, Trevor Axford e possivelmente Kyle D. Coyle e Vara-Paul Shaw, e com uma remota possibilidade Frannie Unwin, todos sabem que Hal fica regular e secretamente chapado. Também não é impossível que Bernadette Longley saiba, na verdade; e claro que o desagradável K. Freer sempre tem suspeitas de tudo quanto é tipo. E Mario, irmão de Hal, sabe uma ou outra coisinha. Mas só, no que se refere a conhecimento público. E mesmo que se saiba que Pemulis, Struck, Boone, Troeltsch, Axford e de vez em quando (meio que de um jeito assim medicinal ou turístico) Stice e Schacht também fiquem chapados, Hal de fato só ficou ativamente chapado com Pemulis nas raras ocasiões em que ficou chapado com alguém, digamos, em pessoa, o que ele evita. Ele tinha esquecido: Ortho (“Trevas”) Stice, de Partridge, KS, sabe; e o irmão mais velho de Hal, Orin, misteriosamente, mesmo de longe, parece saber mais do que anda dizendo assim na cara, a menos que Hal esteja inferindo em certos comentários telefônicos mais do que realmente existe.
A mãe de Hal, a sra. Avril Incandenza, e seu irmão adotivo, o dr. Charles Tavis, atual diretor da ATE, os dois sabem que Hal às vezes bebe álcool, assim no fim de semana, à noite, com Troeltsch ou quem sabe com Axford morro abaixo, lá nos bares da Commonwealth Avenue; o Vida Inquestionada tem a sua notória noite Leão-de-Chácara-Cego toda sexta quando eles te aceitam só com base na tua palavra. A sra. Avril Incandenza não é exatamente fã da ideia de Hal beber, especialmente por causa do quanto o pai dele bebia, quando vivo, e pelo que se diz o pai dele também, no AZ e na CA; mas a precocidade acadêmica de Hal e ainda mais seu recente sucesso competitivo no circuito de juniores deixam claro que ele é capaz de lidar com quaisquer quantias insignificantes que ela tem certeza que é o que ele consome — simplesmente é impossível que alguém abuse seriamente de alguma droga e tenha um desempenho escolar e esportivo de alto nível, assegura a dra. Rusk, conselheira psicológica da ATE, especialmente na parte que se refere a esporte de alto nível — e Avril sente que é importante que uma mãe que cria os filhos sozinha de maneira preocupada mas não sufocante saiba quando deixar algo passar e deixe os dois filhos altamente funcionais dentre os seus três cometerem seus próprios possíveis erros e aprenderem com suas próprias e válidas experiências, por mais que a secreta preocupação com os erros lhe rasgue a gorja, a da mãe. E Charles apoia toda e qualquer decisão pessoal que ela tome internamente sobre os filhos. E Deus sabe que ela prefere ver o Hal beber uns copinhos de cerveja de vez em quando do que ingerindo sabe lá Deus que tipo de compostos químicos esotéricos com o reptiliano Michael Pemulis e aquele James Struck que até deixa um rastro de gosma por onde passa, sendo que esses dois fazem Avril ter ululantes faniquitos maternos. E no fim de contas, ela disse aos drs. Rusk e Tavis, ela prefere ver Hal vivendo na segurança da consciência de que sua mãe confia nele, de que ela confia e apoia e não aponta dedos ou rasga gorjas ou torce suas belas mãozinhas por causa dele ter tomado por exemplo um copo de cerveja canadense com os amigos uma vez ou outra, e assim ela se esforça muitíssimo para esconder seu pavor maternal de que ele possivelmente venha a beber como o próprio James ou como o pai de James, tudo para que Hal possa gozar da segurança de sentir que pode ser franco com ela sobre coisas como a bebida e não sinta que tem que esconder qualquer coisa dela em quaisquer circunstâncias.
O dr. Tavis e Dolores Rusk discutiram em particular o fato de que não insignificante entre os estresses fóbicos que Avril suporta tão estoicamente está um negro pavor fóbico de tudo que possa estar oculto ou ser secreto de todas as maneiras possíveis no que se refere a seus filhos.
Avril e C.T. não fazem ideia da predileção de Hal pela ganja de alta resinagem e de sua absorção subterrânea, fato de que Hal obviamente gosta muito, em algum nível, apesar de nunca ter pensado muito na razão. Na razão de gostar tanto dessas coisas.
O terreno ocupado pela ATE no alto do morro é atravessável via túnel. Avril I., por exemplo, que não sai mais da Academia, raramente se locomove por terra, disposta a andar corcovada para encarar os túneis menores entre a casa do Diretor e o seu escritório perto do de Charles Tavis no Edifício Comunitário e Administrativo, uma coisa neogeorgiana de tijolos cor-de-rosa e colunas brancas que Mario, o irmão de Hal, diz parecer um cubo que engoliu uma bola grande demais para o seu estômago.3 Dois conjuntos de elevadores e um de escadas passam entre o saguão, a recepção e os escritórios da administração no primeiro andar do Com.-Ad. e a sala de musculação, sauna e a área de chuveiros/vestiários no andar abaixo dele. Um grande túnel de cimento cor de elefante leva logo de perto dos chuveiros dos meninos até a gigantesca lavanderia embaixo das Quadras Oeste, e dois túneis menores saem radialmente da área da sauna rumo sul e leste para os subporões de prédios menores, esferocubulares e protogeorgianos (que abrigam salas de aulas e os subdormitórios B e D); esses dois porões e esses túneis menores frequentemente servem de espaço para os estudantes acumularem coisas e de corredores entre os quartos particulares de diversos pró-reitores.4 E aí dois túneis menores ainda, navegáveis por qualquer adulto disposto a assumir uma espécie de postura simesca de arrastar os dedos no chão, conectam por sua vez cada um dos subporões com as antigas instalações ópticas e de revelação de filmes de Leith e Ogilvie e do falecido dr. James O. Incandenza (de triste memória) abaixo e logo a oeste da Casa do Diretor (e dessas instalações sai também um túnel de bom diâmetro que vai direto para o andar mais inferior do Ed. Com.-Ad., mas suas funções foram mudando aos poucos ao longo de quatro anos, e ele agora está demasiadamente cheio de cabos expostos e canos de água quente e dutos de aquecimento para ser efetivamente transponível) e aos escritórios da Manutenção, quase diretamente abaixo da fileira central de quadras abertas da ATE, escritórios que, junto com seu salão zelatorial, por sua vez se conectam às Salas de Armazenamento-do-Pulmão e -da-Bomba através de um túnel chapiscado construído às pressas pela Cia. TesTar de Estruturas Infláveis Ultrarresistentes, que junto com o pessoal dos Aparelhos Industriais de Deslocamento de Ar ATHSCME erige e mantém o domo inflável de dendriuretano, conhecido como Pulmão, que cobre a fileira central de quadras para a temporada indoors de inverno. O tunelzinho tosco e áspero entre Manutenção e Bomba só é atravessável via rastejos tipo quatro-apoios e é essencialmente desconhecido pela equipe e pela Administração, popular apenas entre os meninos menores do Clube do Túnel e entre certos adolescentes com vigorosos incentivos secretos para rastejar de gatinhas.
A Sala-de-Armazenamento-do-Pulmão é basicamente intrafegável entre março e novembro, por estar cheia de material pulmonar de dendriuretano intricadamente dobrado e de seções desmontadas de dutos flexíveis e lâminas de ventilador etc. A Sala da Bomba fica logo ali ao lado, embora seja necessário rastejar de volta pelo túnel para chegar a ela. Nos diagramas dos engenheiros a Sala da Bomba fica talvez vinte metros diretamente sob as quadras mais centrais da fileira central de quadras, e parece uma espécie de aranha pendurada de cabeça para baixo — uma câmara oval infenestrada com seis dutos curvos tamanho-homem que saem e sobem radialmente para pontos de exaustão no terreno acima dela. E a Sala da Bomba tem seis aberturas radiais, uma para cada duto curvascendente: três aberturas de dois metros com imensos ventiladores de lâminas turbinais aparafusados às suas grades e mais três dessas bimétricas com ventiladores reversos ATHSCME que permitem que o ar do terreno seja sugado para e pela sala e soprado para os três exaustores. A Sala da Bomba é essencialmente um órgão pulmonar, ou o epicentro de um túnel de vento monstruoso e hexavetorializado e, quando ativada, uiva como uma alma penada que prendeu a mão numa porta, embora a S.B. esteja em plena operação legítima apenas quando o Pulmão está ereto, normalmente de novembro a março. Os ventiladores reversos puxam o ar hibernal para baixo e o fazem passar pela sala, sair pelos três exaustores e subir pelos dutos de saída para redes de encanamentos pneumáticos que ficam nas laterais e no domo do Pulmão: é a pressão do ar em movimento que mantém inflado o frágil Pulmão.
Quando o Pulmão das quadras está desmontado e armazenado, Hal desce e caminha e aí passa corcovado para garantir que não há ninguém nas instalações da manutenção, e aí anda corcovado e rasteja para a Sala da Bomba, sacola esportiva entre os dentes, e ativa só um dos grandes exaustores e fica secretamente chapado e exala palidamente por entre suas lâminas na grade, de modo que qualquer possível odor seja soprado por um duto de saída e expelido por um buraco gradeado no lado oeste das Quadras Oeste, um buraco de rosca, com um flange, onde eficientes camaradas com as roupas brancas da ATHSCME vão prender parte dos encanamentos pneumáticos arteriais do Pulmão em algum momento muito em breve quando Schtitt et al. da equipe de funcionários decidirem que o clima real passou do limite da suportabilidade para o tênis a céu aberto.
Nos meses de inverno, quando qualquer odor expelido seria dutado para dentro do Pulmão e ficaria lá conspicuamente parado, Hal costuma ir para um banheiro afastado de um subdormitório e sobe na privada de um dos cubículos para exalar na grade de um dos exaustorezinhos que ficam no teto; mas falta a essa rotina certo intricado drama oculto e subterrâneo. É outra das razões por que Hal teme o Dia da Interdependência e a aproximação do torneio WhataBurger e do Dia de Ação de Graças e do tempo insuportável, e da ereção do Pulmão.
Drogas recreativas são mais ou menos tradicionais em tudo quanto é escola secundária dos EU, talvez por causa das inéditas tensões: pós-latência e puberdade e angústias e a adultidade batendo à porta etc. Como ajuda para gerenciar as tempestades intrapsíquicas etc. Desde a incepção da escola, sempre houve certa percentagem dos jogadores adolescentes de alto calibre da ATE que gerenciam quimicamente suas meteorologias internas. Boa parte disso é diversão temporária, normal e limpa; mas um conjunto tradicionalmente menor e mais radical tende a confiar numa química toda pessoal para gerenciar as exigências especiais da ATE — dexedrina ou metedrinas de baixa voltagem5 antes dos jogos e benzodiazepinas6 para baixar a bola depois dos jogos, com uns mudslides ou blue flames em algum barzinho compreensivo na Comm. Ave.7 ou umas cervejas e uns bongs em algum cantinho discreto da Academia à noite para dar um curto no ciclo de barato e depressão, cogumelos ou X ou vez por outra algo da classe Designer Drug Light8 — ou de repente de vez em quando uma Estrela Negra,9 sempre que houver um fim de semana sem jogos e/ou obrigações, para basicamente reiniciar a placa-mãe e apagar todos os circuitos e se recuperar lentamente e praticamente renascer neurologicamente e começar do zero o ciclo gradual… essa rotina circular, se já de saída a tua fiação básica está em ordem, pode funcionar surpreendentemente bem durante toda a adolescência e às vezes até os vinte e poucos anos, antes de começar a te puxar a perna.
Então alguns dos ATEs — nem de longe só Hal Incandenza — estão envolvidos com químicos recreacionais, é isso. Tipo quem é que não está, num certo momento da vida, nos EUA e nas regiões Interdependentes, nestes tempos em geral complicados. Se bem que uma percentagem bem decente de alunos da ATE não está. I. e., envolvida, a percentagem. Tem gente que consegue se entregar a um objetivo ambicioso e fazer disso todo o entregar-se-a-alguma-coisa que é necessário. Se bem que às vezes isso muda à medida que os jogadores vão ficando mais velhos e os objetivos começam a gerar mais estresse. A experiência americana parece sugerir que as pessoas são virtualmente ilimitadas na sua necessidade de se entregar a alguma coisa, em vários níveis. Só que algumas preferem fazer isso em segredo.
O uso de drogas ou de químicos ilícitos por um aluno-atleta regularmente matriculado é motivo para expulsão imediata, segundo o manual da ATE. Mas os funcionários da ATE tendem a ter coisa muito mais importante na agenda que ficar policiando uns meninos que já se entregam a um ambicioso objetivo competitivo. A atitude administrativa sob primeiro James Incandenza e depois Charles Tavis é, tipo, por que alguém que queira comprometer quimicamente suas faculdades ia aparecer aqui na ATE, onde a única meta é estender as suas faculdades em múltiplos vetores.10 E já que são os ex-alunos pró-reitores que têm mais contato supervisório direto com os meninos, e como muitos dos próprios pró-reitores são indivíduos deprimidos ou traumatizados por não conseguirem entrar no Circuito e por terem que voltar à ATE e morar em quartos decentes conquanto subterrâneos ligados por túneis e trabalhar como assistentes de técnicos e ministrar umas disciplinas optativas ridículas — que é o que os oito pró-reitores da ATE fazem quando não estão viajando para jogar em torneios satélites ou tentando passar pelo qualifier de algum evento onde role grana de verdade —, portanto eles são macambúzios e têm um moral meio baixo e não estão satisfeitos com a própria vida, muitas vezes, via de regra, e então também não tão surpreendentemente também tendem a se chapar de vez em quando, ainda que de maneira menos oculta ou exuberante que o grupinho químico dos estudantes radicais, mas então dado isso tudo não é difícil ver por que a fiscalização interna antidrogas tende a ser meio molenga na ATE.
A outra coisa bacana da Sala da Bomba é como ela se liga via túnel às fileiras de acomodações dos pró-reitores, o que significa banheiros masculinos, o que significa que Hal pode rastejar, andar corcovado e na pontinha dos pés até um banheiro livre e escovar os dentes com sua Oral-B portátil e lavar o rosto e aplicar colírio e Old Spice e sapecar um naco de Kodiak aroma wintergreen, e aí voltar rapidinho para a área da sauna e ascender para o nível do solo com uma cara e um cheiro ótimos, porque quando fica chapado ele desenvolve uma poderosa obsessão pela ideia de que ninguém — nem mesmo o grupinho dos neuroquímicos — saiba que ele está chapado. Essa obsessão tem uma força quase irresistível. A quantidade de planejamento e de transporte de artefatos higiênicos que ele tem de realizar para ficar secretamente chapado diante de uma ventarola subterrânea no intervalo pré-janta faria um homem de menor estatura pensar duas vezes. Hal não tem a menor ideia do porquê disso ou da origem dessa obsessão pelo segredo da coisa toda. Ele às vezes medita abstratamente a respeito, quando chapado: esse negócio de Ninguém-Pode-Saber. Não é medo propriamente dito, medo de ser descoberto. Além desse ponto fica tudo abstrato e emaranhado demais para levar a qualquer lugar nas reflexões de Hal. Como a maioria dos norte-americanos da sua geração, Hal tende a saber bem menos sobre os motivos que o levam a se sentir de determinadas maneiras quanto aos objetos e objetivos a que se devota do que sabe sobre os próprios objetos e objetivos. É difícil dizer com certeza se isso sequer é excepcionalmente ruim, essa tendência.
À 0015h do dia 2 de abril, a esposa do adido médico está acabando de sair do Centro Fitness Total Mount Auburn depois de ter jogado cinco sets profissionais de seis games no torneiozinho de turno e returno do seu círculo-de-tênis-de-esposas-diplomáticas-do-Oriente-Médio e depois ter ficado no Lounge especial para Membros-Prata com as outras senhoras, desembrulhando o rosto e o cabelo e jogando Narjees11 e todas fumando kief e fazendo comentários jocosos extremamente delicados e oblíquos sobre as idiossincrasias sexuais dos maridos, rindo baixinho com a mão na frente da boca. O adido médico, no apartamento deles, ainda está assistindo ao cartucho sem rótulo, que ele rebobinou até o começo diversas vezes e depois configurou num loop recursivo. Ele está lá sentado, atado a um jantar gelado, assistindo, às 0020h, tendo já molhado tanto as calças quanto a poltrona reclinável especial.
Com dezoito anos agora em maio, a função oficial de Mario na Academia de Tênis Enfield é fílmica: às vezes nos treinos matinais ou nos jogos vespertinos ele recebe do Técnico Schtitt et al. ordens de colocar uma velha camcorder ou qualquer outro equipamento de vídeo que esteja à mão num tripé e gravar imagens de determinada área da quadra, filmando golpes de diferentes alunos, certos vícios e pequenos problemas nos serviços ou nos voleios na rede, para que a equipe possa mostrar pedagogicamente as fitas aos alunos, deixando que esses alunos vejam na tela exatamente o que um técnico ou um pró-reitor está tentando dizer. O motivo é que é bem mais fácil consertar uma coisa se ela é visível.
Viciados em drogas que são levados ao crime para financiar o vício em drogas normalmente não se inclinam para a criminalidade violenta. A violência demanda tipos de energia superdiferentes, e a maioria dos viciados em drogas gosta de gastar sua energia não nos seus crimes profissionais, mas no que os seus crimes profissionais permitem que eles comprem. Viciados em drogas, portanto, muitas vezes são ladrões de residências. Um dos motivos pelos quais a residência de alguém cuja residência foi roubada causa uma sensação de violação e impureza é o fato de que provavelmente viciados em drogas estiveram por lá. Don Gately era um viciado em narcóticos orais (preferencialmente Demerol e Talwin12) de vinte e sete anos e um ladrão mais ou menos profissional; e ele próprio era impuro e violado. Mas era um ladrão talentoso quando roubava — embora tivesse as dimensões de um dinossauro jovem, com uma cabeça imensa e quase perfeitamente quadrada com que costumava divertir os amigos quando estava bêbado deixando que abrissem e fechassem portas de elevadores, na cabeça, ele era, quando no auge profissional, esperto, ardiloso, silencioso, rápido, dotado de bom gosto e de um confiável meio de transporte — com uma espécie de alegria enfurecida na sua atitude em relação ao seu meio de vida.
Como ativo viciado em drogas, Gately se distinguia por seu enfurecido e alegre elã. Ele mantinha o queixão quadrado erguido e o sorriso aberto, mas não se dobrava nem na direção nem para longe de homem algum. Ele tolerava zero de baixaria e era um expoente alegrinho mas implacável da escola Não-Fique-Puto-Fique-Quites. Tipo por exemplo, uma vez, depois dele ter cumprido três meses bem desagradáveis no Xadrez de Revere por causa de nada além das suspeitas circunstanciais de um Promotor Público Assistente impiedoso da North Shore, saindo finalmente depois de noventa e dois dias quando a Defensoria Pública conseguiu derrubar as acusações com uma alegação baseada no direito-a-julgamento-rápido, Gately e um comparsa de confiança13 fizeram uma visitinha semiprofissional à residência particular desse PP Assistente cujos empenho e determinação lhe haviam custado uma desintoxicação violenta e imediata no chão da sua pequena cela. Também admirador do ditado A-Vingança-É-Mais-Gostosa-Fria, Gately esperou pacientemente até que a seção “De Olho na Sociedade” do Globe mencionou a presença do PPA e da sua esposa numa coisa tipo uma regata beneficente de celebridades lá em Marblehead. Gately e o comparsa foram naquela noite até a residência particular do PPA na região elegante do Wonderland Valley de Revere, cortaram a energia da casa com um shunt direto na entrada do relógio, depois cortaram o fio terra do dispendioso alarme HBT da residência, para o alarme tocar coisa de dez minutos depois e gerar a impressão de que os meliantes tinham dado um jeito de ferrar com o alarme e saído assustados no meio da ação. Mais à noite, quando os policiais de Revere e Marblehead os convocaram de volta ao lar, o PPA e sua esposa se viram desprovidos de uma coleção de moedas e de duas espingardas antigas e mais nada. Vários outros bens de valor estavam empilhados no chão da sala de estar que dava para o foyer como se os meliantes não tivessem tido tempo de tirá-los da casa. Tudo mais na residência invadida parecia intacto. O PPA era um profissional escolado: ele andou de um lado para o outro tocando a aba do chapéu14 e reconstruiu os eventos prováveis: parecia que os meliantes tinham se atrapalhado com a desativação do alarme e se assustado com a sirene quando o dispendioso sistema alternativo do alarme HBT disparou a 300 V. O PPA tranquilizou a noção de violação e impureza que assolava sua esposa. Ele calmamente insistiu em dormir lá na residência deles naquela noite mesmo; nada de hotel: era tipo crucial segurar imediatamente o touro emocional à unha, em casos assim, ele insistiu. E aí no dia seguinte o PPA lidou com o seguro e relatou a perda das espingardas para um chapa da ATAF15 e a sua esposa se acalmou e a vida prosseguiu.
Cerca de um mês depois, um envelope chegou à belíssima caixa de correspondência de ferro forjado da residência do PPA. No envelope havia um folheto-padrão da Associação Americana de Odontologia, em papel cuchê, sobre a importância da higiene oral diária — disponível tipo em qualquer consultório de dentista de qualquer lugar — e duas fotos polaroides de alta pixelagem, uma de um grande Don Gately e uma do seu comparsa, cada um deles com uma máscara de Dia das Bruxas que denotava a boa alegria profissional de um palhaço, cada um deles com a calça abaixada e curvado e cada um deles com o cabo nitidamente focado de uma das escovas de dentes do casal protuberando da bunda.
Don Gately teve o bom senso de nunca mais trabalhar de novo na região da North Shore depois daquilo. Mesmo assim acabou se dando horrendamente mal, PPAmente falando. Ou era azar ou kismet, ou coisa assim. Foi por causa de um resfriado, de um simples rinovírus humano. E nem mesmo um resfriado do próprio Don Gately, foi o que o fez finalmente parar e questionar o seu kismet.
A coisa começou com cara de mamão com açúcar, roubisticamente falando. Uma linda residência neogeorgiana numa parte insanamente chique de Brookline ficava comodamente afastada de uma estradinha pseudorrural sem iluminação, tinha um sisteminha fuleiro de alarme VigilanCia que se alimentava, mais idiota impossível, de um cabo AC de 330 V e 90 Hz com seu próprio relógio, não parecia estar nem na vizinhança de uma rota regular de rondas policiais e tinha, nos fundos, umas portinhas francesas muito elegantes e superfrágeis, cercadas de uns arbustos densos e inespinhosos e protegidas dos holofotes halógenos da garagem por uma lixeira chique fornecida pela DRE. Para encurtar a história, era uma puta tentação, a residência, roubisticamente falando, para um viciado. E Don Gately meteu um shunt direto no relógio do alarme e, com um comparsa,16 invadiu a privacidade do lar e andou por lá com seus sorrateiros pés gigantes.
Só que infelizmente o dono da casa afinal ainda estava em casa, muito embora os seus dois carros e o resto da família não estivessem. O homenzinho estava dormindo doente na cama no andar de cima com um pijama de acetato, uma bolsa de água quente no peito, meio copo de suquinho de laranja, um vidro de NyQuil,17 um livro em língua estrangeira, exemplares da International Affairs e da Interdependent Affairs, uns óculos grossos e uma caixa de lenços de papel de tamanho industrial no criado-mudo e um vaporizador vazio que mal zumbia no pé da cama, e o cara ficou para dizer o mínimo desorientado quando acordou e viu lanternas de alta potência cruzando as paredes escuras do quarto e a cômoda e o chiffonier de teca enquanto Gately e comparsa buscavam um cofre embutido na parede, que surpreendentemente tipo 90% das pessoas que têm cofres embutidos na parede escondem no quarto do casal atrás de algum tipo de pintura de marinha ou paisagem. As pessoas se revelavam tão idênticas em certos particulares domésticos básicos que Gately às vezes se sentia meio estranho, como se estivesse de posse de certos fatos privados demasiadamente volumosos a que homem nenhum deveria ter direito. Gately tinha uma consciência bem mais gosmenta a respeito da posse de alguns desses grandes fatos particulares do que tinha a respeito de surripiar os bens pessoais dos outros. Mas aí de repente no meio da silenciosa demanda por um cofre eis que surge esse proprietário chique afinal em casa com um resfriado pesado enquanto sua família está num passeio em dois carros pelo que restou dos verdes bosques das Berkshires, contorcendo-se grogue e NyQuilizado pela cama e fazendo uns barulhos adenoidais buzinados e perguntando o que diabos isso tudo quer dizer, só que dizendo em francês do Québec, o que significa, para esses viciados americanos com máscaras de palhaço de Dia das Bruxas, absolutamente lhufas, ele está sentado na cama, um proprietário pequeno e mais velho com uma cabeça com forma de bola de futebol americano e um cavanhaque grisalho e uns olhos que nitidamente estão acostumados a lentes corretivas enquanto acende o forte abajur do criado-mudo. Gately podia, facinho, ter se mandado dali sem nem olhar para trás; mas aqui de fato, à luz do abajur, vê-se uma marinha ali perto do chiffonier, e o comparsa dá uma rápida olhada e relata que o cofre ali atrás é de dar risada, quase dá para abrir só falando uns palavrões pra ele; e os viciados em narcóticos orais tendem a operar com uma agenda física de carência e satisfação extremamente rígida, e Gately nesse momento está firmemente plantado na parte da carência da agenda; então D. W. Gately desastrosamente decide seguir em frente e deixar que um roubo não violento se transforme de fato num assalto — sendo que a diferença legal em questão envolve tanto violência como ameaça coercitiva de violência — e Gately se ergue em toda a sua ameaçadora estatura e aponta a lanterna para os olhos remelentos do proprietário, e se dirige a ele como falam os criminosos ameaçadores da ficção popular — comendo plurais, trocando letras, l por r, e assim por diante — e segura a orelha do cara e o conduz a uma cadeira da cozinha onde lhe amarra pernas e braços à cadeira com cabos elétricos delicadamente cortados da geladeira e do abridor de latas e da Máquina-Automática-de-Café-au-Lait da marca M. Café, com nós que ficam um pouquinho aquém do gangrenoso, porque ele espera que os bosques verdejantes das Berkshires estejam lindos e que o sujeito vá ficar solando ali naquela cadeira por um bom tempo, e Gately começa a revistar as gavetas da cozinha procurando a prataria — não a prataria-boa-para-quando-vem-alguém, que estava num estojo de pelica embaixo de uns restos de papel de presente com temas natalinos cuidadosamente dobrados numa cômoda maravilhosa de madeira-de-lei-com-marchetaria-de-marfim na sala de estar, onde mais de 90% das pessoas com grana sempre escondem a sua prataria, e já foi devidamente afanada e está empilhada18 logo na frente do foyer — mas só aquela velha prataria normal sem firulas de todo dia, porque a imensa maioria dos proprietários dessas residências guarda os panos de prato duas gavetas abaixo da gaveta com a prataria cotidiana, e Deus não criou melhor mordaça para situações de emergência nesse mundo que um bom e velho pano de prato de imitação de linho e com cheiro de óleo; e o sujeito amarrado à cadeira pelos cabos de repente se liga nas implicações do que Gately está procurando e fica se debatendo e dizendo: Não me amordace, eu tenho terrível resfriado, meu nariz está tijolo, eu não tenho capacidade de respirar pelo nariz, pelo amor de Deus por favor não me amordace na boca; e numa demonstração de boa vontade o proprietário diz a Gately, que está revirando gavetas, a combinação do cofre da marinha do quarto, só que em números franceses, o que junto com a inflexão de buzina adenoidal que a gripe do sujeito confere à sua voz não soa nem como uma língua humana para Gately, e também o cara diz a Gately que tem umas medalhas de ouro antigas pré-conquista-britânica do Québec numa bolsa de pelica presa com fita adesiva atrás de uma paisagem impressionista sem graça na sala de estar. Mas tudo que o proprietário canadense diz não passa para Gately, que assovia uma alegre melodia e tenta fazer cara de mau do outro lado da máscara de palhaço, de gritos de, digamos, gaivotas da North Shore ou passarinhos continentais; e pode apostar que os panos estão duas gavetas abaixo das colheres, e lá vem o Gately pela cozinha com cara de Bozo dos infernos, e a boca do quebequense fica oval de horror, e boquinha adentro entra um pano de prato embolado, vagamente cheirando a gordura, e através das bochechas do sujeito e por sobre o domo de tecido projetado passam pedaços de fita adesiva fibrosa de alta qualidade que saiu da gaveta debaixo do telefone desativado — por que é que todo mundo guarda coisas para postar cartas na gaveta mais próxima do telefone da cozinha? — e Don Gately e seu comparsa terminam a sua tarefa ligeira e na-melhor-das-intenções desprovida de violência de deixar o lar de Brookline tão pelado quanto uma pradaria pós-hamsters-selvagens, e trancam novamente a porta da frente e tocam estrada escura afora no confiável 4×4 com silenciador duplo de Gately. E o canadense manietado, fungante e pijamificado — o braço direito daquele que provavelmente é o mais infame agitador anti-ONAN ao norte do Grande Recôncavo, o lugar-tenente e resolvedor de problemas preferido que altruisticamente se ofereceu para se mudar com a família para a área insanamente americana da cidade de Boston para trabalhar como contato e segurador geral de coleiras da cerca de meia dúzia de grupos malévolos e mutualmente antagônicos de separatistas quebequenses e de ultradireitistas albertanos unidos somente por sua fanática convicção de que o “presente” ou a “devolução” em que os EUA Experialistas entregaram o supostamente “Reconfigurado” Grande Recôncavo ao seu vizinho e aliado onanita do norte constituía um golpe intolerável contra a soberania, a honra e a higiene canadenses — este proprietário, inquestionavelmente VIP, ainda que, convenhamos, mais para VIP enrustido, ou provavelmente de modo mais acurado um “PIT”19 em francês, esse coordenador-de-terrorismo-canadense de aparência mansa — atado à sua cadeira, totalmente amordaçado, ali sentado, sozinho, sob a fria luz fluorescente da cozinha,20 o sujeitinho rinoviralmente atribulado, amordaçado com competência e materiais de qualidade — o sujeito, depois de batalhar tanto para desobstruir parcialmente uma das suas passagens nasais entupidas que chegou a romper ligamentos intercostais nas costelas, logo vê até aquele minúsculo furo por onde o ar podia fluir ser tapado novamente pelo implacável fluxo como que da lava de meleca, e então tem que romper mais ligamentos tentando abrir a outra narina, e assim por diante; e depois de uma hora de esforços e de chamas pelo peito e sangue nos lábios e no pano de prato branco, das suas tentativas alucinadas de empurrar o pano com a língua para fora da fita, que é fita de qualidade, e depois de as suas esperanças dispararem quando toca a campainha, e depois das esperanças se afundarem nas trevas quando a pessoa que tocou, uma moça de prancheta e mascando chiclete, que oferece cupons de descontos para Feriados de Felicidade se você aderir como membro por seis meses ou mais de uma rede de salões de bronzeamento artificial não UV de Boston, dá de ombros dentro de sua parca, faz uma marquinha na prancheta e bate animadamente em retirada pelo longo caminho que leva à estrada pseudorrural, uma hora ou mais disso, finalmente o PIT quebequense, depois de uma agonia indescritível — sufocar aos poucos, com ou sem muco, não é nenhuma brincadeira de criança na Festa da Tulipa de Montreal —, em cujo ápice, dessa agonia, ouvindo o pulsar das veias da testa como um trovão que se afasta e vendo o círculo da sua visão se encolher enquanto uma abertura rubra em torno dos olhos gira continuamente vindo das bordas, em cujo ápice ele só conseguia pensar, malgrado a dor e o pânico, como aquilo era um jeito idiota e bobo, depois de tanto tempo, de morrer, uma ideia que a toalha e a fita não permitiam que se manifestasse através do melancólico sorriso com que os melhores entre os homens acolhem os mais bobos dos fins — esse Guillaume DuPlessis abandonou tristinho esta vida, e ficou ali sentado, na cadeira da cozinha, a 250 km a leste de uns bosques verdejantes outonais realmente espetaculares, por quase dois dias e duas noites, com a postura ficando cada vez mais militar à medida que o rigor mortis se estabelecia, os pés descalços parecendo pães de fôrma arroxeados por causa do livor; e quando a polícia de Brookline finalmente foi convocada e o desatou da cadeira friamente iluminada, tiveram que carregá-lo dali como se ainda estivesse sentado, de tão militarmente comme-il-faut tinham ficado seus membros e sua espinha. E o coitadinho do Don Gately, cuja capacidade profissional de cortar a eletricidade com shunts diretos na entrada do relógio era para todos os efeitos um modus operandi registrado, e que tinha, claro, um lugarzinho especial no coração de um imisericordioso PPA de Revere que contava com influências judiciárias em todos os três condados de Boston e além, e obviamente um PPA particularmente imisericordioso em tempos recentes, cuja esposa agora precisava tomar Valium até para passar fio dental, e que estava pacientemente aguardando sua oportunidade, o PPA, friamente esperando para ver, sendo ele um sujeito calmo do tipo Fique-Quites e Prato-Frio tanto quanto Don Gately e que estava, sem nenhum desejo seu por uma violência que consome energias, no tipo de merda absoluta e infernal que tem a capacidade de virar do avesso a vida do camarada.
Ano da Fralda Geriátrica Depend: Telentretenimento InterLace RISC 932/1864 super-TP c/ ou s/ console, Pink2, disseminação SSD pós-Primestar, menus e ícones, Intert e Fax pixel-free, tri-e quad-modems c/ baud regulável, Grades-de-Disseminação, telas tão alta definição que era como se você estivesse lá, videoconferências com preço competitivo, CD-ROM Froxx interno, haute couture eletrônica, consoles tudo-em-um, nanoprocessadores Tutikaga, cromatografia laser, cartões de mídia com capacidade virtual, pulso por fibra óptica, codificação digital, superapps; neuralgia carpal, enxaqueca com aura, hiperadiposidade glútea, estresse lombar.
Dorm. 204, Subdormitório B: Jim Troeltsch, dezessete anos, nascido em Narberth, PA, ranking atual sub-18 masculino na Academia de Tênis Enfield no 8, o que o coloca como segundo de Simples na equipe B masculina, está doente. De novo. Apareceu quando ele estava se vestindo com roupas bem quentes para o treino das 0745h da equipe B. Um cartucho das oitavas de final do US Open de setembro estava passando no monitorzinho do quarto com o som mudo como sempre e Troeltsch estava ajeitando as tiras do suporte atlético, desligadamente narrando o jogo como se a mão fechada fosse um microfone, quando apareceu. A doença. Do nada. A respiração dele de repente começou a machucar o fundo da garganta. Aí aquele calor assoberbante em vários meati craniais. Aí ele espirrou e o que saiu no espirro era grosso e pesado. Apareceu ultrarrápido e do meio do nada, pré-treino. Ele agora está de novo na cama, supino, assistindo ao quarto set da partida, mas sem narrar. O monitor fica bem embaixo do pôster do rei paranoico21 do Pemulis que você não consegue deixar de ver se quiser olhar para o monitor. Bolas de lenço de papel cobrem o chão em volta do cesto de lixo da cama dele. O criado-mudo está coberto de expectorantes, inibidores da tosse, analgésicos, comprimidões tanto de balcão quanto os vendidos com receita, um frasco de Benadryl e um de Teldane,22 só que o frasco de Teldane na verdade está incrementado com várias cápsulas de 75 mg de Hipofagin que Troeltsch foi afanando em suaves prestações do lado Pemulisiano do quarto e que bem engenhosamente, acha ele, mocozou nas barbas de todo mundo num vidro de comprimidos do lado da cama onde o Pemulão nunca ia pensar em olhar. Troeltsch é do tipo que consegue pôr a mão na própria testa e detectar febre. É definitivamente um rinovírus, do tipo repentino e grave. Ele estava especulando se ontem quando Graham Rader fingiu espirrar na bandeja do almoço de J. Troeltsch na máquina de leite na hora do almoço se o Rader podia ter espirrado de verdade e só fingido fingir, transferindo virulentos rinoviri para as delicadas mucosas de Troeltsch. Ele febrilmente invoca diversas vinganças cósmicas contra Rader. Nenhum colega de quarto de Troeltsch está aqui. Ted Schacht está dando o primeiro de vários banhos de Jacuzzi no joelho durante o dia. Pemulis já se preparou e saiu para os treinos das 0745. Troeltsch ofereceu a Pemulis os direitos sobre o seu café da manhã se ele enchesse o vaporizador e chamasse a enfermeira do primeiro turno para “mais um pouco” daquele anti-histamínico nuclear Teldane e um pouco de dextrometorfano para o vaporizador e uma dispensa por escrito para os treinos da manhã. Ele está ali deitado suando profusamente, assistindo a uma partida de tênis digitalmente registrada, preocupado demais com a garganta para sentir a loquacidade que o levaria a narrar o jogo. O Teldane não devia dar sono, mas ele está se sentindo fraco e desagradavelmente sonolento. Mal consegue fechar a mão. Está suarento. Náusea/vômitos estão longe de ser uma impossibilidade. Ele não consegue acreditar na velocidade com que aquilo apareceu, a doença. O vaporizador fervilha e arrota, e todas as quatro janelas do quarto choram em contato com o frio lá de fora. Há tristes e minúsculos barulhinhos de rolha de champanhe vindos das dúzias de bolas rebatidas nas quadras Leste. Troeltsch flutua num nível imediatamente superior ao do sono. O rugido distante de imensos ventiladores de deslocamento ATSCHME bem ao norte nos muros e fronteiras, as vozes externas e o poc das bolas frias criam um tipo de carpete sonoro por sob os sons digestivos do vaporizador e o rangido das molas da cama de Troeltsch enquanto ele se bate e se contorce num semissono umedecido. Ele tem pesadas sobrancelhas alemãs e mãos de juntas grossas. É um desses desagradáveis estados de semissonolência febris opiáceos, mais um estado de fuga que um estado de sono, menos flutuação que deriva em mares bravios, arremessado vigorosamente para dentro e para fora desse semissono em que a sua mente ainda está ativa e você consegue se perguntar se está dormindo bem enquanto está sonhando. E quaisquer sonhos que você chegue mesmo a ter parecem meio esfiapados, roídos, incompletos.
É literalmente “sonhar de olhos abertos”, doente, o tipo de fuga incompleta de que você desperta com uma espécie de baque psíquico, tentando sentar na cama, convicto de que alguém não autorizado está no quarto com você. Caindo de novo enjoado no travesseiro circularmente enodoado, encarando direto as prolixas dobras da coisa turca felpuda que Pemulis e Schacht colaram nos cantos do teto, que se desfralda, pendente, de modo que as dobras formam terrenos, tipo com vales e sombras.
Eu tenho percebido que a sensação dos piores pesadelos, uma sensação que você pode sentir dormindo ou acordado, é idêntica à própria forma desses sonhos ruins: a súbita percepção intraonírica de que a própria essência e o próprio centro do pesadelo estiveram o tempo todo com você, mesmo quando acordado: só que você… não percebia; e aí aquele intervalo aterrador entre se dar conta do que você não tinha percebido e virar a cabeça para olhar para o que esteve ali o tempo todo, sempre… O seu primeiro pesadelo longe de casa e da família, a sua primeira noite na Academia, ele estava lá o tempo todo: o sonho é que você acorda de um sono profundo, acorda subitamente suado e surtado e é completamente tomado pela repentina sensação de que neste quarto com você há uma destilação do mal mais pleno, de que a essência e o centro do mal estão bem aqui, neste quarto, agora. E é só para você. Nenhum outro menininho do quarto está acordado; o colchão do beliche acima de você pende morto, imóvel; ninguém se mexe; ninguém mais naquele quarto sente a presença de algo radicalmente mau; ninguém se bate ou senta suado; ninguém mais grita de medo: seja o que for, não é mal para eles. A lanterna que sua mãe adesivou com seu nome em fita crepe e pôs especialmente para você na mala dá uma panorâmica pelo quarto institucional: o teto, o colchão cinza listrado e a grade intumescida de molas acima de você, os dois outros beliches de outro cinza-fosco que não devolve a luz, as pilhas de livros e CDs e fitas e equipamento de tênis; o seu disco de luz branca tremendo como a lua sobre a água enquanto brinca sobre as escrivaninhas idênticas, os recessos de armários e da porta da entrada do quarto, o volume dos batentes da porta; o cone de luz caminha sobre objetos, disformes calombos de sombras adormecidas de meninos nas paredes branco-gelo, os dois tapetes felpudos ovais sobre o chão de madeira maciça, linhas negras de tábuas de rodapés, as frestas nas venezianas que deixam vazar a não luz violeta de uma noite de neve e apenas um gancho de lua; a lanterna com seu nome em materna letra cursiva brinca sobre cada cm de parede, reostatos, CDs, pôster InterLace de Tawni Kondo, console telefônico, monitores de mesa, o rosto no chão, pôsteres dos prós, o amarelo-casca-de-cebola das cúpulas das luminárias nas escrivaninhas, os padrões de furinhos dos painéis do teto, a grade de molas do estrado de cima, o recesso de armário e porta, meninos embrulhados em cobertas, breve fresta como risco de um abismo no teto mais a leste já discernível, tabuazinha de bordo na borda que junta parede com teto a norte e a sul chão não tem rosto a sua lanterna mostrou, mas não mostrou não nunca mostrou olha as pupilas dos olhos dele de lado e estreitas que nem as de um gato as sobrancelhas \ / e o sorriso dentuço horroroso encarando bem de frente a sua luz o tempo todo em que você ficou olhando com a lanterna ai mãe um rosto no chão mãe ai e o foco da sua lanterna corta direto para o rosto que você não percebeu erra corrige passa e aí centra no que você tinha sentido mas tinha visto sem ver, agora mesmo, quando você virou a panorâmica da luz com tanto cuidado e olhou, um rosto no chão ali o tempo todo mas sem ser sentido por todos os outros e sem ser visto por você até você saber bem quando sentiu que ele não devia estar ali e era mau: Mau.
E aí aquela boca se abre na frente da sua luz.
E aí você acorda daquele jeito, tremendo que nem vara verde, deitado ali acordado e tremendo, tentando juntar coragem e saliva, rola para a direita bem como no sonho para pegar a lanterna adesivada com o seu nome no chão ao lado da cama só para garantir, fica ali deitado de lado, passando a luz por tudo, como no sonho. Fica ali deitado em panorâmica, olhando, só costelas e cotovelos e olhos dilatados. O chão desperto está coberto de equipamento e roupa suja, madeira maciça clara com juntas seladas, dois tapetes, a madeira nua encerada brilhante sob a luz de neve das janelas, o chão neutro, sem rosto, você não consegue ver rosto algum no chão, desperto, ali deitado, sem rosto, vazio, dilatado, brincando com o foco sobre o chão de novo, de novo, inseguro a noite toda para sempre inseguro de ter deixado de ver alguma coisa que está bem ali: você fica ali deitado, desperto com quase doze, acreditando no quanto pode.