20
A princesa Consolação embalava o marido moribundo nos braços e as suas lágrimas salgadas banhavam-lhe o rosto. E, enquanto chorava sobre ele, rompeu a aurora, e os raios dourados do sol inundaram a terra.
Coração de Ferro abriu os olhos e, olhando para o rosto da mulher, proferiu as primeiras palavras em sete longos anos…
Excerto de Coração de Ferro
–Ele precisa de um médico – disse Rebecca, enquanto ajudava Emeline a empurrar Samuel para dentro da carruagem.
Emeline não exprimiu o pensamento em voz alta, mas tinha de concordar com Rebecca. Samuel estava branco sob a sua pele naturalmente morena, e um golpe acima do olho sangrava, pintando-lhe de sangue o lado da cara.
– Não quero médico nenhum – resmungou Samuel, o que não lhe valeu de nada.
Emeline cruzou o olhar com Rebecca por cima da cabeça dele e viu que ela concordava. Decididamente, um médico.
O ritmo lento da carruagem fez da viagem de regresso pelas ruas de Londres um verdadeiro pesadelo. Quando chegaram a casa, Samuel estivera calado durante meia hora, de olhos fechados.
– Ele desmaiou? – sussurrou Emeline, ansiosamente, a Rebecca.
– Acho que só adormeceu – respondeu a rapariga.
Foram precisos dois criados robustos para levarem Samuel pelos degraus da sua residência acima e para a cama. Depois, Emeline chamou o médico.
Uma hora mais tarde, Rebecca entrou na biblioteca para comunicar as informações do médico.
– Ele diz que é apenas exaustão – disse Rebecca, ao encontrar Emeline junto à lareira, meio a dormir.
– Graças a Deus – Emeline deixou tombar a cabeça contra as costas da cadeira.
– A senhora também está exausta – disse Rebecca, em tom crítico.
Emeline começou a abanar a cabeça. Não queria abandonar Samuel.
Mas depois constatou que estava com tonturas, por isso parou o movimento.
Rebecca deve ter visto.
– Vá para casa descansar. O Samuel está a dormir, de qualquer modo.
Emeline soltou um hum de desagrado.
– A Rebecca é uma menina querida, mas um pouco mandona.
A mulher mais nova sorriu.
– Aprendi com os melhores.
Rebecca estendeu uma mão para a ajudar a levantar-se, mas nessa altura ouviu-se uma agitação no corredor.
Emeline olhou para a porta da biblioteca a tempo de ver Jasper aparecer inesperadamente.
– Emmie! Estás bem? – perguntou ele. – Fui a tua casa, mas não estavas lá.
Emeline franziu o sobrolho. Ficava sempre admirada por ele a conhecer tão mal.
– Chiu! Eu estou bem, mas vais acordar o Samuel com toda essa gritaria.
Jasper olhou para o teto como se pudesse ver através de gesso e madeira.
– Suponho que ele também teve um belo dia, não?
– Jasper… – Começou Emeline, quase a dar-lhe uma descompostura, mas Rebecca interrompeu.
– Dão-me licença que saia? Preciso de… de… – franziu a testa, tentando obviamente pensar numa desculpa – … ver se o O’Hare está bem.
Emeline fitou-a.
– Quem é o O’Hare?
– O meu criado – disse Rebecca, e saiu da sala.
Emeline ainda estava de sobrolho franzido a seguir a rapariga com o olhar quando Jasper lhe interrompeu os pensamentos.
– Emmie.
Ela virou-se, porque a voz dele era grave, e olhou para ele de verdade. Nunca vira a expressão que estava agora no seu rosto – uma espécie de aceitação abatida.
– Nós não vamos casar, pois não?
Ela abanou a cabeça.
– Não, querido. Acho que não.
Ele deixou-se cair numa cadeira.
– Ainda bem, acho eu. Nunca serias capaz de suportar as minhas manias. Provavelmente não há mulher neste mundo que as suportasse.
– Isso não é verdade.
Ele lançou-lhe um cómico olhar de discordância.
– Pode não ser fácil – corrigiu ela –, mas tenho a certeza de que existe por aí, algures, uma senhora muito gentil para ti.
Um canto da boca de Jasper arqueou-se.
– Tenho trinta e três anos, Emmie. Se houvesse uma mulher que me amasse e, mais importante, que me aturasse, não achas que já a teria encontrado?
– Ajudaria se deixasses de a procurar em bordéis e antros de jogo e tentasses um sítio mais respeitável.
As suas palavras foram azedas, mas a sua mensagem foi um tanto prejudicada pelo enorme bocejo que lhe rasgou o rosto.
Jasper deu um salto.
– Deixa-me acompanhar-te a casa a ver se descansas como deve ser e continuas a moer-me o juízo amanhã.
Infelizmente, Emeline nem sequer estava em condições de fazer o mais pequeno protesto.
Deixou Jasper puxá-la da cadeira e acompanhá-la até lá fora, descendo os poucos degraus, e até à casa dela. Aí, beijou-a na face, do mesmo modo que costumava fazer desde os seus quatro anos, e foi-se embora.
– Jasper – chamou-o ela, baixinho.
Ele parou e lançou-lhe um olhar sobre o ombro, com os seus lindos olhos turquesa. O seu corpo era alto, magro e desengonçado, ao luar, o seu rosto comprido e cómico cheio de tragédia.
As emoções de Emeline calaram fundo. Ele fora o melhor amigo de Reynaud. Ela conhecera-o toda a vida.
– Eu gosto muito de ti.
– Eu sei, Emmie, eu sei. Essa é a parte pior. – O seu rosto era trocista.
Ela não sabia o que responder.
Ele acenou com um dedo e depois a noite engoliu-o.
Emeline subiu as escadas para casa, desejando saber o que fazer com Jasper. Mal entrara, quando foi surpreendida por tante Cristelle e Melisande.
– Que diabo estás aqui a fazer? – perguntou Emeline, com um espanto fatigado, ao ver a amiga.
– Vim devolver-te o teu livro de contos de fadas – disse prosaicamente Melisande. – Mas, quando cá cheguei, o mordomo de Mister Hartley estava a informar a tua tia de que se passava qualquer coisa. Decidi ficar e fazer-lhe companhia até termos alguma notícia. Mas nunca nos disseram exatamente o que tinha acontecido.
Portanto, Emeline teve de voltar a contar a aventura, entre chá e bolinhos, enquanto tante Cristelle fazia as suas interrupções. No fim, ainda estava mais exausta do que antes.
O que Melisande, com os seus olhos perspicazes, deve ter visto.
– Acho que precisas de ir para a cama assim que acabarmos o chá.
Emeline olhou para a sua chávena de chá a arrefecer e limitou-se a acenar com a cabeça.
Sentiu, mais do que viu, Melisande e tante Cristelle trocarem olhares preocupados por cima da sua cabeça.
– Já vou – disse Emeline, apenas para manter o controlo.
Melisande suspirou e, com um gesto, indicou a mesa junto ao cotovelo de Emeline.
– Pus ali o teu livro de contos de fadas.
Emeline olhou e viu o livrinho poeirento. Ainda lhe trazia boas memórias de Reynaud, mas já não lhe parecia tão importante.
– Por que diabo o trouxeste de volta?
– Pensei que não querias que eu o traduzisse? – perguntou a amiga.
Emeline pôs a chávena de chá de lado.
– Acho que o livro de contos de fadas era, para mim, uma ligação ao Reynaud. Alguma coisa que me garantia que nunca o esqueceria. Mas agora já não é tão importante ter algo de tangível que mo recorde. – Cruzou o olhar com o da sua melhor amiga. – Não o vou esquecer nunca, pois não?
Melisande ficou calada, olhando-a com olhos tristes.
Emeline estendeu a mão para o livro. Passou a mão pela capa rasgada e depois levantou os olhos.
– Guarda-o por mim, está bem?
– O quê?!
Emeline sorriu e estendeu o livro à sua melhor amiga.
– Tradu-lo. Pode ser que encontres nele aquilo que eu não consegui.
Melisande franziu a testa, mas pegou no livro, segurando-o entre as mãos, em cima do colo.
– Se achas melhor.
– Acho. – Emeline deu um enorme bocejo, de uma forma nada delicada. – Meu Deus. E agora é altura de ir para a cama.
Melisande acompanhou-a até ao vestíbulo, murmurando boa noite antes de se voltar para a porta.
Emeline começou a subir as escadas e então teve uma ideia súbita, talvez provocada pelo delírio da exaustão.
– Melisande.
A amiga olhou para cima, enquanto punha o xaile, junto à porta.
– Sim?
– Achas que és capaz de tomar conta do Jasper por mim?
Melisande, aquela senhora firme e imperturbável, ficou realmente de boca aberta, de espanto.
– O quê?
– Eu sei que é um pedido estranho, e neste momento estou meio louca de exaustão, mas preocupo-me com o Jasper. – Emeline sorriu à sua melhor amiga. – Olhas por ele?
Nesta altura, Melisande tinha recuperado.
– Claro, querida.
– Ah, ótimo.
Emeline acenou com a cabeça e recomeçou a subir as escadas, com menos um peso na alma.
Atrás dela, ouviu Melisande despedir-se, e ela deve ter murmurado qualquer coisa em resposta, mas só conseguia pensar numa coisa.
Precisava de dormir.
* * *
– ACHAS QUE Mister Thornton é realmente o traidor? – perguntou Rebecca mais tarde, nessa noite.
Estava ensonada, quase a dormitar em frente da lareira. Samuel levantara-se da cama para comer com ela uma ceia fria, e depois tinham-se retirado para ali. Ela devia estar a dormir; sentia-se exausta depois das aventuras do dia, mas parecia-lhe, de qualquer modo, que havia qualquer coisa que não estava bem.
À sua frente, Samuel segurava um cálice de brande e olhava para o lume através do vidro.
– Acho que sim. – Tinha o rosto amassado, novas escoriações sobre as antigas, que mal haviam começado a sarar, mas, mesmo assim, era-lhe muito querido.
Ela piscou os olhos, debilmente.
– Mas não tens a certeza absoluta.
Ele abanou a cabeça com determinação e esvaziou o copo.
– O Thornton é um mentiroso nato. É impossível dizer se na realidade teve ou não alguma coisa que ver com o massacre. Pode nem sequer se conhecer a si próprio… os mentirosos conseguem acreditar nas suas próprias mentiras. Duvido que alguma vez possamos ter a certeza.
– Mas – Rebecca reprimiu um bocejo – tu deste meia volta ao mundo para descobrires a verdade, para pores fim à questão do massacre. Não te perturba a possibilidade de Thornton não ser o traidor?
– Não. Já não.
– Não compreendo.
Um sorriso tremulou-lhe no rosto.
– Cheguei à conclusão de que nunca conseguirei apagar Spinner’s Falls da minha mente por completo. Não me é possível.
– Mas isso é horrível! Como…
Ele levantou uma mão para interromper o seu protesto preocupado.
– Mas o que aprendi é que posso viver com a memória. Que a memória faz parte de mim.
Ela fitou-o preocupada.
– Isso é horrível, Samuel. Viver com isso toda a tua vida.
– Não é assim tão mau – disse ele, baixo. – Já vivi seis anos a lutar com as minhas memórias. Acho que talvez até seja melhor agora, que eu sei que as memórias fazem parte de quem sou.
Ela suspirou.
– Não compreendo, mas, se estás em paz, fico contente.
– Estou.
Ficaram num silêncio amistoso durante uns minutos. Rebecca começou quase a dormitar. Um toro saltou no lume, e ela lembrou-se de que havia mais uma coisa que queria discutir com o irmão antes de adormecer.
– Ela ama-te, sabes?
Ele não disse nada, por isso Rebecca abriu os olhos para ver se ele tinha adormecido. Fixava o lume, os dedos entrelaçados frouxamente no colo.
– Eu disse, ela ama-te.
– Eu ouvi.
– E então? – Ela suspirou bruscamente, um pouco irritada. – Não vais fazer nada em relação a isso? O nosso navio parte amanhã.
– Eu sei. – Levantou-se, por fim, e espreguiçou-se, fazendo um esgar de dor quando qualquer coisa repuxou na ilharga. – Estás quase a adormecer nessa cadeira e depois tenho de te levar para a cama como uma menina pequena. – Estendeu a mão.
Ela colocou a mão na dele.
– Eu não sou uma menina pequena.
– Eu sei – disse ele, suavemente. Puxou-a para cima e ela ficou de pé à sua frente. – És a minha irmã que cresceu e se transformou numa senhora linda e interessante.
– Hum. – Ela franziu-lhe o nariz.
Ele hesitou, depois pegou-lhe na outra mão e acariciou-lhe os dedos com os polegares.
– Hei de voltar a trazer-te a Inglaterra em breve, se quiseres, para veres Mister Green ou qualquer outro cavalheiro em que possas estar interessada. Não tenho qualquer intenção de destruir as tuas esperanças.
– Na verdade, eu não tenho esperanças.
Ele franziu o sobrolho.
– Se estás preocupada com a nossa falta de linhagem, acho que…
– Não, não é isso. – Ela baixou os olhos, vendo as mãos dele a segurar as suas. As mãos estavam bronzeadas, embora já estivessem em Inglaterra havia semanas.
– Então, de que se trata?
– Eu gosto de Mister Green – disse ela com cuidado – e, se quiseres que eu continue a vê-lo…
Ele puxou-lhe as mãos até ela olhar para cima.
– Porque havia de me interessar que vejas ou não Mister Green?
– Pensei… – Oh, aquilo era embaraçoso! – Pensei que quisesses que eu o encorajasse ou a um homem como ele. Pensei que talvez gostasses do facto de ele ser um cavalheiro da alta sociedade inglesa, embora tenha um riso idiota. É tão difícil saber o que tu queres.
– O que quero é que tu sejas feliz – disse ele, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. – Poderia objetar se te desse para gostares de um exterminador de ratos ou de um avozinho de oitenta anos, mas, tirando isso, não me importa muito com quem te cases.
Rebecca mordeu o lábio. Os homens eram tão obtusos!
– Mas eu quero a tua aprovação.
Ele inclinou-se para ela.
– Já tens a minha aprovação. Agora precisas de começar a pensar no que tu aprovas.
– Isso torna tudo muito mais difícil – suspirou ela, mas sorriu ao dizê-lo.
Ele enfiou-lhe a mão na dobra do braço.
– Isso é bom. Assim, não tomarás decisões precipitadas. – Começaram a subir as escadas sombrias.
– Mmm. – Rebecca abafou um bocejo. – Tenho de te pedir um favor.
– Qual?
– Podes arranjar um emprego para o O’Hare?
Ele lançou-lhe um olhar interrogativo.
– Quer dizer, na América. – Reteve a respiração.
– Acho que posso – disse ele, pensativo. – Mas não há garantia de que ele o aceite.
– Oh, ele aceita – disse ela, com segurança. – Obrigada, Samuel.
– Nada – respondeu ele. Estavam nessa altura à porta no quarto dela. – Boa noite.
– Boa noite. – Ela viu-o virar-se e dirigir-se ao seu quarto. – Vais falar com Lady Emeline, não vais? – gritou-lhe ela, com ansiedade.
Mas ele pareceu não ouvir.
O SOL BRILHAVA através da janela quando Emeline acordou na manhã seguinte. Olhou para ela por um instante, sonhadora, antes de ser atingida por o que isso implicava.
– Oh, meu Deus! – Deu um salto da cama e tocou a campainha freneticamente a chamar uma criada. Depois, receando que a chamada demorasse muito, abriu a porta e berrou para o vestíbulo como uma vulgar peixeira.
Voltou para o quarto, encontrou um saco e começou a atirar coisas lá para dentro a eito.
– Emeline! – Tante Cristelle estava à porta, o cabelo ainda entrançado, com um ar horrorizado. – O que te possuiu?
– Samuel. – Emeline olhou para o saco aberto, roupa a transbordar para fora, e percebeu que não havia tempo para fazer malas. – O navio dele parte esta manhã. Pode já ter partido. Tenho de o impedir.
– Para quê?
– Tenho de lhe dizer que o amo. – Largou o saco e correu para o guarda-vestidos, para tirar o seu vestido mais simples. Nessa altura, Harris chegara ao quarto. – Depressa! Ajuda-me a vestir!
Tante Cristelle deixou-se cair em cima da cama.
– Porque há tanta pressa, eu não sei. Se esse homem não souber já que tens um tendre por ele, é um enorme imbecil.
Emeline lutava entre dobras de algodão.
– Sim, mas eu disse-lhe que não me queria casar com ele.
– E depois?
– Eu quero casar-me com ele!
– Tiens! Então fizeste um disparate ao ficares noiva de Lorde Vale.
– Eu sei! – Deus, ela estava a perder tempo a discutir, infrutiferamente, com tante Cristelle, quando o navio de Samuel podia estar naquele momento a descer o Tamisa. – Oh, onde estão os meus sapatos?
– Aqui, minha senhora – disse Harris, imperturbável. – Mas a senhora não tem meias.
– Não me interessa!
Tante Cristelle levantou as mãos no ar, implorando a Deus, em francês, que viesse em socorro da sua sobrinha tão transtornada. Emeline enfiou os pés nus nos sapatos e correu para a porta, quase deitando Daniel ao chão.
– Aonde vai, mamã? – perguntou inocentemente o seu filho único. Os seus olhos desceram para os tornozelos nus da mãe. – Olhe, sabe que não tem meias?
– Sim, querido. – Emeline deu um beijo distraído na testa de Daniel. – Nós vamos para a América e lá não usam meias.
Emeline deixou Daniel a gritar vivas, enquanto tante Cristelle e Harris tentavam acalmá-lo.
Correu pelas escadas abaixo, chamando por Crabs ao mesmo tempo.
Aquele cavalheiro imperturbável correu espantado para o vestíbulo.
– Minha senhora?
– Traz a carruagem. Depressa!
– Mas…
– E a minha capa. Preciso de uma capa. – Olhou, frenética, em volta do vestíbulo à procura de um relógio. – Que horas são?
– Nove e pouco, minha senhora.
– Oh, não!
Emeline tapou o rosto. O navio já devia ter partido. Samuel já devia estar no mar alto. Que havia de fazer? Não havia maneira de o apanhar, maneira de…
– Emeline. – A voz era grave e segura e, oh, tão familiar.
Por um instante, não se atreveu a ter esperanças. Depois, baixou os braços.
Ele encontrava-se à entrada da sala de estar, os seus olhos castanhos cor de café a sorrir só para ela.
– Samuel.
Precipitou-se para ele, e ele apertou os braços à sua volta. Mesmo assim, pelo sim pelo não, agarrou-lhe bem o casaco.
– Pensei que tinhas partido. Pensei que era demasiado tarde.
– Chiu – disse ele e beijou-a, num roçar suave dos lábios sobre a sua boca e faces e pálpebras. – Chiu. Eu estou aqui. – Puxou-a para a sala.
– Pensei que te tinha perdido – sussurrou ela.
Sam beijou-a com determinação, como que para provar que a sua existência era real. Os seus lábios afastaram suavemente os dela, e ele inclinou-lhe a cabeça para trás. Ela agarrou-lhe os ombros, deleitando-se com aquela liberdade de o beijar.
– Amo-te – arfou ela.
– Eu sei. – Os seus lábios vaguearam-lhe sobre a testa. – Ia ficar aqui na tua sala de estar até tu o admitires.
– Ias? – perguntou ela, distraída.
– Mmm.
– Que inteligente.
– Não se trata de inteligência. – Afastou a cabeça para trás, e ela viu que os seus olhos tinham ficado escuros e sérios. – Foi uma questão de sobrevivência. Tenho frio sem ti, Emeline. Tu és a luz que me mantém quente por dentro. Se te deixasse, acho que ia congelar até me transformar num sólido bloco de gelo.
Ela voltou a puxar-lhe a cabeça para a dela.
– Então, é melhor não me deixares.
Mas ele resistiu à sua impetuosidade.
– Casas comigo?
Sentiu um nó na garganta e teve de engolir em seco antes de responder em voz rouca:
– Oh, sim, por favor.
Os olhos dele continuavam sérios.
– Vais comigo para a América? Eu posso viver aqui em Inglaterra, mas seria mais fácil para os meus negócios se vivêssemos na América.
– E o Daniel?
– Gostava que ele fosse também.
Ela acenou com a cabeça e fechou os olhos porque era quase bom de mais.
– Desculpa. Eu nunca choro.
– Claro que não.
Ela sorriu.
– Não é habitual ter um rapaz ao pé da mãe, mas eu gostaria muito de o levar comigo.
Ele tocou-lhe no canto da boca com o polegar.
– Ótimo. Então o Daniel vai connosco. A tua tia também é bem-vinda…
– Eu fico cá – disse tante Cristelle atrás deles.
Emeline rodopiou.
A idosa senhora estava mesmo à entrada da porta.
– Tu precisas de alguém que trate das propriedades, do dinheiro, dessas coisas, sim?
– Bem, sim, mas…
– Então está decidido. E, claro, atravessas o oceano de anos a anos para eu poder ver o meu sobrinho-neto. – Tante Cristelle acenou a cabeça de satisfação por ter dado as ordens todas e saiu da sala, fechando a porta, sem fazer barulho.
Emeline virou-se para Samuel e viu que ele a observava.
– Será conveniente? – perguntou. – Deixar tudo isto? Conhecer pessoas novas? Viver num país novo, que não é tão sofisticado como este?
– Não interessa o sítio onde vivemos, desde que eu esteja contigo. – Emeline sorriu lentamente. – Além disso, tenciono fixar um novo padrão de sofisticação e graça em Boston. Afinal, lá ninguém esteve num dos meus bailes.
Ele sorriu-lhe, um sorriso aberto e feliz que, com todas as suas equimoses, o fazia parecer um pirata.
– Nem vão saber de que terra são, pois não?
Emeline fingiu franzir o sobrolho, mas depois puxou a cabeça de Samuel novamente para a sua, para poder beijá-lo. Com doçura, com felicidade. E, ao fazê-lo, murmurou, uma vez mais, contra os seus lábios:
– Amo-te.