AKIKO
Outono de 1951
O grito rasga o ar como o ribombar de um trovão.
— Onde está ela?
A minha senhora olha o neto nos olhos sem vacilar.
— Akira-san, acalma-te.
Acobardo-me junto à porta do escritório, com um tabuleiro de chá a tremer-me nas mãos. Estou no meio de uma tempestade.
— Onde? — explode ele, e dou por mim surpreendida com a sua ira.
A Yuko-sama cruza os braços.
— És um rapaz extremamente inteligente, Akira-san. Decerto compreenderás que isto era necessário.
As veias na testa do Akira-sama latejam, e os seus olhos estão tempestuosos.
— O que é que fez à Nori?
— Já não tens de te preocupar com ela. Se te faltar companhia, encontrar-te-ei alguns relacionamentos adequados.
O Akira-sama está claramente atordoado com a frieza dela.
— O que é que se passa consigo?
— A rapariga está bem — limita-se a dizer a Lady Yuko distraidamente. — Asseguro-te que ela não será prejudicada.
— Está a mentir — cospe ele.
Ela suspira.
— Caríssimo neto, esta conversa terminou. Chegou o momento de olhares para o futuro. — Ela esboçou um sorriso largo. — E que futuro brilhante irás ter!
Ele avança e, por uma fração de segundo, penso que a vai agredir. Creio que ela também pensa o mesmo. Mas depois ele abana a cabeça e dá meia-volta para se afastar, percebendo que não tem nada a ganhar com aquela conversa. Não hoje, pelo menos. Talvez nunca.
Deixo o tabuleiro sobre a mesa e sigo-o pelo corredor.
Ele lança-me um olhar cansado.
— Sabes onde ela está?
Começo a dizer que não, mas engasgo-me. Efetivamente não sei onde está a senhorinha. Mas sei que a ouvi gritar. Sei que ela não está bem. E eu não disse nada e deixei-a ir.
Como se aqueles olhos cristalinos pudessem ver diretamente o cerne da minha vergonha, o Akira-sama atira-me um último comentário antes de se afastar. Ele parece quase perplexo.
— Ela confiava em ti.
Baixo os olhos para o chão que acabei de esfregar esta manhã. A luz incide nele e fá-lo reluzir como 30 moedas de prata.
KIYOMI
Há 52 raparigas no hanamachi neste momento, 53 contando com a nossa mais recente aquisição.
E eu supervisiono-as. Pode não parecer grande coisa, mas nasci num chão de palha em 1921, a mais nova de quatro e a única rapariga. O meu pai produzia arroz e a minha mãe só tinha um braço bom, por isso nunca conseguiu arranjar trabalho, mesmo nas casas das pessoas ricas. Vivíamos num patético pedaço de terra que estava sempre inundado e cinzento. É tudo aquilo de que realmente me lembro. Bem, disso e da fome. Nunca havia comida. A colheita falhava ano após ano, e eu e os meus irmãos mais velhos também definhávamos. Quando eu tinha 9 anos, as minhas costelas atravessavam-me a pele e conseguia-se traçar a minha clavícula como um molde.
Eu era tão magra que o bordel a que o meu pai me vendeu quase não me aceitou.
Olho para a rapariga pálida ajoelhada à minha frente na sala escura e dou por mim a desejar, pela enésima vez, que a minha compaixão não tivesse murchado há tantos anos.
Pelo menos, não está a chorar. A maioria das raparigas que vêm parar às minhas mãos são menos do que nada, raparigas do campo com famílias que precisam mais de carne do que de outra filha inútil. Algumas vêm de boa vontade, sabendo que terão comida na barriga e uma cama onde dormir, mesmo que seja uma cama que terão de partilhar. Algumas são feias e outras são bonitas. Mas todas elas choram.
A Noriko não. Tem as costas direitas, as mãos dobradas no colo e os seus peculiares olhos olham fixamente em frente. Mesmo que ela esteja a esfiapar-se pelas costuras, não mo mostrará. Ela foi criada numa escola dura. A Yuko, aquela cabra velha, não mentiu em relação a isso.
— Sabes porque é que estás aqui? — pergunto, do modo mais brando que consigo. Não me compete intimidar as raparigas. Eu já fui uma delas. Elas vêm ter comigo com as suas queixas e eu faço o que posso, embora seja quase nada.
Ela não diz nada. Tem a boquinha a tremer. Os lábios são bonitos — já carnudos, embora seja uma menina de 11 anos, e agradavelmente macios —, mas tem uma covinha no queixo. Talvez alguns a achem cativante. Pelo que pagámos por ela, é melhor que ela venha a ser bonita. A mãe dela era uma beldade famosa. E mesmo que ninguém saiba quem é o pai ou como ele é, a não ser que teria pele escura, não consigo imaginar a Seiko Kamiza a pôr em causa um futuro assegurado por alguma coisa que fosse remotamente vulgar.
Bato com o pé.
— Noriko-chan, tenciono ser gentil contigo. Mas tens de fazer o que te mandam, senão as coisas vão correr-te mal. Tu pertences-nos agora.
É então que reparo em algo — uma pitada de rebeldia a passar-lhe pelo rosto assustado. Ela cerra as suas pequenas mãos em punhos.
— Não pertenço nada.
— Pertences — reitero, com paciência. Isto não é invulgar. É uma realidade difícil para qualquer rapariga assimilar: perceber que a sua família a tenha trocado como gado. Particularmente difícil para a filha de uma casa nobre, mesmo que ela não passe de uma bastarda. — A tua avó vendeu-te a nós. És nossa, para fazermos contigo o que quisermos.
Os olhos dela ficam molhados.
— Ela não faria isso. Isto é um teste.
Reviro os olhos. É uma idiota, esta rapariga.
— Não. Ela vendeu-te a nós. Ela aliviou-se de um fardo indesejável e aumentou a sua considerável fortuna.
Ela olha para mim.
— Sou neta dela — declara com firmeza, embora eu saiba que a sua coragem já lhe vai faltando porque consigo ver as mãos a tremer. — Ela própria o disse. Eu sou a sua carne e o seu sangue.
— Mas ela nunca te quis — replico eu, certificando-me de que a minha voz sai gelada. — Ela nunca perguntou por ti. Manteve-te fechada à chave e agora vendeu-te a nós. Vais viver aqui no okiya comigo e com as outras raparigas. E vais obedecer.
Consigo vê-la a mirrar, curvando-se sobre si mesma como uma boneca de papel.
— Não.
— A tua mãe desfez-se de ti — continuo, e vislumbro a agonia rápida que lhe cruza o rosto. — A tua avó desfez-se de ti. Elas não suportaram a vergonha que representas. Porém, aqui nós não temos grandes pretensões. Não temos quaisquer aspirações a não ser agradar aos nossos patronos. Pedimos-te que sejas asseada, que sejas bonita, que sejas obediente e sorridente. Consegues fazer isso, não consegues, querida menina?
Vejo as engrenagens a girar na sua cabeça enquanto procura encontrar um ponto de apoio. Não vai encontrar nenhum.
— O que é que me vão fazer? — sussurra ela.
Esboço um sorriso fácil e encantador.
— Nada. Pelo menos, durante muitos anos. Tu és especial, Noriko-chan. Não vais ser dada a um preço baixo. A tua virtude será preservada e dada apenas a um cavalheiro que seja digno dela. O que eu quero dizer é: a um que esteja disposto a pagar o preço mais alto por ela. A dignidade, na verdade, não tem nada que ver com isso, mas soa melhor desta forma.
Ela emite um guincho horrorizado, e começo a pensar que não faz ideia do tipo de negócio a que nos dedicamos nesta casa. Parece que a Yuko não se preocupou em educá-la sobre os factos da vida, ou sobre quaisquer factos, agora que penso nisso.
Se eu lhe dissesse que esta é, por vezes, uma casa de gueixas, outras vezes, um bordel, mas sempre uma casa que pertence discretamente ao seu avô, tão respeitável para o mundo exterior, ela provavelmente teria morrido e eu teria desperdiçado todo o meu dinheiro. Duvido que a pobre rapariga saiba o que é a yakuza ou a posição que conseguiram granjear desde que a guerra terminou. Tenho a certeza de que ela não percebe por que motivo terá alguma coisa que ver com ela. Nunca preocupou a sua linda cabecinha com organizações criminosas ou mercados negros, ou de onde o dinheiro da sua família continua a vir, apesar de o governo ter fechado a torneira.
No entanto, ela parece certamente preocupada agora. Pobre princesinha, atirada para a sarjeta com o resto de nós.
Agarrada ao estômago, a Noriko inclina-se tanto para a frente que a sua testa fica encostada ao chão.
— Por favor. Deixem-me ir.
Não sei se ela está a falar comigo, mas respondo na mesma.
— Não há para onde ir. Este é o único lugar para ti agora. — Ela não diz mais nada. Os seus joelhos perdem a força e ela fica estendida no chão, em silêncio, domada como um cavalo selvagem que agora é manso à minha vontade. — Agora já vais obedecer?
Ela ergue ligeiramente a cabeça, e consigo ver que tem o rosto coberto de lágrimas. Então, contém um soluço e anui com a cabeça.
Talvez não seja assim tão especial, afinal.
Havia um velho santuário atrás da casa principal, com flores vermelhas brilhantes a florir à sua volta como lágrimas escarlates. Nori gostava de pensar que estavam a chorar com ela pela existência da santidade ao lado de um pecado tão amargo. Ela passava tanto tempo quanto podia ajoelhada naquele lugar, a tecer coroas de flores no colo.
Kiyomi, como veio a perceber, afinal tinha menos regras do que a avó. Nori estava autorizada a sair à rua, podia vaguear por qualquer parte da casa, exceto pelos quartos de hóspedes, e podia comer sempre que quisesse porque Kiyomi queria que ela engordasse. No entanto, não havia criadas. Todas as raparigas tinham tarefas diárias. Quando Nori perguntou a Kiyomi qual era a sua tarefa, a mulher sorriu e disse-lhe para não se preocupar com isso. Nori devia passar os seus dias a ler poesia, a aprender a arte das cerimónias do chá e dos arranjos florais e a praticar violino, quer ela gostasse quer não.
— Podes tocar violino para os nossos convidados — explicou Kiyomi, com um sorriso irónico. — Devo dizer que não há aqui mais ninguém que saiba tocar esse tipo de música. Falta-lhes a tua educação. O rosto sombrio de Nori foi resposta suficiente. Kiyomi suspirou e virou o seu cabelo comprido sobre um ombro. — Não tens escolha.
Esta tarefa, pelo menos, era rara. Nas seis semanas em que ali tinha estado, só lhe tinham pedido para tocar algumas vezes. Sábado sim, sábado não, à noite, 20 e poucos homens entravam no grande salão a que Kiyomi chamava hana no heya: a sala das flores. Tinha chão de tatâmi, almofadas de seda e mesas baixas com lugares para o chá, um conjunto de portas de correr deixadas abertas revelavam um jardim aquático em flor. As fontes emitiam um som musical enquanto salpicavam as rochas lisas. Havia flores recém-colhidas em todas as mesas, dispostas em padrões elaborados para imitar origâmi. Nori tentava concentrar-se em toda esta beleza. Tentava não olhar para os homens.
Na sua mente, todos eles eram oni, ogres com rostos retorcidos e garras curvas. Tinham um aspeto horrível: gordos, desformados, cobertos de feridas e pelo, mais próximos das feras do que dos homens.
Mas não eram. Todos eles estavam bem vestidos, quer com yukatas leves de verão, quer com fatos feitos à medida, e alguns deles eram até… bonitos. As outras raparigas, que evitavam Nori desde o dia em que ela chegara, também não eram tímidas com eles. Não havia gritos nem choros. Quando Kiyomi batia as palmas, todas se apressavam como um bando de pavões desesperados para exibirem as caudas. Pareciam ser todas mais velhas do que ela. Tinham rostos cheios de rouge e lábios vermelhos e estavam vestidas como uma paródia horripilante de verdadeiras gueixas. Embora fizessem jogos e divertissem os homens com as suas tentativas de cantorias, Nori já sabia o que elas faziam quando saíam de mansinho da sala e levavam um homem pela mão.
Algumas delas trocavam sorrisos tímidos com alguns dos convidados e iam diretamente para as suas mesas. Kiyomi explicou-lhe, no início da primeira noite, que as melhores raparigas tinham todas clientes regulares.
— A Megumi recebeu uma pulseira de ouro do cliente dela — sussurrou ao ouvido de Nori. — E ele prometeu-lhe outra. — O rosto inexpressivo de Nori foi recebido com um sorriso azedo de Kiyomi. — Claro, isto não significa nada para ti, princesinha. Mas a maioria de nós aqui nunca pensou vir a saber qual é a sensação de tocar em ouro.
Nori ficou a um canto, vestida com um dos seus lindos quimonos novos, com o cabelo todo arranjado e a usar mais maquilhagem do que alguma vez usara na sua vida. Continuava a remexer-se, a resistir ao impulso de a tirar. Observara Kiyomi a passear-se pela sala, com um sorriso suficientemente radiante para obscurecer o sol, a rir-se e conversar com os homens como se fossem todos velhos amigos. Por vezes, um grupo de raparigas levantava-se e dançava ao som de um disco, ou Kiyomi acenava com a cabeça para que Nori tocasse uma música.
As raparigas dançavam bem. Envergando os seus quimonos coloridos, rodopiavam pela sala, enchendo-a de gargalhadas. Uma das raparigas mais jovens conseguia apoiar-se numa perna e estender a outra em direção ao teto com o pé elegantemente esticado. Quando a dança terminou, as raparigas jogaram aos dados com os homens, sempre a rir. Mesmo do seu lugar isolado no canto da sala, Nori reparou que as raparigas se certificavam de que deixavam os homens ganharem sempre.
A comida foi servida a meio do serão: travessas cheias de peixe fresco, cortado cru ou servido assado com ervas e especiarias. Havia sopas quentes de todos os tipos: carne de vaca, frango, camarão e proteínas estranhas que Nori nunca tinha comido. E havia saqué, muito, muito saqué, sempre a ser derramado por uma rapariga no copo de um cavalheiro.
A sala ficou, então, mais ruidosa. Nori viu um homem mais velho com cabelo preto e uma barba cinzenta deslizar a mão para dentro da roupa interior de linho de uma rapariga. Desviou o olhar. Akira teria tanta vergonha de a ver num lugar como aquele.
A sala começou a andar à roda e ela teve de apoiar a mão na parede. Pensar em Akira era traiçoeiro. Enchia-a de uma tal sensação de fraqueza odiosa que mal conseguia suportar.
A noite prosseguiu, cansando-a e fazendo com que os seus membros se sentissem como se estivessem a carregar areia. Ela esforçou-se por se manter direita, recordando as suas brutais lições para manter uma postura rígida em todos os momentos. Tocou até o braço ficar dorido e o pescoço rígido. A não ser para olhar para os dedos, Nori tentava não abrir os olhos.
Pouco a pouco, a tagarelice foi-se tornando mais silenciosa à medida que cada vez mais raparigas saíam do grande salão, com os homens à sua frente ou a seguirem atrás delas como cães de caça ávidos. Quando a Lua estava no seu ponto mais alto, todos tinham já saído. Kiyomi dirigiu-se a Nori e disse-lhe que podia recolher-se.
— Portaste-te bem esta noite. Tocas sempre melhor do que o esperado.
— Arigatou.
Kiyomi anuiu com a cabeça em sinal de aprovação.
— És muito talentosa, sabes? Não é realmente necessário, mas mal não faz. O tipo certo de homem há de apreciar isso.
Nori resistiu ao impulso de se retrair. A raiva fervilhou-lhe na barriga, mas manteve um tom doce.
— Ainda bem que acha agradável.
— Acho. Também és inteligente. Por isso, espero que aprendas. Virás ao meu quarto duas vezes por semana de manhã, e eu ensino-te o que precisas de saber.
Nori enrugou o nariz.
— Não quero saber nada que tenha para me ensinar.
Os olhos escuros de Kiyomi arrefeceram e ela cruzou os braços sobre o peito semiexposto.
— Vais ter de perder essa arrogância — replicou sem qualquer emoção. — Não te vai servir de nada aqui.
— Eu não devia estar aqui — sussurrou Nori, furiosa, desviando o olhar para evitar a formação de lágrimas. — Não está certo.
Kiyomi nem sequer lhe respondeu. Limitou-se a encolher um ombro magro perante o lamento inútil de Nori.
— Este é o único lugar para ti agora. Podes aceitá-lo com graciosidade ou podes debater-te e destruíres-te nesse processo. Em todo o caso, espero que faças o que digo.
Nori curvou a cabeça e não disse nada.
Na manhã seguinte, Kiyomi chamou Nori ao seu quarto.
Era surpreendentemente desarrumado para uma mulher que estava sempre tão bem arranjada. Havia roupas espalhadas pelo chão e pelo menos uma dúzia de cosméticos no toucador. Kiyomi estava vestida com um simples quimono vermelho. O seu cabelo estava escorrido, o rosto acabara de ser lavado e ela parecia… jovem. Quase inocente. Nori ainda não tinha reparado, mas aquela mulher tinha olhos bondosos.
— Então — disse Kiyomi, fazendo um gesto para que Nori se juntasse a ela na mesa de cartas. — Como te estás a adaptar?
Nori mostrou-se desagradada.
— Não pode estar a falar a sério.
— Mas estou, sim — disse a mulher, de modo muito prosaico. — Olha, não estou à espera de que gostes disto aqui. Mas não há razão para que seja mais difícil do que tem de ser. Presumo que o teu quarto seja confortável.
— Sim — disse Nori, sentindo a sua desconfiança a aumentar. — É. Obrigada.
— Ótimo.
A porta abriu-se e uma das raparigas entrou com um tabuleiro de chá. Pousou-o à frente delas e Kiyomi sorriu, acariciando-lhe a mão.
— Obrigada, Rinko. — A rapariga anuiu com a cabeça e saiu tão depressa como tinha surgido. — Agora — continuou Kiyomi. — Serve o chá, por favor.
Nori assim fez. Ficou orgulhosa por as suas mãos não tremerem.
Isto valeu-lhe um aceno de aprovação.
— Mexes-te bem. Tens uma graciosidade natural.
Nori corou.
— Eu… tenho?
Kiyomi riu-se.
— Não estás habituada a receber elogios, estou a ver. Eu também não estava.
Nori remexeu-se.
— Porque… porque é que me chamou aqui? Para… para beber chá?
Aquilo não parecia ser uma grande aula, embora, obviamente, ela tivesse ficado aliviada. Estava com medo de que a obrigassem a ouvir histórias horríveis ou, pior ainda, de ter de fazer… aquelas coisas. Como as outras.
A madame leu-lhe claramente a mente.
— Ninguém te vai tocar, Nori — disse Kiyomi, simplesmente. — Mais tarde, vou ensinar-te algumas danças e canções. A fazer arranjos de flores, preparar cerimónias de chá e coisas do género. No entanto, hoje, só quero falar contigo. Deves tornar-te bem versada na arte da conversa.
— Eu não sabia que a conversa era uma arte.
Kiyomi abanou um dedo.
— Para uma mulher, tudo é uma arte. Vou certificar-me de que aprendes isso rapidamente.
Nori teve um vislumbre do seu reflexo no chá. O peso de tudo o que tinha acontecido assentou-lhe diretamente nos ombros.
Foi levada a uma honestidade pouco sensata.
— Acho que não quero ser uma mulher — sussurrou ela.
Kiyomi fitou-a detidamente. Por breves instantes, pareceu também ela sentir o fardo invisível.
— Ah, minha querida — disse ela, com um sorriso que não lhe chegou aos olhos. — Alguém tem de o fazer.
Nori não dormiu nessa noite. O ar da noite estava pegajoso, embora já estivessem em meados de outubro. Tanto quanto percebia, o calor decidira deixar-se ficar só para a irritar. O quarto dela não tinha janelas e ela raramente se aventurava a sair dele, a não ser para cumprir as suas obrigações, para as refeições ou para usar a casa de banho. As outras raparigas comiam todas juntas à hora das refeições, mas Nori não. Quando ela queria comer, o que normalmente era apenas uma vez por dia, ia até à cozinha e dizia aos homens rudes com os braços tatuados o que queria. Eles olhavam para ela como se fosse uma ratazana que se tinha atirado aos armários para roubar queijo, mas davam-lhe sempre o que ela pedia. Costumava comer no seu quarto. Tinha uma porta que dava diretamente à área exterior, onde, muito para lá das mesas postas para os convidados, havia um pequeno bosque que oferecia uma sombra muito necessária. Às vezes, se lhe apetecesse, comia na rua ou sentava-se na relva e fazia tricô. Parecia que nunca ninguém lá ia e, embora não fosse nada de especial, era um lugar onde podia sentir-se ligeiramente menos enjaulada.
O calor tornou-se demasiado intenso. Ela despiu a camisa de noite e embrulhou-se apenas num roupão de seda — um dos presentes de despedida da avó. O tecido caro era fresco em contacto com a pele. Pela enésima vez, questionou-se porque é que tanto tempo e dinheiro haviam sido investidos em si. Seguramente, a avó podia simplesmente ter mandado matá-la e acabar com o assunto de vez. A única coisa em que Nori conseguia pensar era que a morte seria demasiado rápida. Ela tinha de ser punida pelos pecados da sua mãe e do seu pai, pelos pecados dos seus compatriotas que nunca conhecera, pelos pecados de todas as raparigas indesejadas que a tinham precedido. Era, seguramente, muita gente e seria preciso mais de uma vida para expiar os pecados de todos eles.
Apanhou o cabelo no topo da cabeça, enrolando a trança comprida e prendendo-a com três ganchos robustos. Era agradável sentir o ar no pescoço. Abriu a porta de deslizar que conduzia ao pátio e dirigiu-se para o recanto por baixo das árvores.
Não era mais fresco, mas era, de alguma forma, reconfortante. O sossego ajudou a deixá-la ainda mais entorpecida. Nori percebera, mal chegara àquela casa, que essa era a única forma de sobreviver. Encostou os joelhos ao peito e deixou a relva deslizar entre os dedos esticados. Não lhe restava energia nem fé para rezar, mas, nos seus momentos mais privados, sussurrava para ninguém em particular que tudo iria correr bem.
Naquela noite, uma voz respondeu.
— Com quem estás a falar? — perguntou a voz.
Nori rodopiou, sobressaltada, com os seus olhos a esforçarem-se por encontrar a fonte do som. Não era um deus ou um salvador. Pelo contrário, era uma rapariga gorducha com uma túnica cor-de-rosa muito feia. A rapariga sorriu-lhe e estendeu-lhe uma mão, que estava coberta de tinta que não parecia ainda completamente seca. O seu sorriso revelou um grande espaço entre os dois dentes da frente.
— Chamo-me Miyuki — disse ela. Tinha um forte sotaque provinciano, tão forte que Nori teve dificuldades em compreendê-la. — Tenho visto como tocas no salão grande. É muito bonito.
Nori pestanejou.
— Chamo-me Noriko.
Estendeu a sua mão e apertou a que lhe era oferecida, que estava, como ela suspeitava, coberta de tinta molhada.
— Oh, desculpa — disse Miyuki, com uma gargalhada. — Estava a escrever. Mas não escrevo muito bem. Faço sempre uma trapalhada. Aposto que escreves mesmo bem.
— Eu não escrevo muito.
A estranha rapariga deixou-se cair ao seu lado, sem ser convidada, e limpou as mãos sujas na relva.
— Estava a escrever uma carta à minha irmã.
Nori olhou para ela, então, com toda a atenção. Miyuki tinha a pele bronzeada e lábios finos que pareciam ter sido demasiado esticados para cobrir uma boca larga. O cabelo era espesso e, naquele momento, todo emaranhado. Ela era baixa, mais baixa até do que Nori, e muito mais rechonchuda. Apesar desse aspeto roliço, não tinha muito peito. Toda a sua gordura parecia ter assentado nos braços e nas pernas. Mesmo assim, era um tipo confortável de gorda que sugeria afeto. E tinha uns olhos bonitos. Nori achou que ela não podia ter muito mais de 14 anos.
— À tua irmã?
Miyuki sorriu.
— Sim. Ela tem só 4 anos, por isso ainda não sabe ler. Mas sinto-me um bocadinho melhor quando lhe envio alguma coisa. Ela ficou lá em Osaka. Neste momento, está num orfanato, mas será só durante algum tempo, até eu pagar a minha dívida. Depois vou buscá-la.
Nori mordeu o lábio.
— Então os teus pais estão…
— Mortos — disse Miyuki quase de imediato. — A minha mãe morreu logo a seguir à Nanako, a minha irmã, ter nascido e o meu pai ficou ferido na guerra. Ele nunca recuperou totalmente e morreu alguns meses depois da minha mãe.
Instantaneamente, Nori sentiu um raio de culpa percorrer o seu corpo. A sua respiração parecia arranhar-lhe.
— Sinto muito.
Miyuki deu a entender que não era grave.
— Ele não era o melhor.
— Ainda assim, tenho muita pena.
Miyuki virou-se na relva de modo a olhar para Nori de frente.
— Ouvi dizer — disse ela, baixando a voz — que a tua avó era uma princesa. É verdade?
Nori não gostou do rumo que a conversa começava a tomar.
— Sim, é verdade.
A rapariga gorducha ao seu lado pareceu brilhar.
— Então isso significa… que também és uma princesa?
— Não. Os americanos despojaram toda a realeza menor do nosso estatuto imperial, pelo que já não nos é permitido utilizar títulos. Além disso, eu sou apenas uma bastarda.
O desapontamento de Miyuki foi óbvio.
— Oh.
— Desculpa.
— Oh, não, não faz mal — disse-lhe Miyuki, voltando a arrebitar. — Ainda assim, o que é que estás aqui a fazer?
— Foi para aqui que fui enviada — respondeu Nori secamente. — É aqui que estou.
Miyuki anuiu. Parecia que toda a gente no hanamachi compreendia isso. Não era preciso fazer mais perguntas.
— Fui para o orfanato há cinco anos. Depois vim para cá e já cá estou há dois anos. Vou ter de ficar cá mais dois anos, depois posso ir buscar a Nanako.
Nori arrancou um fio de relva do chão.
— Optaste por vir para aqui?
O sorriso de Miyuki foi pesaroso.
— Muitas das raparigas que aqui estão fizeram isso. Não é pior do que o que tínhamos antes. Eu… eu podia ter ficado no orfanato sem problemas. Alimentavam-nos e eram simpáticos a maior parte do tempo. Mas a Nanako é delicada. Sempre foi, desde que era bebé. Por isso, decidi que tinha de a tirar de lá. Precisava de dinheiro para isso. — Respirou fundo como se quisesse provar a sua convicção. — Vou terminar o meu contrato. Fico aqui durante quatro anos e depois recebo dinheiro suficiente para ir buscar a minha irmã. Posso estabelecer-me aqui perto, continuar a trabalhar. Criá-la em condições. — Ela riu-se. — Vou fazer com que ela aprenda a escrever muito melhor do que eu, isso é certo.
Nori não sabia o que dizer. Além disso, aquela conversa estava a fazê-la pensar em Akira. E isso era absolutamente proibido. Nunca mais o voltaria a ver. Ela dizia isso a si própria e engolia a agonia dessa realidade. Nunca mais o voltaria a ver.
Nori levantou-se.
— Eu devia ir para a cama agora.
Miyuki também se levantou.
— Não te queria incomodar.
Nori forçou-se a sorrir.
— Não me incomodaste, Miyuki-san.
Miyuki sorriu de volta, revelando o espaço entre os dentes.
— Oh, pode ser só Miyuki. Eu devia voltar a tentar escrever esta carta idiota, de qualquer maneira.
Virou-se e afastou-se, enfiando as mãos nos bolsos. Nori viu-a atravessar o pátio. Sentiu um nó na garganta.
— Ano… Miyuki-chan?
A outra rapariga virou-se, com os seus lindos olhos cor de avelã bem abertos.
— Sim?
— Será que… talvez te possa ajudar a escrever essa carta…
O sorriso de Miyuki aumentou.
— Eh, Hontoni? Ajudavas-me mesmo?
— Sim, bem... Na verdade, nem estou cansada. Portanto, se quiseres ajuda…
Animada, Miyuki correu na direção de Nori e agarrou-lhe os pulsos, puxando-a para a frente antes que ela tivesse oportunidade de pestanejar.
— Noriko-chan! Isso é ótimo!
— Não é nada de…
Mas Nori não conseguiu terminar a sua frase.
— Também sabes escrever em inglês?
— O quê? Sukoshi. Só um bocadinho.
Miyuki disparou a toda a velocidade para dentro de casa, arrastando Nori com ela. Nori já se perguntava porque é que se tinha oferecido para ajudar. Tinha de se levantar cedo pela manhã para ajudar Kiyomi com arranjos de flores e, francamente, achou que era uma perda de tempo escrever uma carta a alguém que não sabia ler.
Mas não tentou retirar a mão.
Tudo o que tinha que ver com as suas tarefas mantinha-as separadas, mas encontraram formas de estarem juntas. Nori tinha aulas com Kiyomi de manhã e à noite praticava violino. Durante a tarde, Kiyomi permitia-lhe, a contragosto, tirar algumas horas para ler. Nori tentava manter os seus estudos o máximo que podia. Tinha permissão para ler alguns livros que Kiyomi encontrara por lá. Apesar de Kiyomi ter zombado e de lhe ter dado um longo sermão sobre como isso era inútil, fornecera-lhe algum papel e canetas. A única coisa que Kiyomi encorajava era o interesse de Nori em aprender inglês, dizendo que poderia vir a revelar-se útil um dia.
A vida de Miyuki era muito diferente. Acordava ao amanhecer e ia ajudar nas cozinhas. À tarde, tinha de lavar o grande alpendre de madeira que rodeava a casa e deixá-lo a brilhar. Aparentemente, isto era porque Kiyomi a considerava demasiado desajeitada para limpar o pó ou fazer outras tarefas dentro de casa. Aquela casa era velha e, embora estivesse bem conservada, com chão novo e paredes acabadas de pintar, requeria cuidados constantes. Havia quartos privados para os hóspedes, mas estes não eram para uso diário. As raparigas dormiam nos quartos mais pequenos na ala oeste da casa, que não era tão bem mantida. Miyuki partilhava um quarto com outras duas raparigas.
— Não é assim tão mau — disse Miyuki, muito rapidamente. — Eu e a Nanako, no orfanato, partilhávamos um pequeno colchão de palha. Tenho mais espaço aqui do que aquilo a que estava habituada.
Só acabavam as tarefas à noite, altura em que as duas raparigas encontravam tempo para estarem juntas, para partilharem os seus segredos e os seus receios. Nori não sabia se elas eram verdadeiramente amigas. Ela não sabia nada sobre amizade, tirando o que lera nos livros. Além disso, elas nunca se teriam conhecido se não fosse a infelicidade das suas vidas e não tinham quase nada em comum a não ser o azar.
Bem… talvez fosse mais do que isso. E mesmo que não fosse, talvez isso bastasse.
Encontravam-se no quarto isolado de Nori e aninhavam-se no chão à luz de duas velas. «Luzes apagadas» era uma das regras mais permissivas, mas continuava a ser uma regra. Nori certificava-se sempre de ter uma bandeja de guloseimas pronta para Miyuki. A rapariga mais velha dizia que estava constantemente com fome e Kiyomi nunca a deixava comer o suficiente.
— Ela pensa que sou gorda — afirmou Miyuki, rindo e enfiando um pouco de mochi na boca. — Ela tem razão, claro. A minha mãe dizia sempre que não sabia como é que eu conseguia ser tão gorda com tão pouca comida lá por casa.
Nori acenou com a cabeça. Como de costume, Miyuki estava a fazer a maior parte da conversa. Nenhuma das duas parecia importar-se com isso. Ela bebeu um gole de chá e depois manteve a chávena entre as mãos para se aquecer. Uma peça de tricô estava esquecida ao seu lado.
Miyuki coçou o nariz.
— Talvez eu não devesse comer tanto. Conseguiria melhores clientes. Mais dinheiro. Sair daqui mais depressa.
Nori tentou ser solidária, embora falar sobre o verdadeiro negócio que se desenrolava ali ainda lhe desse volta à barriga.
— Tenho a certeza de que mais cedo ou mais tarde…
— Eu não sou como tu, Nori — disse Miyuki subitamente, limpando a boca com as costas da mão.
— O quê?
— Eu não sou bonita. — Não era um apelo à comiseração nem uma pergunta, mas a constatação de um facto.
Nori suspirou e pousou a chávena de chá.
— Não sou especialista em beleza.
— Mas ainda assim és bonita. E és inteligente. Tens-me ajudado com a minha escrita e a minha leitura, apesar de eu não ser boa nisso. Sabes ler poesia, sabes ler inglês.
Nori cruzou os braços.
— Eu tinha muito tempo livre no sótão. Não tinha nada para fazer a não ser ler. E o meu inglês é horrível. É que… Eu gosto de tentar. E o Akira-san… ele era realmente brilhante, sabes, e eu queria que ele ficasse…
Orgulhoso.
— Ele parece ser maravilhoso — disse Miyuki, apoiando o queixo nas mãos.
E era.
— Podes corrigir a tua leitura — disse Nori, mudando de assunto como sempre fazia quando seguia por aquele caminho. Ela dava por si a falar de Akira mais do que devia com Miyuki, mas era demasiado doloroso. A sua sobrevivência baseava-se na sua capacidade de esquecer. — Mas não podes evitar que a Atsuko e a Mina tenham sido as únicas a despertar atenções este mês. Não há clientes novos suficientes, mesmo com a economia a correr tão bem, sendo os nossos preços aquilo que são, e os clientes habituais têm as suas favoritas há anos em alguns casos.
Miyuki sorriu.
— Como é que sabes tudo isto? A Kiyomi-san mal te deixa dizer «olá» ao resto das meninas. Estás sempre sozinha.
— A Kiyomi menciona coisas durante as nossas aulas — respondeu sem rodeios. — Ela descai-se, penso eu, e às vezes fala comigo como se fôssemos… — Nori não podia dizer «amigas». Sabia que elas não eram amigas.
Miyuki perscrutou o quarto bem mobilado. Os seus olhos recaíram num colar de pérolas atirado à pressa para cima do toucador.
— Que sorte.
Nori fechou os olhos para conter a sua frustração. Não fazia sentido ficar zangada com alguém que tinha muito pior sorte do que ela. Quando falou, certificou-se de que a sua voz estava calma.
— Sou um porco a ser engordado para ser abatido, nada mais. A minha diferença, a minha estrangeirice, o meu isolamento cultivado é o que eles vão usar para me venderem como… — Nori fraquejou e não terminou a frase.
Miyuki ficou embaraçada.
— Não te queria aborrecer.
— Não o fizeste — assegurou-lhe Nori. — Não o fizeste. Não me posso queixar, tendo em conta a tua vida.
Miyuki exibiu o seu sorriso com o espaço entre os dentes.
— Está tudo bem. Eu não estava a obter nada antes. Houve rapazes, mas eles nunca faziam nada do que me prometiam. Pelo menos, é melhor assim. Posso conseguir alguma coisa, para mim e para a Nanako. — De repente, o seu rosto brilhante entristeceu-se. — Sabes, não consigo pensar para que outra coisa eu serviria. E eu não me importava de fazer isto, mas… — A sua voz desvaneceu-se. Não queria a irmã exposta àquela vida, e Nori não a podia censurar.
Nori puxou pela cabeça em busca de algo compreensivo para dizer. Esta não era a sua especialidade.
— Hás de servir para outra coisa. Aprendes depressa. E aposto que és maravilhosa com crianças. Podias ser professora ou… — Pensou brevemente em Akiko, antes de empurrar a memória de novo para baixo. — Há muitas coisas que podias fazer. Eu acredito nisso.
Miyuki sorriu tristemente.
— Tu és especial, Nori. E não da maneira que eles acham. É fácil de ver que, num mundo diferente, tu poderias ser praticamente qualquer coisa. Mas eu não sou assim. Não tenho muita coisa em mim que seja especial. Cuidar de Nanako é praticamente a única coisa que me vejo a fazer bem e, neste momento, nem isso posso fazer.
Nori aproximou-se de Miyuki e pegou-lhe nas mãos. Ao contrário das suas próprias, estavam cobertas de calos.
— Vais tê-la de volta — disse Nori, como se ela tivesse algum poder para fazer tal coisa acontecer. Também nada lhe tinha dado qualquer prova de que isso fosse verdade, mas deu por si a dizê-lo: — Vais tê-la. E isso é suficientemente especial. Amar alguém… dessa maneira… — O sorriso irónico de Akira e os seus olhos cinzentos tempestuosos apareceram na sua mente. Teve de se calar. Respirar. Recomeçar. — Quando uma pessoa tem isso, não precisa de mais nada.
Miyuki pestanejou para conter as lágrimas.
— Quem me dera poder ajudar-te.
Nori sorriu, embora agora houvesse lágrimas nos seus próprios olhos.
— Está tudo bem.
Agora estavam ambas a chorar.
— Não, não está — sussurrou Miyuki, reconhecendo finalmente o que ambas sabiam, mas nunca admitiam. Ela já não sorria. Ela não fazia quaisquer tentativas para qualificar a sua dor.
Nori anuiu.
— Eu sei.