um

A CULPA

Todo homem é culpado por todo o bem que não fez.

– Voltaire

Todo o meu ser estava concentrado numa única gota de líquido prestes a cair. Enquanto o latejar na cabeça diminuía, as perguntas começaram a surgir na minha mente. Onde estou? Como cheguei aqui? Minha curiosidade foi satisfeita quando a vista se ajustou e pôde se concentrar no cateter conectado a uma bolsa de soro junto à minha cama. Era óbvio que eu estava num quarto de hospital, mas não me lembrava do que tinha acontecido comigo. Será que ainda fazia parte desta vida, ou me encontrava em algum outro lugar? Minhas percepções eram fortes, mas, de alguma forma, diferentes.

De repente, tive uma opressiva sensação de estar preso – encarcerado em meu próprio corpo. Abri a boca para gritar, mas nenhum som saiu. Um estranho grupo de indivíduos surgiu diante de mim. Eu já tinha visto aqueles rostos num passado talvez remoto. Um rosto em especial se destacava dos demais. Era o de um homem com uma expressão forte, que parecia me transpassar. Eu sabia que por trás daqueles olhos havia algum tipo de grande sabedoria. Será que ele tinha todas as respostas para as minhas perguntas? Será que queria revelá-las a mim? O rosto dele pareceu ficar maior enquanto se aproximava de mim. O homem estava prestes a abrir a boca para falar quando o cenário mudou.

De repente, voei por uma janela e, diante de mim, havia a incrível cena de um pôr do sol violeta, azul, cor-de-rosa e laranja. Tive a sensação de que o céu estava em festa, como se suas cores estivessem vivas e pulsantes. Então, todos os matizes se misturaram de maneira encantadora, formando uma grande quantidade de arranjos de flor, paisagens e arco-íris. Enquanto eu tentava entender esse fascinante cenário e descobrir seu significado, o homem do quarto do hospital apareceu novamente. Desta vez, ele falou. Porém suas palavras foram abruptamente abafadas pelo som estridente de um telefone.

Despenquei de volta à realidade e fiquei aborrecido por não ter podido ouvir a mensagem do espírito no meu sonho. Cegamente, estendi o braço para pegar o telefone.

– Alô – atendi irritado.

– Oi, James. Acorda. É a Annie da KPZ. Pronto para o show do rádio?

– Quanto tempo eu tenho?

– Cerca de 20 minutos.

Empurrei as cobertas para o lado e iniciei meu ritual matutino, agradecendo ao Universo por me dar mais um dia de vida, e pedindo a luz divina como proteção. Corri para a cozinha e preparei minha cafeteira para duas xícaras de café. Excitado, peguei um bloco e uma caneta para o show do rádio. Para mim, era útil anotar as mensagens quando os espíritos se manifestavam.

Enquanto esperava que o café ficasse pronto, refleti sobre o meu sonho e não pude deixar de especular sobre o seu significado. Durante todo o meu trabalho como médium espiritual, descobri que os sonhos nos revelam muitas coisas importantes, mas é preciso dedicar um certo tempo para descobri-las e saber como usar as informações. Para compreender o significado de um sonho, meu primeiro passo é anotá-lo. Se não fizer isso, com o passar do tempo provavelmente irei me esquecendo dos detalhes.

Durante o dia, quando estamos conscientes, nossa mente é bombardeada por uma enorme quantidade de estímulos. Embora geralmente não percebamos tudo o que acontece ao nosso redor, nosso eu mental, emocional, físico e espiritual é muito afetado pelos pensamentos e imagens que nos chegam. A mente subconsciente armazena esses estímulos e, quando dormimos, repete as impressões do dia sob a forma de vários tipos de sonhos.

Existem os sonhos telepáticos. Neles, nossos entes queridos já falecidos podem estar tentando nos transmitir uma mensagem.

A premonição é outro tipo de sonho. Nele podemos ver, sentir ou vivenciar um acontecimento futuro. Em 1994, sonhei com um trem entrando pela parede da minha sala de jantar. Não vi o trem em si, mas senti o que parecia ser um trem no sonho. O barulho era grande, e a casa inteira tremia. Copos de vinho voavam das prateleiras e se espatifavam no chão. Três dias depois, às 4h31 da manhã, o terremoto Northridge atingiu Los Angeles. Enquanto saía correndo do meu quarto, vi objetos caindo das prateleiras e vidro quebrado por todo o chão da sala de jantar. O sonho com o trem era um sinal de aviso. A vivência de um terremoto real muitas vezes se assemelha à passagem de um trem. Uma pessoa não precisa necessariamente ser médium para ter um sonho premonitório.

Enquanto olhava para o meu bloco em branco, revi na mente as imagens do sonho para tentar entender seu significado. O sonho da noite anterior parecia ter me afetado especialmente. Senti que aquele homem, quem quer que ele fosse, tinha uma mensagem muito forte para me transmitir, e eu não descansaria até conseguir decifrá-la. Anotei em detalhes todas as imagens e cenas do sonho. Ao fazer isso, vieram à minha mente a miríade de pensamentos e vivências que o espírito leva consigo quando deixa o mundo físico. Pensei nos assuntos não resolvidos que deixamos para trás e em como eles nos impedem de viver em total liberdade e alegria. Todas as pessoas, estejam mortas ou vivas, têm assuntos pendentes. Por que isso acontece?, eu me perguntei. Por que as almas escolheriam passar, enquanto no corpo físico, por experiências extremamente traumáticas que definem suas ideias, sua personalidade e sua vida, e então deixar o mundo sem respostas para seus problemas? Por que nos agarramos a experiências dolorosas? Será que algo positivo pode vir dessas experiências?

A resposta veio rapidamente: lições.

Todas as nossas situações de vida acontecem para que possamos aprender. Essas experiências são verdadeiros presentes para a alma. Embora as embalagens dos presentes possam não ser como gostaríamos ou esperávamos, seus conteúdos são exclusivamente criados para nós. O Universo é perfeito, assim como sua cronometragem. Uma alma passa pelas lições emocionais mais comuns e desafiadoras da vida em sua busca por compreensão e segue adiante em seu desenvolvimento.

Minha frustração crescia à medida que eu tentava descobrir as lições que poderiam ser aprendidas com meu sonho. Mas eu precisava me aprontar para o show do rádio e teria que esperar até aquela noite para decidir se seria possível obter respostas para as minhas perguntas. O telefone mais uma vez interrompeu meus pensamentos. O show estava prestes a começar.

Foi minha culpa

– Temos um de nossos convidados favoritos no show de hoje. Ele é o mundialmente famoso médium espiritual James Van Praagh. Oi, James. Seja bem-vindo novamente ao show – Rona disse. Ela era a DJ de um dos mais populares shows de rádio do país e, ao longo dos anos, me convidara muitas vezes.

Antes de começar a receber mensagens, levo algum tempo concentrando minha energia. Depois, focalizo a mente para preparar-me para ouvir, sentir ou ver qualquer um dos espíritos que esteja perto da pessoa que telefona para o programa.

– Hoje temos a Theresa na linha. Diga oi para o James, Theresa.

– Oi, James – Theresa cumprimentou.

Ao ouvir o som da voz da pessoa que está do outro lado da linha, eu me concentro nela para ver se há energias ao seu redor. Quando Theresa falou, ouvi uma voz bem estridente e recebi uma impressão. No centro da mente, vi um homem jovem bem junto do ombro esquerdo da moça e soube instintivamente que era irmão dela.

– Bom dia, Theresa – eu disse. – O seu irmão morreu com mais ou menos 22 anos?

– Sim – ela respondeu.

O irmão então projetou uma cena na minha consciência. Ela continha sangue e partículas pretas correndo por uma veia humana. A seguir, vi um braço marcado por picadas de agulha. O jovem estava chorando.

– Seu irmão está me passando a impressão de que morreu de overdose. Isso está correto?

Pude ouvir Theresa suspirar. Aparentemente essa confirmação a impactara, como se ela estivesse vivenciando a agonia da morte do irmão outra vez. Ela começou a chorar. Após alguns momentos, sussurrou:

– Sim.

O espírito então me enviou seu nome: Mark.

– Mark está me dizendo que sente muito. Ele não pretendia ir embora desse jeito.

Theresa voltou a chorar e então, de repente, ficou em silêncio.

Rona rapidamente interveio.

– Theresa, você ainda está aí?

Alguns segundos depois, Theresa gritou.

– Foi minha culpa. Eu deveria tê-lo feito parar. Foi por minha culpa que ele morreu. Eu queria fazê-lo parar, mas não consegui.

Naquele momento, Mark me enviou pensamentos, pedindo que dissesse à irmã que parasse de se culpar por isso.

Eu disse a ela:

– Essa foi uma escolha dele. Você não teve nada a ver com isso. Mark ama você.

Theresa continuava chorando. Finalmente ela reagiu:

– Ele me telefonou aquela noite. Tinha certeza de que era ele, mas não consegui pegar o telefone. Talvez estivesse drogado e eu simplesmente não podia lidar com aquilo outra vez.

– Quem é Roger? – perguntei.

A menção de Roger a fez chorar de novo.

– Oh, meu Deus. Não consigo acreditar nisso! Diga a ele que sinto muito. Por favor!

– Mark pode ouvir seus pensamentos, Theresa. Você pode dizer a ele diretamente que sente muito.

Rona interveio:

– Você conhece alguma pessoa chamada Roger, Theresa?

– Conheço, sim. O Roger é um antigo namorado meu. Eu o apresentei a meu irmão. Eu não sabia que ele traficava cocaína.

A pobre da Theresa continuou a soluçar. Rona e eu tentamos consolá-la, mas ela prosseguiu no seu lamento.

– Se eu não os tivesse apresentado, meu irmão estaria vivo hoje. Foi o Roger quem vendeu as drogas que o mataram.

Eu imediatamente disse a Theresa:

– Seu irmão está dizendo que você não fez nada de errado. Ele precisava descobrir por si mesmo. Se você quiser fazer alguma coisa por Mark, por favor, perdoe a si mesma. Ele não gosta de vê-la sofrer.

Theresa então pediu:

– O senhor pode perguntar o que ele queria naquela noite quando me telefonou? Não consigo parar de pensar nisso. Eu deveria ter pego o telefone.

Enviei uma mensagem telepática a Mark perguntando o motivo de sua ligação. Ele me mostrou fotografias espalhadas sobre uma cama.

– Ele está se referindo a fotografias numa caixa de sapato. Você compreende?

– Sim – ela respondeu.

– Mark está dizendo alguma coisa que soa como “bomica”, “bomipa”, ou mais como “bonita”. Não tenho certeza do que isso significa.

Theresa reagiu com espanto.

– Meu Deus. Eu era a irmã mais velha e tomava conta dele. Quando estava aprendendo a falar, ele me olhava e dizia “Você é bomica”, porque não conseguia pronunciar “bonita”. Ele dizia: “Eu amo você, bomica.”

Pude sentir o alívio na voz dela.

Rona interrompeu:

– Obrigada, Theresa. Agora temos de atender outra chamada.

– Espere! Posso dizer mais uma coisa? – ela pediu.

– Sim, vá em frente – Rona respondeu.

– As fotografias que o senhor mencionou. Mark de fato guardava fotos numa caixa de sapato. Quando o encontraram em seu quarto, havia fotografias de nós dois quando éramos pequenos espalhadas por todo o chão.

Eu a interrompi para transmitir-lhe que, naquele momento, o irmão dela estava dizendo: Eu amo você, Bonita.

Por causa das limitações de tempo de um programa de rádio, é difícil dar às pessoas que telefonam toda a ajuda de que precisam. Era impossível resolver o sentimento de culpa de Theresa em relação a Mark em alguns minutos, por telefone. Geralmente eu ajudo a pessoa a encontrar um terapeuta na cidade onde mora.

Durante o intervalo, depois do telefonema, perguntei ao diretor do programa se poderia me comunicar com Theresa fora do ar.

– O irmão dela está me implorando para falar com ela mais um pouco.

O diretor concordou: e, após o show, telefonei para Theresa, que continuava chorando.

– Você não está se sentindo melhor depois de falar com seu irmão? – perguntei.

– Sim, mas ainda me sinto culpada por não tê-lo ajudado quando ele precisou de mim.

– Isso é algo que você terá de elaborar para se perdoar.

Logo em seguida, Mark começou a comunicar-se e levou nossa conversa para uma direção bastante inesperada: Diga a minha irmã que eu tinha voltado para a Terra para aprender uma das lições mais importantes da minha vida.

– Que lição foi essa? – perguntei a Mark.

Ele continuou: Como uma alma, tive de aprender a não deixar que as drogas me impedissem de lidar com as experiências rotineiras da vida. Vivi diversas vidas anteriores, nas quais consumi álcool e drogas em excesso. Morri de overdose em outras duas vidas. Dessa vez, voltei para ver se podia derrotar essa personalidade viciadora. Foi isso o que vim fazer nessa vida. Era um teste para ver se eu tinha crescido.

Transmiti aquelas informações a Theresa.

– Você está me gozando? – ela me perguntou, com rispidez.

– Não. É isso o que ele está dizendo.

Mark explicou melhor: O vício é uma lição difícil de ser aprendida. A pessoa se droga para não se sentir responsável. É a maneira cômoda de não lidar com os estresses e as escolhas da vida. Acho que não fui suficientemente forte, ou que não acreditei em mim mesmo o bastante para derrotar o vício, apesar de ter tentado. Você melhora com cada oportunidade de vida. Precisarei fazer tudo isso novamente, mas prometi a mim mesmo que vou superar esse vício. Por falar nisso, obrigado por todas as orações.

A profunda percepção de Mark nos deixou estupefatos.

Theresa perguntou:

– Onde é que ele está agora?

– Ele diz que está num lugar de reflexão, como um hospital. Ele sabe perfeitamente que é uma alma e quer ajudar você e outras pessoas a entenderem por que ele se envolveu com as drogas. Ele está dizendo: As pessoas podem começar a ver o vício nas drogas a partir de um ponto de vista diferente e talvez ter mais compaixão com os viciados. Ele disse que você não deveria se sentir culpada pelo vício dele.

– Obrigada, James.

– Ele quer transmitir mais uma coisa. Mark está dizendo: As pessoas deveriam fazer o máximo possível para largar seus vícios e se curar enquanto estão no corpo humano, para não trazerem essa memória e esse desejo para cá. Eles poluem a mente.

Já ouvi a mesma afirmação vinda de outros espíritos e quero enfatizar a importância desse fato. Quando morremos, nossos desejos mais ardentes vão conosco. É muito mais fácil e eficaz liberar nossos vícios físicos, mentais e emocionais quando estamos na forma humana do que como espíritos, porque os vícios fazem parte da natureza humana.

Theresa estava satisfeita:

– Meu sonho se concretizou. Falei com meu irmão e me sinto melhor.

E com isso nos despedimos. Foi um belo início para o meu dia.

Essa comunicação demonstra muito bem por que eu amo a mediunidade. Ela é uma troca benéfica e poderosa entre o plano físico e o espiritual. Quando uma pessoa tem a chance de se comunicar com um ente querido, pode começar a ver os acontecimentos a partir de uma nova perspectiva. Theresa teria passado toda a vida se martirizando por uma culpa que não teve. No entanto, foi-lhe concedida a oportunidade de testemunhar uma visão maior da jornada de uma alma e das lições que o irmão escolheu vivenciar. Ao tomar conhecimento disso, ela teve a chance de se curar muito mais rapidamente com a sua nova percepção sobre o vício. Passou também a ver as pessoas que a cercavam como almas aprendendo suas lições.

Todos os tipos de culpa são capazes de nos devastar. A culpa nos faz sentir totalmente responsáveis pelo resultado de uma situação. Constato isso no meu trabalho todos os dias. Os parentes geralmente vivenciam sentimentos de culpa em relação à morte de seus entes queridos. “Eu deveria ter estado no hospital ao seu lado para chamar uma enfermeira”, “Eu não deveria ter saído de casa”, “Eu deveria ter atendido o telefone e salvado a vida dele”.

A culpa é um sentimento inerente ao ser humano. Seu propósito é nos fazer acreditar que fizemos algo errado. Apesar de experimentarmos a culpa em vários momentos da vida, não sabemos lidar com ela. Frequentemente a sufocamos ou a negamos. É fácil perceber a irracionalidade da culpa naqueles que nos cercam, porque é muito mais simples perdoar os erros das outras pessoas do que os nossos próprios erros. Por alguma razão ilógica, nos impomos um padrão mais severo do que o que estabelecemos para os outros. Ao compreendermos que a culpa não muda nada, e nos prejudica, talvez possamos começar a nos desvencilhar dela.

Por que eles e não eu?

Outra forma comum de culpa é a que aflige pessoas que sobreviveram a algum tipo de catástrofe ou desastre em que outros morreram. Os sobreviventes creem que tiveram sorte em detrimento dos outros e acham que poderiam ter feito alguma coisa para salvá-los. Mais uma vez isso se baseia numa crença irreal. É comum os sobreviventes de uma catástrofe acharem que não mereciam ter se salvado e vivenciarem uma considerável depressão, tristeza, prostração e falta de interesse pela vida.

Há alguns anos, conduzi uma sessão na cidade de Nova York. Um espírito com grande senso de humor e um brilho especial nos olhos azuis manifestou-se. Imediatamente tive a sensação de que aquele espírito estava com um grupo de homens numa cabana na floresta. Todos riam, brincavam e bebiam doses de tequila.

– Alguma pessoa nesta sala reconhece esse cenário? – perguntei à plateia.

Nem sempre os espíritos sabem como me direcionar para a pessoa a quem desejam transmitir suas mensagens. Examinei a plateia para ver se podia sentir qualquer conexão e consegui. Estava lá no fundo, no lado esquerdo da sala. A seguir, tive outra visão muito clara. Uma maçã vermelha bem grande caiu de uma árvore num lago, fazendo um enorme barulho. Descrevi aquela imagem para o grupo.

– Alguma pessoa se lembra disso?

Houve apenas silêncio.

Quando recebo visões tão claras como essa, sei que os espíritos têm uma mensagem forte para alguém. Muitas vezes espero até obter mais informações. Por isso, daquela vez esperei.

– Estou vendo uma linha de pescar – eu disse para a plateia.

Então, houve um murmúrio lá no fundo, no lado esquerdo da sala. Um homem de cabelos grisalhos, vestindo uma camisa xadrez azul e branca, levantou um pouco a mão.

– Você compreende o que eu disse?

Ele balbuciou:

– Sim.

– Por favor, fale mais alto para que todos possamos ouvi-lo – eu disse.

– Sim, acho que sim. Eu costumava ir pescar com meus amigos no Lago Apple, no norte do estado de Nova York. Alugávamos uma cabana. Será que é isso?

Eu sorri.

– Você reconhece o nome Tucker? – perguntei. – Tucker é um cara bem grande com um bigode e uma barriguinha.

Aquele detalhe surpreendeu o homem. Ele olhou para o chão e assentiu. Estava claramente perturbado.

– Quem é Tucker? – perguntei.

– Meu amigo… Jimmy Tucker.

– Ele quer cumprimentar você. E não é o único. Tem um bando de outros caras com ele.

Ao ouvir isso, o pobre homem cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar como um bebê.

A mulher à sua esquerda colocou o braço em volta dele e o acariciou, sussurrando:

– Vai dar tudo certo.

Mas os soluços do homem aumentaram, e ele mal conseguia balbuciar algumas palavras.

– O que foi que você disse?

Ele respondeu com um forte sotaque:

– Eu deveria estar lá com meus amigos. Deveria tê-los salvado. Não mereço estar vivo.

Houve uma incrível comoção na sala; ninguém sabia como reagir.

A cena ficou bastante clara em minha mente. Um grupo de quatro homens se postou atrás do homem de camisa xadrez. Senti que eles eram como uma grande família.

– Quem é Mike ou Mikey?

O homem enxugou suas lágrimas.

– Sou eu.

A mulher o ajudou a se levantar para poder falar comigo. O assistente segurou o microfone diante dele para que todos pudessem ouvi-lo.

– Há quatro homens de pé atrás de você, e eles estão rindo. Deixa o Mikey fazer isso!, um deles disse.

Mike sorriu.

– Sim, eles costumavam brincar comigo desse jeito. Eu era o menor e eles me chamavam de Mikey. O senhor pode dizer a eles que eu sinto muito? Sinto muito – Mike recomeçou a chorar. – Não consigo dormir à noite. Tenho uns pesadelos horríveis. Não sei por que ainda estou aqui. Não sinto vontade de viver.

Mais uma vez a sala ficou em silêncio.

Um dos espíritos colocou um cobertor incorpóreo sobre os ombros de Mike.

– Agora um deles está cobrindo você com um cobertor vermelho. Há um número impresso nele.

Mike virou-se para mim.

– Eu me sento com o cobertor vermelho no pátio.

– Todos estão me mostrando suas insígnias. Eles são policiais, não são? Estou vendo o número 14. Este era o seu distrito policial?

– Sim, somos nós. O cobertor é do décimo quarto distrito e tem o número 14 impresso nele. Foi a única coisa que eu guardei.

Vi aquele grupo de homens cumprimentarem Mike com um tapinha nas costas e ouvi outro nome.

– Quem é Joey Malone?

Mike riu.

– Meu parceiro. Ele está aqui também?

– Ele está pedindo que você dê um alô para a Sheila e o bebê. Ele diz que está bem.

– São a esposa e o filho dele. Vou dar o recado.

– Eles estão me mostrando você olhando para uma placa.

– Fui ao centro da cidade na semana passada para vê-la. Senti que eles estavam lá também. – A voz de Mike ficou embargada.

– Eles estão me mostrando a placa. – Respirei fundo. – Isso aconteceu no World Trade Center?

– Sim – Mike disse baixinho.

A plateia fez um som de espanto.

Vi uma xícara do Starbucks junto à placa e perguntei:

– Você derramou uma xícara de café enquanto estava lá?

Mike inclinou a cabeça com incredulidade.

– Meu Deus, meu Deus! Derramei, sim. Foi muito esquisito. Eu colocava a xícara de volta na beirada e ela caía outra vez.

– Joey está dizendo que era ele brincando com você. Diz que você sabia que era ele.

– Minha nossa! – Mike levou a mão à boca. – Sinto muito. Sim, eu sabia que era ele. Ele estava sempre fazendo coisas como essa.

Ele se virou para a esposa:

– Você se lembra? Não contei isso para você?

Ela balançou afirmativamente a cabeça.

– É inacreditável! – ele exclamou. A seguir, disse, com tristeza: – Quero saber por que ainda estou aqui. Não quero estar.

– Você precisa – respondi sem hesitar.

Os policiais então me enviaram outra mensagem.

– No começo de sua carreira na polícia você salvou a vida de um garotinho?

– Deixe eu pensar… Agora eu me lembro. É verdade. Foi num prédio. Cheguei lá bem na hora; caso contrário, o garoto estaria morto. O pai dele o estava chutando e iria continuar até matá-lo.

– Por que você não pensa nessa história?

– Não sei… simplesmente nunca penso. Aconteceu há muito tempo.

– Bem, é isso o que seus amigos querem que você saiba. Para eles, você salvou a vida daquele menino. Se você pudesse escolher entre salvá-los ou salvar aquele menino, eles iriam querer que você salvasse o menino.

Mike olhou para mim.

– Não estou compreendendo. O que uma coisa tem a ver com a outra?

Eu mal conseguia acompanhar os pensamentos que chegavam voando à minha mente e tive de falar bem depressa para transmitir tudo.

– Você vai ter outra oportunidade de salvar vidas. Você está aqui porque ainda há trabalho a fazer. Esse é o plano da sua alma. Você precisa estar num determinado lugar porque vai salvar duas mulheres. Essas mulheres são médicas e irão realizar grandes coisas. Portanto, nunca se sabe por que certas coisas acontecem. Há uma ordem mais importante para os acontecimentos, embora não tenhamos consciência disso.

Mike pareceu surpreso, assim como muitas pessoas na sala. Eu também estava estupefato.

– Obrigado – ele disse. Parecia ter crescido meio metro com aquela previsão. – Espero que este seja o caso. Diga a eles que compreendo.

Eu me virei para a plateia:

– Nunca sabemos o que está nos aguardando logo adiante, nem as oportunidades que nos são concedidas para que possamos influenciar ou ajudar outras pessoas.

Assegurei a Mike que seus amigos tinham ouvido todas as suas palavras e que eles também conhecem todos os seus pensamentos.

Descrevi para Mike o que os amigos estavam fazendo:

– Estão balançando uma caneca de cerveja sobre a sua cabeça.

Mike riu.

– Isso é impressionante. A última vez que estivemos juntos, vencemos uma partida de beisebol. Comemoramos no bar e, de repente, eles derramaram uma caneca de cerveja na minha cabeça. Inacreditável! O senhor pode dizer a eles mais uma coisa?

– Claro.

– Diga que eu os amo. Eles são os melhores caras do mundo. E diga a Joey para sumir dos meus sonhos, o.k.?

A plateia riu.

E assim começou o caminho de Mike para a cura.

Esse é outro exemplo de como as pessoas se martirizam com sentimentos de culpa. Mike não conseguia ver o bem que tinha feito e se torturava com o que não conseguira realizar.

Portanto, qual é exatamente a função da culpa e o que ela nos motiva a fazer? Freud achava que a culpa serve para regular o comportamento social. Se as pessoas não se sentissem culpadas, elas não se importariam em magoar ou prejudicar os outros. Em outras palavras, a culpa nos motiva a agir corretamente; caso contrário, seríamos todos transgressores. Isso pode ser verdadeiro, mas infelizmente pessoas inocentes muitas vezes se castigam, apesar de não terem feito nada de errado.

Um terceiro tipo de culpa, com a qual me deparo o tempo todo, é a que é imposta a uma pessoa por outra. Em geral, lido com pessoas vivas que se sentem culpadas pela forma como trataram alguém que já morreu, ou por não terem feito o bastante por aquele ente querido. Porém às vezes os espíritos expressam culpa por terem imposto seus desejos e necessidades a alguém enquanto estavam vivos. Para que esses espíritos passem para as esferas mais altas dos mundos celestiais, eles precisam fazer reparações às pessoas que deixaram na Terra.

Você é burro

A seguinte sessão foi realizada diante dos membros do meu Círculo Espiritual mensal, no sul da Califórnia. Como, em todas as minhas demonstrações, nunca sei o que vai acontecer previamente, fico tão surpreso quanto os que estão na plateia. Costumo dizer aos meus alunos que alguns espíritos conseguem manipular melhor as esferas de energia para se conectarem aos vivos, e outros demonstram mais desejo e determinação de terem suas mensagens transmitidas.

– Há uma senhora em pé, atrás de um senhor aqui deste lado, e ela não quer ficar quieta. É muito autoritária e está exigindo falar.

Quando apontei para Bryan Patterson, um senhor de 73 anos de idade, ele afundou na cadeira. Estava um pouco constrangido por ter sido apontado.

– Senhor, posso ir até aí?

– Estou aqui apenas para observar – ele reagiu.

Presumi que ele havia comparecido por mera curiosidade e que não esperava receber uma mensagem.

– Há uma mulher em pé atrás do senhor, vestindo um suéter vermelho. Seus braços estão cruzados na frente do corpo. Ela está insistindo muito para que eu transmita uma mensagem para o senhor.

– Deus meu! O que é que ela quer?

Houve algumas risadas na plateia.

– Ela está falando sobre a Virgínia, não o nome de pessoa, mas o lugar. O senhor morou lá?

– Não.

– Ela está dizendo que vocês moraram. Ela está chamando o senhor de burro. Ela continua repetindo: Você é burro!

– Oh, ela sempre fazia isso. Foi o apelido que ela me deu. – Ele olhou para a mulher sentada à sua esquerda, e ela olhou de volta para ele com uma expressão de perplexidade.

– Sim, de fato moramos na Virgínia. Mudamos para Richmond porque meu sogro estava muito doente.

O espírito mal-humorado da mulher então chegou bem perto de mim e me encarou. Ela queria muito que sua mensagem fosse transmitida. Em pensamento, assegurei-lhe que a transmitiria. A seguir, eu lhe disse para se afastar de mim se quisesse minha ajuda.

– Essa mulher está dizendo que era a sua esposa Mollie. Este foi um segundo casamento? – perguntei.

– Sim. Fui casado duas vezes. Ela era a minha segunda esposa. – Bryan pensou um pouco. – Bem, ela foi a minha segunda, e eu fui o terceiro dela.

– Ela está falando sobre a Marie. Ela não para de falar sobre a Marie. Diz que não gostava da Marie.

– Ela não conheceu a Marie pessoalmente – Bryan respondeu.

– Ela está me dizendo que a Marie estava no caminho dela. Agora ela está me mostrando a Flórida.

Mollie ficou ainda mais insistente.

– Ela quer que eu me certifique de que o senhor está entendendo o que ela diz. O senhor está entendendo?

– Estou, sim.

Bryan era um homem gentil e parecia muito bondoso.

– Desculpe a sinceridade – continuei –, não acho que o senhor e essa Mollie fossem de fato compatíveis.

– Muitos já disseram a mesma coisa.

– Qual é o problema dela com essa Marie? – perguntei. – Ela está falando sobre algo que ela fez a Marie. Alguma coisa relacionada à mudança para a Flórida.

Bryan tentou explicar.

– Conheci a Mollie quando ainda estava casado com a Marie.

Muitos na plateia balançaram a cabeça. Podíamos ver o cenário. Mollie era a amante.

Ele continuou:

– Mollie e eu trabalhávamos juntos, e ela se apaixonou por mim. Costumava me dizer que a Marie era terrível, que ela mentia para mim.

– O senhor acha que a Marie estava mesmo mentindo para o senhor? – perguntei, vendo e sentindo para onde aquela comunicação se encaminhava.

Ele olhou para o chão.

– Ah, bem, não. Não creio que ela tenha feito isso alguma vez. Sei que ela não fez isso. Mas a Mollie não gostava dela.

De repente, Mollie começou a falar sobre três crianças.

– Vocês tiveram três filhos? Mollie está dizendo que o senhor teve.

– Sim, Marie e eu tivemos três filhos. Mas eu os deixei para morar na Flórida com Mollie. Ela não gostava de crianças.

A plateia balbuciou sua desaprovação. Estava claro que Mollie tinha desfeito um lar.

– Compreendo.

Enquanto observava aquele espírito na minha frente, percebi o efeito das atitudes dela na vida de muitas pessoas. Mollie também tinha compreendido quanto afetara a vida de uma família ao visar apenas seus próprios interesses egoístas. Ela começou a chorar, e sua aparente segurança pareceu desintegrar-se. Naquele momento, senti compaixão por ela.

– Mollie está me dando a impressão de que era uma mulher durona. Ela se achava superior, e o senhor era submisso. Ela me diz que o senhor costumava fazer qualquer coisa que ela exigisse. Oh, meu Deus, ela está me dizendo que o senhor lavava toda a roupa, fazia as compras, cozinhava e limpava a casa, enquanto ela ficava na cama assistindo à televisão e lendo revistas. É verdade?

Ele estava embaraçado.

– Ela está com vergonha de mim? Tentei fazer o máximo que podia por ela, porque eu a amava.

Todas as pessoas na sala ficaram chocadas, inclusive eu. Aquela não era a reação que esperávamos.

A maior surpresa da noite ainda estava por vir.

– O motivo de Mollie estar aqui hoje não é apenas para o seu benefício – eu disse. E, em seguida, comecei a receber uma opressiva sensação de pesar vinda daquele espírito.

– Bryan, Mollie veio aqui esta noite para que você saiba que ela sente muito. Ela sente muito por tudo o que fez.

– É mesmo? Ela nunca disse que sentia muito, nem uma vez. Você tem certeza de que é ela que está aí? – ele perguntou.

– Tenho sim.

Naquele ponto, Mollie começou a me enviar rapidamente seus sentimentos, pensamentos e imagens: tudo aquilo que ela não tinha conseguido mostrar a Bryan quando estavam juntos.

– Ela se sente extremamente culpada pela maneira como o tratava enquanto estava viva. Está me dizendo que não percebia o que estava fazendo com o senhor e que só se deu conta de sua enorme bondade quando deixou este mundo. Está me dizendo que deveria ter sabido que o senhor foi o seu melhor professor e que foi colocado em sua vida para que ela pudesse aprender o que é o amor incondicional, o amor que não espera qualquer tipo de retorno. O senhor a amava, apesar da forma como ela o tratava. Mollie sente muito por ter mentido para o senhor e está se sentindo terrivelmente culpada por ter arruinado a sua vida e o seu relacionamento com seus filhos.

Lágrimas escorreram pelo rosto de Bryan.

– Lá no fundo, eu sabia a verdade, mas sentia pena da Mollie. Eu queria que ela vivenciasse o amor.

– O senhor foi convidado para uma reunião de família recentemente? – perguntei.

– Sim. Como é que você soube disso? Na próxima semana, vou encontrar meus três filhos. Não os vejo há algum tempo.

– Mollie sente muito por ter mentido para o senhor sobre a Marie. Ela acha que forçou o senhor a se divorciar dela. Está me dizendo que a Marie nunca mentiu. Sente muita culpa e vergonha pelas calúnias. Quer que o senhor transmita a Marie seus mais sinceros pedidos de desculpas.

Ele respondeu:

– Ela mesma pode dizer isso a Marie. É ela quem está sentada ao meu lado.

Virou-se para a mulher de cabelos brancos cuja mão tinha segurado durante toda a sessão.

Todas as pessoas exclamaram seu espanto. Inclinaram-se para a frente, procurando ouvir as palavras de Marie.

Marie falou:

– Eu entendo. Diga a ela que não precisa mais se sentir culpada. Na realidade, Mollie fez com que Bryan e eu nos aproximássemos mais ainda. Aprendemos muito um sobre o outro. Estamos bem unidos agora por causa do que aconteceu. Nossos filhos também nos ensinaram. Somos muito agradecidos por estarmos juntos a esta altura da vida.

Ao ouvir as palavras de perdão de Marie, as feições duras do rosto de Mollie começaram a mudar. Pude vê-la ficando mais jovem e mais suave. Eu sabia que ela estava livre para seguir em frente. Mollie me agradeceu, e eu a cumprimentei.

Todas as pessoas na sala se levantaram e aplaudiram Bryan e Marie.

Portanto, qual é o primeiro passo para o reconhecimento da culpa e a compreensão do seu propósito? Examine sua vida e pergunte a si mesmo: “O que me faz sentir culpado? É um relacionamento?” Talvez você dê mais atenção ao trabalho do que à sua família. O seu sentimento de culpa pode significar que você precisa mudar seu modo de agir. Se decidir ignorar o problema, irá sofrer consequências, mas, se escutar seus sentimentos mais profundos, será capaz de mudar seu comportamento. Neste caso, o sentimento de culpa terá sido útil.

No momento em que você perceber que é preciso mudar seu modo de agir, o primeiro passo é pedir desculpas, o que não é tão difícil. O passo seguinte é mais complicado – na realidade, significa tomar a decisão de mudar o comportamento. Queremos aprender a lição para não ter que repeti-la. Depois de reconhecer o problema e conseguir lidar com ele, poderemos ir em frente. Não precisamos ficar obcecados; podemos reparar o dano que causamos, aprender e avançar.

Sentir culpa por coisas que não somos capazes de mudar é totalmente diferente. Seja nesta vida, ou após a morte, a culpa pode pesar muito na nossa alma e nos segurar com tanta força que ficamos sem condições de progredir. Quando não podemos mudar uma situação porque não temos controle sobre ela, precisamos nos desvencilhar da nossa própria condenação. A culpa tem a capacidade de se transformar rapidamente em remorso e em pena de si mesmo, o que só causa prejuízo. A aceitação e o perdão, assim como Marie nos mostrou, são a única saída.