Art. 180
Sujeito ativo
Qualquer pessoa (ver Parte Geral, capítulo XII, item 3.1).
Sujeito passivo
É o proprietário ou legítimo possuidor de coisa produto de crime. Exclui-se o coautor ou partícipe do delito anterior, de onde proveio a coisa, pois ele responderá somente pelo que anteriormente praticou (ex.: o partícipe do furto, encontrado com a coisa subtraída, não pode ser acusado de receptação) (ver Parte Geral, capítulo XII, item 3.2).
Objeto jurídico
É o patrimônio (ver Parte Geral, capítulo XII, item 3.3, “b”).
Objeto material
É o produto do delito anterior (ver Parte Geral, capítulo XII, item 3.3, “a”).
Elementos objetivos do tipo
O tipo penal do crime de receptação simples (caput) é formado de dois focos, constituindo duas condutas autonomamente puníveis. A primeira – denominada receptação própria – concretiza-se pela aplicação alternativa dos verbos adquirir (obter, comprar), receber (aceitar em pagamento ou simplesmente aceitar), transportar (levar de um lugar a outro), conduzir (tornar-se condutor, guiar) ou ocultar (encobrir ou disfarçar) coisa produto de crime. Nesse caso, tanto faz o autor praticar uma ou mais condutas, pois responde por crime único (ex.: aquele que adquire e transporta coisa produto de delito comete uma receptação). A segunda – denominada receptação imprópria – é formada pela associação de influir (inspirar ou insuflar) sobre alguém de boa-fé para que este adquira (obter ou comprar), receba (aceitar em pagamento ou aceitar) ou oculte (encobrir ou disfarçar) coisa produto de crime. Nessa hipótese, se o sujeito influir para que a vítima adquira e oculte a coisa produto de delito, estará cometendo uma única receptação. Ocorre que a receptação, tal como descrita no caput do art. 180, é um tipo misto alternativo e, ao mesmo tempo, cumulativo. Assim, adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar coisa originária de crime é conduta alternativa, o mesmo ocorrendo com a influência sobre terceiro para que adquira, receba ou oculte produto de crime. Mas se o agente praticar as duas condutas fundamentais do tipo, estará cometendo dois delitos (ex.: o agente adquire coisa produto de crime e depois ainda influencia para que terceiro de boa-fé também o faça). A pena é de reclusão, de um a quatro anos, e multa. Conferir o capítulo XIII, item 2.1, da Parte Geral.
Elemento subjetivo do tipo específico
É a vontade de se apropriar de coisa alheia ou de fazer com que outro se aproprie. Além disso, deve-se destacar outra particularidade deste tipo penal: no contexto das duas condutas criminosas alternativas (“adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar” e “influir para que terceiro a adquira, receba ou oculte”) somente pode incidir o dolo direto, evidenciado pela expressão “que sabe ser produto de crime”. Por outro lado, é de se frisar ser indispensável que o dolo, como urge sempre ocorrer, seja detectado concomitantemente à conduta, não se admitindo o chamado “dolo subsequente”. Na figura qualificada (§ 1.º), admite-se tanto o dolo direto quanto o eventual. É certo que houve um defeito na redação do dispositivo, mencionando apenas deve saber (omitindo o termo sabe), mas pode-se suprir a deficiência com a interpretação extensiva, afinal, quem pode o mais, pode o menos. Se admitimos a receptação qualificada com dolo eventual, é mais do que natural que se possa aceitá-la, igualmente, com dolo direto. Essa é a posição predominante na jurisprudência (ver Parte Geral, capítulo XIII, item 2.1).
Elemento subjetivo do crime
É o dolo (caput e § 1.º) ou a culpa (§ 3.º) (ver o capítulo XIV da Parte Geral).
Classificação
Comum; material (receptação própria) e formal (receptação imprópria); de forma livre; comissivo; instantâneo, exceto na modalidade ocultar, que se transforma em permanente; unissubjetivo; plurissubsistente. Sobre a classificação dos crimes, ver o capítulo XII, item 4, da Parte Geral.
Tentativa
É admissível.
Momento consumativo
Quando houver prejuízo para a vítima em face do seu distanciamento da coisa que lhe foi tomada.
Forma qualificada
A pena passa a ser de reclusão, de três a oito anos, e multa, se o agente adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício da atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime. Essa figura foi introduzida para punir mais severamente os proprietários de “desmanches” de carros (por isso, as condutas desmontar, montar, remontar), exigindo-se ainda o exercício de atividade comercial ou industrial. Lembremos que o § 2.º equipara à atividade comercial, para efeito de configuração da receptação qualificada, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência. Abrange-se, com isso, o “desmanche” ou “ferro-velho” caseiro, sem aparência de comércio legalizado.
Forma qualificada em relação ao sujeito passivo
A pena do caput será aplicada em dobro (reclusão, de dois a oito anos, e multa) se envolver bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista.
Figura culposa
O tipo culposo retratado no § 3.º do art. 180 é fechado, isto é, não tem a fórmula genérica dos demais (ex.: “se o homicídio é culposo”, conforme art. 121, § 3.º, CP). Preferiu o legislador especificar exatamente como se dá a receptação culposa: “adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso”. Tal situação não deixa de envolver imprudência, negligência ou imperícia, pois quem é atencioso naquilo que faz não compra produto cujo preço é bem inferior ao do mercado e a condição de quem o oferece está a indicar ser coisa obtida por meio criminoso. A pena é de detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.
Particularidade
A previsão feita no § 4.º é apenas uma ressalva, buscando evitar qualquer debate acerca da punição do autor da receptação, mencionando que “a receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa”. Logo, não tem a pretensão de definir crime, nem justificar o conceito analítico de delito. Com redação proveniente de 1940, tinha a finalidade de contornar possíveis argumentos de que o receptador não poderia ser punido uma vez que não se sabia quem fora o autor do furto (de onde veio a coisa produto de crime). Ou ainda, que não poderia o receptador ser punido somente pelo fato de que o autor do fato criminoso (furto, roubo etc.), por ser inimputável, logo, não culpável, não estaria sujeito à punição. Lembremos que a expressão “ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime” deve ser lida (como sempre foi desde sua inserção no Código Penal) da seguinte forma: “Ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do fato criminoso, isto é, típico e antijurídico”.
Perdão judicial
No caso de receptação culposa, o juiz pode deixar de aplicar a pena, se o criminoso for primário, bem como levando-se em consideração outras circunstâncias. Fixou-as a doutrina e a jurisprudência: a) diminuto valor da coisa objeto da receptação; b) bons antecedentes; c) ter o agente atuado com culpa levíssima.
Forma privilegiada
Admite-se, ainda, a aplicação do disposto no art. 155, § 2.º, no tocante à receptação dolosa, ou seja, se o criminoso for primário e de pequeno valor a coisa (até um salário mínimo), pode o juiz substituir a reclusão por detenção, aplicar uma diminuição de um a dois terços, ou somente a multa.