Art. 311-A
Sujeito ativo
Qualquer pessoa (ver Parte Geral, capítulo XII, item 3.1).
Sujeito passivo
É o Estado. Secundariamente, a pessoa prejudicada pela eventual anulação do certame (ver Parte Geral, capítulo XII, item 3.2).
Objeto jurídico
Segundo o texto legal, é a fé pública, pois foi inserido no título X do Código Penal. Porém, na essência, trata-se de tutela da administração pública, nos aspectos moral e material (ver Parte Geral, capítulo XII, item 3.3, “b”). Note-se ser a fé pública a confiança estabelecida pela sociedade em certos símbolos ou signos, tal como se faz em relação à moeda ou ao documento. O delito do art. 311-A envolve fraude, certame público e, por óbvio, administração pública, cujo contexto mais adequado seria o Título XI.
Objeto material
Conteúdo sigiloso do certame (provas, gabaritos, questões, pontos etc.).
Elementos objetivos do tipo
Utilizar (tornar algo útil, aproveitar, fazer uso de algo, empregar com utilidade, usar) e divulgar (espalhar, propagar, tornar público ou conhecido) são os núcleos do tipo, previstos no caput do art. 311-A, tendo por objeto o conteúdo sigiloso de concurso, avaliação, exame, processo seletivo, em geral. O tipo é misto alternativo, podendo o agente utilizar e divulgar o conteúdo sigiloso, cometendo um só delito, desde que no mesmo cenário. O nome jurídico do delito traz o termo fraude (forma enganosa de contornar a atenção e a vigilância alheia), que deve fazer parte da conduta do agente. O conteúdo sigiloso relaciona-se às provas tecidas, em segredo, para assegurar idoneidade, lisura e igualdade a todos no certame. Porém, conteúdo é tudo o que está contido em algo, significando todas as etapas do concurso, avaliação, exame ou processo seletivo, não envolvendo somente a prova, mas também o gabarito, contendo as respostas da referida prova. Abrange, também, todos os demais pontos constituídos em segredo para garantir a igualdade de todos perante a avaliação. Exemplo: os temas do concurso podem ser sigilosos, antes de se publicar o edital, razão pela qual fazem parte do conteúdo sigiloso do evento. O tipo não especifica, de modo que se pode interpretar de maneira ampla o contexto do certame: desde a escolha da banca ou dos examinadores, com a seleção de pontos, divulgação do edital, período de inscrições, feitura das provas, realização destas, correção e finalização, com a publicação dos aprovados. A pena é de reclusão, de um a quatro anos, e multa. No § 1.º, há outro tipo básico, com condutas diferentes. Permitir significa consentir em algo, dar permissão para alguma coisa, autorizar a fazer uso de algo; facilitar quer dizer tornar mais fácil ou simples alguma coisa ou, também, pôr à disposição de alguém. A permissão ou a facilitação se volta ao conteúdo sigiloso do certame. O agente do crime, se tiver acesso a tais dados, deve zelar pelo seu segredo; não o fazendo, comete o delito. Outros potenciais agentes são os funcionários públicos, que serão apenados, inclusive, com a causa de aumento prevista no § 3.º do art. 311-A. O crime se dá quando o detentor do conteúdo sigiloso do certame permite ou facilita que terceiros, não autorizados, tenham acesso a tais informações. As condutas permitem tanto a forma comissiva quanto a omissiva, pois permitir e facilitar aceitam a versão do não fazer. Conferir o capítulo XIII, item 2.1, da Parte Geral.
Elemento normativo do tipo
É o termo indevidamente, vinculando-se à legalidade ou ilegalidade do ato. Portanto, quem utilizar ou divulgar o conteúdo sigiloso, dentro da lei, incorre em conduta atípica.
Elemento subjetivo do tipo específico
É obter benefício para si, obter benefício a outrem ou comprometer a credibilidade do certame, envoltos pelo animus lucri faciendi, ou seja, a intenção de defraudar (lesar alguém de modo fraudulento). No tocante ao § 1.º, entendemos presente, com elemento subjetivo específico implícito, o ânimo de defraudar (ver o capítulo XIII, item 2.1).
Elemento subjetivo do crime
É o dolo (ver o capítulo XIV da Parte Geral).
Classificação
Comum; formal; de forma livre; comissivo, como regra (nas formas permitir e facilitar pode dar-se no modo omissivo); instantâneo; unissubjetivo; plurissubsistente. Sobre a classificação dos crimes, ver o capítulo XII, item 4, da Parte Geral.
Tentativa
É admissível nas formas comissivas.
Momento consumativo
Quando houver a prática de qualquer das condutas típicas, independentemente de resultado naturalístico, consistente na efetiva concretização de prejuízo material ao Estado.
Crime qualificado pelo resultado
Estabeleceu-se a forma qualificada pelo resultado no § 3.º. Se da ação ou omissão resultar dano para a administração eleva-se a pena. Atingir o resultado danoso significa o exaurimento do delito. A pena é de reclusão, de dois a seis anos, e multa.
Causa de aumento de pena
Se o autor do delito for funcionário público, pessoa que deve zelar, em primeiro plano, pelos interesses da administração, a pena deve ser elevada em um terço.
A transmissão de dados por meio eletrônico, de qualquer espécie, para quem está em prova, buscando passar as respostas às questões é uma espécie de estelionato, pois o agente frauda a lisura e imparcialidade do certame, recebendo vantagem indevida. O STF, entretanto, considerou atípica a conduta, pois não se enquadrava, com perfeição, à figura típica do estelionato, conforme previsão feita pelo art. 171 do Código Penal. Não se poderia admitir qualquer forma de analogia para prejudicar o réu. Hoje, com o advento da Lei 12.550/2011, segundo nos parece, o problema está parcialmente resolvido. Afinal, é impossível obter as respostas às perguntas se estas não forem divulgadas a terceiros, que não fazem parte do certame, em momento inadequado. Por isso, preenche-se o tipo penal incriminador. Ilustrando, o concurseiro que utiliza as questões da prova (conteúdo sigiloso para quem está fora do certame), com o fim de obter as respostas, comete o delito do art. 311-A. O elemento subjetivo específico é, igualmente, preenchido, pois o seu fim é o benefício próprio e, além disso, atua com fraude. Entretanto, se um dos candidatos deixa o recinto da prova, no prazo estipulado pela organização, de posse do exame, divulgando-o a terceiros, não pode ser acusado da figura típica prevista nesse tipo penal. Diante disso, caso o próprio candidato entre em contato com quem ainda está elaborando a prova, passando-lhe respostas, não está utilizando ou divulgando conteúdo sigiloso do certame, na medida em que a prova lhe foi confiada, de acordo com as regras do concurso, exame ou processo seletivo. Permanece atípica tal conduta, visto não se poder encaixar, com precisão, na figura do estelionato.