Considera-se fonte material a via hábil à produção do direito, criando normas penais, que, neste caso, é a união. Preceitua o art. 22, I, da Constituição Federal: “Compete privativamente à união legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho” (grifamos). Aliás, nesse sentido, confira-se a Súmula 722 do STF: “São da competência legislativa da união a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”.
Excepcionalmente, prevê o art. 22, parágrafo único, da CF, que “lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”. Portanto, visando à regionalização de determinadas questões penais, seria admissível que a união autorizasse o Estado a construir um tipo penal incriminador, prevendo delito peculiar a certa parte do país. Embora não se tenha notícia dessa prática, a verdade é que o Estado jamais poderia legislar em matéria de Direito Penal Fundamental (normas inseridas na Parte Geral do Código Penal, que devem ter alcance nacional, a fim de manter a integridade do sistema), nem tampouco poderia compor normas que contrariassem, de qualquer modo, a legislação federal. Portanto, a atividade legislativa do Estado, em matéria penal, ocuparia eventual lacuna existente nas normas federais.
Consideram-se fontes formais aquelas que permitem o conhecimento do direito, proporcionando a exteriorização das normas penais. Dividem-se em imediatas, que são as leis em sentido estrito, criadoras e revogadoras de normas penais, e mediatas, que são os costumes e os princípios gerais de direito, auxiliadores do processo de interpretação e aplicação da lei penal. Neste último contexto, inserem-se as súmulas vinculantes – e outras súmulas dos Tribunais Superiores – porque não geram o direito diretamente, mas fornecem meios adequados para a sua interpretação. Poder-se-ia até mesmo indicar uma forma de interpretação cogente, o que não retira o seu caráter de fonte mediata.
Dessa forma, somente a lei, em sentido estrito, pode fixar crimes. Conceitua-se lei (formal ou em sentido estrito) como a “manifestação da vontade coletiva expressada através dos órgãos constitucionais” (Asúa, Lecciones de derecho penal, p. 54). Portanto, somente o Poder Legislativo Federal, como regra, pode fazer nascer uma lei penal.
Analisemos outras espécies normativas:
a) Emenda à Constituição: não pode restringir os direitos e as garantias individuais (art. 60, § 4.º, IV, da CF), de forma que não pode tocar no princípio da legalidade. Em tese, porque é fruto do Poder Constituinte Derivado ou Reformador, pode criar lei penal, já que nada veda expressamente. Entretanto, não é tradicional, nem cabível ocupar-se disso;
b) Lei Complementar: pode legislar sobre matéria penal, porque tem processo legislativo mais complexo do que a lei ordinária. Como exemplo de norma penal incriminadora editada por lei complementar, confira-se o art. 10 da Lei Complementar 105/2001: “A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar”.
Em sentido contrário, convém mencionar a posição de Cernicchiaro, sustentando que o rol da lei complementar é exaustivo na Constituição, não incluindo nenhuma hipótese de criação de lei penal, além do que é exigido quorum qualificado para elaborar uma lei complementar, o que iria engessar o Congresso Nacional se houvesse necessidade de modificar a lei penal que fosse criada pelo processo qualificado (Direito penal na Constituição, p. 46-47).
c) Leis Delegadas: são as normas elaboradas pelo Presidente da República por delegação do Congresso Nacional (art. 68 da CF). Não podem ser utilizadas para criar lei penal, pelas seguintes razões: c.1) no art. 68, § 1.º, II, consta a vedação para a delegação em matéria de direitos individuais. Estando o princípio da legalidade previsto no art. 5.º da Constituição, é natural que se trata de direito fundamental, alheio, portanto, à lei delegada; c.2) o procedimento legislativo, no qual deve haver intenso debate sobre as propostas de alteração da legislação penal, praticamente resta enfraquecido, não sendo permitido o trâmite pelas duas Casas do Congresso, nem a apresentação de emendas;
d) Medida Provisória: é norma jurídica, ou seja, lei em sentido amplo, mas não em sentido estrito, de modo que não pode criar lei penal. Havia quem sustentasse ser possível a medida provisória criar lei penal, pois a Constituição, no art. 62, dizia somente que “em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei...”. Por outro lado, o antigo Decreto-lei, que foi substituído pela medida provisória, em 1988, era aceito pelo Supremo Tribunal Federal para tal finalidade. Logo, a medida provisória também poderia, em tese, criar lei penal. A maioria dos penalistas, no entanto, sempre foi contrária à hipótese. O princípio da reserva legal, previsto no inciso XXXIX do art. 5.º, fala em lei, não se podendo incluir nesse conceito a medida provisória. Além disso, a medida é ato de vontade exclusivo do Presidente da República, não nascendo da participação dos representantes do povo. De outra parte, seria irreparável o dano, caso alguém fosse preso, em razão de uma medida provisória criadora de lei penal, posteriormente revogada pelo Congresso Nacional. Finalmente, não existem razões de urgência e relevância que possam justificar a elaboração de leis penais por obra restrita do chefe do Executivo. O Supremo Tribunal Federal não chegou a se pronunciar, até hoje, sobre a possibilidade de se editar leis penais por medida provisória. Há casos, no entanto, de leis penais criadas por tal via: Lei 7.960/89 (prisão temporária) e Lei 7.679/88 (proibição de pesca por explosivo [conduta hoje tipificada na Lei 9.605/98). Convém ressaltar, por derradeiro, que havia maior aceitação doutrinária quanto à criação de lei penal não incriminadora, por intermédio de medida provisória, vedando-se, apenas, a produção de tipos penais incriminadores. Nosso pensamento sempre foi adverso. O Direito Penal não é matéria urgente que justifique a edição de normas por ato do Presidente da República, ainda que seja futuramente submetido ao Congresso Nacional, podendo transformar-se em lei. Não teria o menor sentido criar-se uma causa excludente de punibilidade, por exemplo, através de medida provisória – beneficiando vários condenados e réus por todo o país – para, depois, não ser aprovada pelo Poder Legislativo, anulando seus efeitos ex tunc. Os beneficiados pela medida retornariam ao cárcere? Os processos seriam reabertos? Seria a consagração do caos. A questão foi definitivamente resolvida pela promulgação da Emenda Constitucional 32, de 11 de setembro de 2001, que alterou a redação do art. 62, da Constituição Federal, acrescentando-lhe o § 1.º, nos seguintes termos: “É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: (...) b) direito penal, processual penal e processual civil”.
Podem propor a criação de leis penais: a) os membros do Congresso Nacional; b) o Presidente da República; c) a iniciativa popular (art. 61, § 2.º, CF).
Entende-se que o Supremo Tribunal Federal, os Tribunais Superiores e o Procurador-Geral da República não têm iniciativa de leis ordinárias destinadas a dar existência a leis penais porque estas não são matéria de seu peculiar interesse (art. 96, II, CF).
O costume não serve para criar ou revogar lei penal, a despeito de servir para o processo de interpretação. Assim, em que pese a evolução social da atualidade, com a constante liberação dos comportamentos, não se pode considerar “revogado”, por exemplo, o art. 215 do Código Penal (violação sexual mediante fraude), a pretexto de que os costumes estariam a indicar não haver mais possibilidade de uma pessoa ser ludibriada por outra, a fim de consentir numa relação sexual.
Admitindo-se, somente para argumentar, que tal situação fosse plenamente verdadeira, o correto seria manter-se o tipo penal vigendo, até que outra lei o revogasse, podendo-se, no entanto, utilizar os atuais costumes para auxiliar na interpretação dos elementos do tipo, tais como “ato obsceno” (art. 233, CP).
Diante da relevância da decisão, convém mencionar a posição do Superior Tribunal de Justiça a esse respeito: “A eventual tolerância ou a indiferença na repressão criminal, bem assim o pretenso desuso não se apresentam, em nosso sistema jurídico-penal, como causa de atipia (precedentes). A norma incriminadora não pode ser neutralizada ou ser considerada revogada em decorrência de, v.g., desvirtuada atuação policial (art. 2.º, caput, da LICC [atual LINDB])” (REsp. 146.360-PR, 5.ª T., rel. Felix Fischer, 19.10.1999, v. u., DO 08.11.1999, p. 85).
Não são meios adequados para dar origem à lei penal. O art. 49, XV, da Constituição, estipula que cabe ao Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito, que, no entanto, somente podem aprovar ou rejeitar lei penal materializada ou a ser criada pelo Parlamento.
Confira-se exemplo de referendo invocado para a aprovação de dispositivo de lei, notando-se que ele não cria a norma, mas serve para acolher ou rejeitar o que já foi editado pelo Congresso Nacional: art. 35 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento): “É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6.º desta Lei. § 1.º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005. § 2.º Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral”. O referendo ocorreu e venceu o “não”, motivo pelo qual o dispositivo não entrou em vigor e continua a possibilidade de comercialização de arma de fogo no Brasil.
A interpretação é um processo de descoberta do conteúdo da lei e não de criação de normas. Por isso, é admitida em direito penal qualquer forma. Não desperta polêmica a interpretação literal, nem a teleológica ou mesmo a sistemática. O ponto problemático fica circunscrito às formas extensiva e analógica.
A extensiva é o processo de extração do autêntico significado da norma, ampliando-se o alcance das palavras legais, a fim de se atender à real finalidade do texto. A analógica é o processo de averiguação do sentido da norma jurídica, valendo-se de elementos fornecidos pela própria lei, através do método de semelhança.
Como exemplos de interpretação extensiva encontrados no Código Penal, pode-se citar os seguintes:
a) art. 172 (duplicata simulada), que preceitua ser crime “emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado”. Ora, é natural supor que a emissão de duplicata quando o comerciante não efetuou venda alguma também é crime, pois seria logicamente inconsistente punir quem emite o documento em desacordo com a venda efetiva realizada, mas não quando faz o mesmo, sem nada ter comercializado. Assim, onde se lê, no tipo penal, “venda que não corresponda à mercadoria vendida”, leia-se ainda “venda inexistente”;
b) no caso do art. 176 (outras fraudes), pune-se a conduta de quem “tomar refeição em restaurante (...) sem dispor de recursos para efetuar o pagamento”, ampliando-se o conteúdo do termo “restaurante” para abranger, também, boates, bares, pensões, entre outros estabelecimentos similares. Evita-se, com isso, que o sujeito faça uma refeição em uma pensão, sem dispor de recursos para pagar, sendo punido por estelionato, cuja pena é mais elevada;
c) na hipótese do art. 235 (bigamia), até mesmo pela rubrica do crime, percebe-se ser delituosa a conduta de quem se casa duas vezes. Valendo-se da interpretação extensiva, por uma questão lógica, pune-se, ainda, aquele que se casa várias vezes (poligamia).
Nas hipóteses mencionadas nas letras a e c, a interpretação extensiva pode prejudicar o réu, enquanto na situação descrita na letra b pode beneficiá-lo. Mas isso é indiferente, pois a tarefa do intérprete é conferir aplicação lógica ao sistema normativo, evitando-se contradições e injustiças.
No caso da interpretação analógica, confira-se o disposto no art. 121, § 2.º, III. Qualifica-se o homicídio quando o agente cometer o crime “com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum” (grifamos), verificando-se, pois, que, dadas as amostras pelo tipo, permite-se que o intérprete vá buscar outros meios similares aos primeiros, igualmente configuradores de insídia, crueldade ou perigo comum.
A adoção das interpretações extensiva e analógica é amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência. Por todos, pode-se citar a lição de Jiménez de Asúa, afirmando que o meio literal e o teleológico podem levar a um resultado harmônico e conclusivo na interpretação das leis penais, seja ele restritivo ou extensivo, já que, assim fazendo, consegue-se captar a vontade da lei. Somente quando houver dúvida na interpretação prevalece o critério restritivo para não prejudicar o réu e extensivo quando lhe for favorável (Lecciones de derecho penal, p. 73).
A analogia, por sua vez, é um processo de autointegração, criando-se uma norma penal onde, originalmente, não existe. Nas palavras de Martin Heidegger, “analogia em geral significa correspondência de algo com algo, mais exatamente, a correspondência de uma relação com outra. Na matemática, a analogia designa a correspondência entre duas relações de grandeza, sua proporção. Se três elos são dados, o quarto por ser matematicamente conquistado e dado, construído. Na matemática, a analogia é uma determinação constitutiva. Na filosofia, o que está em questão não são relações quantitativas, mas qualitativas (Wolff), e aqui o quarto elo não pode ser dado e conquistado enquanto tal, mas só é determinável como uma relação com o quarto elo, ou seja, só o modo como o quarto elo precisa ser é determinável, só aquilo como o que ele precisa ser alcançado na experiência, se é que deve ser em geral experienciável em sua existência” (A essência da liberdade humana: introdução à filosofia, p. 201-202).
O emprego de analogia não se faz por acaso ou por puro arbítrio do intérprete; há significado e lógica na utilização da analogia para o preenchimento de lacunas no ordenamento jurídico. Cuida-se de uma relação qualitativa entre um fato e outro. Entretanto, se noutros campos do Direito a analogia é perfeitamente aplicável, no cenário do Direito Penal ela precisa ser cuidadosamente avaliada, sob pena de ferir o princípio constitucional da legalidade (não há crime sem lei que a defina; não há pena sem lei que a comine).
Assim sendo, não se admite a analogia in malam partem, isto é, para prejudicar o réu. Nem todas as vozes são contrárias ao emprego em geral da analogia no Direito Penal. Confira-se a lição de Carnelutti: “Considero que a proibição da analogia na aplicação das leis penais é outra superstição da qual devemos nos livrar. Nisso não se deve enxergar uma consequência do princípio da certeza jurídica, senão uma desconfiança com relação ao juiz, a qual, se tem razões históricas bastante conhecidas, carece de todo fundamento prático” (El problema de la pena, p. 74 – traduzi).
Por outro lado, somente em caráter excepcional a analogia in bonam partem (para beneficiar) deve ser utilizada em favor do réu. Exemplo da primeira (in malam partem) seria a construção do tipo penal de assédio moral, por semelhança à situação do assédio sexual, prevista no art. 216-A. Exemplo da segunda situação (in bonam partem) é a aceitação do termo instigar para compor o tipo penal do art. 218, que menciona apenas induzir, evitando-se que o agente instigador responda como partícipe de estupro de vulnerável.
Por derradeiro, cumpre destacar que até mesmo o emprego da analogia para favorecer o réu deve ser reservado para hipóteses excepcionais, uma vez que o princípio da legalidade é a regra, e não a exceção. Daí por que não pode o magistrado disseminar o uso da analogia para absolver o réu, pois isso colocaria em risco a segurança idealizada pelo direito penal. Não é demais citar a lição de Hungria a esse respeito: “Os preceitos sobre causas descriminantes, excludentes ou atenuantes de culpabilidade ou de pena, ou extintivas de punibilidade, constituem jus singulare em relação aos preceitos incriminadores ou sancionadores, e, assim, não admitem extensão além dos casos taxativamente enumerados” (Comentários ao Código Penal, v. 1, t. I, p. 92).
Em posição contrária, confira-se Nereu José Giacomolli, contestando a utilização de tipos abertos, normas penais em branco, interpretação extensiva e analógica: “A defesa de um direito penal com tipos abertos, difusos, indeterminados, ou com normas penais dependentes de uma normatividade integradora (normas penais em branco), ou de um regramento judicial, são características de um Direito Penal autoritário e demasiadamente repressivo, inadmissível no atual estado de desenvolvimento da civilização. (...) A exclusão das interpretações analógica, criativa ou extensiva, prejudiciais ao imputado, determinada pela reserva legal, se aplica tanto na concretude das normas criminais contidas na parte geral do Código Penal quanto nas especiais e nas extravagantes. É um imperativo da incidência da lex stricta a respeito da responsabilidade criminal, que engloba a descrição típica, a sanção e todas as circunstâncias que influem na dosimetria da pena” (Função garantista do princípio da legalidade, p. 483-485).
Fonte material do direito penal: a União. Excepcionalmente, o Estado-membro se autorizado por Lei complementar editada pela União.
Fonte formal do direito penal: a Lei em sentido estrito.
Interpretação: processo de conhecimento do conteúdo da norma.
Interpretação extensiva: processo de conhecimento do conteúdo da norma através de ampliação do sentido de determinado termo para dar lógica à sua aplicação, o que é admissível em direito penal.
Interpretação analógica: processo de conhecimento do conteúdo da norma através de um procedimento de comparação entre os seus termos, ampliando-se o seu alcance, dentro de critérios previstos pela própria lei penal.
Analogia: processo de integração do sistema normativo, suprindo-se lacunas e aplicando-se norma existente a caso semelhante ao que seria cabível.
Analogia in malam partem: aplica-se determinada norma para punir o réu em caso análogo, para o qual inexiste lei específica, constituindo procedimento inadmissível em face do princípio da legalidade.
Analogia in bonam partem: aplica-se certa norma para absolver o réu em caso análogo, para o qual inexiste lei específica, sendo excepcionalmente admissível para evitar o surgimento de situação de flagrante injustiça.