São os delitos que possuem um fato-base, definido e sancionado como crime, embora tenham, ainda, um evento que os qualifica, aumentando-lhes a pena, em razão da sua gravidade objetiva, bem como existindo entre eles um nexo de ordem física e subjetiva.
Quando, de um roubo (fato-base), ocorre o resultado “morte da vítima em face da violência empregada” (evento qualificador), está-se diante de um crime qualificado pelo resultado, cuja pena é bem maior que a prevista para o delito-base. A pena para o roubo é de 4 a 10 anos de reclusão, enquanto para o latrocínio varia de 20 a 30 anos.
Há quem diferencie tais infrações penais, o que resulta, fundamentalmente, da tradição da doutrina italiana. Confira-se a lição de Cezar Roberto Bitencourt: “Tem-se utilizado, a nosso juízo equivocadamente, as expressões crime preterdoloso e crime qualificado pelo resultado como sinônimas. No entanto, segundo a melhor corrente, especialmente na Itália, no crime qualificado pelo resultado, ao contrário do preterdoloso, o resultado ulterior, mais grave, derivado involuntariamente da conduta criminosa, lesa um bem jurídico que, por sua natureza, não contém o bem jurídico precedentemente lesado. Assim, enquanto a lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3.º) seria preterintencional, o aborto seguido de morte da gestante (arts. 125 e 126 combinados com o 127, in fine) seria crime qualificado pelo resultado” (Erro de tipo e de proibição, p. 47).
Na realidade, o crime qualificado pelo resultado é o gênero no qual há a espécie preterdolosa. Esta última é, particularmente, caracterizada por admitir somente dolo na conduta antecedente (fato-base) e culpa na conduta consequente (produtora do evento qualificador), além de exigir que o interesse jurídico protegido seja o mesmo, tanto na conduta antecedente, como na consequente – ou pelo menos do mesmo gênero. Tal situação pode ocorrer, com exatidão, na lesão corporal seguida de morte, mas não no roubo seguido de morte, por exemplo.
Os crimes qualificados pelo resultado, nos quais está incluído o delito preterdoloso, podem ser caracterizados por uma infração penal que se desenvolve em duas fases, havendo as seguintes modalidades, conforme o caso concreto: a) dolo na antecedente e dolo na subsequente (ex.: latrocínio); b) dolo na antecedente e culpa na consequente (ex.: lesão corporal seguida de morte); c) culpa na antecedente e culpa na consequente (ex.: incêndio culposo com resultado lesão grave ou morte).
Não se admite, por impropriedade lógica, a modalidade que traria culpa na conduta antecedente e dolo na consequente. Torna-se impossível agir sem desejar o resultado quanto ao fato-base e almejar o resultado qualificador. É um autêntico contrassenso. A propósito, convém mencionar a lição de Esther de Figueiredo Ferraz: “Em todos os casos em que o delito-base é culposo (crimes culposos contra a incolumidade pública agravados, por exemplo, pela ocorrência de ‘lesão corporal’ ou ‘morte’), o resultado qualificativo pode integrar, no máximo, um crime culposo, pois a existência do dolo, em relação a esse resultado, se chocaria com a culpa que informa o minus delictum” (Os delitos qualificados pelo resultado no regime do Código Penal de 1940, p. 87).
Não se acolhe, ainda, a possibilidade de existência de dolo de perigo na conduta antecedente e dolo de dano em relação ao resultado qualificador. São incompatíveis, por lógica. Se o agente quer apenas expor a perigo a incolumidade alheia, não pode pretender que o resultado mais grave aconteça como fruto do seu desejo, seja na modalidade de dolo direto, seja na de dolo eventual.
Discutia-se, antes da Reforma Penal de 1984, havendo duas posições doutrinárias, se era possível imputar ao agente do fato-base a ocorrência do resultado qualificador, mesmo que ele não tivesse a menor previsibilidade do que poderia ocorrer, ou seja, responderia o autor do fato-base pelo resultado mais grave a título de responsabilização objetiva.
Para cessar o dissídio, deixando bem clara a intenção da lei, inseriu-se o art. 19 no Código Penal, determinando que o resultado qualificador somente seja fonte de punição para o agente que o houver causado ao menos culposamente, vale dizer, quanto ao resultado mais grave é fundamental que o agente tenha atuado com dolo ou culpa.
Podemos dividir as figuras típicas previstas na Parte Especial da seguinte maneira:
1.º) crimes agravados pelo resultado cometidos com dolo na conduta antecedente e dolo na subsequente ou dolo na antecedente e culpa na subsequente, indiferentemente: a) roubo com resultado lesão grave ou morte (art. 157, § 3.º); b) extorsão com resultado lesão grave ou morte (art. 158, §§ 2.º e 3.º); c) extorsão mediante sequestro, com resultado lesão grave ou morte (art. 159, §§ 2.º e 3.º); d) lesão corporal grave (art. 129, § 1.º, I, III, IV); e) lesão corporal gravíssima (art. 129, § 2.º, I, II, III e IV); f) entrega de filho a pessoa inidônea, levando-o ao exterior (art. 245, § 1.º); g) violação do sigilo funcional com dano para a Administração Pública (art. 325, § 2.º). Trata-se de posição majoritária tanto na doutrina quanto na jurisprudência;
2.º) crimes agravados pelo resultado praticados com culpa na conduta antecedente e culpa na subsequente: a) crimes culposos de perigo comum, resultando lesão corporal grave ou morte (art. 258, c/c arts. 250, § 2.º, 251, § 3.º, 252, parágrafo único, 256, parágrafo único); b) crimes culposos contra a segurança dos meios de comunicação e transportes qualificados por resultados mais graves (art. 263, c/c arts. 260, § 2.º, 261, § 3.º, 262, § 2.º); c) crimes culposos contra a saúde pública, agravados pelos eventos lesão corporal e morte (art. 267, § 2.º; art. 285, c/c art. 258 e arts. 270, § 2.º, 271, parágrafo único, 272, § 2.º, 273, § 2.º, 278, parágrafo único, 280, parágrafo único);
3.º) crimes agravados pelo resultado na hipótese de serem cometidos com dolo de perigo na conduta antecedente e culpa na subsequente: a) crimes de periclitação da vida e da saúde, com resultado lesão grave ou morte (arts. 133, §§ 1.º e 2.º; 134, §§ 1.º e 2.º, 135, parágrafo único, 136, §§ 1.º e 2.º); b) crimes de perigo comum dolosos, com resultado lesão grave ou morte (art. 258, c/c arts. 250 a 257); c) crimes dolosos contra a saúde pública, exceto o art. 267, com resultado lesão grave e morte (art. 285, c/c arts. 268 a 284); d) rixa, com resultado lesão grave ou morte (art. 137, parágrafo único); e) crimes contra a segurança dos transportes e meios de comunicação dolosos, com resultado lesão corporal e morte (art. 258, c.c arts. 260 a 262, conforme dispõe o art. 263); f) arremesso de projétil, com resultado lesão e morte (art. 264, parágrafo único); g) epidemia dolosa, com resultado morte (art. 267, § 1.º). Quando houver dolo de perigo no antecedente, somente é possível culpa no consequente, pois dolo de dano neste último caso seria totalmente incompatível com o de perigo;
4.º) crimes qualificados pelo resultado que são polêmicos: a jurisprudência exige dolo no antecedente e culpa no consequente, pois se houvesse dolo seguido de dolo estaríamos diante de dois delitos. A doutrina majoritária segue o mesmo caminho, justificando que seria “injusta” a pena a ser aplicada caso houvesse delito qualificado pelo resultado no caso de dolo no antecedente e dolo no consequente.
No exemplo do estupro seguido de morte, havendo dolo e culpa, estar-se-ia aplicando a pena do art. 213, § 2.º, ou seja, 12 anos no mínimo. Mas, estando presente dolo no antecedente e dolo, direto ou eventual, no evento subsequente, entendiam a doutrina e a jurisprudência dominantes ser injustificada, porque reduzida, a pena de 12 anos, de forma que a aplicação correta seria o concurso de dois delitos (estupro seguido de homicídio qualificado), com pena mínima de 18 anos. Com a modificação introduzida pela Lei 12.015/2009, introduzindo a figura qualificada pelo resultado no mesmo artigo do tipo básico de estupro, cremos deva haver alteração nesse entendimento.
A doutrina minoritária sustenta que não há nada na lei que sinalize para a exigência de haver somente dolo no antecedente e culpa no consequente nesses delitos, podendo ser aceita a posição dolo no antecedente e também dolo no subsequente. Confira-se, por todos, a precisa lição de Esther de Figueiredo Ferraz (Dos crimes qualificados pelo resultado) com as seguintes justificativas: a) não há, em nenhum desses artigos, uma proibição para o resultado mais grave ser punido a título de dolo. O legislador não excluiu o dolo expressamente como fez com o art. 129, § 3.º; b) não há incompatibilidade entre o intuito de praticar o antecedente (estupro, por exemplo) e o intuito, mesmo que indireto, de praticar o consequente (morte, por exemplo); c) a culpa deve ser sempre expressamente prevista. Se fosse somente punível a título de culpa teria o legislador redigido o tipo na forma do art. 129, § 3.º, do Código Penal.
São os seguintes delitos, classificados como polêmicos, isto é, na essência são qualificados pelo resultado, aceitando qualquer forma (dolo seguido de dolo ou dolo seguido de culpa), mas que, majoritariamente, somente são acolhidos na forma dolosa seguida da culpa: a) aborto com resultado lesão grave e morte (art. 127); b) lesão com perigo de vida (art. 129, § 1.º, II); c) lesão seguida de aborto (art. 129, § 2.º, V); d) estupro com resultado lesão grave e morte (art. 213, §§ 1.º, 1.ª parte, e 2.º);
5.º) crime qualificado pelo resultado que somente pode ser cometido com dolo na conduta antecedente e culpa na consequente (forma autenticamente preterdolosa): lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3.º). Trata-se da única hipótese pacífica na doutrina e na jurisprudência em que é possível haver somente dolo no antecedente e culpa no consequente, afinal o legislador deixou isso expresso (“Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”, destaque nosso);
6.º) delito qualificado pelo resultado, cuja prática exige dolo na conduta antecedente e dolo na consequente: furto de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior (art. 155, § 5.º).
Crime qualificado pelo resultado: é o delito que possui um fato-base, definido e sancionado como crime, mas que também acarreta um outro resultado, inicialmente não desejado, que agrava o primeiro, proporcionando a aplicação de pena mais severa.
Crime preterdoloso: é uma espécie de delito qualificado pelo resultado, que possui um fato-base a ser praticado com dolo, bem como um evento posterior, que o qualifica, devendo ser cometido com culpa exclusivamente.