Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado. Em posição análoga ao conceito que fornecemos está o posicionamento de Pierangeli e Zaffaroni, sustentando ser a medida de segurança uma espécie de sanção penal, pois, sempre que se tira a liberdade do homem, por uma conduta por ele praticada, na verdade o que existe é uma sanção penal. Toda privação de liberdade, por mais terapêutica que seja, para quem a sofre não deixa de ter um conteúdo penoso. Assim, pouco importa o nome dado e sim o efeito gerado (Da tentativa, p. 29). É a postura majoritária.
Para Luiz Vicente Cernicchiaro e Assis Toledo, no entanto, em visão minoritária, a medida de segurança é instituto de caráter “puramente assistencial ou curativo”, não sendo nem mesmo necessário que se submeta ao princípio da legalidade e da anterioridade (Princípios básicos de direito penal, p. 41). Seria medida pedagógica e terapêutica, ainda que restrinja a liberdade.
Antes da Reforma Penal de 1984, prevalecia o sistema do duplo binário, vale dizer, o juiz podia aplicar pena mais medida de segurança. Quando o réu praticava delito grave e violento, sendo considerado perigoso, recebia pena e medida de segurança. Assim, terminada a pena privativa de liberdade, continuava detido até que houvesse o exame de cessação de periculosidade. Na prática, para a maioria dos sentenciados, a prisão indefinida afigurava-se profundamente injusta – afinal, na época do delito, fora considerado imputável, não havendo sentido para sofrer dupla penalidade. A designação – duplo binário – advém da expressão italiana doppio binario, que significa duplo trilho ou dupla via, como esclarece René Ariel Dotti (Visão geral da medida de segurança, p. 310).
Atualmente, prevalecendo o sistema vicariante (“que faz as vezes de outra coisa”), o juiz somente pode aplicar pena ou medida de segurança. Caso o réu seja considerado imputável à época do crime, receberá pena; se for inimputável, caberá medida de segurança. Em oposição à abolição do sistema do duplo binário, confira-se a posição de Carlos Frederico Coelho Nogueira: “Em matéria de medidas de segurança, a sociedade e cada um de nós estaremos totalmente desprotegidos pela nova Parte Geral do Código Penal. (...) Não poderá mais ser declarada a periculosidade de réus imputáveis, por mais selvagens e revoltantes os crimes por eles praticados. Apenas porque, mentalmente, são sãos. Numa época em que a sociedade clama por segurança, dilui-se a repressão de crimes comuns, incentivando-se o incremento da criminalidade violenta” (Efeitos da condenação, reabilitação e medidas de segurança, p. 142).
Temos hoje uma preocupação semelhante para os delinquentes efetivamente perigosos, sujeitos a elevadíssimos montantes de penas, que podem atingir a cifra de 100, 200, 300 e até mais anos de prisão. Será ele ressocializado necessária e automaticamente ao atingir 30 anos de cumprimento da pena, devendo ser imediatamente liberado, conforme prevê o art. 75 do Código Penal? Parece-nos que a realidade irá nos demonstrar no futuro o contrário, ou seja, quando esses sentenciados começarem a ser libertados e tornarem a delinquir, precisaremos repensar o sistema penal, possivelmente ressuscitando forma semelhante ao duplo binário. Não sendo o caso, outra medida efetiva deverá ser tomada, como já sugerimos no contexto de análise do art. 75, isto é, um livramento condicional apenas, ao final dos trinta anos, desde que não cessada a periculosidade. O que não se pode tolerar é a incapacidade do Direito Penal de lidar com a delinquência irrecuperável.
Há duas: a) internação, que equivale ao regime fechado da pena privativa de liberdade, inserindo-se o sentenciado no hospital de custódia e tratamento, ou estabelecimento adequado (art. 96, I, CP); b) tratamento ambulatorial, que guarda relação com a pena restritiva de direitos, obrigando o sentenciado a comparecer, periodicamente, ao médico para acompanhamento (art. 96, II, CP).
Prevê o art. 96, parágrafo único, do Código Penal, que não haverá medida de segurança se a punibilidade do réu for extinta. É natural que o advento de alguma das causas de extinção da punibilidade provoque a cessação da aplicação da medida de segurança, pois nada mais existe a punir, uma vez que se encontra finda a pretensão punitiva do Estado, ainda que na modalidade de tratamento.
Assim, como exemplo, caso ocorra a prescrição da pretensão punitiva, porque entre a data do recebimento da denúncia e a data da sentença transcorreu tempo suficiente para a prescrição da pena em abstrato, o juiz não impõe medida de segurança, ainda que apurada a insanidade mental do acusado. Deve julgar extinta a sua punibilidade. Se a medida de segurança já tiver sido imposta, mas a prescrição da pretensão punitiva só for constatada posteriormente, deve ser julgada extinta a punibilidade e, consequentemente, finda a execução da internação ou do tratamento ambulatorial.
Tratando-se, como afirmado, de uma medida restritiva de direitos ou da liberdade, portanto, uma forma de sanção penal, é imprescindível que o agente tenha praticado um injusto, vale dizer, um fato típico e antijurídico (crime, do ponto de vista objetivo, para a doutrina tradicional). Na lição de Baumann: “Também em outros casos a dogmática se vale da ação típica e antijurídica, mas não necessariamente culpável, por exemplo, nos pressupostos da participação no fato principal. Fala-se, neste caso, de ‘fato punível objetivo’, ou melhor, ‘fato antijurídico’” (Derecho penal – Conceptos fundamentales y sistema, p. 45).
E, justamente por isso, também é indispensável haver o respeito ao devido processo legal. Deve-se assegurar ao agente, mesmo que comprovada sua inimputabilidade, o direito à ampla defesa e ao contraditório. Somente após o devido trâmite processual, com a produção de provas, poderá o juiz, constatando a prática do injusto, aplicar-lhe medida de segurança. Acrescente-se que, se alguma excludente de ilicitude estiver presente, é obrigação do juiz, a despeito de se tratar de inimputável, absolvê-lo por falta de antijuridicidade, sem aplicação de medida de segurança. Aliás, o mesmo deve ocorrer caso comprovada a insuficiência de provas, seja para a materialidade do delito, seja no tocante à autoria.
Não há mais a medida de segurança preventiva, prevista no art. 378 do Código de Processo Penal, considerado revogado pela maioria da doutrina. De fato, previa-se a possibilidade de o juiz aplicar medida de segurança preventiva durante a instrução, mas essa providência era um reflexo do antigo art. 80 do Código Penal de 1940, in verbis: “Durante o processo, o juiz pode submeter as pessoas referidas no art. 78, I (inimputáveis) e os ébrios habituais ou toxicômanos às medidas de segurança que lhe sejam aplicáveis”. Revogado tal dispositivo, é natural que o direito processual penal tenha seguido o mesmo destino. Quando indispensável, pode o juiz decretar a prisão preventiva, colocando o agente em lugar próprio para sua situação.
A sentença que permite a aplicação da medida de segurança denomina-se absolutória imprópria, tendo em vista que, a despeito de considerar que o réu não cometeu delito, logo, não é criminoso, merece uma sanção penal (medida de segurança).
Dispõe o art. 386, parágrafo único, III, do CPP, que, na decisão absolutória, o juiz imporá medida de segurança. Sobre o tema, há a Súmula 422 do STF: “A absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade”.
Preceitua o art. 97 do Código Penal ser obrigatória a internação do inimputável que pratica fato típico e antijurídico punidos, em abstrato, com pena de reclusão. Entretanto, esse preceito é nitidamente injusto, pois padroniza a aplicação da sanção penal e não resolve o drama de muitos doentes mentais que poderiam ter suas internações evitadas. Ilustrando: se o inimputável cometer uma tentativa de homicídio, com lesões leves para a vítima, possuindo família que o abrigue e ampare, fornecendo-lhe todo o suporte para a recuperação, não há razão para interná-lo. Seria mais propícia a aplicação do tratamento ambulatorial.
Há precedente do Superior Tribunal de Justiça, acolhendo a possibilidade de correção do erro legislativo e permitindo a aplicação de tratamento ambulatorial a autor de fato-crime apenado com reclusão: “A medida de segurança, enquanto resposta penal adequada aos casos de exclusão ou de diminuição de culpabilidade, previstos no art. 26, caput e parágrafo único, do Código Penal, deve ajustar-se, em espécie, à natureza do tratamento de que necessita o agente inimputável ou semi-imputável do fato-crime” (REsp 324091-SP, 6.ª T., rel. Hamilton Carvalhido, 16.12.2003, v. u., DJ 09.02.2004, p. 211).
No mesmo sentido, convém anotar a lição de Carlota Pizarro de Almeida: “Não é correto, portanto, quando se trate de portadores de anomalia psíquica, estabelecer uma correspondência entre a medida de segurança e a gravidade do fato praticado. Mas já será importante estabelecê-la em relação à perigosidade do agente: só assim se respeita o princípio da proporcionalidade (...)” (Modelos de inimputabilidade: da teoria à prática, p. 34).
Torna-se essencial mencionar a discordância, também, dos especialistas da área da psiquiatria forense em relação ao critério adotado pelo art. 97 do Código Penal, buscando associar a espécie de medida de segurança ao crime praticado. O correto seria a fixação de medida de internação ou de tratamento ambulatorial baseado na natureza e gravidade do transtorno psiquiátrico, segundo critérios médicos (Taborda, Chalub e Abdalla-Filho, Psiquiatria forense, p. 164).
Estipula a lei que a medida de segurança se dá por prazo indeterminado. Há, porém, quem sustente ser inconstitucional o prazo indeterminado para a medida de segurança, pois é vedada a pena de caráter perpétuo – e a medida de segurança, como se disse, é uma forma de sanção penal –, além do que o imputável é beneficiado pelo limite das suas penas em 30 anos (art. 75, CP). Dizem Zaffaroni e Pierangeli: “Pelo menos é mister reconhecer-se para as medidas de segurança o limite máximo da pena correspondente ao crime cometido, ou a que foi substituída, em razão da culpabilidade diminuída” (Manual de direito penal brasileiro – Parte geral, p. 862).
Não nos parece assim, pois, além de a medida de segurança não ser pena, deve-se fazer uma interpretação restritiva do art. 75 do Código Penal, muitas vezes fonte de injustiças. Como já exposto em capítulo anterior, muitos condenados a vários anos de cadeia estão sendo interditados civilmente, para que não deixem a prisão, por serem perigosos, padecendo de enfermidades mentais, justamente porque atingiram o teto fixado pela lei (30 anos).
Ademais, apesar de seu caráter de sanção penal, a medida de segurança não deixa de ter o propósito curativo e terapêutico. Ora, enquanto não for devidamente curado, deve o sujeito submetido à internação permanecer em tratamento, sob custódia do Estado. Seria demasiado apego à forma transferi-lo de um hospital de custódia e tratamento criminal para outro, onde estão abrigados insanos interditados civilmente, somente porque foi atingido o teto máximo da pena correspondente ao fato criminoso praticado, como alguns sugerem, ou o teto máximo de 30 anos, previsto no art. 75, como sugerem outros.
O inimputável não sofre juízo de culpabilidade, embora com relação a ele se possa falar em periculosidade, que, no conceito de Nélson Hungria, significa um estado mais ou menos duradouro de antissociabilidade, em nível subjetivo. Quanto mais fatos considerados como crime o inimputável comete, mais demonstra sua antissociabilidade.
A periculosidade pode ser real ou presumida. É real quando há de ser reconhecida pelo juiz, como acontece nos casos de semi-imputabilidade (art. 26, parágrafo único, CP). Para aplicar uma medida de segurança ao semi-imputável, o magistrado precisa verificar, no caso concreto, a existência de periculosidade. É presumida quando a própria lei a afirma, como ocorre nos casos de inimputabilidade (art. 26, caput, CP). Nesse caso, o juiz não necessita demonstrá-la, bastando concluir que o inimputável praticou um injusto (fato típico e antijurídico) para aplicar-lhe a medida de segurança.
Outrora, antes da Reforma Penal de 1984, costumava-se aplicar ao agente do crime impossível, ou no caso de ajuste, determinação, instigação e auxílio a atos preparatórios de crime (antigo art. 76, parágrafo único, CP), medida de segurança. Tal situação não persistiu no sistema penal.
Preceitua o art. 183 da Lei de Execução Penal que “quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança”.
É preciso distinguir duas hipóteses: a) se o condenado sofrer de doença mental, não se tratando de enfermidade duradoura, deve ser aplicado o disposto no art. 41 do Código Penal, ou seja, transfere-se o sentenciado para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico pelo tempo suficiente à sua cura. Não se trata de conversão da pena em medida de segurança, mas tão somente de providência provisória para cuidar da doença do condenado. Estando melhor, voltará a cumprir sua pena no presídio de onde saiu; b) caso a doença mental tenha caráter duradouro, a transferência do condenado não deve ser feita como providência transitória, mas sim definitiva. Por isso, cabe ao juiz converter a pena em medida de segurança, aplicando-se o disposto no art. 97 do Código Penal.
Há quatro correntes a respeito:
a) tem duração indefinida, nos termos do disposto no art. 97, § 1.º, do Código Penal;
b) tem a mesma duração da pena privativa de liberdade aplicada. O sentenciado cumpre, internado, o restante da pena aplicada;
c) tem a duração máxima de 30 anos, limite fixado para a pena privativa de liberdade;
d) tem a duração do máximo em abstrato previsto como pena para o delito que deu origem à medida de segurança.
Parece-nos que o legislador deveria ter disciplinado melhor o disposto no art. 183 da Lei de Execução Penal, deixando bem claro o limite para seu cumprimento, após a conversão. Afinal, não mais sendo adotado o sistema do duplo binário (pena + medida de segurança), cabe a verificação de imputabilidade no momento do crime, e não depois. Caso fosse considerado inimputável à época do crime, receberia por tal fato medida de segurança, podendo cumpri-la indefinidamente. A situação ora aventada, portanto, é diferente: num primeiro caso, já que cometeu um crime no estado de imputabilidade, recebeu pena. Este é o pagamento à sociedade pelo mal praticado. Ficando doente, merece tratamento, mas não por tempo indefinido. Num segundo caso, uma vez que praticou o delito no estado de inimputabilidade, recebeu medida de segurança. Pode ficar detido até que se cure. O injusto cometido tem ligação direta com a medida de segurança aplicada, justificando-se, pois, a indeterminação do término da sanção penal. Melhor seria exigir-se a clareza da lei. Não existindo tal nitidez, parece-nos mais lógico não interpretar a lei penal em desfavor do réu.
Assim, tendo em vista que na época da infração penal o réu foi considerado imputável, recebeu do Estado, por consequência disso, uma pena, fixada em montante certo. Caso tenha havido conversão, é justo que a medida de segurança aplicada respeite o limite estabelecido pela condenação, ou seja, cumprirá a medida de segurança pelo prazo máximo da pena. Terminado esse prazo, continuando doente, torna-se um caso de saúde pública, merecendo ser interditado, como aconteceria com qualquer pessoa que sofresse de enfermidade mental, mesmo sem praticar crime.
Complementando, não há contradição com o que defendemos no início deste capítulo, ou seja, não ser inconstitucional a medida de segurança ter duração indefinida. O que se busca é analisar a situação do criminoso no momento em que pratica o delito, para evitar o duplo binário. Se era inimputável, pode receber medida de segurança por tempo indefinido, já que essa é a sanção merecida pelo que praticou. Sendo imputável, cabe-lhe a aplicação de uma pena, que não deve ser alterada no meio da execução por uma medida indeterminada. Afinal, de uma pena com limite préfixado, com trânsito em julgado, passaria o condenado a uma sanção sem limite, não nos parecendo isso correto.
O caminho natural, para evitar qualquer tipo de subterfúgio, é converter a pena em medida de segurança quando o sentenciado adoecer mentalmente no cárcere. Porém, se apresentar melhora, deve tornar a cumprir sua pena, havendo, portanto, a reconversão.
Outra solução implicaria em abuso. Se a pena fosse convertida em medida de segurança indefinida, ultrapassando até mesmo o teto originalmente fixado como sanção penal pelo Estado, estaríamos diante de situação prejudicial ao sentenciado, uma vez que a imputabilidade deve ser analisada no momento do crime. Se a pena fosse convertida em medida de segurança, mas, pouco tempo depois, fosse constatada a melhora do condenado, caso pudesse conseguir a sua liberdade, muitas seriam as situações injustas. Exemplo: um condenado por latrocínio a 20 anos de reclusão adoece 5 anos após; convertida sua pena em medida de segurança, ele melhora após 2 anos; é natural que volte a cumprir a pena faltante, ou seja, 13 anos. Liberdade imediata é o que não lhe cabe. O direito espanhol disciplinou tal situação expressamente, prevendo a possibilidade de haver a reconversão (art. 60, CP).
Esta é, igualmente, a posição de Taborda, Chalub e Abdalla-Filho: “Uma vez constatada a recuperação do paciente, no entanto, este deverá retornar ao presídio para continuar a cumprir a pena fixada anteriormente ao desenvolvimento do transtorno mental, sendo que o período de internação é contado como tempo de cumprimento da pena” (Psiquiatria forense, p. 164).
Deve ser computado o período de prisão provisória no prazo mínimo estabelecido para a medida de segurança, como prevê o art. 42 do Código Penal. Exemplificando: se a pessoa submetida à medida de segurança ficou detida, em prisão cautelar, durante toda a instrução, resultando num total de um ano, aplicada a medida de segurança de internação pelo prazo mínimo de dois anos, transitada esta em julgado, aplica-se a detração, verificando-se que, dentro de um ano (descontado o tempo de prisão cautelar) far-se-á o exame de cessação de periculosidade.
Se o indivíduo estiver curado, pode ser imediatamente desinternado. Do contrário, continua em tratamento e novo exame ocorrerá dentro de um ano. Entretanto, a aplicação desse dispositivo precisa ser feita com equilíbrio para não frustrar o objetivo da lei, que é somente liberar o doente quando estiver curado. Isto significa que a detração não tem o condão de, uma vez aplicada, provocar a imediata soltura da pessoa submetida à internação, mas, sim, que o exame de cessação da periculosidade deve ser providenciado em menor prazo.
Criticando a possibilidade legal de aplicação da detração no prazo mínimo da medida de segurança, está a lição de Carlos Frederico Coelho Nogueira: “Onde está, então, aquela distinção, preconizada pela própria Exposição de Motivos da nova Parte Geral, entre culpabilidade e periculosidade? A prisão não decorre da culpabilidade? Por que computá-la, pois, no tempo de medida de segurança, que decorre da perigosidade, nada tendo a ver com prisão provisória ou administrativa? Praticamente, o art. 42 da nova Parte Geral vai frustrar o período mínimo de duração das medidas de segurança, tornando-o uma falácia legal” (Efeitos da condenação, reabilitação e medidas de segurança, p. 145).
Deve ser realizada a perícia médica, para comprovar a cura da pessoa submetida à medida de segurança (ou, pelo menos, o fim da sua periculosidade), propiciando a sua desinternação ou liberação do tratamento ambulatorial, como regra, após o prazo mínimo fixado pelo juiz (de um a três anos).
Excepcionalmente, no entanto, surgindo algum fato superveniente, ainda no transcurso desse prazo, pode o juiz determinar a antecipação do exame de cessação da periculosidade (art. 176, LEP). Essa antecipação pode ser fruto de requerimento fundamentado do Ministério Público, do interessado, de seu procurador ou defensor, mas também pode ser realizada de ofício. Embora o referido art. 176 pareça indicar que a antecipação somente pode ser determinada se houver requerimento das partes interessadas, não há sentido para privar-se o juiz da execução penal dessa possibilidade, desde que chegue ao seu conhecimento fato relevante, indicativo da necessidade do exame.
Preceitua o art. 175 da Lei de Execução Penal que a “autoridade administrativa, até um mês antes de expirar o prazo de duração mínima da medida, remeterá ao juiz minucioso relatório que o habilite a resolver sobre a revogação ou permanência da medida”. Esse relatório deverá estar instruído com o laudo psiquiátrico. Em seguida, “serão ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o curador ou defensor” (normalmente, este último é também o curador nomeado). Novas diligências podem ser realizadas, ainda que expirado o prazo mínimo da medida de segurança. Decide, então, o magistrado.
Vale destacar que cabe assistência de médico particular, conforme prevê o art. 43 da Lei de Execução Penal, para orientar e acompanhar o tratamento. Havendo divergência entre o profissional particular e o médico oficial, decidirá o juiz da execução.
Havendo a desinternação ou a liberação do tratamento ambulatorial, fica o agente em observação por um ano, sujeitando-se, como determina o art. 178 da Lei de Execução Penal, às condições do livramento condicional (arts. 132 e 133, LEP): a) obrigatórias: obter ocupação lícita; comunicar ao juiz sua ocupação, periodicamente; não mudar do território da comarca, sem autorização judicial; b) facultativas: não mudar de residência, sem prévia comunicação; recolher-se à habitação no horário fixado; não frequentar determinados lugares.
Durante um ano ficará o agente sob prova; caso pratique algum ato indicativo de sua periculosidade – que não precisa ser um fato típico e antijurídico –, poderá voltar à situação anterior. Normalmente, faz-se o controle através da folha de antecedentes do liberado, pois não há outra forma de acompanhamento mais eficaz.
Egresso é a denominação dada ao internado ou submetido a tratamento ambulatorial que foi liberado pelo período de um ano, a contar da saída do estabelecimento (art. 26, I, LEP).
Por outro lado, prevê o art. 184 da Lei de Execução Penal a possibilidade de o tratamento ambulatorial ser convertido em internação se o agente revelar incompatibilidade com a medida.
Questão interessante, merecedora de destaque, é a viabilidade da conversão da internação em tratamento ambulatorial, denominada desinternação progressiva. Prevê a lei penal que o tratamento ambulatorial pode ser convertido em internação, caso essa providência seja necessária para “fins curativos”. Nada fala, no entanto, quanto à conversão da internação em tratamento ambulatorial, o que se nos afigura perfeitamente possível. Muitas vezes, o agente pode não revelar periculosidade suficiente para manter-se internado, mas ainda necessitar de um tratamento acompanhado. Assim, pode o magistrado determinar a desinternação do agente para o fim de se submeter a tratamento ambulatorial, que seria a conversão da internação em tratamento ambulatorial.
Não se trata de desinternação, porque cessada a periculosidade, mas de liberação para a continuidade dos cuidados médicos, sob outra forma. Essa medida torna-se particularmente importante, pois há vários casos em que os médicos sugerem a desinternação, para o bem do próprio doente, embora sem que haja a desvinculação do tratamento médico obrigatório. Ora, o art. 178 da Lei de Execução Penal é claro ao determinar que, havendo desinternação ou liberação, devem ser impostas ao apenado as condições obrigatórias e facultativas do livramento condicional (arts. 132 e 133, LEP).
Ocorre que nenhuma delas prevê a possibilidade de se fixar, como condição, a obrigação de continuar o tratamento ambulatorial, após ter sido desinternado. Dessa forma, o melhor a fazer é converter a internação em tratamento ambulatorial, pelo tempo que for necessário à recuperação, até que seja possível, verificando-se a cessação da periculosidade, haver a liberação condicional.
Exemplo: um sentenciado internado há quase 7 anos em hospital de custódia e tratamento é submetido ao exame de cessação de periculosidade. A sugestão dos peritos é a desinternação, mas com aplicação de tratamento ambulatorial. Por isso, delibera-se converter a medida de internação na mais branda, consistente em tratamento ambulatorial.
Embora não seja comum, é possível que o semi-imputável (art. 26, parágrafo único, do Código Penal) necessite de especial tratamento curativo, em lugar de cumprir a pena privativa de liberdade no cárcere comum. Se assim for atestado por peritos, pode o juiz converter a pena em medida de segurança (art. 98, CP). Melhor será colocá-lo no hospital, pois, ficando no presídio comum, a perturbação da saúde mental pode agravar e transformar-se em doença mental, obrigando o juiz a converter a pena em medida de segurança, embora tarde demais. Há problemas que podem ser sanados antes, motivo pelo qual autoriza-se a conversão da pena em medida de segurança com relação ao condenado que já apresenta problemas mentais.
Se o agente for colocado em estabelecimento prisional comum, sem qualquer tratamento, cabe habeas corpus para fazer cessar o constrangimento, salvo quando for reconhecidamente perigoso, situação que o levará a aguardar a vaga detido em presídio comum, se for preciso. A regra, no entanto, é que o doente mental fique recolhido em estabelecimento próprio (art. 99, CP).
Medida de segurança: é uma espécie de sanção penal destinada aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis, autores de fato típico e antijurídico, embora não possam ser considerados criminosos, por não sofrerem o juízo de culpabilidade, mas, sim, de periculosidade, devendo ser submetidos a internação ou a tratamento ambulatorial, pelo mínimo de um a três anos, sem prazo máximo definido.
Espécies de medida de segurança: são a internação em hospital de custódia e tratamento e tratamento ambulatorial, que obriga o sentenciado a comparecimento periódico ao médico para acompanhamento de sua enfermidade. O juiz deveria escolher livremente entre elas, embora a lei tenha previsto que, para infrações penais sujeitas a pena de reclusão, a internação seja obrigatória; quanto às infrações sujeitas a pena de detenção, pode ser aplicada internação ou tratamento ambulatorial.