120

As costas do banco traseiro fazem um ruído forte e caem para a frente, abrindo uma passagem para o interior do carro. Thulin vê finalmente luz. Permanece deitada por um momento, suada e exausta, com o corpo na bagageira e a cabeça a passar pela abertura. Vira a cabeça para a direita e consegue olhar pela janela do banco traseiro: uma tira vertical de luz dos cadeeiros do pátio diz-lhe que o carro está estacionado no celeiro, atrás das portas fechadas.

A fechadura da bagageira do carro revelara-se impossível de abrir. Em vez disso, percebera que a parede traseira estava a começar a ceder quando fazia força com os joelhos e continuara a usar as omoplatas como um aríete. Agora debate-se novamente, desta vez para empurrar mais o corpo para o banco traseiro do carro. Se encontrar algo que lhe permita cortar a fita que lhe prende as mãos e os pés, talvez ainda não seja tarde demais. O silêncio na casa é insuportável, mas, se conseguir entrar lá e talvez até encontrar a sua arma, serão dois contra um. Hess também não é estúpido. Se foi sozinho à quinta, de certeza que foi por ter descoberto que o assassino era Genz, e deveria ter tomado precauções. É a última coisa em que pensa antes de ouvir o som do fogo que rebenta com um estrondo. Como uma rajada de vento súbita que força uma vela até ao ponto de ruptura. Não está longe de Thulin, provavelmente vem de algum ponto no interior da casa, possivelmente do mesmo lugar de onde vinham os gritos abafados.

Thulin sustém a respiração e põe-se à escuta. Há realmente um fogo, e começa a cheirar a fumo. Enquanto se vira para puxar o resto do corpo para o banco traseiro, tenta perceber o que significa o fogo. Lembra-se subitamente das duas latas de metal que havia ao lado da mesa na sala. Reparou nelas assim que entrou, mas depois a sua atenção fora desviada para as fotografias na parede e para Genz. Mas, se o fogo faz parte do cenário que Genz concebeu, pode significar algo desastroso para Hess. Ela consegue passar a parte inferior do corpo para o banco traseiro e fica deitada de lado. Usando os cotovelos, senta-se e tenta agarrar o fecho da porta com as mãos atadas. Na sua mente, já encontrou no celeiro um instrumento que lhe permitirá libertar-se, para poder correr para dentro da casa, mas agora vê-o no pátio, pela fresta da porta.

Ele sai pela porta principal com uma das latas de metal na mão, e só quando desce os degraus cobertos de neve pára de derramar o líquido. Atira a lata para dentro da porta e, assim que acende o fósforo e o atira lá para dentro, vira-se para o celeiro. Está a ir na direcção dela. Atrás dele, as chamas espalham-se depressa pelo piso inferior da casa. Quando ele se aproxima da fresta da porta do celeiro, as chamas já chegaram ao tecto, e só se vê a silhueta dele.

Thulin abaixa-se atrás do lugar do condutor ao mesmo tempo que o trinco da porta do celeiro se abre. O clarão descontrolado invade o espaço, e ela tenta encolher-se o máximo possível. A porta da frente abre-se e, pela forma como as costas do assento fazem pressão contra a sua cara, Thulin percebe que ele se sentou. Enfia a chave na fechadura, liga o motor e, quando o carro começa a mover-se e a sair para o pátio coberto de neve, Thulin ouve as janelas explodirem devido ao calor.