A cozinha está vazia de uma forma que lhe diz que nunca mais vai lá voltar. Está sentada, de casaco vestido, no banquinho ao lado da mesa forrada a linóleo, à espera de que a mãe venha buscá-la, porque não tem autorização para sair sozinha.
Não é a sua mãe verdadeira, mas a mulher dissera-lhe para lhe chamar «mãe». Em vez de Astrid. Especialmente quando estão fora de casa. Ainda se lembra da sua mãe verdadeira, e do seu pai, e do seu irmão mais novo, e todos os dias sonha voltar a vê-los. Mas os sonhos são dolorosos, e treinou-se para fazer tudo o que lhe mandam, até um dia conseguir fugir. Já tentara fazê-lo muitas vezes, tanto na realidade como na sua imaginação, mas sempre sem sorte. Ainda assim, uma nova esperança desperta agora nela enquanto olha pela janela na direcção da garagem.
Talvez tivesse começado alguns dias antes, quando o homem não aparecera. A mãe fizera as malas e dissera-lhe para esperar ali com ela, naquele banco onde está agora sentada. Mas ele não viera. Nem no dia seguinte, nem no seguinte. Também não tinha telefonado. A mãe parecia mais nervosa e insegura do que o costume. E, quando acordara naquela manhã, percebera imediatamente pela voz dela que ela tinha tomado uma decisão.
Podia ser bom saírem dali. Irem para longe da casa que odeia, e do homem e das suas câmaras, que a seguem constantemente. Mas para onde e para o quê — talvez para algo pior? Ainda não se atreveu a pensar muito nisso. Portanto, não é daí que vem a esperança — é da fenda de luz que entra pela porta aberta e do facto de a mãe ainda não ter regressado.
Pousa cuidadosamente os pés no chão e levanta-se, enquanto mantém o olhar fixo no ar vazio em frente à garagem. Talvez seja a sua última hipótese. Uma luz vermelha pisca na câmara pendurada num canto junto ao tecto, e ela põe, hesitante, um pé diante do outro.