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Demora demasiado tempo, e Rosa sente que é um mau sinal. Não conseguem ver a casa da estrada onde estão, mas disseram-lhes que fica a apenas 500 metros de distância, do outro lado do campo e da vedação com árvores altas e arbustos. O Sol brilha, mas o vento é gélido, apesar de estarem abrigados na parte de trás de dois carros da polícia alemã.

Rosa e Steen insistiram em ir lá quando foram informados na noite anterior de que a polícia ia investigar uma pista na Alemanha. Alegadamente, a irmã do assassino vivia numa casa de campo junto à fronteira com a Polónia, e havia indicações de que ele ia ter com ela quando fora morto na estrada perto da Quinta das Castanhas. A possibilidade de a irmã estar envolvida e saber algo sobre Kristine é aparentemente real, e, uma vez que não tinham outras pistas para seguir, decidiram ir também. Especialmente agora que o assassino já não podia dar-lhes respostas.

Fora a primeira pergunta de Rosa quando acordara no hospital depois da cirurgia. Olhara para o rosto choroso de Steen e, ao perceber onde estava, num hospital de verdade e não naquela cave branca de pesadelo, perguntara-lhe se o homem tinha dito alguma coisa. Steen abanara a cabeça, e ela percebera que para ele nada disso importava naquele momento. Para ele, era um alívio Rosa estar viva, e ela vira o mesmo alívio nos olhos de Gustav. Claro que estavam preocupados, por ela ter sido ferida e mutilada. Os grampos na extremidade do braço tinham ajudado a salvar-lhe a vida, porque tinham impedido a hemorragia, mas a mão decepada fora consumida pelas chamas. O médico dissera que a dor ia desaparecer. No futuro, ser-lhe-ia dada uma prótese adequada, habituar-se-ia a ela e deixaria de se surpreender como agora, quando esquecia momentaneamente a dor e depois via o coto na extremidade do seu braço.

Estranhamente, Rosa não se sentia especialmente perturbada. Não estava destruída pela experiência e, em vez disso, pensava que nada daquilo tinha importância. Teria dado tudo. Teria dado também a mão direita, que entretanto fora cosida, ambos os pés ou a própria vida, se pudesse voltar atrás no tempo e salvar Kristine. O sentimento de culpa dominara-a naquela cama de hospital, e chorara pelo pecado que cometera há tanto tempo, quando era criança. A culpa era dela, e, embora tivesse passado a maior parte da sua vida adulta a reparar o erro, não ajudara. Pelo contrário, afectara Kristine, que não fizera nada excepto ser sua filha. Era horrível pensar nisso. Steen tentara fazê-la perceber que não devia culpar-se, mas que Kristine tinha desaparecido, e o mesmo era verdade em relação ao homem que a levara, mas não havia um momento em que Rosa não desejasse que ele a tivesse levado antes a ela.

No meio da tristeza e da autoculpabilização, na noite anterior chegara a mensagem acerca da pista, e eles foram instalados na pequena caravana de carros que partiu para a Alemanha antes do nascer do Sol. Algumas horas mais tarde, ao chegarem ao parque de estacionamento onde os carros da polícia alemã os esperavam, Steen entendera pela conversa entre os polícias dinamarqueses e alemães que a mulher que vivia naquela casa fora vista no Verão a passear com uma criança. Possivelmente da idade de Kristine. Os polícias dinamarqueses não quiseram dar-lhes certezas, e Rosa e Steen foram deixados nos carros, juntamente com os polícias alemães, quando a operação foi posta em prática.

Subitamente, Rosa percebe que nem se atreve a acreditar que Kristine pode estar viva. Mais uma vez, construiu uma esperança, um sonho, um castelo no ar, que pode desaparecer num momento. Naquela noite, quando se vestira para a viagem, escolhera usar roupas que sabia que Kristine reconheceria. As calças de ganga azul-escuras, a camisola de lã verde, o casaco de Outono velho e as pequenas botas forradas a que Kristine sempre chamara «pantufas». Desculpara-se dizendo que tinha de escolher alguma coisa, mas a escolha em particular fora guiada pela esperança de a encontrar naquele dia e de poder abraçá-la e cobri-la com todo o seu amor.

— Steen, quero ir para casa. Acho que devíamos ir embora.

— O quê?

— Abre a porta do carro. Ela não está aqui.

— Eles ainda não voltaram…

— Também não podemos ficar muito tempo ausentes. Quero ir ter com o Gustav.

— Rosa, vamos esperar aqui.

— Abre a porta do carro! Não ouviste o que eu disse? Abre a porta do carro!

Ela deita a mão ao puxador da porta, mas Steen não a destranca. Ele viu algo atrás dela, e ela vira-se para olhar na mesma direcção.

Dois vultos avançam na direcção deles, vindos da vedação com as árvores e arbustos. Estão a atravessar o campo, em direcção à estrada e aos carros da polícia, levantando muito as pernas porque a lama se pega aos sapatos. Um dos vultos é a detective, aquela a que chamam Thulin. A outra figura, que vem de mão dada com Thulin, parece ser um rapaz de 12 a 13 anos. Tem cabelo curto e desgrenhado. As roupas largas fazem-no parecer um espantalho, e tem os olhos fixos no chão porque tem dificuldade em caminhar na lama. Mas, quando o rapaz ergue o olhar e olha para os carros, onde Rosa está ao lado de Steen, ela sabe. Sente um aperto no estômago e, olhando para Steen para perceber se ele está a ver o mesmo que ela, nota que o seu rosto já está alegre e que as lágrimas lhe correm pelas faces. Rosa começa a correr, para longe dos carros e para o meio do campo. Quando Kristine larga a mão da polícia e começa a correr para ela, Rosa sabe que é verdade.