No carro do ministério a caminho do centro, Vogel revê o programa para aquele dia. Os ministros do governo vão reunir-se em Christiansborg e depois disso vão juntos à igreja do palácio para participarem no tradicional serviço religioso. Quando este terminar, Rosa deverá ir cumprimentar o seu pessoal no Ministério dos Assuntos Sociais, que está sediado no Holmens Kanal, em frente à Praça do Palácio de Christiansborg, e depois disso deve regressar a Christiansborg a tempo da abertura oficial da sessão do Parlamento.
O resto do dia também foi cuidadosamente planeado, mas Rosa sugere algumas correcções, que actualiza no calendário do seu iPhone. Não precisa dele porque a sua secretária toma nota de tudo por ela, mas Rosa prefere assim. Ajuda-a a estar a par dos detalhes, a manter os pés na realidade e a ter uma sensação de controlo. Especialmente hoje. Mas, quando o carro se aproxima do Parlamento, deixa de ouvir Vogel. As bandeiras da Dinamarca estão hasteadas na torre do edifício, e por toda a praça há carrinhas da imprensa, e ela olha para as figuras que se preparam para fazerem as suas coberturas protegidas por guarda-chuvas e iluminadas pelos flashes dos fotógrafos.
— Asger, vamos para a entrada das traseiras.
As palavras de Vogel são recebidas com um aceno do motorista, mas Rosa não aceita a sugestão.
— Não. Eu saio aqui.
Vogel vira-se para ela, surpreso, e o motorista fita-a pelo espelho retrovisor. Só agora ela repara que, apesar da sua tenra idade, a boca do homem tem uma expressão séria.
— Se não o fizer agora, eles vão ficar aqui o dia todo. Leve o carro para a frente da entrada e deixe-me sair ali.
— Rosa, tens a certeza?
— Absoluta.
*
O carro aproxima-se do passeio, e o motorista sai a correr e abre-lhe a porta traseira. Quando ela se levanta e começa a dirigir para a grande escadaria do Parlamento, tudo parece acontecer em câmara lenta: os fotógrafos viram-se, os jornalistas começam a avançar para ela, de boca aberta e com as palavras distorcidas.
— Rosa Hartung, um momento!
Rosa é atingida pela realidade. A multidão à sua frente explode, as máquinas fotográficas começam a disparar à frente do seu rosto, e as perguntas dos jornalistas atacam-na. Rosa sobe dois degraus das escadas e olha para a multidão e assimila tudo. As vozes, a luz e os microfones, um gorro azul, puxado sobre uma testa enrugada, um braço que acena, um par de olhos escuros que tentam segui-la da última fila.
— Hartung, tem alguma coisa a dizer?
— Qual é a sensação de estar de volta?
— Pode dar-nos dois minutos?
— Rosa Hartung, olhe para aqui!
Rosa sabe que foi o tema de várias reuniões da redacção nos últimos meses e especialmente nos últimos dias, mas ninguém contava com esta oportunidade, portanto, não estão preparados, e é por isso que Rosa o faz.
— Afastem-se! A ministra tem uma declaração a fazer.
É Vogel, que se pôs à frente dela para manter as pessoas à distância. A maioria obedece, e Rosa olha para os rostos, muitos dos quais já conhece.
— Como sabem, foram tempos difíceis. Tanto eu como a minha família estamos gratos pelo apoio que recebemos. Agora inicia-se um novo ano no Parlamento, e chegou a altura de olhar em frente. Quero agradecer ao primeiro-ministro pela sua confiança, e estou ansiosa para me envolver nas tarefas políticas que temos pela frente. Espero que respeitem isso. Obrigada.
Rosa Hartung sobe as escadas atrás de Vogel, que tenta abrir o caminho para ela.
— Mas, Hartung, está preparada para regressar?
— Como se sente!?
— Qual é a sensação de saber que o perpetrador não identificou os lugares onde a sua filha…
Vogel consegue fazê-la chegar até às grandes portas, e, quando o secretário está prestes a pegar-lhe na mão junto à porta, Rosa sente-se como se tivesse sido salva de um oceano profundo.