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Das janelas panorâmicas da empresa de arquitectura vê-se a cidade. As secretárias são pequenas ilhas na sala grande com clarabóias, e parece que a sala está a virar porque a maioria dos empregados está a olhar para o ecrã suspenso junto ao tecto, de um dos lados. Steen Hartung sobe as escadas de madeira enquanto o ecrã que está a passar as notícias termina com um vídeo da chegada da sua mulher a Christiansborg. A maioria dos funcionários dá-se conta da sua presença e finge estar a trabalhar enquanto ele se dirige para o seu gabinete. Apenas o seu sócio, Bjarke, olha para ele e sorri.

— Olá, tens um momento?

Entram no gabinete, e Bjarke fecha a porta.

— Acho que ela se está a sair bem.

— Obrigado. Falaste com o cliente?

— Sim, estão satisfeitos.

— Então porque não ficámos com o trabalho?

— Porque eles querem ser cautelosos. Querem mais desenhos, mas já lhes disse que precisamos de mais tempo.

— Mais desenhos?

— Como estão as coisas em casa?

— Eu posso entregá-los depressa, não há problema.

Steen liberta espaço no estirador para arranjar lugar para as pranchas, mas a irritação cresce porque o sócio continua ali parado a olhar para ele.

— Steen, estás a exigir demasiado de ti. Qualquer pessoa é capaz de entender se relaxares um pouco e tirares algum tempo para ti. Dá mais trabalho aos outros. Foi para isso que os contratámos.

— Diz ao cliente que darei resposta dentro de alguns dias. Precisamos de conseguir este contrato.

— Mas isso não é o mais importante. Steen, estou preocupado contigo. Continuo a achar que…

— Sim, fala o Steen Hartung.

Steen atendeu o telemóvel ao primeiro toque. A voz do outro lado apresenta-se como a secretária do seu advogado, e Steen vira as costas ao sócio para o fazer sair do seu gabinete.

— Pode ser agora. Do que se trata?

No reflexo na grande janela panorâmica, Steen vê o sócio a sair do seu gabinete enquanto a voz do outro lado da linha continua.

— Esta é uma chamada de acompanhamento para a orientação que já recebeu, e não precisa de responder agora. Pode haver bons motivos para esperar, mas, agora que se aproxima o aniversário do incidente, temos de lhe lembrar que tem o direito de abrir um caso de homicídio.

Por algum motivo, não era o que Steen Hartung esperava ouvir. Sente a náusea a crescer e, por um momento, não se consegue mexer e fica a olhar para o reflexo do seu rosto na janela molhada pela chuva.

— Como sabe, é algo que pode ser feito nos casos em que o corpo não é encontrado, mas em que não há dúvida acerca do resultado. Claro que é sua a escolha de o fazer agora. Só queremos orientá-lo, e vocês podem conversar…

— Queremos fazê-lo.

A voz do outro lado cala-se por um breve momento.

— Como eu disse, não é nada que tenha de…

— Se quiser enviar-me a documentação, eu assino e falo disso à minha mulher. Obrigado.

Ele afasta o telefone do ouvido e desliga. Dois pombos molhados saltitam um por cima do outro no parapeito do lado de fora da janela. Steen olha para eles sem os ver, e, quando por fim se move, os pombos voam para longe.

Steen tira uma garrafa da mala e despeja o conteúdo no seu café antes de se debruçar sobre as pranchas. Tem as mãos a tremer e tem de usar ambas para pegar na régua. Sabe que é a decisão acertada e deseja poder pôr fim àquilo agora mesmo. É uma coisa pequena, mas é importante. Os mortos não podem fazer sombra aos vivos. Foi o que lhe disseram os psicólogos e terapeutas, e todas as fibras do seu corpo lhe dizem que eles têm razão.