A nova sede em forma de cubo do departamento forense da polícia fica na zona noroeste da cidade. Começou a escurecer lá fora, no parque de estacionamento junto às bétulas, mas o trabalho ainda está em curso nos laboratórios no piso por cima da grande garagem.
— Mas viste as SMS, os e-mails, os telefonemas?
— Os técnicos de informática ainda não encontraram nada importante, mas nada disso é tão importante como o que te vou mostrar.
Thulin segue de perto Genz, que acabou de os ir buscar à recepção e a aprovou e a Hess como seus convidados. Hess insistira em ir também, mas foi provavelmente apenas por não dever negligenciar a investigação. A caminho do carro, o homem, sem interesse genuíno, passou desinteressadamente os olhos pelo relatório da autópsia que Thulin lhe trouxera, e Thulin não sentira necessidade de discutir o caso com ele. Mas o caminho deixara-a impaciente, e o mesmo é verdade em relação à resposta críptica de Genz, mas não há nada que sugira que vai saber mais enquanto não chegarem ao laboratório dele.
Há divisórias de vidro por toda a parte. Os técnicos parecem abelhas vestidas de branco junto às suas mesas de trabalho, e uma grande quantidade de aparelhos de ar condicionado e termóstatos garantem que a temperatura e a humidade são mantidas no nível certo para os exames que estão a ser feitos dentro dos respectivos compartimentos de vidro. É no Departamento Forense que o material recolhido dos locais de crimes é investigado e avaliado, para os investigadores poderem ter em conta os dados obtidos. São frequentemente as pistas técnicas que determinam a direcção de uma investigação, e, no curto espaço de tempo que passou no departamento forense, Thulin percebeu que este está a conduzir uma investigação meticulosa de coisas tão distintas como vestuário, roupa de cama, tapetes, papel de parede, comida, veículos, vegetação e terra. Mas, à partida, a lista é infinita. Da mesma forma que o trabalho do médico-legista é investigar o cadáver e explicar os dados obtidos, o trabalho do técnico forense é investigar e descobrir pistas no local do crime e identificar potenciais suspeitos. O médico-legista e o técnico forense são os dois braços científicos que servem de base a uma investigação, e ambos descobrem provas que o promotor público mais tarde usará para obter a condenação de um perpetrador.
Desde a década de noventa do século xx, o Departamento Forense também é responsável pelas ditas pistas informáticas, à responsabilidade de uma subdivisão que investiga a pegada digital das vítimas e dos suspeitos. Com um foco crescente no cibercrime global, na actividade de hackers e no terrorismo internacional, desde 2014 esta subdivisão tornou-se o NC3 para o qual Thulin deseja trabalhar, mas, por razões práticas, o departamento ainda leva a cabo pequenas tarefas locais como, por exemplo, o exame dos computadores e telemóveis da casa de Laura Kjær.
— Então e outras pistas? No quarto, na garagem?
Impaciente, Thulin instalou-se no grande laboratório para onde Genz os levou.
— Não. Mas, antes de eu dizer mais alguma coisa, quero saber se posso confiar nele.
Genz fechou a porta e está a acenar com a cabeça para Hess. Embora Thulin sinta o mesmo, Genz é subitamente tão directo nas suas reservas em relação ao estranho que também ela se sente apanhada de surpresa.
— O que queres dizer com isso?
— O que te vou dizer tem um conteúdo bastante sensacional, e não quero que esta informação se espalhe. Não é nada pessoal. Espero que entenda.
A última parte do comentário é dirigida a Hess, que não reage.
— Ele foi nomeado investigador pelo Nylander. E, agora que está presente, digo que podemos confiar nele.
— Thulin, estou a falar a sério.
— Eu assumo a responsabilidade. Agora conta-me o que descobriste.
Genz hesita por um momento, antes de se voltar para o seu teclado. Ao fim de pouco tempo, começa a introduzir uma password ao mesmo tempo que, com a outra mão, tira os óculos de leitura de cima da mesa. Thulin nunca tinha visto Genz assim. Estava simultaneamente sério e entusiasmado, e ela esperava uma razão mais sensacional para o seu sorriso do que apenas as impressões digitais que apareceram nesse momento no ecrã de alta definição na parede por cima da impressionante mesa de trabalho.
— Encontrei-as por acaso. Decidimos procurar impressões digitais no corpo, no local onde foi colocado, na eventualidade de o perpetrador se ter apoiado nos postes, se ter cortado num prego e coisas assim. Era, obviamente, uma tarefa impossível. Estavam cobertos de impressões digitais, provavelmente das muitas crianças que usam a casa de brincar. Mas, pelo mesmo motivo, também examinámos o pequeno boneco de castanhas, por estar tão perto do corpo.
— Genz, o que é assim tão importante?
— A impressão digital estava na castanha da parte inferior do boneco. A parte que forma o corpo. Foi a única impressão digital que encontrámos. Não sei se sabes isto, mas, no que diz respeito à identificação de impressões digitais, normalmente procuramos dez pontos da impressão digital para conseguirmos uma identificação. Nesta impressão, infelizmente, só conseguimos identificar cinco pontos, porque está sumida. Mas, em princípio, cinco pontos devem ser suficientes. Pelo menos houve vários casos em que…
— Suficientes para o quê, Genz?
Genz identificou os cinco pontos da impressão com a ajuda da sua caneta electrónica e da mesa de desenho digital da sua secretária, mas agora pousa a caneta e olha para Thulin.
— Desculpa. Suficientes para determinar que a impressão encontrada no boneco de castanhas, os cinco pontos identificados, é idêntica às impressões digitais de Kristine Hartung.
A informação apanha Thulin de surpresa, e, por um momento, esquece-se de respirar. Não sabe o que esperava ouvir Genz dizer, mas era pelo menos algo que estivesse no mesmo sistema solar que ela.
— A correspondência veio do computador, depois de terem sido identificados os cinco pontos. Isto acontece de forma completamente automática, porque o material está associado à base de dados com milhares de impressões de casos anteriores. Claro que é desejável ter mais pontos. Dez é o mais comum, mas, como te disse, cinco pontos são suficientes para…
— A Kristine Hartung foi dada como morta.
Thulin recompõe-se, e a sua voz soa irritada quando continua:
— A investigação concluiu que ela foi morta há pouco mais de um ano. O caso foi encerrado, e o perpetrador foi condenado.
— Eu sei.
Genz tira os óculos de leitura e fita-a.
— Estou apenas a dizer que a impressão…
— Mas tem de ser um erro.
— Não é um erro. Passei as últimas horas a repetir os testes, porque não queria dizer nada sem ter a certeza. Mas agora tenho-a. Temos uma correspondência de cinco pontos.
— Que programa está a usar?
Hess levantou-se do seu lugar em pano de fundo, onde estava sentado a olhar para o telemóvel, e Thulin nota que a sua expressão se tornou mais vigilante. Thulin ouve Genz explicar, com algumas reservas, o sistema dactiloscópico em que trabalha e ouve Hess constatar que é o mesmo sistema que a Europol usa para identificar impressões digitais.
Genz anima-se, surpreendido e feliz por o seu convidado o conhecer, mas Hess não mostra entusiasmo.
— Quem é a Kristine Hartung? — pergunta ele em vez disso.
Thulin ergue o olhar do ecrã com as impressões digitais e fixa os seus olhos azuis e verdes.