Para sua surpresa, Thulin parecia ter começado a divertir-se durante o jantar no apartamento familiar em Store Kongensgade. A família de Sebastian é uma família abastada e reconhecida de advogados, com o pai como o patriarca dominante. Há quase 10 anos, foi nomeado juiz, portanto, agora Sebastian e o irmão mais velho dirigem a firma de advogados, mas isso não significa que os irmãos estejam de acordo em relação a tudo. O que se tornou óbvio durante o jantar. Os comentários retrógrados e neoliberais do irmão mais velho sobre o Estado e a sociedade são contestados em volta da mesa, seguidos da rápida resposta de Sebastian e da lembrança sarcástica da cunhada de que a vida emocional do irmão mais velho acabou quando ele obteve a licença de advogado. O pai fez perguntas a Thulin sobre o seu trabalho no Departamento de Homicídios e elogiou-a por procurar a transferência para o NC3, que é obviamente o futuro, em comparação com o ultrapassado Departamento de Crimes Pessoais. O irmão mais velho, por outro lado, acredita que nenhum dos dois vai existir dali a vinte anos, quando toda a esquadra de polícia tiver sido privatizada. A meio do prato principal, começa a interessar-se pelo motivo por que Sebastian claramente não é atraente o bastante para fazer Thulin querer ir viver com ele.
— Talvez ele não seja homem suficiente para te dar o que desejas?
— É, sim. Prefiro usá-lo sexualmente do que arruinar o que temos com uma relação.
A resposta faz a mulher do irmão mais velho rir. Tanto que um pouco de vinho é entornado na camisa branca dele, que imediatamente começa a limpá-la com os guardanapos de tecido.
— Brindo a isso — diz ela, esvaziando o copo antes que os outros tenham tempo de lhe seguir o exemplo. Sebastian lança um sorriso a Thulin, e a mãe dele aperta-lhe a mão.
— É realmente um prazer conhecer-te, e também sei que o Sebastian está feliz.
— Mãe, relaxa.
— Mas eu não disse nada!
Os olhos dela são iguais aos de Sebastian. O mesmo brilho quente e escuro que Thulin notou quando estava no tribunal há mais de quatro meses, no julgamento de um caso que tinha investigado. Ver Sebastian Valeur interrogar as testemunhas foi como ver um fabuloso Tesla novo no museu de carros antigos, mas a impressão de que ele era arrogante fora rapidamente deitada por terra. Como advogado de um somali, defendera o seu cliente sem arrogância, mas, por outro lado, com tanta razão que persuadira o homem a declarar-se culpado dos maus-tratos à mulher de que fora acusado. Depois disso, Sebastian abordara-a do lado de fora do edifício, e, embora não tenha sido bem-sucedido quando a convidou para sair, ela sentira-se atraída por ele. Num final de tarde do início de Junho, ela aparecera sem aviso na firma de advogados da rua Amaliegade e baixara-lhe as calças quando estavam sozinhos no gabinete. Não pensara que aquilo se tornaria algo mais sério, mas o sexo fora surpreendentemente bom, e Sebastian percebera que ela não estava à procura de uma relação. Agora que está sentada à mesa a observar a sua excêntrica família, essa parte não lhe parece tão assustadora.
O toque ruidoso de um telemóvel interrompe as conversas à mesa, e Thulin tem de atender a chamada.
— Sim, está?
— É o Hess. Onde está o rapaz agora?
Thulin levanta-se e dirige-se para o corredor, para ter privacidade.
— O rapaz?
— O rapaz de Husum. Tenho de lhe perguntar uma coisa, e tem de ser agora.
— Não podes falar com ele agora. O médico disse que ele parece estar em choque, por isso foi levado para as Urgências.
— Onde?
— Porquê?
— Não importa. Deixa que eu descubro.
— Porque é que vais…
A chamada foi interrompida. Thulin fica parada por um instante, com o telemóvel na mão. O som das vozes à mesa continua, mas ela já não está a ouvir o que dizem. Quando Sebastian aparece e lhe pergunta se há algum problema, ela já vestiu o casaco e já se está a dirigir para a porta.