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A sétima entrevista do dia com a imprensa acaba de terminar, e Rosa atravessa apressadamente o corredor para o ministério com Engells, quando o seu telemóvel toca. Vê o nome do marido no ecrã enquanto veste o casaco, mas não tem tempo para atender porque o chefe do departamento vai agora transmitir-lhe os números do último relatório do Ministério dos Assuntos Sociais.

Todas as entrevistas correram bem. Ela falou da necessidade de todas as medidas e manifestou que tem grandes esperanças para a cooperação com o partido de apoio. Tudo aquilo deverá pressionar Bukke a ceder ao acordo. Respondera às perguntas difíceis, embora tenha exigido muito dela. «Qual é a sensação de estar de volta?», «Como é que isto mudou a sua vida?» e «Como está a lidar com um acontecimento tão terrível?». O mais estranho era que o jovem jornalista que lhe fez aquela última pergunta supunha que Rosa recuperara da perda da filha por ter voltado ao seu trabalho como ministra.

— Despacha-te! Para o ministro conseguir fazer isto, temos de ir já.

Liu está parada, impaciente, junto ao elevador e revê o relatório com os números de Engells, que deseja boa sorte a Rosa com uma palmadinha no ombro.

— Onde está o Vogel? — pergunta Rosa.

— Encontra-se connosco lá. Vai passar pela TV 2 primeiro, explica ele.

Tinham aceitado dar duas entrevistas em directo nos noticiários. A primeira na DR Byen, a segunda na TV 2, e o horário era apertado. Entram no elevador que conduz à saída das traseiras do ministério, onde é mais fácil o motorista apanhá-los, em comparação com a movimentada entrada principal. Liu carrega no botão do piso inferior.

— O primeiro-ministro foi informado dos desenvolvimentos, mas o Vogel disse que não quer confrontos com o Bukke.

— Não estamos em confronto com o Bukke, mas agora somos nós quem controla as coisas, não ele.

— Só estou a repetir o que o Vogel disse. E a forma como procederes agora é importante. Uma coisa é a imprensa escrita…

— Eu sei o que estou a fazer, Liu.

— Eu sei, mas é um programa em directo, e vão fazer-te perguntas sobre outras coisas para além da política. O Vogel pediu-me para te lembrar de que vão perguntar-te pelo teu regresso. Por outras palavras, vão fazer-te perguntas pessoais, e o Vogel não pode dar-te garantias de nada.

— Tem de ser feito. Se recuar agora, tudo terá sido em vão. Onde está o carro?

Rosa saiu do elevador e passou pelos seguranças da saída dos fundos, seguida por Liu. Agora estão ao vento, na rua Admiralgade, mas o carro da ministra não está à espera onde devia. Rosa percebe que Liu está surpreendida, mas, como sempre, finge ter tudo sob controlo.

— Espera aqui, que eu vou à procura dele. Ele costuma estacionar num parque nas traseiras quando não está de serviço.

Liu atravessa a correr o empedrado enquanto o procura, de um lado para o outro, e tira o telemóvel da mala. O telemóvel de Rosa volta a tocar, e ela atende-o enquanto segue a secretária do ministério. O vento é frio e, quando ela passa pela rua Boldhusgade, consegue ver Christiansborg no outro lado do canal.

— Olá, querido. Não tenho muito tempo. Estou a caminho da DR e tenho de me preparar no carro.

A ligação está má e mal consegue ouvi-lo. A voz dele parece perturbada e confusa, e a princípio só consegue perceber as palavras «importante» e «Mathilde». Repete o que disse e tenta explicar-lhe que não consegue ouvi-lo, mas ele está ansioso para lhe contar algo. Junto ao portão para o pátio das traseiras, Rosa vê subitamente Liu, que fala animadamente com o motorista do ministério, que, por algum motivo, não levou o carro até elas.

— Steen, agora não é a melhor altura. Tenho de desligar.

— Ouve-me!

A qualidade da chamada melhora subitamente, e a voz de Steen torna-se clara e audível.

— Disseste à polícia que elas se sentavam a fazer bonecos de castanhas. Mas talvez te tenhas lembrado mal.

— Steen, agora não posso falar.

— Acabo de falar com a Mathilde. Ela disse que elas não fizeram bonecos de castanhas no ano passado. Fizeram animais e aranhas e outras figuras, mas não figuras humanas. Como é que as impressões digitais da Kristine podem ter aparecido num? Entendes o que estou a dizer?

Rosa pára porque a voz de Steen se desvanece novamente.

— Estou? Steen?

Ela sente um nó no estômago, mas a ligação está fraca, e logo em seguida ouve o apito que indica que a chamada caiu. Começa a avançar, hesitante, na direcção de Liu, que está em silêncio e focada em algo no interior do pátio. Liu ergue o olhar, quando o motorista lhe dá um toque no braço e acena com a cabeça na direcção de Rosa.

— Anda, é melhor irmos de táxi.

— Preciso só de ligar ao Steen. Porque não podemos ir de carro?

— Explico-te no caminho. Vamos.

— Não, o que se passa?

— Vamos, temos de nos apressar!

Mas é tarde demais. Rosa vê o carro do ministério no pátio das traseiras. O pára-brisas está partido. Grandes letras distorcidas estão impressas a vermelho no capô. Parece que alguém as escreveu com sangue, e ela fica rígida de choque quando percebe a palavra que as letras formam: assassina.

Liu pega-lhe no braço e leva-a para longe dali.

— Eu disse-lhe para chamar a segurança. Temos de ir.