Anne Sejer-Lassen corre o mais depressa que consegue pelo meio da escuridão enquanto os ramos a atingem no rosto. Sente os rebentos e as raízes a cravarem-se-lhe nos pés descalços, mas continua a correr, com todas as forças que tem, enquanto as pernas começam a encher-se de cãibras. A cada momento, espera reconhecer algum detalhe no bosque, um lugar que conheça bem, mas só encontra escuridão e o som da sua respiração e dos ramos que se partem.
Pára junto de uma árvore grande. Encosta-se à casca húmida e fria e tenta controlar a respiração e ouvir os sons do bosque. Tem o coração a mil e está à beira das lágrimas. Muito longe dali, pensa ouvir vozes, mas não consegue orientar-se, e, se gritar, o perseguidor pode ouvi-la. Sabe que percorreu uma grande distância e tenta perceber se o seu perseguidor poderá ter conseguido acompanhar o seu ritmo e seguido a mesma direcção. Está perdida, mas, quando olha para trás, não vê a luz de nenhuma lanterna, nem ruídos ou movimentos na escuridão, e isso só pode significar que escapou.
À sua frente, muito longe, no meio das árvores, vê subitamente luz. A luz descreve um arco lento, e rapidamente detecta o ruído de um motor. Percebe imediatamente onde está. A luz só pode estar a vir de um carro a percorrer a pequena estrada que começa lá em cima, junto à rotunda, e desce até à água. Ela flecte os músculos, enche-se de coragem e começa a correr. Está a cerca de 150 metros da estrada, mas sabe exactamente onde ela bifurca, portanto, pode interceptar o carro. Só mais 50 metros e vai começar a gritar. Agora faltam apenas 30 metros, e, mesmo com o carro em andamento, o condutor vai conseguir ouvir a sua voz, e o perseguidor vai ter de desistir.
O pau acerta-lhe de frente. Algo lhe bateu no rosto, e ela percebe imediatamente que ele devia estar à sua frente, à espera de que ela reagisse à luz do carro. Sente o chão do bosque por baixo de si e o sabor a ferro espalhar-se pela boca. Cai de joelhos, o pau com uma bola na ponta acerta-lhe novamente no rosto, e ela cai de gatas e começa a soluçar.
— Tudo bem, Anne?
A voz sussurra-lhe junto ao ouvido, mas, antes que ela tenha tempo de responder, os golpes começam a atingi-la. Nos segundos entre eles, ouve-se a chorar e a perguntar porquê. Porquê ela? O que é que ela fez? Quando a voz lhe responde, ela perde as forças. Uma bota prende-lhe o braço ao chão, e sente uma lâmina junto ao pulso. Começa a implorar pela vida. Não por si, mas pelas crianças. Por um momento, é como se a figura se controlasse, e Anne sente uma carícia no rosto.