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A voz está por toda a parte, na escuridão. Sussurra suavemente e troça dela — agarra-a quando ela cai e fá-la rodopiar ao vento. Laura Kjær já não consegue ver. Já não consegue ouvir o sussurro das folhas das árvores nem sentir a relva fria debaixo dos pés. A única coisa que resta é a voz, que continua a sussurrar entre os golpes do pau. Pensa que, se parar de resistir, a voz pode parar, mas não pára. Continua, bem como os golpes, até que ela já não consegue mexer-se. Tarde demais, repara nas pontas aguçadas de um instrumento junto ao seu pulso e, antes de perder a consciência, ouve o som eléctrico da serra que é ligada e começa a cortar-lhe o osso.

Depois disso, não sabe quanto tempo esteve ausente. A escuridão ainda lá está. A voz também, e é como se estivesse à espera de que ela regressasse.

— Estás bem, Laura?

O tom é suave e frio, e a voz soa demasiado próxima do seu ouvido. Mas a voz não espera respostas. Por um momento, removeu o que estava a cobrir-lhe a boca, e Laura Kjær ouve-se a pedir e a implorar. Não compreende nada. É capaz de fazer qualquer coisa. Porquê ela — o que fez ela?

A voz diz que ela sabe bem. Curva-se, muito próxima, e sussurra-lhe ao ouvido, e ela percebe que ele esteve à espera daquele momento. Tem de se concentrar para ouvir as palavras. Compreende o que a voz diz, mas não consegue acreditar. A dor é demasiado grande, maior que todos os ferimentos juntos. Não pode ser isso. Não pode mesmo ser isso. Ela afasta de si as palavras como parte da loucura que a rodeia. Quer erguer-se e lutar, mas o seu corpo cede, e ela soluça histericamente. Já o sabia há algum tempo, mas ao mesmo tempo não sabia, e só quando a voz lho sussurra é que percebe que é verdade. Quer gritar o mais alto que pode, mas já sente o conteúdo do estômago a subir-lhe à garganta e, quando o pau lhe toca na face, perde todas as forças e mergulha novamente na escuridão.