A agente de comunicação da esquadra tenta dizer-lhe como deve agir, mas Nylander descarta essa oportunidade e diz que se amanha sozinho. Normalmente, demoraria o seu tempo, porque gostara dela desde que ela começara a trabalhar no departamento e a entrar e a sair do seu gabinete com bons conselhos. Mas, neste momento, desce as escadas para o átrio e vai aproveitar o resto do caminho para organizar as ideias antes da reunião com a imprensa, e os três anos que ela passou a beber caffé latte e a ter sexo sem compromisso enquanto estudava Comunicação na Universidade de Njalsgade não iam ajudá-lo. Pelo menos não depois da reunião que tivera com Hess e Thulin no seu gabinete.
Antes de Nylander sair porta fora e para o pátio, é informado de que a ministra Rosa Hartung teve uma vaga na sua agenda e vai a caminho da esquadra, e dá instruções específicas para que ela e o marido sejam conduzidos para a entrada dos fundos e que só falem com ele pessoalmente.
Foi o próprio Hess que sugerira que ele, Nylander e Thulin fossem ao seu gabinete depois do briefing, para a conversa ser privada. Ali, Hess pusera as fotografias dos locais do crime de Laura Kjær e Anne Sejer-Lassen em cima da secretária de Nylander.
— A primeira vítima tinha uma mão amputada. A segunda tinha as duas mãos amputadas. É possível que o perpetrador até tivesse desfigurado mais Anne Sejer-Lassen se não tivesse sido interrompido por nós, mas e se a intenção fosse encontrarmos as vítimas tal como as encontrámos?
— Não entendo. Vá directo ao assunto que não tenho tempo — disse Nylander.
Thulin, que obviamente fora orientada por Hess antes da reunião, mostrou-lhe dois grandes planos dos bonecos de castanhas que Nylander já estava farto de ver:
— Um boneco de castanhas é composto por uma cabeça e um corpo. A cabeça tem olhos que foram feitos com uma agulha ou um objecto semelhante, e o corpo tem quatro fósforos que formam os braços e as pernas da figura. Mas um boneco de castanhas não tem mãos. Nem pés.
Nylander ficou em silêncio e olha para os bonecos de castanhas e para os seus braços rígidos nas fotografias. Por um momento, sentiu que estava a ler uma história num infantário e não sabia se havia de rir ou chorar.
— Não estão a dizer o que eu penso que estão a dizer.
Era uma ideia doentia. Ficava nauseado só de pensar nisso, mas Nylander entendeu subitamente a que Hess se referia quando, durante a reunião, dissera que deviam tentar evitar futuros homicídios. Nenhum deles lhe respondera, mas a ideia de um perpetrador poder estar a fazer um boneco de carne e osso era difícil de esquecer.
Hess mencinou novamente a necessidade de reabrir o caso Hartung. Sempre usara a palavra «vocês» quando falava da investigação — «vocês precisam de» ou «vocês têm de encarar a possibilidade de» —, até que Nylander deixou claras duas coisas. Primeiro, Hess estava naquele departamento nos mesmos termos que os outros investigadores, e, tanto quando Nylander sabia, ninguém estava a reclamar a sua presença em Haia. Pelo contrário. Segundo, era completamente impensável reabrir o caso Hartung. Independentemente do que as impressões digitais viessem a revelar, o caso Hartung estava encerrado. Havia uma confissão e havia um veredicto, e ninguém ia virar a investigação nessa direcção. Pelo mesmo motivo, Nylander decidira falar pessoalmente com o casal Hartung sobre as novas impressões digitais. Não podiam dramatizar a descoberta, e, além disso, os serviços de informação haviam-lhe dito que a ministra já tinha muito com que se preocupar, porque uma ou mais pessoas desconhecidas a tinham assediado e partido o vidro do carro do ministério e coberto o capô com sangue de um animal.
Nylander não via necessidade de informar Hess e Thulin disto, e quase pusera Hess fora da sala para poder falar a sós com Thulin. Perguntara-lhe directamente se Hess era suficientemente estável para trabalhar naquele caso, e tinha motivos para fazer a pergunta. Por um antigo processo, soubera o trágico motivo que levara Hess a deixar o departamento no passado, e, embora o homem tivesse desenvolvido uma vasta experiência na Europol, os seus actuais problemas com as autoridades indicavam que os seus bons tempos eram coisa do passado.
Mas Thulin respondera afirmativamente — embora fosse claro que não gostava do tipo. Em seguida, ele informara-a de que ela e Hess deveriam continuar a trabalhar com base na premissa de que, ao menor sinal de problemas da parte de Hess, ele seria informado imediatamente. Claro que Nylander acrescentou que deveriam esperar até tudo estar mais calmo para fazer a recomendação para o NC3 e sabia que Thulin entenderia que a lealdade era uma das condições pra conseguir a recomendação, que era exactamente o que pretendia.
Nylander sai da esquadra e enfrenta os abutres que ali esperam, na esperança de verem alguém cair da janela. Foi ele que teve a ideia de ter o confronto ali, numa conferência de imprensa, porque em frente ao edifício era mais fácil terminar e retirar-se. Mas, quando os flashes são apontados ao seu rosto, sente-se entrar no velho ritmo e dá-se conta de que sentiu falta da atenção. Isto é o que ele sabe fazer. Pode ser o seu cargo que está em jogo, mas também tem muito a ganhar. Nos próximos dias, vai ser com ele que todos quererão falar, e, com o interesse dado a este caso, pode vir a oportunidade que Nylander aguardava. Se algo correr mal, até pode ser conveniente ter Mark Hess à mão.