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Todas as pessoas que visitam a secção pediátrica do Rigshospitalet, em Blegdamsvej, param para olhar para a parede coberta de inúmeros desenhos coloridos que adornam a entrada. Hess não é excepção. Tanta alegria e dor reunidas num mesmo lugar, e Hess não consegue desviar o olhar, enquanto Thulin se dirige à recepção para anunciar a sua chegada.

Quando Erik Sejer-Lassen mencionou que a filha fora admitida na secção pediátrica, ambos se lembraram de um aviso que estava pendurado no quadro de anúncios da cozinha de Laura Kjær. No caminho de regresso até à cidade, Hess ligara para o departamento e confirmara que tanto o filho de Laura Kjær como a filha mais velha de Anne Sejer-Lassen tinham sido hospitalizados, mas a enfermeira com quem falou não soube confirmar imediatamente se as crianças tinham estado hospitalizadas no mesmo intervalo de tempo. Agora estavam ali, principalmente porque era o único denominador comum que tinham encontrado e porque o Rigshospitalet ficava a caminho da esquadra. Até agora, o dia não produzira resultados úteis, e a mensagem de Nylander que receberam no carro a dizer que Rosa Hartung e o marido não tinham dado informações novas pertinentes para o caso de Anne Sejer-Lassen não ajudou a melhorar o ambiente.

Hess vê Thulin a regressar da recepção, mas ela evita o seu olhar inquisitivo e dirige-se para o termos com café que é oferecido aos visitantes.

— Vão tentar contactar o médico responsável que, segundo os registos, foi quem tratou as duas crianças.

— Então vamos falar com ele agora?

— Não sei. Se tiveres de ir a algum lado, não me importo.

Hess não responde. Em vez disso, olha em volta com impaciência. Por toda a parte, no corredor e na sala de recreio, há crianças feridas. Crianças com arranhões na cara, com braços ao peito ou pernas engessadas. Crianças carecas, crianças em cadeiras de rodas e crianças a andarem de um lado para o outro com uma linha de soro presa ao braço. No meio de tudo aquilo há uma sala de actividades com grandes janelas de vidro e uma porta azul com autocolantes em forma de balões e de ramos de Outono. O som de vozes de crianças a cantar faz Hess aproximar-se da porta. No interior da sala há duas crianças mais velhas a desenhar num canto, enquanto do outro lado há um grupo de crianças mais pequenas sentadas num semicírculo, em banquinhos de plástico colorido. As crianças no semicírculo cantam voltadas para uma educadora que está de joelhos enquanto segura na mão uma prancha com um desenho de uma maçã vermelha.

«Homem das maçãs, entra, homem das maçãs, entra. Tens maçãs — para mim hoje —, obrigadaaaa…»

A educadora faz um aceno encorajador para as crianças e, quando já arrastaram todas as sílabas das últimas palavras da canção de Outono, troca a prancha da maçã por uma com um desenho de uma castanha.

— E outra vez!

«Homem das castanhas, entra, homem das castanhas, entra. Tens castanhas…»

As palavras provocam um arrepio na espinha de Hess. Quando se afasta da porta, percebe que Thulin está a observá-lo.

— O senhores são os pais do Oskar, que foi mandado para o raio X?

Uma enfermeira acaba de entrar. Thulin, bebendo café de um copo de plástico, engasga-se e começa a tossir.

— Não, não somos nós — responde Hess. — Somos da polícia. Estamos à espera do médico responsável.

— Infelizmente, o doutor está numa visita aos doentes.

A enfermeira é bonita. Morena, de olhos brilhantes e com cabelo comprido preso num rabo-de-cavalo. Está na casa dos trinta, mas a expressão séria fá-la parecer mais velha.

— O doutor vai ter de a interromper. Diga-lhe que temos pressa.