A luz do dia já desapareceu no bairro residencial de Husum. Os candeeiros de rua foram acendidos nas ruas estreitas e adequadas para famílias com crianças, com limites de velocidade e lombas, e os jardins são iluminados por cozinhas animadas, onde as pessoas estão provavelmente a preparar o jantar e a falar do seu dia de trabalho. Quando Thulin sai do carro de serviço em Cedervanget, até sente o cheiro a almôndegas vindo da chaminé da casa dos vizinhos da família Kjær, e a casa branca com a garagem e o número 7 na caixa do correio têm um aspecto triste e abandonado.
Thulin acaba de ouvir os comentários zangados de Nylander ao telefone e corre atrás de Hess, debaixo de chuva e em direcção à porta principal.
— Tens a chave?
Hess estende-lhe a mão. Chegaram à entrada selada com a característica fita amarela da polícia, e Thulin encontra a chave no bolso do casaco.
— Disseste que o município investigou a casa no seguimento de uma denúncia anónima contra Laura Kjær, mas que não encontraram motivo para crer que a denúncia era fundamentada?
— Sim, está correcto. Chega-te para o lado. Estás a bloquear a luz.
Hess tirou-lhe a chave da mão e tenta abrir a fechadura sob a luz fraca de um candeeiro de rua.
— O que estamos a fazer aqui?
— Já te disse. Só quero ver a casa.
— Eu já vi a casa. Repetidas vezes!
Quando Thulin falou com Nylander há pouco, ficara frustrado com os resultados daquele dia, ou melhor, com a falta deles, e não entendeu porque estavam a ir novamente a Cedervanget. Thulin também não entendia. Segundo o advogado de Hans Henrik Hauge, ele tinha um álibi para a hora da morte de Anne Sejer-Lassen, mas Thulin aceitara ainda assim, e agora estava naquela casa escura, onde tudo começara, uma semana antes.
Hess falara-lhe da conversa com o gestor de caso do município de Copenhaga, a quem ligara do parque de estacionamento depois da conversa com o médico. Enquanto ainda estavam sentados no carro, com a chuva a bater no pára-brisas, ela soube do e-mail anónimo que acusara Laura Kjær de ser tão má mãe que a pessoa dizia que o rapaz devia ser retirado de casa. O município investigara o caso, e a denúncia revelara-se infundada e considerada um possível caso de assédio, e, para Thulin, o interesse terminava ali. Era surpreendente que Laura Kjær, aparentemente, só tivesse mencionado a denúncia ao médico do hospital, mas, por outro lado, era fácil de entender: Laura Kjær tinha um filho que, segundo a avaliação do médico, sofria de autismo, e o comportamento do rapaz como fora descrito, por exemplo, pela escola, podia ter levado à ideia errada de que a mãe não cuidava bem dele. E isso poderia ter levado alguém a escrever a denúncia ao município. E Laura Kjær não tinha como saber se o autor da denúncia fazia parte do seu círculo de amigos, da escola ou se era um dos seus colegas, portanto, não era estranho que se tivesse mantido calada. Fosse como fosse, ela fizera obviamente tudo o que uma mãe pode fazer para ajudar o filho, e, embora Thulin não gostasse de Hans Henrik Hauge, tinha de admitir que tudo indicava que o padrasto fora uma fonte de apoio. Então, para que podiam usar a informação da denúncia? O gestor de caso também negara haver uma denúncia correspondente a Anne Sejer-Lassen, pelo que não havia um denominador comum, e isso significava que não fazia sentido investigar aquela pista.
Não obstante, Hess queria ir à casa de Laura Kjær, e Thulin arrependeu-se de não ter pedido a Nylander, na reunião daquela manhã, para retirar aquele homem da investigação do caso. Não era cega nem surda em relação à profecia de Hess de que o assassino estava apenas a começar e sentiu instintivamente a ameaça quando estavam no bosque junto ao corpo de Anne Sejer-Lassen. Mas tinham investigado de forma diferente, e não lhe agradava a ideia de que devia agir e contar a Nylander se Hess começasse a ir na direcção errada e a meter-se no caso Hartung. Mesmo sendo uma condição para a sua recomendação para o NC3.
— Estamos à procura de um perpetrador de dois homicídios, e tu próprio dizes que há a possibilidade de acontecerem mais, portanto, para que haveríamos de desperdiçar tempo a investigar uma casa que já foi investigada!?
— Não tens de vir. Na verdade, seria uma grande ajuda se perguntasses aos vizinhos se sabiam da denúncia ou se sabem quem pode tê-la enviado. Assim avançamos mais depressa, não é?
— Porque haveria de lhes perguntar?
A fita parte-se, e Hess abre a porta e entra para se abrigar da chuva. Fecha a porta atrás de si, mas a chuva continua a cair e obriga Thulin a correr até à primeira casa.